Fascistas!

April 15th, 2000 by Sergio de Biasi

Um articulista defende na internet a política de privatização de empresas estatais do governo federal. Resultado : chega um email chamando-o de “FASCISTA” e pedindo a sua morte(!).

Um grupo de alunos de uma universidade escreve um editorial declarando que a coletividade não tem consciência moral e que sem o pensamento individual não há pensamento algum. Resultado : um grupinho de ativistas cerca-os berrando “FASCISTAS” e ameaçando-os de agressão física.

Roberto Campos escreve na sua coluna que o excesso de legislação social provoca desemprego e que empresários e assalariados deveriam ter a liberdade de se entenderem sozinhos. Resultado : militantes do PT repetem aos quatro ventos “é mesmo um FASCISTA”.

Alguns funcionários do estado resolvem declarar que talvez a proibição total da posse de armas pelos cidadãos não seja uma idéia assim tão boa. Resultado : a mídia os execra, denunciando, “FASCISTAS!”.

Eu poderia continuar com mais páginas e páginas de exemplos, mas depois da terceira ou quarta situação já me sinto meio confuso; será que eu não sei mais o que é fascismo? Sinto vontade de correr até um dicionário.

Para ilustração de todos nós, efetivamente o faço. Aqui está o que o Aurélio tem a dizer sobre o assunto :

FASCISMO
[Do it. Fascismo]
S.m.
1. Sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático, liderado por Benito Mussolini (1883-1945) na Itália, e que tinha por emblema o feixe (em it., fascio) de varas dos antigos lictores romanos.
2. Atitude ou procedimento próprio de fascista.

Minha confusão aumenta. Será que eu não consigo mais entender o que está escrito?

Não é possível. Analisemos com mais cuidado. O Aurélio é por demais sucinto, vou consultar a Enciclopédia Britânica. Pois não é que lá está escrito o seguinte?

“Fascismo – Atitude política e movimento de massa que tendeu a dominar a vida política na Europa central, meridional e centro-oriental entre 1919 e 1944. Comum a todos os movimentos fascistas era a ênfase na nação como centro regulador de toda a história e vida e na autoridade indiscutível do líder por trás do qual o povo deveria formar uma unidade inquebrantável.”

Pois bem, então não tem jeito. Digam-me como, diante disso, alguém que defende a privatização de estatais é rotulado como FASCISTA – e ainda por cima justamente sob a alegação de que com isso estaria ameaçando a soberania de nosso país? Como é que pode alguém que está pregando o enfraquecimento do poder estatal ser acusado de defender totalitarismo nacionalista? Continuemos.

“O fascismo rejeitava as principais correntes filosóficas dos séculos 18 e 19, o ‘espírito’ das revoluções americana e francesa com sua ênfase na liberdade individual e na igualdade de homens e raças. A mensagem do Iluminismo havia servido para aumentar a dignidade do indivíduo e havia enfatizado a abertura em uma sociedade secularizada. Em contraste, o fascismo pregava a soberania suprema da nação como um valor absoluto (…) com completa coordenação de todo o pensamento e atividades intelectuais e políticas contra o individualismo moderno e o ceticismo científico.”

Diante disso, me expliquem, por favor, como é que alguém que se dá ao trabalho de escrever um manifesto a favor da defesa da possibilidade de pensamento individual pode ser execrado como FASCISTA?

Mas não nos precipitemos. Há mais. Quanto à legislação social, qual era mesmo a posição do fascismo? Vamos refrescar a nossa memória.

“Corporativismo – A teoria e a prática de organizar a sociedade como um todo em ‘corporações’ subordinadas ao estado. De acordo com a teoria, os trabalhadores e empregados seriam organizados em corporações industriais e profissionais que serviriam como órgãos de representação política e que controlariam em um grau considerável as pessoas e atividades dentro de sua jurisdição. Na prática, entretanto, como o ‘estado corporativo’ foi concretizado na Itália fascista entre a primeira e a segunda guerra mundial, ele refletiu a vontade do ditador muito mais do que um ajuste de interesses entre os grupos econômicos.”

Agora deixe-me entender. O Roberto Campos diz que o estado tem que se meter o mínimo possível nas relações de trabalho entre empresários e assalariados – e é chamado de FASCISTA? Justamente um sistema que prega total interferência do estado nesse processo? Será que alguém sonha que Roberto Campos acharia o corporativismo longinquamente desejável?

Nos resta, dos exemplos citados no início, a questão da proibição de armas. Quanto a essa, sinto muito – já dediquei um artigo inteiro ao assunto. Para quem não o leu, basta reiterar que é uma das primeiras coisas que qualquer governo com tendências FASCISTAS busca controlar – por motivos óbvios.

Digam-me agora : sou eu quem não sabe o que é fascismo ou a palavra tem sido muito mal usada?

Talvez, para não classificar os autores desse tipo de rotulação como ignorantes, burros ou malucos, possamos imaginar que eles acreditem que “fascista” seja simplesmente um palavrão para significar “O MAL”. Até aí, a única conseqüência seria esvaziar um pouco o conteúdo de suas críticas; seu discurso seria algo na linha “o que você defende está errado, seu cachorro” – sem que com isso estejam realmente querendo dizer que o alvo de suas críticas seja efetivamente um cachorro.

Porém, a partir do momento em que começam a defender que os “cachorros” sejam concretamente levados pela carrocinha, entramos no terreno do surreal. E torna-se necessário fazer um chamamento de volta à realidade – acordem! Acordem, pois que enquanto chamam, dedo em riste, focinho de porco de tomada e se sentem grandes heróis com isso, estão se tornando aquilo que, se levados a sério, deveriam desprezar.

Pois senão vejamos, o fascismo é um sistema político coletivizante que se opõe às liberdades individuais, que defende o fortalecimento do estado e a defesa de sua soberania acima de tudo. Seu discurso é nacionalista ao extremo e freqüentemente xenófobo. Sua política para as relações de trabalho é se meter diretamente em cada detalhe, regulamentar tudo e obrigar todos a pertencerem a sindicatos, comumente estabelecendo contratos conjuntos para categorias inteiras. Hmmm, soa incomodamente familiar.

Surpresa, no final das contas, quem é que tem jeito de fascista, discurso de fascista, comportamento de fascista? Eu lhes digo! São vocês, seus insconscientes irresponsáveis! Vocês, que, entorpecidos por slogans imbecis como “imperialismo ianque” passam a achar lindo ver gente humilde instada a brigar com a polícia, e bradam pela morte dos “canalhas fascistas” que acham que isso tudo talvez seja uma grande estupidez.

One Response to “Fascistas!”

  1. Muito muito bom. Criei um link no meu blog para o seu blog. Muito bom seu blog. SAbe que outro dia eu tava conversando com um colega comunista e quando eu disse que eu me preocupava com minha felicidade enquanto indivíduo ele quase me chamou de fascista? É a vida.

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