Definições Políticas

January 3rd, 2010 by Sergio de Biasi

Recentemente o Mosca Azul publicou um curto texto intitulado “Definições Políticas” que tem um trecho muito bem sacado que diz assim :

O Estado é um mal necessário, isso significa que funcionam como remédios: há contra-indicação. O liberal procura tomar o que for mais eficiente, com o mínimo de efeitos colaterais, se for o caso. Onde se verifica que o corpo (social) pode reagir sozinho, a intervenção deve cessar imediatamente.

A social-democracia é a doutrina hipocondríaca, quer tratar resfriado à base de quimioterapia – só se difere do socialismo, pois este acredita que os anticorpos são o câncer. Os social-democratas mais razoáveis entendem que medicações devem ser melhor dosadas, pois reconhecem outros riscos e altos custos inerentes a elas, mas sempre haverá de bater neles o coração de Dr. Frankenstein.

O anarco-capitalismo, por sua vez, decidiu tomar caldo de galinha para acabar com doenças incuráveis. Não fazem a menor diferença até o momento em que resolvem que caldo de galinha é bom para tudo, aí enchem o saco.

A idéia é boa e dá vontade de expandir. Fiquei então pensando em como acrescentar mais umas linhas à metáfora. Então lá vai.

A alemanha nazista é um sujeito que passou a noite inteira bebendo, acordou com uma ressaca do caramba, e então foi engambelado por um charlatão que achava que a solução radical era amputar parte do cérebro e costurar novas pernas e braços ao corpo. Decididamente Frankensteiniano. Os vizinhos se levantaram com tochas para linchar o monstro.

Já os comunistas soviéticos passaram décadas tentando curar resfriado com uma mistura de antibióticos e esteróides anabolizantes, um dia perceberam que como seu resultado seu cabelo estava caindo, estavam pesando 150 quilos e tinham manchas esquisitas na testa, e resolveram experimentar um pouco de caldo de galinha. Estavam tão desacostumados que tiveram choque anafilático, entraram em convulsão, perderam 50 quilos e agora resolveram recorrer à homeopatia. A qual se não faz bem pelo menos não faz mal. Quer dizer, isso oficialmente. Na hora H se dá uma tossezinha eles bem que tomam lá seus antibióticos pra garganta deixar de ser besta.

Os comunistas chineses também passaram décadas na base de doses maciças de antibióticos e esteróides anabolizantes, também perceberam que estavam ficando meio carecas e gordos, e resolveram recorrer à lipoaspiração para remover a gordura extra. Meio que funcionou, mas não sem efeitos colaterais, e começaram a cogitar se bom mesmo não era comer direito. Resolveram ver qual era a do caldo de galinha, mas foram mais cuidadosos e tomaram só um pouquinho e só no domingo. Mas aí viram que era excelente e decidiram tomar caldo de galinha todo dia injetado na veia com uma seringa. E sem abandonar os antibióticos e esteróides anabolizantes. Deu “certo” no mesmo sentido em que frangos criados amontoados um sobre os outros banhados em antibióticos crescem mais rápido, ficam maiores e tudo com um custo menor. Se fazer isso com frangos já dá em algumas besteiras, aplicar o mesmo sistema a pessoas pode não ser a idéia mais saudável do mundo. Mas que tem funcionado, isso tem. A China é hoje a terceira maior economia do mundo.

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Aliás, vou fazer uns comentarios adicionais aqui. Eu divido o meu escritório com uma chinesa vinda diretamente da República Popular da China. Um dia eu perguntei a ela se ela não sentiu um grande contraste em termos de liberdade ao vir para os EUA e coisa e tal. Ela respondeu que não, que esse negócio de repressão era exagerado na imprensa ocidental. Que lá ela tinha liberdade de viver a vida dela em paz. Aí eu perguntei “Tá, mas se você for na praça discursar contra o governo não vai acontecer nada?” e ela disse “Ah, isso é claro que não pode, mas por que eu iria querer fazer isso?”. :-) Então vocês vejam, sintomático, sintomático… as pessoas introjetam essas coisas. Experiência semelhante eu tive quando perguntei para uma russa vinda da Sibéria se ela se sentiu mais livre depois da queda do regime comunista. Ela disse que não, que pelo contrário, antes ela sabia que sempre poderia contar com aluguel subsidiado e coisa e tal e não precisava ter medo do futuro. Mas agora se ela não achasse formas de ganhar dinheiro suficiente estaria em maus lençóis. Então eu perguntei sobre liberdade de expressar publicamente opiniões políticas e coisa e tal e ela teve a mesma reação da chinesa : “Expressar publicamente opiniões políticas? Por que eu quereria fazer isso?”

34 Responses to “Definições Políticas”

  1. Vitor says:

    De fato eu conheci muitos chineses inteligentes que não percebem a censura que sofrem, elogiando o governo e não conseguindo exatamente enxergar que os direitos que eles perdem têm sim seu valor. O governo chinês pode incomodar uma família cujo filho adolescente se atrapalhou um pouco na escolha das companhias e acabou sendo condenado à morte por tráfico de drogas… mas a grande maioria da população, que não é diretamente afetada por essa injustiça, pensa que o governo tem razão em suas atitudes.
    E o mais engraçado é que mesmo viajando o mundo e entrando em contato com toda a liberdade ocidental, eles ainda acham que a situação na China é coerente e não nos invejam em absoluto. A única coisa que me surpreende mais do que isso são os fundamentalistas islâmicos que moram na Europa por décadas e ainda acreditam até nos mais violentos e primitivos ensinamentos de suas religiões. É a prova de que apenas exposição a novas idéias não é suficiente para o repensar de outras.

    • Oi Vitor,

      Pois é! Em parte isso é devido a um dos maiores problemas enfrentados pelos libertários – o de que certas pessoas *não querem* ser livres. Elas querem alguém lhes dizendo o que fazer e o que pensar. Vide Manderlay. Mas isso é só em parte mesmo; é também devido ao fato de que as pessoas têm uma tendência fortíssima a quererem manter aquilo com que estão acostumadas, seja o que for, e estão dispostas a grandes absurdos para manter as coisas do jeito que conhecem. As famílias também tendem a ter uma influência decisiva sobre isso tudo.

      Mas veja só, se por um lado todas essas pessoas vêm para os EUA e não se sentem “liberadas” de coisa alguma, elas de fato vêm do mundo inteiro e ao chegarem aqui são deixadas livres para acreditarem no que quiserem, e não se sentem oprimidas ou perseguidas. Agora experimente o contrário. Experimente todas essas pessoas de várias nacionalidades sendo levadas para o país de origem de uma delas – China, Rússia, Irã, Arábia Saudita… para ver se seria permitido que continuassem agindo como em seu país de origem ou sustentando os mesmos valores.

      Aliás, é absolutamente impressionante a facilidade com que as mesmas pessoas que querem – legitimamente – liberdade para viverem sua vida do jeito que acharem melhor e segundo os valores que acharem melhor, essas mesmas pessoas freqüentemente saem do seu caminho para querer eliminar essa mesma liberdade para outros com crenças e valores diferentes.

      Saudações,
      Sergio

      • Claudio says:

        Isso daria até um – triste – bumper sticker:

        “Liberty is overrated”

        :-)

        • Oi Claudio,

          Pois é, eu não concordo que seja, mas para uma fração das pessoas pode ser que seja extremamente difícil de enxergar as vantagens e a dignidade decorrentes de serem livres, ou as vantagens e dignidade decorrentes de deixarem os outros serem livres…

          Saudações,
          Sergio

          • Claudio says:

            E não é uma fração pequena. Olhando pelo lado estrito da coisa, a liberdade deve permitir que a pessoa abra mão da sua própria em troca de algo que ela considere de maior valor, que é o que acaba acontecendo na maioria das vezes. O chato é quando essas pessoas têm o poder de tornar menos livres outras pessoas que não compartilham da mesma escala de valores, que é o que acontece nos sistemas de governo baseados em sufrágio.

            • Oi Claudio,

              Pois é, este é um problema que os libertários recorrentemente enfrentam. O sistema nazista, ou comunista, ou fascista, ou outros similares, não prevê que se um número suficiente de pessoas não concordarem elas podem mudar pacificamente o sistema. Já um sistema com tendências libertárias tende a por coerência aceitar que se todos querem um governo nazista então ok, poder para o partido nazista. Assim sendo, a democracia e a tolerância contêm em si as sementes potenciais da própria destruição. E nos defrontamos com a questão de que tentar salvar as pessoas de si mesmas tende a ser uma luta inglória. No final das contas o que acabamos percebendo quase universalmente é que o problema mesmo são as pessoas muito mais do que o sistema. Mas como reformar as mentes das pessoas à força? Para um nazista ou comunista isso não apresenta qualquer problema, já para um libertário isso não é aceitável.

              Saudações,
              Sergio

              • Claudio says:

                Acho um problema meio que sem solução, “Salvar as pessoas de si mesmas” não seria algo libertário. O problema é salvar as demais pessoas de quem não vê problema em abrir mão da liberdade em troca de subsídio de aluguel, por exemplo. Um esquema de sufrágio já mostrou que não funciona, pelo menos não com grande parcela da população deseducada – no sentido de ignorante mesmo. Veja que não falo de escolaridade, porque conheço muita gente com nível superior que abriria mão de sua liberdade num piscar de olhos. O ideal seria haver um conjunto de leis imutáveis e inegociáveis, mas elas teriam que ser promulgadas por alguém e este alguém seria escolhido pelo voto (o que resulta no que já conhecemos) ou um ditador libertário, se é que isso existe. :-)

                • Acho que a coisa mais próxima de “ditadores libertários” que já houve na história da humanidade foram os founding fathers americanos. :-) E seu legado de leis “imutáveis e inegociáveis” foi consolidado na bill of rights. Mas sim, a democracia no sentido literal consiste em oficializar a opressão de todas as minorias circunstanciais por todas as maiorias do momento. Em princípio tem muito pouco de libertário. As vantagens do sistema se tornam mais claras quando o comparamos com outros. A principal vantagem da democracia ao ditar que o governo tenha que passar periodicamente por concursos de popularidade me parece ser criar um certo grau de mediocridade forçada que tende a desincentivar que as coisas saiam demais de controle, que haja rupturas institucionais, etc. E se alguém não gosta do que o governo está fazendo, sempre pode tentar ganhar mais popularidade para sua causa. Provavelmente é melhor uma batalha de marketing do que uma guerra civil. Mas no final das contas, nos deparamos de novo e de novo com a questão de que grande parte das pessoas *não quer* ser livre e clama por alguém lhe dizendo o que fazer. :-P

  2. Osias says:

    Eu acho que a russa e a chinesa que você interrogou só falaram que não houve mudança da boca pra fora. Se você fizer perguntas mais específicas elas vão acabar admitindo pra você e talvez pra si mesmas que agora a vida é melhor.

    Exemplos imaginário e hipotético:

    - você se sente mais livre aqui na América?
    - nah, é a mesma coisa!
    - como você conheceu seu marido?
    - numa boate
    - você poderia ter casado com ele no seu país de origem?
    - mmm, provavelmente não, minha família/o governo/etc iria proibir
    - você poderia TER IDO numa boate no seu país de origem?
    - b-bom…

    Digo isso por experiência própria. Quando me mudei de Rondônia para o ES, a vida da minha família melhorou no geral, mas piorou em vários aspectos, inicialmente. Era duro ter que ouvir minha mãe falar em “voltar pra lá” seguidas vezes, mesmo parando pra mostrar, item por item, quais tinham sido os itens que melhoraram na nossa vida ao sair de lá – o que não era todo dia que ela concordava, dependia do humor.

    • Pois então, seu exemplo pessoal confirma o que eu falei. As pessoas têm uma tendência quase suicida a quererem manter aquilo a que estão acostumadas não interessa o que aconteça. Eu não acho que seja da boca pra fora; as pessoas querem manter o que conhecem mesmo quando é “pior” pra elas segundo parâmetros de quase qualquer um que esteja vendo de fora.

      Especificamente quanto a casar e namorar, etc, eu não acho que a maior parte das pessoas que cresceu em ambientes com grande repressão sexual repentinamente se sintam “libertadas” ao serem inseridas em outro contexto. Essa é a nossa visão de quem sempre teve esse tipo de liberdade e odiaria perdê-la. Mas para grande parte dessas pessoas, eu acho bem mais provável que ao inseridas num novo país elas fiquem desconfortáveis e até mesmo resolvam tentar reprimir seus filhos e os nativos do que que elas se sintam libertadas. :-P

      Indianos, por exemplo, freqüentemente vêm solteiros para os EUA e quando chega na “hora de casar” eles importam uma noiva/esposa apropriada da India. Mesma coisa fazem muitos muçulmanos. As pessoas não chegam nos EUA e então automaticamente mudam toda sua cultura e pensam “boate, oba!”, da mesma forma que a gente ao chegar aqui não pensa automaticamente “beisebol, oba!” ou “futebol americano, oba!”.

  3. Olace says:

    “Por que eu quereria fazer isso?”

    Podem até achar meio off, ou querer apagar esse comentário…

    Mas eu vejo muitos brasileiros dizendo essa mesma frase, toda vez que se fala de fazer algo em relação a politica…

    • Olha, nisso você até tem razão. Eu pessoalmente consigo entender isso melhor num pais em que você não é preso por falar mal do governo. Mas de fato, você tem razão, uma boa parte das pessoas em todos os lugares não tem qualquer opinião minimamente elaborada sobre questões políticas e muito menos vontade de se expressar sobre o assunto. Talvez não seja assim tão surpreendente que seja o mesmo em países totalitários; a pessoa média freqüentemente se submete docilmente ao grupo e/ou à autoridade e aceita praticamente qualquer coisa. É mais uma manifestação do dilema que enfrenta qualquer libertário : estar lutando para preservar certas liberdades para as quais uma boa parte das pessoas não dá qualquer importância. :-P

      Saudações,
      Sergio

      • Claudio says:

        Tenho uma conhecida que foi morar na Europa e ela constantemente reclama que, nas conversas, se fala muito de política. Eu não entendo qual mecanismo tornou a política um assunto que não é apropriado para pessoas legais. Quando vemos alguém no nosso cinema ou TV que se interessa pelo assunto é sempre caricatural, aquele membro de centro acadêmico que quer mudar o mundo e coisas do tipo.

        • É, sei lá… por algum motivo conversas sobre assuntos científicos também são consideradas repulsivamente uncool, pelo menos no Brasil e nos EUA. Possivelmente genericamente é pensar que ficou uncool. Nem sempre foi assim. Durante o século 18 era considerado não só cool como uma necessidade social para qualquer pessoa com um mínimo de nível ser culta e estar pelo menos superficialmente informada sobre os assuntos científicos da época. Não que as classes menos favorecidas participassem disso. Hoje em dia – no Brasil isso é inequívoco – houve uma espécie de inversão na qual as classes mais abastadas adotaram o discurso e a cultura dos ignorantes e de quem não sabe absolutamente nada sobre coisa alguma. Os miseráveis em geral sempre trataram alta cultura como algo alienígena, até pela falta de contato, acesso e preparo, mas hoje em dia a alta burguesia (especialmente familiares e associados que não estão à frente de qualquer decisão importante), as castas aristocráticas, grande parte dos que ocupam altos cargos políticos – são em grande parte uns indigentes culturais. Pensar e saber coisas é algo deixado para os alienígenas na academia. Ironicamente eu diria que isso tudo é em grande parte resultado da tentativa educar compulsoriamente a todos, cujo maior resultado é a produção de um total desprezo e e hostilidade a qualquer tipo de intelectualidade acadêmica. E como aquela pessoa que foi forçada a ter aulas de piano durante anos quando criança e quando chegou em idade suficiente para dizer “não” simplesmente fechou o instrumento, nunca mais chegou perto dele e tem vontade de chutá-lo quando passa perto de um.

  4. Igor T. says:

    haha ótimos acréscimos, Sergio.

  5. João says:

    A liberdade de gritar contra o filho do brasil em praça pública vem caindo em função de sua popularidade, usada para intimidar a crítica, assim como intentonas autoritárias como est: “A Ancinav fracassou. O CFJ fracassou. O que acontecerá com a Confecom? Fracassará. Mas a imprensa, de bombardeio em bombardeio, de anúncio em anúncio, de chantagem em chantagem, amedronta-se e domestica-se.” (Diogo Mainardi, 14 de novembro de 2009).
    Quanto a se a maioria preferir o nazismo, considero que o que deve ser deixado claro é que toda opinião e associação deve ser tolerada, desde que não ataque a liberdade alheia nem incite à violência física, moral, contra a pessoa ou sua propriedade. Neste ponto, o nazismo, mesmo apoiado por uma maioria, não pode ser adotado nem tolerado contra os que não aderirem. You can do anything, but don’t step on my blue suede shoes.

    • Pois é, só que todo tipo de coisas que se considera largamente aceitável desde “vamos aumentar os impostos” até “vamos proibir as pessoas de andarem na rua com uma metralhadora a tiracolo” ou “é proibido fumar maconha” de fato atentam contra a liberdade alheia, então esse critério não é muito simples de usar. E na verdade é impossivel produzir ordem social sem atentar contra a liberdade alheia. Então quais ataques à liberdade alheia permitiremos, e quais consideraremos “tabu”? A idéia numa democracia é justamente que isso será decidido pela maioria. Daí se a maioria decidir que “é proibido vender sex toys“, é proibido e pronto. Então a democracia infelizmente não tem automaticamente esse grau de respeito à liberdade alheia que nós gostaríamos de ver sobre não pisarem no meu sapato. O sistema democrático é mesmo “se a maioria preferir o nazismo, então nazismo será”.

      Agora, especificamente sobre o partido nazista, eu pessoalmente acho que por coerência democrática e libertária ele deve ser permitido, como de fato o é nos EUA, e eu acho uma farsa ele ser proibido em muitos países do mundo, inclusive grande parte da “sofisticada” Europa, uma farsa tão ridícula quanto proibir o partido comunista, ou proibir religião, ou qualquer ideologia que não nos agrade. Liberdade de pensamento e de expressão é justamente para as coisas que achamos abomináveis, não para quem quer dizer coisas lindas com as quais concordamos. Então por coerência, um sistema realmente democrático e libertário não pode começar a proibir idéias. Ele pode proibir que você saia por aí matando pessoas, ou até mesmo que você incite ou facilite diretamente alguém a fazê-lo, mas absolutamente não deve mandar para a cadeia quem achar que matar os outros deveria ser permitido por lei em certos casos. Pelo menos não até a maioria concordar democraticamente e incoerentemente em revogar a liberdade de pensamento e expressão. :-P

      O que nos leva mais uma vez a questão : o problema MESMO são as pessoas. Não tem sistema que nos proteja de uma massa de pessoas com mentalidade totalitária. O que tem que ser reformado mesmo é a cabeça das pessoas. E isso apresenta dilemas muito complexos para um libertário, posto que grande parte das pessoas NÃO QUER ser livre.

  6. João says:

    Acho que dá, sim, para traçar uma linha, ainda que tênue. Fumar maconha vai contra outra pessoa? Não. Então, não há justificativa para proibir. Andar armado? Aí, confesso que tenho minhas dúvidas, que vão desde a “defesa pessoal x segurança como umas das poucas responsabilidades realmente inerentes ao estado” ao poder da arma, que vai bem além da defesa pessoal

    Não duvido que “o problema MESMO são as pessoas. Não tem sistema que nos proteja de uma massa de pessoas com mentalidade totalitária”.

    Até aí, nada a reparar. Quanto a dizer que “O que tem que ser reformado mesmo é a cabeça das pessoas”, porém, me parece que foi isso que a revolução cultural de Mao tentou fazer (e fez, até certo ponto) e que o gramscianismo petista vem fazendo no Brasil. A “construção do sujeito”, o “novo homem”, isso tudo foi a base de regimes fascistas e comunistas, totalitários, enfim. Sem a menor certeza, mas com alguma intuição, penso que as massas de pessoas com mentalidade totalitária não se formam espontaneamente, mas justamente por meio dessas reformas mentais. E que o combate deve ser ao que as forma, não a elas – as pessoas, em si. Quanto menos o estado – ou mecanismo que o valha, sejam castas, partidos ou dogmas religiosos – tiver poder de moldar as cabeças das pessoas, acredito que menos haverá pessoas voluntariamente querendo não ser livres. Isto é, passar da liberdade à falta dela. Acho que é mais ou menos isso.

    • Pois é, fazer lavagem cerebral a favor do pensamento crítico independente é um projeto problemático. :-P Concordo completamente que é preciso escapar a reformas mentais por coerção, lavagem cerebral, propaganda ou manipulação. Nada pior do que querer “conscientizar” as pessoas à força. Concordo plenamente que o combate se deve dar ao que as forma e não a elas. Mas como dar liberdade a elas para que formem seu senso crítico, como protegê-las daqueles que embotam sua percepção e toldam seu julgamento, daqueles que as doutrinam e dogmatizam e escravizam se elas lutam com unhas e dentes para manter sua servidão? Grande parte das pessoas de fato *quer* alguém lhe dizendo o que fazer. E nem faz muita diferença quem seja, desde que haja alguém. Só não lhes diga que pensem por si mesmas. :-P

  7. Roger Prado says:

    Parece que os chineses citados, ao responderem com um “por que eu faria isso”, não consideram a diferença entre “fazer isso” e “poder fazer isso”.
    É muito pouco provável que eu saia da minha casa para fazer um protesto numa praça pública. Mas acho importante que essa possibilidade exista.
    Uma profunda psicologia de botequim poderia explicar que protestar na praça é menos importante do que poder protestar na praça. Partindo da premissa de que a liberdade é algo universalmente desejável, parece residir aqui o enigma na resposta dos chineses: não poder protestar na praça é mais ou menos importante do que não protestar na praça?

    • Sim, sim! Concordo plenamente. É por isso que a segunda emenda americana é tão importante. O direito de ter armas é muito mais importante do que efetivamente ter armas. Aliás ela é muito mal compreendida. Ela não foi concebida para proteger o direito do cidadão de se proteger de um assaltante invadindo sua casa. Não, não. Ela foi concebida tendo em mente que direitos civis e politicos sem poder concreto para se defender de opressão arbitrária são frágeis e facilmente ignorados. Os founding fathers tinham muito claro que o poder estatal se sustenta através da violência coercitiva, e não é desejável que a sociedade seja deliberadamente reduzida a um bando de coitados indefesos.

  8. João says:

    “Grande parte das pessoas de fato *quer* alguém lhe dizendo o que fazer. E nem faz muita diferença quem seja, desde que haja alguém. Só não lhes diga que pensem por si mesmas”

    Sérgio, parafraseando Renato Russo, como bom pseudointelectual (ehehehe), vai ver que é assim mesmo e vai ser assim para frente. Faz parte da insegurança humana que nem todo mundo supera. Ou, às vezes, supera em alguns aspectos, em outros não. Minha mãe e minha irmã, profissionais de nível superior etc. já me perguntaram em quem votar. Em outros aspectos, talvez fosse eu a ‘pedir ajuda aos universitários’.

    O importante, acredito, é que esta dependência não seja do estado (ou dO Prtido, ou algo que o valha, sobre todos). No nível pessoal, acho que é bastante normal até.

    • Olhe, no caso de não termos certeza do que fazer e acreditarmos que alguém sabe melhor do que a gente e por isso pedir orientação, não acho que seja fatal, e na verdade é até necessário, pois é impossível entender profundamente de tudo. É o que fazemos quando o mecânico da oficina diz “olha, tem que trocar a válvula termostática”. Na maior parte das vezes você não vai lá testar pessoalmente se tem mesmo. A maior parte das pessoas nem sequer faz ideia do que seja.

      Mas existe uma diferença *muito* grande entre fazer isso por ter noção de suas próprias limitações versus fazer isso como forma de se eximir da responsabilidade das conseqüências de suas próprias escolhas. Especialmente no caso de escolhas com significado ético, uma coisa é pedir “ajuda aos univesitários”, outra é fazer cegamente o que eles disserem. Não dá pra dizer “Mãe, será que eu mato esse cara?” e ela dizer “Mata sim!”, você matar, e depois dizer pro juiz “Ah, mas minha mãe disse que era pra matar!”.

      Eu acho que grande parte das pessoas, especialmente em questões éticas, está atrás é exatamente disso, e não de fazer o certo, ou fazer o bem, ou nada desse tipo. Elas estão afim é de poder dizer para si mesmas e para os outros : “não foi culpa minha , eu fiz o que me mandaram”.

      Sobre a dependência ser ok desde que não seja do estado, eu discordo muito. Eu acho que esse tipo de dependência, se for uma do tipo que o incentiva a abrir mão do seu próprio julgamento e de sua responsabilidade como agente pensante e independente, é ruim seja qual for a entidade. Tornar-se psicologicamente dependente de qualquer entidade externa como guia para seguir cegamente e tomar certas decisões em última instância instransferíveis é (a meu ver) sempre patológico. Então não precisa ser o estado. Se for uma religião, uma seita, a sua família, seu grupo de amigos, se você começa a simplesmente tomar suas decisões de forma automática segundo critérios alienígenas externos sem parar para pensar no que está fazendo, tem algo ruim acontecendo. Mas isso é a minha opinião e grande parte das pessoas parece ficar imensamente feliz em fazê-lo.

      • João says:

        É como eu disse. É inerente à maioria das pessoas, que – não tem jeito – são gado. Agora, matar uma pessoa é violência contra outra pessoa. Aí, não pode.

        • Mesmo isso depende. E se a outra pessoa estiver prestes a matar alguém? E se a pessoa assassinada for eu mesmo? E se a outra pessoa estiver prestes a morrer e sofrendo intensamente? Ética é um negócio muito complicado.

          • João says:

            E se a outra pessoa estiver prestes a matar alguém?

            Legítima defesa

            E se a pessoa assassinada for eu mesmo?

            Não entendi. Suicídio?

            E se a outra pessoa estiver prestes a morrer e sofrendo intensamente?

            Se ela quiser morrer para escapar da dor, não vejo problema. Fiz isso com meu cachorro (e nem perguntei se ele preferia, dava para perceber que seria o melhor).

            Agora, refinando melhor a questão, quando digo que é OK, é porque talvez nem seja (certamente, não é em todos os casos), mas, sendo pessoal para pessoal, não estabelecerá um totalitarismo de estado ou de partido – isso, sim, um grande mal para todos.

            Espero ter conseguido ser mais claro.

            Saudações

            • Sim, suicídio.

              Enfim, meu ponto era apenas que mesmo em situações quando aparentemente seria mais ou menos consensual concordar universalmente sobre certos princípios – como o de que sair matando não dá – quando vamos ao particular e concreto fica tudo muito confuso e pessoal e cada um sente de um jeito.

  9. Como sempre, belo artigo. E comentários de alto nível, ótimo o ponto levantado por Roger Prado.

    Creio que as pessoas gostam de ser guiadas, do pensamento romântico de que alguém (outro) sabe o que é melhor para si. Escolhas trazem angustias, ignorance is a bliss.

  10. Galego says:

    Gostei dessas comparações. Gostaria de te parabenizar primeiramente pelo bom-senso. Quanto às comparações, eu veria um ultra-liberal ou ancap como aquele que, vendo os sociais-democratas se detonarem pelo abuso dos remédios, chegam à conclusão que as doenças só são causadas pelo uso deles, e, por isso, ficam no caldo de galinha…

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