Prioridades Libertárias No Brasil

February 20th, 2010 by Sergio de Biasi

Recentemente o Pedro escreveu um texto comentando que falta ao movimento liberal no Brasil escolher algumas causas concretas, alguns ítens de ação política objetiva em torno do qual o movimento possa se organizar mais efetivamente e ter algum impacto na sociedade que vá além do (constrangedor não-impacto) produzido por websites, palestras e publicações.

Até aí, eu concordo completamente e entusiasticamente. É preciso começar a falar de propostas concretas ao invés de abstratas sobre como agir, e é preciso persegui-las no mundo real, e não somente no mundo abstrato do debate retórico. Ficar fazendo lobby de ideais genéricos sem defender propostas objetivas e concretas para o Brasil hoje gera como principal resultado um (não muito grande) grupo de pessoas dizendo umas pras outras “é isso mesmo!” e celebrando fraternalmente a sua irrelevância enquanto tudo prossegue exatamente como antes.

Ao invés disso, ou em adição a isso, é preciso fundar partidos, é preciso ocupar cargos públicos, e preciso escrever leis e lutar para que sejam aprovadas, enfim, é preciso de fato fazer alguma coisa que tenha alguma chance de mudar alguma coisa. Não que isso seja fácil ou agradável; falar em ocupar cargos públicos é como dizer que alguém tem que ir lá na fossa desentupir o esgoto. Mas o sistema não vai se consertar sozinho, e ficarmos *todos* sentados olhando e concordando que alguém deveria fazer alguma coisa não vai resolver nada. Alguém tem que se dispor a ir lá de fato concretamente fazer alguma coisa, e essas pessoas, pensem bem, terão que vir do nosso meio, terão que ser pessoas entre nós mesmos, e não inexistentes pessoas míticas que tocadas pela nossa retórica resolverão tomar uma atitude.

Em seu texto, Pedro fala em “movimento liberal”, mas acho que isso se aplica ainda mais fortemente ao incipiente movimento libertário no Brasil (o qual aliás me interessa bem mais do que o movimento liberal), ao qual ainda mais fortemente faltam bandeiras e planos concretos em torno dos quais sedimentar o movimento e nos quais focalizar os esforços.

Então vejamos quais são, resumidamente, os três ítens que Pedro elege para colocar como possíveis boas escolhas de ítens prioritários numa agenda concebida para se afastar de uma situação “em que a defesa do liberalismo não passa de um passatempo burguês relativamente inconseqüente” :

  • A instituição obrigatória da discriminação entre preço e imposto em todas as notas fiscais, em todas as instâncias.
  • A abolição de toda e qualquer propaganda estatal, inclusive de empresas estatais.
  • Uma emenda constitucional que fale, à americana, em probable cause

Para em seguida se por a esclarecer que “Aristóteles explica na Retórica que o entimema é o mais poderoso recurso persuasivo.” E depois não entende por que “posturas liberais não encontram mais interesse no Brasil”.

Pois esse é exatamente um dos motivos por que o projeto libertário falha repetidamente em despertar maior interesse. Porque aqueles que no Brasil mais fortemente podemos identificar como expoentes do pensamento liberal / libertário vezes demais produzem propostas como essas, de ficar listando preços em notas fiscais e então se põem a falar de Aristóteles. Não é surpreendente que diante disso o sujeito ali da esquina resolva votar no Lula.  Listar imposto na nota fiscal? Isso sim é ficar no mundo das idéias bonitinhas sem qualquer conseqüência prática. As verdadeiras batalhas, que valem a pena, não estão sendo lutadas, pelo menos não pelos que pretensamente representam o pensamento libertário.

Então sim, eu concordo que é preciso ter propostas práticas, mas isso de tornar obrigatório listar o imposto na nota fiscal é precisamente um exemplo de medida retórico-tecnocrática com apelo popular inexistente e impacto prático provavelmente zero. Além disso, mutíssimo ironicamente implica em custos operacionais para ser implementada e resulta em ainda mais regulamentação sobre como alguém deve emitir uma nota fiscal. Note-se, sempre que se cria a obrigatoriedade de as coisas serem feitas de um certo jeito por mandado estatal, existe o implícito “senão nós vamos aí te pegar”. Não que talvez não pudesse em tese haver um certo aumento do grau de conscientização geral sobre a carga tributária com a adoção dessa medida, mas como bandeira e causa prioritária de um movimento liberal / libertário? Isso tem absolutamente todas as características do “passatempo burguês relativamente inconseqüente” que Pedro caracteriza como preâmbulo para propor causas mais concretas, relevantes e que tenham – como ele muito corretamente coloca – alguma chance de mobilizar a platéia.

Agora, imagine você, como porta-voz de um partido liberal / libertário, colocado num debate público junto a outros movimentos políticos. Pede-se então ao representante do PV que coloque uma das causas caras e centrais ao seu partido e ele responde “acabar com a criminalização  da maconha“. Pede-se ao sujeito do PSTU que faça o mesmo e ele diz “estatizar todos os bancos“. Pede-se então o sujeito do PSDB e ele diz “implementar o parlamentarismo“. São todas propostas de grande relevância, com sérias conseqüências, que esses partidos efetivamente defendem de forma muito concreta na esfera da ação política e que definem parte de uma identidade forte e clara. Evidentemente nenhum desses objetivos será magicamente atingido amanhã, ou talvez nunca, mas são propostas concretas para um determinado futuro para o Brasil, e quem se identificar com essa direção genérica certamente entenderá que na impossibilidade prática  de mudar tudo do dia pra noite os partidos defenderão então medidas parciais e intermediárias visando chegar no objetivo proposto. Bem, então pergunta-se o mesmo a você… e você responde “obrigar que todas as notas fiscais discriminem o imposto”? Essa é uma medida simultaneamente de pouquíssimas conseqüências práticas diretas, que em si mesma não muda absolutamente nada, não diz quase nada sobre sua identidade (ou melhor, diz todas as coisas erradas sobre ela) e adicionalmente com apelo popular zero.

A segunda proposta também apresenta sérios problemas. Seu maior mérito, percebido pelo Diogo mas aparentemente não percebido pelo próprio Pedro, não tem absolutamente nada a ver com prevenir falcatruas. Tem sim a ver com o fato de que a propaganda estatal conflita *diretamente* com o livre exercício da liberdade de expressão. Esse é mais um clássico exemplo de cripto-totalitarismo, de uma forma similar (como apontado pelo Diogo) à concessão de subsídios. Ora, como é que o governo impede a *mim* de falar dando dinheiro para veículos de comunicação aleatórios? Pois então observe para começar que o governo é atualmente um dos maiores anunciantes no mercado. As redes de televisão aberta, os jornais, as rádios, as revistas – todos vivem primordialmente da receita de anúncios. Você acha *mesmo* que isso não influencia quais tipos de conteúdo os veículos de comunicação estarão dispostos, ou mesmo capacitados, a veicular?

Porém, importante que o ponto da propaganda estatal seja, o Pedro aplica a ele a lógica binária das soluções mágicas : “Vamos proibir tudo”. Ora bolas, isso significa então que o governo não pode divulgar datas de campanhas de vacinação? Ou datas de eleições? Ou informar o público sobre mudanças importantes na legislação? Aliás, nem sequer é verdade a premissa básica do ponto do Pedro, que “governo não concorre”. O sistema de metrô, sob administração estatal que esteja num certo lugar, certamente concorre com outros meios de transporte de massa, como ônibus, que estarão possivelmente sob administração privada. A Petrobrás, como franquia de postos de gasolina, certamente concorre com as outras. E pode certamente ser a decisão perfeitamente ótima e estratégica, financeira – e até logisticamente! – correta anunciar esses serviços, sem haver qualquer falcatrua ou desperdício ocorrendo, aliás muito pelo contrário, pode ser precisamente a forma de administrar tais empreendimentos que gere mais retorno financeiro e portanto menos use recursos públicos do contribuinte no final das contas. Claro, pode-se questionar se o governo deveria estar administrando certas coisas para começar, mas esta é outra questão completamente separada.

Agora, evidentemente que o abuso da propaganda estatal no Brasil atingiu as raias do surreal, mas o que é preciso fazer é regulamentar o que é e o que não é uso aceitável dessa propaganda. Instâncias de deslavada autopromoção política produzida e veiculada com o dinheiro público para divulgar “realizações” de certas administrações são ridiculamente injustificáveis, assim como o são campanhas de lavagem cerebral aleatória para promover causas ideológicas caras à administração corrente. Mas “vamos proibir tudo” é uma solução não só fora da realidade como indesejável. (Aliás, mais genericamente, “vamos proibir tudo” raramente é uma solução desejável; até para matar pessoas tem exceções importantíssimas. É muito frustrante que os liberais / libertários ao quererem se opor aos radicalismos maniqueístas dos esquerdofrênicos freqüentemente o façam adotando a mesma visão distopicamente bipolar, apenas com sinal trocado.)

Finalmente, tem a terceira proposta. E aí, mais uma vez, eu concordo com o Diogo. O problema aqui não é realmente com a constituição ou com as leis. Inclusive de forma genérica a nossa constituição, na seção de direitos individuais, já dá considerável respaldo para leis e regulamentos mais específicos nesse sentido, se acharmos importante lutar por eles. O que uma emenda constitucional acrescentaria a isso? Aliás, não que a constituição brasileira precise *crescer* mais ainda; eu acho que quaisquer propostas de emenda constitucional no Brasil coerentes com a proposta liberal / libertária provavelmente deveriam ser na direcao de *eliminar*, não de acrescentar. Mas voltando à questão de “probable cause” : o problema atual da relação da polícia com a sociedade não deriva primordialmente da inadequação do aparato jurídico e sim com a completa falência das instituições, uma falência que tem como uma de suas maiores causas a insana e altamente lucrativa criminalização da produção, distribuição, venda e uso de drogas. Se você quer melhorar a relação da polícia com a sociedade, que tal começar não colocando tanto a polícia quanto a sociedade na insustentável posição de que a maior parte das pessoas é forçada pelo governo a financiar diretamente o crime organizado para poder exercer sua liberdade individual de escolha de fumar ou cheirar o que bem entender? Isso sim talvez fizesse alguma diferença.

O que nos leva já a uma proposta que essa sim, tem enormes conseqüências práticas, com ramificações imensas que muito transcendem a liberdade individual, é uma bandeira política concreta, clara e de grande interesse, relevância e apelo popular, e completamente consistente com os objetivos libertários : é preciso acabar com essa insanidade de proibir o uso recreativo de entorpecentes. Inclusive eu acho que por diversos motivos, não só ideológicos como práticos, o Brasil deveria lutar pela reversão dessas políticas também no foro internacional. Mas internamente, a ilegalidade das drogas é disparadamente um dos maiores fatores desestabilizantes das instituições, da segurança pública, e da normalidade civil. Este sim é um dos problemas que está destruindo o nosso pais e a nossa sociedade e se intrometendo em todas as áreas, possivelmente até mais do que alta carga tributária. No meu julgamento, a segurança pública fora de controle desempenha hoje no Brasil papel similar à que a hiperinflação ocupou nos anos pré-Plano Real.

Outra causa com menos apelo dramático mas absolutamente fundamental e com imensas conseqüências prática é agilizar e facilitar a abertura de empresas, assim como diminuir enormemente os encargos financeiros ou de outros tipos incidentes sobre elas. Abrir uma empresa deveria ser algo similar a abrir uma conta num banco. Qualquer um deveria poder fazer sem grandes complicações, e sem aberrações corporativistas na qual você pode ser forçado a listar ou mesmo contratar um administrador e um contador para ter permissão de operar uma banca de jornais. Mas novamente, e é aí que eu acho que está a maior força do texto do Pedro, é preciso ter propostas concretas e objetivas sobre como de fato então deverá ser o sistema, que leis precisam ser mudadas, lutar para efetivamente mudá-las, etc. Falar sobre isso genericamente e no campo das idéias lindas e parar por aí não resolve. Especialmente para quem está articulando partidos políticos, é preciso ter propostas explícitas e reais para defender.

E se formos falar realmente sério em termos libertários, precisamos em algum momento falar da questão da educação pública. Ela absolutamente, ostensivamente, exageradamente não pode ser administrada sob o império sufocante do MEC nos moldes em que é feito atualmente. O governo tinha que ter muito, mas MUITO menos influência e poder oficial sobre currículos obrigatórios, calendário escolar, livros texto e mais um monte de outros assuntos. Mas essas são causas extremamente complexas e que dificilmente se conseguirá algo revolucionário a curto ou médio prazo. Isso não quer dizer que não seja importante listar propostas *concretas* sobre o que eventualmente se pretende atingir nessa direção, tanto para saber onde estamos indo quanto para estabelecer uma identidade. E não quer dizer também que não se possa dar pequenos passos não tão revolucionários, como propor algum tipo de forma de certificaçao alternativa de que você está conseguindo como cidadão independente garantir que seus filhos estão atendendo aos ditamos da ementa mequiana para aqueles que não quiserem se submeter ao sistema mequiano de ensino.

Existem também muitas outras causas que fazem sentido num programa libertário, como o fim do voto obrigatório, mas que assim como a questão do alistamento militar, não constituem realmente um grande problema na prática, nem causarão nenhuma grande revolução social se adotadas. Então em princípio deveriam até estar na agenda, mas gastar excesso de esforço com elas seria mais uma escolha ideológica de sabedoria duvidosa

Seja como for, minha impressão é que continua inexistindo, vinda dos libertários mesmos, tanto uma base estratégica coerente e uma identidade forte quanto uma agenda de propostas políticas objetivas e relevantes pelas quais valha a pena concretamente lutar para avançar a causa libertária no Brasil.

33 Responses to “Prioridades Libertárias No Brasil”

  1. Claudio says:

    Eu fecho com o Pedro no caso do imposto: acho que é fundamental para começar a desfazer a idéia de estado que impera na mentalidade brasileira como um todo. É questão filosófica? Sim, mas como você acha que a esquerda chegou onde chegou, mantendo o monopólio do discurso político? Quantas eleições Lula perdeu até conseguir seduzir a classe média? Saber quanto custa o Estado é um passo importantíssimo para começar um trabalho de redução do mesmo.

    • Oi Claudio,

      Mas nós já sabemos quanto custa o estado. O valor dos impostos não é segredo, apenas não consta explicitamente na nota fiscal de toda e qualquer operação. E em outras circunstâncias nas quais o valor do imposto não só é de fato explícito como doloroso e pessoalmente oneroso, eu não vejo isso gerando ondas de choque de conscientização. Aliás no imposto de renda ironicamente o governo nos força a calcular o valor nós mesmos, então temos contato em primeira mão com o quando está sendo confiscado. A maior parte das pessoas não se vê então diante disso tomada de ímpetos de consciência politica. Para a maior parte das pessoas o governo é uma entidade alienígena completamente fora do nosso alcance para começar. Eu não acho que colocar o valor do imposto na nota fiscal seria algo nocivo, mas também não acho que seria particularmente relevante, eficaz, ou prioritário comprar essa luta. Caberia talvez uma campanha libertária para mostrar o quanto você deixa na mão do governo quando vai ao mercado, ou quando enche o tanque do seu carro. Mas sempre voltada para introduzir então propostas específicas e concretas sobre o que de fato fazer sobre isso – algo que essa proposta absolutamente nem sequer toca. Tá, então nós pagamos tantos por cento de imposto na gasolina. Qual é a proposta concreta então? Mudar a legislação do ICMS? Estabelecer um imposto total máximo cumulativo por operação? Pelo que estamos concretamente lutando? Me parece que essa proposta é justamente mais de “nossa plataforma de ação política é lutar para conscientizar as pessoas”. Tá, mas conscientizar para conseguir apoio para efetivamente fazer o quê?

      Saudacões,
      Sergio

      • Antonio Santos says:

        “Nós” quem cara pálida?
        Aposto que 90% da população, daqueles que compram coisas, não faz a menor ideia de quanto paga de imposto na compra do leite, do pão, do ingresso, da gasolina, do telefone ou de qualquer coisa.
        São pessoas que decidem uma compra de fogão ou geladeira mais pelo valor da prestação do que pelo preço do produto.
        Se a prestação cabe no salário do mês, tudo bem, fechado o negócio.
        Mesmo que os juros sejam estratosféricos. Nem sabem fazer “conta de juros”.
        Alias, nem adianta dizer que ele paga 50% de imposto no litro de gasolina. 50% não tem muito significado. O que ele precisa ver e ler na nota é o custo da gasolina R$ 50,00 e o custo do imposto R$ 50,00. Só aí ele vai entender o porque encher o tanque custa R$100,00. E quanto ele está pagando ao governo.
        O seu “nós” representa ± 2% da população. Irrelevante no caso.

        • “Nós” somos todos nós. 100% de nós que pagamos impostos. Essas informações não são segredo, nem difíceis de encontrar. Inclusive em grande parte dos casos o imposto ela *já é* explicitamente discriminado. Você diz que 90% da população não faz a menor idéia de quanto paga de imposto por exemplo ao falar no telefone. Então examinemos uma conta de celular :

          Conta Celular Vivo

          Supresa, lá está todo feliz o (inacreditável) imposto discriminado. Então só não sabe quem não quiser. Mesma coisa com sua conta de luz, mesma coisa com sua conta de telefone fixo. Aliás, mesma coisa com qualquer nota fiscal padrão usando os modelos 1 ou 1A.

          Agora, de fato não vem discriminado na nota fiscal simplificada, a qual existe em parte exatamente para, bem, simplificar a vida das pessoas que não precisam de um documento fiscal desse grau de complexidade quando estão simplesmente tentando comprar um pãozinho na padaria. Certo, em varios outros países, como nos EUA, o imposto vem discriminado sempre, como no exemplo abaixo :

          Nota Fiscal Starbucks

          Mas como eu já observei acima, não é como se essa informação fosse misteriosa, ou como se 99% das pessoas prestassem atenção nela quando ela está disponível. Então se o “nós” é quem tem acesso a essa informação, o “nós” é basicamente todo mundo.

          Agora, se o “nós” é quem se *importa* com essa informação, ou presta atenção nela, ou pensa em termos de que as coisas poderiam ser diferentes e está buscando formular propostas concretas e objetivas de caminhar nessa direção, bem, eu ficaria muito feliz de saber que o “nós” representa 2% da população como você diz, porque minha estimativa é de que atualmente possa representar até menos do que isso. Sim, sob este aspecto somos irrelevantes, mas isso não se deve ao fato de que essas informações sejam secretas ou inacessíveis.

          Ou seja, o problema maior não é tornar essa informação mais amplamente acessível do que já é. O problema é que as pessoas não estão nem aí pra ela, e como eu disse antes, enxergam o estado como uma entidade alienígena sobre a qual não têm qualquer controle; não ocorre a elas pensar em termos de que os impostos que pagam são decididos por outras pessoas e poderiam ser muito diferentes. Então o que *realmente* precisa ser modificado não é a parcela da população que tem acesso ao valor dos impostos – especialmente não através de notas fiscais – e sim a parcela da população que 1) se importa com isso 2) se dá conta de que a quantidade de impostos que pagam tem tudo a ver com como a sociedade e o governo estão estruturados e poderia ser muito diferente.

          Se a questão é “conscientizar” as pessoas, então faria *muito* mais sentido uma campanha do próprio partido libertário – ou outras entidades com interesse nisso – ilustrando de alguma forma que tivesse apelo popular a fração do que você paga que vai pro governo. Por exemplo, um anúncio no qual você esteja enchendo seu tanque e aí quando você termina, olha no retrovisor lateral e tem um sujeito da receita com uma mangueira de plástico chupando 30% da sua gasolina de volta. Ou então você está falando com sua namorada no telefone e aos 70% da ligação entra um sujeito da receita e diz “ok, agora os 30% finais eu vou conversar com ela”. :-)

          Enfim, estamos reclamando de que o governo se mete em coisas demais e então queremos conscientizar as pessoas… através de um ato do governo, e ainda por cima um ato do governo que complica as notas fiscais? Que efetivamente repassa o ônus de “conscientizar” as pessoas para quem emite nota fiscal? Nós estamos reclamando que as pessoas pensam no governo como sendo o agente que vai consertar todos os problemas… e então a proposta de conscientizar as pessoas vem em termos de propor uma ação coercitiva do governo? Onde é que fica o “put your money where your mouth is” na base da filosofia liberal? Se é pra conscientizar as pessoas, então façamos uma campanha com nossos recursos nesse sentido! Se essas informações fossem de alguma forma obscuras ou ocultas, eu até acharia que por uma questão de transparência elas deveriam ser tornadas mais acessíveis. Mas não me parece que esse seja realmente o problema.

      • Claudio says:

        Baby steps, Sergio. Há muuuuuuuuuuuuuuuuuuuita coisa errada no Bananão e sem uma mudança de mentalidade nenhuma ação política é possível. Quando você compra uma coca-cola não tem a menor idéia de quanto de imposto tem nela. O tal ICMS é algo que somente o Brasil poderia ter criado, tamanha a sua bizarrice. Não adianta vir com propóstas políticas se as pessoas, principalmente a classe média, não estiverem dispostas a ouvir. O default de qulaquer eleitor hoje é esquerda. Veja que somente temos candidatos de esquerda para as eleições presidenciais, com Serra sendo rotulado de “direita.” Partir para a briga política seria útil SE fôssemos um povo com uma mentalidade similar à americana em relação ao Estado. Seria apenas dar voz a quem já está aí. Mas não é o caso. Tente falar para alguém da classe média que TALVEZ não seja atribuição do Estado prover saúde, que não deveria haver um Ministério da Educação ou, mais radicalmente, incentivos culturais na forma de patrocínio. Temos, antes de mais nada, que criar uma mentalidade que pelo menos preste atenção nas propostas libertárias/liberais. Sem isso, propostas liberais/libertárias srão presas fáceis para a retórica que hoje já domina o cenário político.

        • Oi Claudio,

          Eu entendo a necessidade de dar baby steps; mas só que é preciso, para começar, ter uma visão estratégica fundadora que aponte para onde esses baby steps eventualmente pretendem levar. Qual é a proposta objetiva aqui? Eu só vejo uma tentativa de “conscientizar” genericamente as pessoas de que pagam muitos impostos. Isso é com vistas a fazer exatamente o quê sobre o assunto? Suponhamos que um sujeito diante de olhar uma nota fiscal completa seja tomado de um ímpeto de conscientizaçao politica e então procure um partido liberal / libertário e diga “maravilha, estou revoltado, como vamos consertar isso?”. Qual é a resposta para esse tipo de pergunta? Se um dos pontos do texto do Pedro (com o qual eu concordo) é que é preciso parar de defender apenas idéias abstratas, então é preciso ter uma proposta concreta sobre o assunto. Qual é o objetivo final, baixar o ICMS para 20%? 15? 10%? Eliminá-lo? Em que prazo? Como será implementado? Evidentemente é impossivel fazer isso com o orçamento do jeito que é, então como será enxugado o orçamento? Qual é o plano? E a resposta é que não há plano! Se o plano acaba aí então essa plataforma política consiste em juntar um bando de pessoas para ficarem concordando umas com as outras que alguém deveria fazer alguma coisa.

          Além disso, mesmo pensando em termos de baby steps, o que concretamente essa proposta muda? Absolutamente nada! Se é para propor baby steps em nome de que é preciso defender, a curto prazo, propostas moderadas e realistas que tenham de fato alguma chance de serem implementadas, então que pelo menos elas tenham *algum* impacto concreto em irmos na direção certa. Concordo, não precisa nem deve ser tudo ou nada; podemos por exemplo propor leis intermediárias para certas categorias de produtos e serviços, para certos tipos de quantidade, podemos mudar alíquotas, podemos estabelecer tetos, etc. Mas novamente, é preciso ter uma visão estratégica de qual o objetivo eventual, tanto para saber *quais* baby steps tomar quanto para conquistar minimamente o apoio geral.

          Aliás, um outro ponto do texto do Pedro é justamente que é preciso fazer algo que saia da estratosfera e conquiste a audiência. Eu não poderia concordar mais. Mas então a primeira proposta que ele apresenta é essa das notas fiscais. Que apelo tem isso para o cidadão comum? Por que ele defenderia essa idéia, por que ele se importaria com um partido que defenda essa idéia, e por que ele se importaria com essa idéia se implementada? Os porteiros e empregadas domésticas que constituem vastas massas da nossa população lá ficam preocupados em ler o ICMS discriminado em suas contas de luz? Ou na nota fiscal completa que recebem das Casas Bahia quando compram uma televisão? Eu não acho que essa seja nem remotamente uma forma eficaz de chegar neles. Se é pra chegar neles, é preciso falar com eles em termos humanos, explicar por que deveriam se importar com isso e o que pode ser feito concretamente sobre o assunto. Tentar conscientizá-los listando números em notas fiscais é precisamente o tipo de estratégia academicoburocratotecnocrática que continua aprisionando o movimento liberal / libertário na obscuridade e irrelevância.

          Saudações,
          Sergio

  2. João says:

    “Mas nós já sabemos quanto custa o estado”

    Nós sabemos. Mas nós somos muito poucos. A imensa maioria desconhece, especialmente os mais pobres. Acho que seria bom eles começarem a saber, uma boa “democratização da informação” (hehe).

    • Oi João,

      Em outras épocas, ou se o sistema fosse diferente, eu poderia concordar que o problema é de democratização da informação. Mas hoje em dia, está tudo aí, aberto, disponível, inclusive já faz parte do modelo da nota fiscal brasileira listar o ICMS, ele apenas não figura no modelo simplificado. Então quando eu digo “nós já sabemos quanto custa o estado” eu não estou falando de nós aqui numa minoria restrita; estou falando de nós brasileiros em geral. O problema não é que a informação não esteja disponível, o problema é que 1) ninguém dá a mínima para ela 2) mesmo quem dá não vê quem apoiar para consertar isso.

      Achar que colocar o imposto na nota fiscal vai repentinamente causar uma grande conscientização cívica é como achar que as pessoas não aprendem matemática superior por falta de acesso a livros de matemática. Não que investir em bibliotecas não seja uma boa idéia, eu sou completamente a favor, e o sistema de bibliotecas públicas poderia ser melhor, mas não é por isso que as pessoas não aprendem matemática superior. Se é para conscientizar, o que é preciso *mesmo* é chegar nessas pessoas com um discurso compreensível para elas chamando a atenção para o impacto do imposto na vida delas, argumentando que não precisa sem assim, e com uma proposta concreta do que fazer sobre isso – mesmo que começando devagar e realisticamente.

      Saudações,
      Sergio

  3. Osias says:

    Não dá… não tem como fazer NENHUMA proposta libertária decente se tudo que for falado puder ser respondido com “ninguém dá a mínima pra isso”. E pelo jeito tudo pode.

    • Oi Osias,

      Eu muito não acho que seja esse o caso de *qualquer* proposta. Por exemplo, eu não acho que “ninguém dê a mínima” para, digamos, a descriminalização da maconha. Mesmo medidas menores e intermediárias nessa direção têm grandes conseqüências práticas que eu acho que mobilizam sim a atenção e o envolvimento do cidadão comum.

      Mesmo se for para ficar no caso dos impostos, o que eu estou sugerindo é que era preciso ter para defender alguma proposta objetiva que fosse fazer alguma diferença, mesmo ficando no mundo do realista e possível. Nem que fosse “vamos diminuir o ICMS de 30% para 25%. Que não é ideologicamente dramático mas tem efeito concreto. Mas claro que isso é apenas um exemplo ilustrativo; para propor algo desse tipo é preciso ter um plano muito mais elaborado do que “vamos baixar impostos aleatoriamente”. É preciso pensar que leis precisam ser mudadas, como, etc. Provavelmente antes de propor isso ser viável é preciso propor mudanças no orçamento. Mas então que se as proponha. Agora, propor mudanças cujo maior – possivelmente único – impacto pretendido é “conscientizar as pessoas” sem ter um plano para apresentar para elas uma vez que elas fiquem “conscientizadas” é extremamente contra-producente. E mesmo pensando em termos de “ganhar a audiência”, algo que concordo, é crucial, esta medida das notas fiscais me parece extremamente pouco eficaz e de muito pouco apelo e carisma. Como eu já disse, o ICMS já consta oficialmente das notas fiscais brasileiras (apenas não da simplificada) e ninguém parece ficar muito revoltado com isso. As pessoas que gostaríamos *mesmo* de atingir em grande parte não sabem nem calcular uma fração ou explicar o que significa a sigla ICMS. Não é por aí que vamos chegar nelas. Novamente, não que eu ache que a medida seja nociva em si, apenas acho que absolutamente não serve como elemento fundador de uma visão estratégica, e como medida tática de curto prazo me parece extremamente pouco conveniente ou eficaz para eleger como bandeira.

      Saudações,
      Sergio

      • Osias says:

        Mas é justamente a maconha o maior exemplo! Desde que foi proibida, não conseguiram “desproibir”, porque mesmo usuários que se dizem amantes da coisa “não estão nem aí” pra mexer nas leis.

        Eles já não cumprem lei nenhuma, mesmo!

        “vamos diminuir o ICMS de 30% para 25%” –> como você disse, o cidadão médio não sabe nem o que é fração. E nem eu, que tenho curso superior, também me engajaria numa campanha dessas. Por ter certeza que o governo criaria outro imposto pra compensar a perda da arrecadação. Provavelmente esse novo imposto seria implantado antes mesmo do ICM ser diminuído e MESMO se ele não fosse.

        O único tipo de proposta que me parece que “seduziria” as pessoas para uma campanha seria o tipo que promete dar coisas a elas, tipo “almoço grátis para todos”.

        • Pois então, o problema não é nem remotamente tanto de informação quanto de mobilização, e em grande parte de relações públicas mesmo. O sistema é quebrado e maluco mas é o que é, e ou vamos partir para a luta armada (estou fora) ou o negócio é mesmo de alguma forma conseguir o voto das pessoas que estão aí. Agora, é preciso fazer isso com propostas que simultaneamente tenham apelo popular e que façam sentido dentro da plataforma libertária. E note, não é preciso que as pessoas fiquem tomadas de ardor cívico incontido, e sim que votem em você e não no sujeito do lado. Mas para isso é preciso se conectar com elas em algum nível.

          Meu exemplo sobre o ICMS era precisamente apontando que é preciso ter uma proposta objetiva de como baixá-lo, se é este o propósito. Estratégias ingênuas darão em besteiras como você apontou e eu concordo. Mas qual é o plano então? O plano é conscientizar as pessoas de que os impostos estão altos… e fim?

          Agora, essa afirmação de que “os usuários de maconha já não cumprem lei nenhuma mesmo” é completamente, totalmente, exageradamente absurda. Novamente, são idéias assim que afastam e alienam os liberais de 99% da população.

          Saudações,
          Sergio

          • Osias says:

            O que quis dizer é que alguém que hoje não se importa com a lei e fuma assim mesmo tem pouca razão pra querer mudar a lei. A frase foi exagerada, mas era isso.

            • O que quis dizer é que alguém que hoje não se importa com a lei e fuma assim mesmo tem pouca razão pra querer mudar a lei. A frase foi exagerada, mas era isso.

              Bem, sempre é possível (na verdade fácil) achar inconscientes que não consigam juntar A com B, mas imagine ser forçado a ter que ficar subindo favela porque o governo resolveu fazer uma lei sobre o que você pode fumar ou cheirar… isso sem falar nas conseqüências para absolutamente todos, usuários ou não, em termos de segurança pública. Então esse é um tema que de fato afeta diretamente a vida das pessoas de uma forma muito prática.

              Agora, argumentar que quem desobedece a lei então é porque não se importa, novamente, é uma afirmação que desconsidera completamente motivações libertárias – sejam elas explícitas ou não. Existem outros motivos que não simplesmente ser irresponsável ou inconsciente para não seguir a lei, entre eles *não concordar* com a lei, mas no caso mais geral (não estou afirmando que seja usualmente o caso do uso de drogas) até mesmo deliberadamente como ato de desobediência civil. Eu diria inclusive que há várias situações históricas limite em que desobedecer a lei é um dever moral e cívico. :-)

              Mas sem precisar ir tão longe, eu continuo achando bastante impróprio derivar do uso de drogas ilegais a conclusão de que o usuário não está nem aí para qual seja a lei ou o comportamento do governo sobre o assunto. Aliás, me parece mais provável o contrário. E além disso seu argumento ignora completamente o fato de que esse é um tema que interessa e tem grandes conseqüências para todos, não apenas aos usuários. A vida de todos se torna um lixo a partir do momento em que para milhões de pessoas poderem fumar ou cheirar o que quiserem são literalmente forçadas pelo governo a sustentar o crime organizado.

              Saudações,
              Sergio

  4. Natália Giordani says:

    Sergio,

    começo dizendo que concordo que do ponto de vista de ganhar apoio eleitoral para reformas concretas, é absolutamente necessário apresentar uma plataforma, com dois componentes: uma visão clara de onde queremos chegar, que pode ser remota e até (na minha opinião) levemente utópica, contanto que seja concreta, e um “roadmap” de como chegar até lá, com ênfase em medidas realistas, implementáveis no Brasil de hoje.

    (Uso neste texto o termo ‘liberalismo’ como sinônimo de “libertarianismo”.)

    No entanto, não concordo que conscientizar seja vão sem que haja uma plataforma política implementável, talvez até já encarnada em um candidato, para a qual possamos encaminhar “os conscientizados”. Veja, conscientização não é somente a conscientização dos eleitores. Aliás, no estágio em que estamos no Brasil, a conscientização dos eleitores talvez seja precoce. Um estágio anterior e igualmente importante de um programa de conscientização é a conscientização de um grupo selecionado que virá a ocupar posições-chave na sociedade; são os futuros juristas,economistas e policy-makers, para não falar nos professores, entre os quais a esquerda fez um excelente trabalho, aliás, difícil de reverter.

    Conscientizar não é apenas criar ciência nos eleitores sobre certas posições ou programas políticos. É também introduzir ao público certo as ideias que defendemos, é “recrutar” defensores para essas ideais e disseminá-las na sociedade. Precisamos oferecer a possibilidade de uma educação nas ideais liberais a uma elite intelectual, que então poderá desenvolver e debater uma plataforma política concreta, e ao mesmo tempo procurar fazer com que o equilíbrio da moderação política vá mais para o lado liberal, esticando a escala de posições possíveis ao introduzir ideias radicais e favorecendo a receptividade a suas versões mais moderadas e mais imediatamente acessíveis.

    Antes de conquistar os eleitores para nossas reformas, precisamos formas os reformadores. Por enquanto, somos muito poucos, muito espalhados — não temos condições reais de nos inserir no cenário político. Creio que é nos ocupando da educação (e multiplicação) da próxima geração de liberais que poderemos formar a base de apoio necessária para uma atuação em rede. Aí sim caberá uma outra etapa de conscientização, essa sim de cunho diretamente eleitoral. Mas por ora, na minha opinião, não é um erro que os liberais não estejam falando aos porteiros; não estão porque não pretendem, porque não crêem que seja o momento.

    Mesmo fazendo essa distinção entre pelo menos dois tipos de conscientização, porém, creio que você acerta na crítica ao, digamos, “provincianismo” do liberalismo brasileiro. Somos um grupo pequeno e fechado demais, e temos enorme dificuldade em ir além de nossa própria cerca. Falta exposição e talvez uma certa cara-de-pau. Não acho que seja necessariamente um problema que não estejamos falando aos porteiros, mas é um problema que estejamos falando *unicamente* a quem já é liberal.

    O que não é dizer, obviamente, que falar a quem já é liberal seja problemático em si, e aqui defendo o Pedro. Pedro fala em Aristóteles, mas Pedro não está se dirigindo (e provavelmente nem pretende se dirigir tão cedo…) a porteiros ou empregadas domésticas. E nem mesmo a jovens universitários que jamais ouviram falar em liberalismo. Pedro fala aos liberais sobre as estratégias que estes devem adotar para disseminar suas ideias. É uma discussão entre liberais sobre uma estratégia retórica liberal, e não uma defesa do liberalismo para o público. É verdade que o texto só terá repercussão entre os próprios liberais, mas a intenção é essa — trata-se claramente de uma discussão interna ao grupo, e acredito que é uma discussão importante. Aliás, é a mesma discussão que você levanta no seu post, e seria obviamente incabível criticá-lo por não ter apelo para porteiros.

    Numa questão relacionada, achei que a questão das notas fiscais levantou um debate interessante. Por um lado, concordo com o Pedro: acho que é um ponto importante de transparência. Por outro, dou razão a você: isso adianta alguma coisa mesmo? Alguém sequer olha essas notas?

    Eu não acho que isso seja uma grande prioridade, mas acho que um dos motivos pelos quais está na lista do Pedro é que é uma medida acessível. Já houve projeto de lei para implementá-la e tudo.

    Aliás, você criticou o uso da regulamentação coercitiva para conseguir que os impostos apareçam nas notas. Para mim não está claro se seria justificada essa intervenção do estado (acho que concordamos que algumas intervenções são justificadas, mas devem ser pensadas criteriosamente — eu não sou anarco-capitalista, e você também não), mas isso talvez também possa ser uma questão de desregulamentação. Não consegui descobrir ao certo e posso estar errada (quem souber, por favor, corrija!), mas acho que não é sequer permitido imprimir na nota simplificada o valor do imposto, porque o modelo é altamente regulamentado. Por que não *permitir*, então?

    É verdade que ninguém vai espontaneamente olhar para um número a mais em uma nota fiscal e ficar indignado, mas tornar a informação disponível permite que — em um processo de conscientização mais amplo, voltado ao eleitorado — a usemos. Digamos que uma organização libertária fizesse uma campanha como a que você sugeriu: seria fundamental que cada um que assistisse a um comercial desses pudesse então ver na sua própria nota de gasolina o valor pago para encher o próprio tanque. É parte do papel do “conscientizador” chamar a atenção das pessoas para o valor que está na nota fiscal e ajudá-las a entender o que aquilo significa na prática, mas é importante que ele esteja lá pra ser visto.

    Essas são algumas reflexões sobre a situação do nosso pequeno movimento liberal/libertário no Brasil. Há muito trabalho a fazer, mas continuamos procurando fazê-lo. E em termos de se apresentar ao eleitorado com uma plataforma política, deixo o link para o site do recém-fundado partido libertário, no qual figura uma extensa lista de Propostas: http://www.libertarios.com.br.

    Sds,
    Natália

    • começo dizendo que concordo que do ponto de vista de ganhar apoio eleitoral para reformas concretas, é absolutamente necessário apresentar uma plataforma, com dois componentes: uma visão clara de onde queremos chegar, que pode ser remota e até (na minha opinião) levemente utópica, contanto que seja concreta, e um “roadmap” de como chegar até lá, com ênfase em medidas realistas, implementáveis no Brasil de hoje.

      Pois é, concordo. Eu acho que os dois componentes são essenciais, e eu vejo os dois capengas no presente momento. É preciso ter tanto uma visão estratégica clara, forte, unificadora e definidora da identidade do movimento e de onde se quer chegar a longo prazo quanto propostas concretas, objetivas, implementáveis e realistas que possam ser defendidas *hoje*.

      (Uso neste texto o termo ‘liberalismo’ como sinônimo de “libertarianismo”.)

      Bem, eu acho que existe interseção entre os dois mas eu hesitaria muito antes de se referir a eles com sinônimos. :-)

      Aliás, no estágio em que estamos no Brasil, a conscientização dos eleitores talvez seja precoce.

      Pois já eu acho exatamente o oposto. Eu acho que se deveria sim tentar atingir diretamente o eleitor. A estratégia atual é absolutamente elitista e não está tendo nenhum impacto significativo. Agora veja só por outro lado o Collor se elegeu presidente vindo (em termos nacionais) de praticamente nada e membro de um partido inexistente. Como isso foi possível? Por algum tipo de conscientização? Porque a “inteligência” do país se convenceu da profundidade de sua plataforma política? Não, foi uma mistura de um discurso populista que teve enorme eco na população em geral com ele ter sido escolhido como o Anti-Lula pelas direitas. Mas para ele sequer ser uma escolha razoável como Anti-Lula ele precisou primeiro de alguma forma conectar com o eleitorado em algum nível, e isso ele fez magistralmente. Essa estratégia elitista de “conectar com a intelectualidade” é suicida.

      Agora veja, se o objetivo é “conectar com a audiência” e a audiência é o povão, essa estratégia elitista é fadada ao fracasso. Essa medida das notas fiscais, por exemplo, tem conteúdo emocional zero e parte do princípio de que as pessoas vão ficar espontaneamente revoltadas se tiverem mais “informação”. Essa me parece uma leitura *extremamente* equivocada de como mobilizar as massas. Se queremos conquistar o apoio de quem não pensa o plano não pode ser esperar que repentinamente comecem a pensar. Tem que ser algo muito menos cerebral e muito mais emocional. Não precisa (e nem deve) ser mentiroso e manipulativo por ser emocional, mas é por aí que se vai chegar nas massas. Veja só por exemplo o Brizola; 90% do tempo seu discurso se analisado logicamente era completamente vazio de conteúdo. No entanto as pessoas ouviam ele falando e ficavam emocionadíssimas. Novamente, quero reiterar que não estou advogando um discurso vazio, mas não adianta ter um discurso elaboradíssimo mas completamente insosso e desprovido de emoção e carisma.

      Mas se por outro lado a audiência são as pessoas pensantes, se ainda não “chegou o momento” de falar aos porteitos, bolas, a elas não falta informação, elas já sabem quanto imposto pagam e o que querem é um plano para concretamente fazer algo sobre o assunto. Ou então acham que imposto tem mais é que ser alto mesmo. Seja como for, se queremos o apoio de quem pensa precisamos apresentar propostas concretas que se encaixem numa visão estratégica de longo prazo. Eu por exemplo não votaria num deputado cuja maior bandeira fosse aprovar esse negócio das notas fiscais. Eu não teria nenhum problema em votar num deputado que *também* defendesse isso, mas como *bandeira* para mobilizar apoio público e para representar onde ele quer levar o país? Uma coisa é ser realista, outra é isso não ser parte integral de um plano maior.

      Antes de conquistar os eleitores para nossas reformas, precisamos formas os reformadores. Por enquanto, somos muito poucos, muito espalhados — não temos condições reais de nos inserir no cenário político.

      Pois é, eu absolutamente não concordo que seja por aí. O Enéas foi deputado recordista de votos sem que a maioria do eleitorado entendesse absolutamente nada do que ele defendia. Mas ele defendia com entusiasmo, e isso foi muito mais importante do que qualquer “conscientização”. Essa idéia de primeiro conquistar a intelectualidade é suicida, inclusive porque a intelectualidade, especialmente a brasileira, tem uma tendência atávica às esquerdas. Eu diria que no nível visceral, especialmente para os liberais, provavelmente é mais fácil se conectar com o lado conservador e tradicionalista do povão brasileiro (vide popularidade do Maluf) do que apelar para uma improvável revolução no nível de sofisticação do seu pensamento político.

      Essa idéia de fazer uma “revolução gramsciana ao contrário” não funciona. As ideologias coletivizantes e totalitárias podem se dar ao luxo de manipular o ideário popular através de desinformação e lavagem cerebral, prometer paraísos ou ameaçar catástrofes se você fizer ou não fizer o que o governo recomenda. Já fazer o contrário e prover informações verdadeiras não leva automaticamente a efeito simétrico. As pessoas falam “bah” e vão ver novela. Essa é a tragédia dos libertários – é possível e coerente forçar as pessoas a serem escravos, mas não a serem livres. :-P

      Falta exposição e talvez uma certa cara-de-pau.

      Eu não diria cara de pau; falta mais entusiasmo visceral, falta emoção e carisma. Falta convicção. Faltam propostas fortes e relevantes mesmo que não sejam para amanhã.

      Por que não *permitir*, então?

      Porque seria necessário criar ainda mais um modelo de nota fiscal. Então ou teríamos dois modelos de nota simplificada e cada um escolhe o que quer ou mudamos o modelo simplificado e na prática fica obrigatório listar o imposto. Note, algo que eu não acho particularmente ruim, apenas também não acho particularmente relevante, e fica ainda mais sem sentido ao não se encaixar num plano maior. Suponhamos que tomado de fervor anti-estatal ao ler o imposto numa nota fiscal eu então pergunte “ok, estou conscientizado, qual é o plano?”, qual é a resposta?

      seria fundamental que cada um que assistisse a um comercial desses pudesse então ver na sua própria nota de gasolina o valor pago para encher o próprio tanque.

      Se *doutorandos* freqüentemente não lêem os papers que citam em sua tese, você acha que as massas vão ir lá verificar se as informações que você está dando para elas são verdadeiras? As mesmas massas que acham que falam com parentes mortos lá no templo espírita? Note, claro que devemos dar informações verdadeiras, mas o que vai convencer as massas não é isso. Credibilidade e estar certo são na prática duas coisas completamente separadas. É patologia dos intelectuais confundir as duas. Tentar convencer as massas usando lógica é como tentar fazer um caminhão levitar com o poder da mente. Isso não funciona nem com quem deveria funcionar. O discurso político tem natureza bastante diversa do discurso acadêmico.

      deixo o link para o site do recém-fundado partido libertário,

      Bem, eu não concordo com vários posições lá colocadas. :-) Novamente, essa é a praga do libertarianismo – é particularmente complicado atingir unidade ideológica em torno de um movimento político baseado na idéia de que as pessoas devem ser deixadas em paz para pensarem e agirem tão livremente quanto possível. :-)

  5. [...] sobre o primeiro ponto, a discriminação fiscal dos impostos. Daí veio o Sérgio de Biasi e fez um longo texto criticando a opinião do Pedro Sette e… linkando aqui [...]

    • - não há, por parte do cidadão médio, conhecimento algum sobre o que seja o liberalismo, quais são suas ideias, quais os objetivos, etc… E então como virá alguém dizer-lhe: “não vote no Lula, vote em mim, eu vou reduzir os impostos e acabar com os gastos estatais”. O camarada está querendo Estado adoidado desde os tempos do Getúlio. Sem um movimento na direção de obter a hegemonia (sim, falo em termos gramscianos), qualquer iniciativa política de um ideário diverso do vigente encontrará o fracasso e será uma atitude calcada em abstrações, não em realpolitik.

      Olha, eu até entendo a necessidade de ter mais impacto ideológico. Mas uma parte substancial da minha crítica é que me parece que essa proposta falhe sob este aspecto também. Que isso está equivocado até mesmo pensando em termos de revolução gramsciana. Vou fazer uma comparação ilustrativa. Suponhamos que nós fôssemos comunistas e quiséssemos que as pessoas se “conscientizassem” sobre como são expoliadas. Então resolvêssemos que todas as empresas têm que explicitar a mais-valia publicando, no contracheque de seus funcionários, seu lucro dividido pelo número de funcionários, isto é, qual é o lucro médio efetivo que aquele funcionário está provendo à empresa. Então um cara com salário mínimo talvez visse lá que está tecnicamente dando um lucro de 1000 reais por mês à empresa. Agora me diga, foi esse tipo de tática que eles usaram para chegar à hegemonia? A maioria das pessoas vai olhar para aquele número e não saber o que fazer com ele. A hegemonia gramsciana não é obtida divulgando a verdade, não é ganha na arena no debate acadêmico, e sim na do discurso político, conquistando de alguma forma o apoio visceral, emocional, irracional das pessoas. Se quisermos ser honestos faremos isso sim dizendo a verdade, mas estar certo e ganhar adeptos são duas coisas muuuuuito diferentes. Inclusive, repito, no caso do imposto, ele já está amplamente disponível em grande parte dos produtos e serviços consumidos – apenas não consta da nota simplificada.

      Inclusive eu acho que as diretas superestimam enormemente a penetração do discurso das esquerdas no imaginário popular brasileiro. Ele é grande apenas em termos de enxergar o estado como mega-provedor, mas isso precede o Lula e marxismos da vida e vem muito mais de uma tradição estatófila européia que herdamos dos portugueses e que não tem muito a ver com “justiça social” ou nada desse tipo. Mas quando se começa a falar mesmo em comunismo e etc, a receptividade é muito baixa em grande parte da população, que tem um lado muito convervador e tradicionalista. O Lula tentou por anos e anos ser presidente, e só conseguiu quando literalmente *desistiu* de falar abertamente em certos aspectos da plataforma socialista do PT que nunca foram abandonados. E se pôs então a falar coisas como estas aqui (note principalmente o trecho final) :

      Então ele vem dizer que vai dar emprego para todo mundo, acabar com a fome, *e* reduzir impostos, maravilha, ganhou a eleição. Irrelevante que isso era completamente incoerente e infactível, e nem sequer era o que ele realmente pretendia fazer. Agora, é contra isso que se defronta em política. Não adianta estar “certo” ou ter os fatos do seu lado. Não é suficiente, e em grande parte dos casos nem sequer necessário. Novamente, não estou advogando que mintamos, e sim afirmando que estar certo absolutamente não é nem perto de ser um começo de uma estratégia eficaz. Achar que vamos mostrar a verdade e as pessoas vão dizer “ih, é mesmo!” é dar crédito demais a coisas que não estão lá. As pessoas querem alguém que lhes diga o que fazer, não alguém que lhes incentive a pensarem. E infelizmente essa afirmação se estende de forma surpreendente a públicos mais sofisticados do que gostaríamos de admitir. Veja, o principal problema do Serra, por outro lado, *disparadamente* era não ter carisma. Precisamos de idéias fortes e de estratégias com apelo popular que não traiam nossos ideais. Mas provar por A+B que estamos cobertos de razão e achar que as pessoas vão então pensar “e mesmo!” é algo que funciona exclusivamente (quando funciona!) na arena acadêmica.

      - bom, não vejo problema em citar Aristóteles sendo que o Pedro não está na padaria da esquina tentando convencer ninguém. Ele está comentando sua própria ideia para seus “pares”, pessoas que sabem quem foi Aristóteles e a que ele se refere. Aristóteles não é menos “concreto” que qualquer outra justificativa para uma ideia.

      Mesmo no nosso nivel de discurso, eu vejo problemas sim em achar que baste afirmar que Aristóteles falou que “o negócio é usar antimema” para isso automaticamente estabelecer o ponto. Mas nesse contexto, minha crítica principal era que não estamos aqui falando de um debate escolástico entre doutores, estamos falando de como conseguir que as pessoas por aí se sintam emocionalmente identificadas com um movimento e estejam dispostas a apoiá-lo, e isso *muito* transcende estar tecnicamente certo, ou mesmo convencê-las intelectualmente. Inclusive é não só perfeitamente possível como absolutamente comum estar coberto de razão, esfregar na cara de alguém que você tem razão, apresentar argumentos irrefutáveis que a pessoa absolutamente não tem como rejeitar, e a pessoa ignorá-lo completamente assim mesmo. Então não se trata de achar a forma “certa” do argumento que será mais persuasivo. Tentar ganhar essa batalha permanecendo na arena intelectual para começar é que não vai funcionar nunca. As pessoas nem sequer precisam concordar com você para apoiá-lo para começar.

      Não parece muito lógico para o Sérgio dizer que a ideia não teria efeito prático algum quando ele mesmo nos mostra que nos EUA o valor dos impostos está discriminado.

      Isso me parece muito mais uma conseqüência do que uma causa.

      Justamente lá, em que o movimento liberal é forte, que o movimento popular das tea parties (que, em si, não me parecem boa coisa, por motivos outros) clama justamente por menos impostos… Claro, a medida da listagem de impostos nasce em uma sociedade que já tem um ideário liberal ativo e fortemente arraigado em grande parte da população. Porém, não me parece errôneo afirmar que não é o caso de ovo e galinha: se não ocasionaria em mudanças instantâneas, a medida daria uma margem de manobra propagandística muito maior que a atual para os liberais.

      Eu não acho, os impostos já estão aí, já são altos, não são segredo, e já estão em grande parte das notas fiscais. O que falta não é acesso a essa informação e sim dar uma outra dimensão de significado a ela.

      Assim como mesmo o operário mais marxista precisa de seu patrão, pode ser necessário precisar de alguma regulamentação para que o cidadão saiba seus direitos. O mesmo raciocínio que eu e o Sérgio empregamos para o caso das propagandas estatais de interesse público (divulgações de direitos, essencialmente) vale aqui. E saber quantos impostos paga, sim, para um liberal é um direito inalienável. Até para saber de quais a sociedade precisa e de quais ela pode ou deve prescindir.

      Novamente, se houvesse qualquer mistério ou segredo sobre o assunto… mas não há. O problema mesmo não é que as pessoas não tenham acesso a essa informação e sim que elas vivem num universo no qual isso não é seriamente questionado. Então novamente, eu não acharia *ruim* fazer parte da plataforma libertária / liberal mudar o modelo da nota fiscal simplificada para ela também incluir o imposto. Mas eu acho que isso não é prioritário, não terá qualquer grande impacto, não criará base para nenhuma campanha que já não pudesse ser realizada *hoje*, e além disso como bandeira política tem carisma zero e impacto limitadíssimo. Novamente, mesmo ficando no terreno dos impostos, onde está uma proposta, limitada e realista que seja, que de fato os coloque um pouquinho mais sobre controle? Eu concordo que algo desestruturado e ad hoc como “vamos baixar o ICMS em 2%” não é um projeto político at all, mas então o que é? Onde está um plano concreto para caminhar na direção de criar limites sérios para a carga tributária total que incide sobre nós? E quais são os primeiros passos nessa direção?

      Então em resumo, como proposta concreta para consertar a situação tributária, esse negócio das notas fiscais não faz nada.

      E como proposta de propaganda e que vise conquistar corações e mentes da nação… ela me parece não só ineficaz como contraproducente. Se é para escolher causas pelo seu efeito de propaganda, mesmo que seu efeito prático não seja revolucionário, o movimento libertário precisa se associar a causas e ações percebidas como mais carismáticas e com muito mais apelo emocional. Novamente, eu não sou *contra* a proposta, assim como não sou contra acabar com o alistamento militar obrigatório. Mas eu acho que como estratégia de conquistar corações e mentes para o peso dos tributos é extremamente deficiente, e uma estratégia que realmente funcionasse prescinde completamente de uma lei como essa para ser iniciada *hoje*.

      Saudações,
      Sergio

      • Vinicius says:

        Talvez eu não tenha sido suficientemente claro, ou melhor, creio ter negligenciado um ponto: essa proposta do Pedro não tem a mínima pretensão de ser final ou prioritária. Ela tem a pretensão de unir os liberais em torno de algo possível, para então desenvolver melhor os outros pontos. É bom lembrar que nem sequer há partidos que defendam esses pontos de vista e ao mesmo tempo tenham qualquer legitimidade ou representatividade para isso. A ideia pode até ser meramente cosmética, mas se todos usarem o mesmo perfume uma vez fica mais fácil se unirem para outras coisas (embora este paralelismo seja péssimo).

        Um adendo: a hegemonia gramsciana parte também de ações e não só de argumentações. Ponto. Mas por outro lado vejamos a diferença entre o marxismo organizar operários para buscar seus direitos e o liberalismo organizar propostas de lei ou similares entre seus entusiastas. Os operários, desde 1848, lutavam contra um poder estabelecido que detinha o monopólio da força: ações concretas eram (e tinham de ser) muito mais radicais do que as dos liberais seriam no nosso presente caso.

        No mais, creio que a discordância básica é a respeito de hipóteses: você acha que a medida não traria impacto positivo algum para o discurso liberal, o Pedro acha que sim e eu concordo com ele em termos: isso, na minha visão, faria parte de um conjunto de outras coisas, que poderiam encontrar melhor desenvolvimento a partir da união em torno de pontos pacíficos. Algo como a Independência Americana: diversos grupos com diversos interesses unidos por uma causa simples, relativamente de médio alcance, mas que tocava em demandas mais importantes para cada um dos grupos, ainda que conflitantes entre si.

        Abraços!

        • Talvez eu não tenha sido suficientemente claro, ou melhor, creio ter negligenciado um ponto: essa proposta do Pedro não tem a mínima pretensão de ser final ou prioritária. Ela tem a pretensão de unir os liberais em torno de algo possível, para então desenvolver melhor os outros pontos.

          Bem, ele introduz essa medida junto com um discurso que levanta 1) que é preciso falar em medidas concretas ao invés de meramente defender idéias e 2) que é preciso conquistar uma audiência mais ampla.

          Eu acho que essa medida é falha pelos dois critérios.

          Agora, existe esse critério adicional que você apontou : é preciso encontrar medidas com as quais para começar os liberais mesmos possam concordar entre si em defender conjuntamente, de forma a sedimentar relações de colaboração politica e para aperfeiçoar a desenvolver a capacidade e os mecanismos de defender causas conjuntamente. Sob ESSE aspecto, essa medida marca muitíssimo mais pontos.

          ações concretas eram (e tinham de ser) muito mais radicais do que as dos liberais seriam no nosso presente caso.

          Eu não estou falando de atos revolucionários, estou falando de que mesmo no terreno do discurso é preciso abandonar a ilusão de que as massas serão convencidas pelo uso da razão ou pela argumentação seja de que natureza for. A hegemonia gramsciana não é obtida através da divulgação de informações e sim da lavagem cerebral – que consiste precisamente em mecanismos de convencimento que deliberadamente buscam contornar o filtro da análise crítica (para o que existem diversas técnicas). Agora, existem formas e formas de chegar nas pessoas, e algumas delas são desonestas e manipulativas, e eu não quero ter nada a ver com estas. Mas por outro lado querer chegar nas pessoas usando exclusivamente a força da razão, especialmente num movimento político, isso ma parece irreal e suicida.

          Saudações,
          Sergio

  6. Ana Beatriz says:

    Oi Sergio,

    acho que facilitar a abertura de novas empresas e desonerá-las um
    pouco teria uma grande apelo. Existe um grande número de profissionais liberais que prefeririam poder emitir notas fiscais legalmente ao invés de comprar uma na esquina – que é o que é preciso fazer ao prestar um serviço para uma empresa, pois elas não querem mais aceitar RPA (recibo de autônomo) com medo de sofrer um processo
    no futuro. Veja só como é nosso governo: existe um RPA que pode ser
    emitido legalmente, mas, como o governo não entende uma relação
    trabalhista sem carteira assinada, o prestador de serviço que emitiu o RPA um certo número de vezes para a mesma empresa pode processá-la
    exigir mundos e fundos. Agora, seria realmente mais producente falar
    em desburocratizar a abertura de empresas, porque falar em flexibilizar
    as relações trabalhistas de forma que fosse seguro aceitar RPA
    deixaria as pessoas apavoradas com a impressão de que estariam
    perdendo algum direito.
    Beijos,
    Ana Beatriz

    • acho que facilitar a abertura de novas empresas e desonerá-las um
      pouco teria uma grande apelo. Existe um grande número de profissionais liberais que prefeririam poder emitir notas fiscais legalmente ao invés de comprar uma na esquina – que é o que é preciso fazer ao prestar um serviço para uma empresa, pois elas não querem mais aceitar RPA (recibo de autônomo) com medo de sofrer um processo
      no futuro.

      Pois é, essa questão dos profissionais liberais é um problema recorrente e muito irritante, especialmente em certas categorias nas quais não se precisa realmente de um escritório ou consultório para ter um negócio 100% autônomo e baseado no seu trabalho pessoal e independente, ou quando ocorrem fora da estreita e tosca realidade de quem pensa em todo mundo como um bando de operários.

      Um exemplo com o qual estou particularmente familiarizado é a área de tradução. Outro é escrever e/ou vender software. A legislação e a política do governo são completamente alucinadas e parecem partir do princípio de que só megacorporações escrevem software ou prestam serviços de tradução, e que o único modelo de prestação regular de serviços é dar expediente (eu fico imaginando um dentista processando um cliente exigindo seus “direitos trabalhistas” após um longo tratamento pelo acúmulo de horas trabalhadas ter configurado vínculo empregatício). :-)

      Eles infernizam a vida das empresas que contratam serviços de autônomos partindo quase automaticamente do princípio de que se trata de algum tipo de fraude, e cobram impostos malucamente diferentes por exatamente os mesmos serviços se você for um autônomo ou uma empresa. Agora, se você resolve sozinho abrir uma firma, é então premiado com encargos fixos malucos e absolutamente arbritrários – como contratar um contador. E isso não porque isso seja uma necessidade prática real, mas por requerimento da lei. Etc, etc.

      Porém, chega num ponto em que abrir uma firma fica quase obrigatório, tanto por causa da quantidade de barreiras e dificuldades e oportunidades de negócios que se perde como autônomo – como você observou, mais e mais empresas se recusam a sequer contratá-lo nesse regime – como por causa das vantagens tributárias. E quem trabalha esporadicamente fica numa situação ainda mais absurda, porque aí os custos fixos arbitrários criados pelo governo tornam manter uma firma ativa o tempo todo simplesmente inviável. O resultado, seja no caso de quem trabalha regularmente como no caso de quem trabalha esporadicamente, é que existe uma enorme e crescente massa de profissionais liberais que acabam recorrendo a como você descreveu comprar notas fiscais na esquina simplesmente para poderem trabalhar. O sistema inteiro é completamente ridículo, e na prática o que ocorre é que você precisa abrir uma firma e ter um monte de encargos arbitrários e malucos para recuperar plenamente seu direito de trabalhar individualmente como autônomo.

      Então o ponto que você levanta transcende até mesmo a questão de ser fácil ou custoso abrir uma firma e entra em toda a questão de a legislação trabalhista brasileira ser maluca a ponto de praticamente força-lo a abrir uma firma simplemente para poder prestar serviços como autônomo. Há muito o que fazer, muito o que mudar. As barreiras ideológicas, políticas, e de outras ordens para mexer nesse vespeiro porém são monumentais. Mas produzir propostas concretas e objetivas de mudanças na legislação que os profissionais liberais pudessem apoiar com votos seria um ótimo começo. Simplesmente apontar que isso é ridículo não é exatamente uma proposta. Note, não estou criticando o seu comentário, e sim apontando que os partidos políticos que adotam esse discurso precisam começar a produzir plataformas e projetos concretos sobre o que fazer sobre isso.

      Beijos,
      Sergio

      • Claudio says:

        Na boa, em termos de Brasil essa discussão equivale e discutir se vai pintar a merda de branco ou de bege. Até parece até que o Brasil é um país de liberais empreendedores (não que estes não existam) com uma população esclarecida, que foi tomado de assalto, contra a vontade, por um governo socialista e “nossa” missão é devolver o país ao liberalismo ao povo que tanto o almeja. Partido Lbertário aqui é como Partido Comunista nos EUA: só existe pra masturbação ideológica. A saída é uma só e quem pode, já tomou: Galeão / Guarulhos.

        • Esse problema é na verdade mais universal que o Brasil. As pessoas em geral não querem ser livres, não estão prontas para a liberdade, e não tem a mais remota capacidade de aceitar a responsabilidade pelas conseqüências das próprias escolhas. :-P

  7. Esse movimento e essas propostas já existem.

    Nós, os Libertários, defendemos:

    Quanto à Organização do Estado: descentralização administrativa e real federalismo; redução drástica da carga tributária; simplificação dos impostos; fim da progressividade tributária e das cobranças em cascata.

    Quanto aos Direitos Individuais: o direito de propriedade é o direito individual essencial e não pode ser relativizado em nenhuma hipótese. Negamos a função social da propriedade e a função social dos contratos. A liberdade de escolha do indivíduo não pode ser suprimida, salvo em caso de lesão ao direito de outrem. Defendemos, ainda, a descriminalização dos “crimes sem vítima”; descriminalização do uso de drogas; legalização de jogos de azar; união civil entre quaisquer cidadãos e liberdade de formas do casamento; fim do alistamento militar obrigatório; fim da discriminação oficial estabelecida pelas cotas raciais; garantia do direito à posse e porte de arma; reforma política ampla, liberdade para criação de partidos, inclusive regionais, correção da proporcionalidade na Câmara dos Deputados, fim do fundo partidário e fim do voto obrigatório; liberdade de imigração e emigração.

    Quanto aos Serviços Públicos: retirada do Estado da prestação de serviços públicos, tais como educação, saúde, infra-estrutura, administração presidiária, entre outros.

    Quanto ao Sistema Econômico: eliminação dos controles de salários, preços, aluguéis, lucros, produção e juros; fim do favorecimento público a setores privados da economia; fim do controle monetário com extinção do Banco Central; plena liberdade econômica; fim dos monopólios estatais; privatização das empresas públicas e sociedades de economia mista; fim da interferência governamental nas relações trabalhistas com total liberdade entre as partes; liberdade de organização sindical; livre mercado com circulação de bens, produtos e serviços.

    • Oi Juliano,

      Bem-vindo. :-)

      Pois é, de fato as propostas listadas em http://www.libertarios.com.br/ são o que mais se aproxima do que estamos aqui discutindo. E em termos de direção ideológica, eu concordo com grande parte do que você listou no seu comentário. E certamente me identifico genericamente com as idéias por trás das propostas mesmo quando não concordo com uma proposta específica ser a melhor expressão dessas idéias.

      Porém, o espírito do que estou falando sobre a necessidade de ter propostas mais concretas é o seguinte. Existem algumas propostas aí que são mais ou menos auto-explicativas e que não tem muito o que discutir sobre como fazer, como o fim do voto obrigatório. Mas por outro lado, existem várias outras para as quais é preciso apresentar um plano mais específico. Eu concordo genericamente por exemplo com “redução drástica da carga tributária”. Porém, a partir do momento em que passamos do mundo das idéias e do discurso filosófico para a arena da ação politica concreta, é preciso ter uma agenda mais detalhada sobre o que exatamente significa “redução drástica” e como efetivamente implementá-la. Reforma tributária é universalmente algo infernal de se fazer em qualquer país, e de qualquer forma não adianta nada diminuir um imposto aqui para aumentar outro ali. Então é preciso ter um plano mais específico sobre como deveria funcionar a tributação. Estamos defendendo o quê, o imposto único? Com ou sem alíquotas? O que deve ser tributável? Renda? Vendas? Propriedade? Heranças? Circulação de mercadorias? Quem deve ter poder de tributar? A federaçao, o estado e as municipalidades separadamente? Um estado deve poder cobrar imposto de renda, por exemplo? Qual é o máximo encargo tributário total que se considera aceitável? Como garantir juridicamente que não será ultrapassado? Como será recolhido? Etc, etc, etc.

      Agora, isso daí, embora fundamental, é só o começo – essa é a visão estratégica de longo prazo, que dá um objetivo mais específico do que “tem que diminuir os impostos” que nos permita saber em que direção empurrar a coisa, e que permita às forças que poderiam nos apoiar tomarem uma decisão mais segura sobre se querem fazê-lo ou não.

      Mas a partir daí e em cima disso é preciso levar em conta duas coisas (que o Pedro cita em seu artigo) : é preciso ter 1) uma estratégia concreta sobre como chegar nessa visão de longo prazo a partir de onde estamos e 2) é preciso conquistar o apoio de uma audiência bem maior do que nós mesmos.

      Para resolver 1, não basta saber onde queremos chegar. É preciso ter propostas realisticamente implementáveis hoje, ter projetos de lei que partam de como as coisas são hoje e que tenham alguma chance de serem aprovados e que de alguma forma coerente façam parte dessa visão de longo prazo. Talvez eu esteja completamente desinformado, mas eu não vejo nenhum dos dois sendo apresentado – nem uma visão estratégica de longo prazo mais detalhada do que princípios gerais sobre qual deveria ser o sistema tributário do país, nem um plano sobre como em passos realistas chegar lá.

      E para resolver 2, não basta estarmos cobertos de razão, da mais cristalina lógica, de posse dos fatos e de argumentos rochosamente sólidos. É preciso ter uma estratégia de ativismo político que se conecte de alguma forma com o imaginário popular, que se conecte com o discurso e a realidade do cidadão comum. E nisso eu acho que os movimentos (primordialmente liberais) que já existem estão falhando absurdamente. O tom é elitista, o discurso é acadêmico e o público é… meia dúzia de pessoas. Não que não deva haver esse tipo de debate de alto nível, mas não é isso que vai capturar a imaginação das massas, que é absolutamente necessária para o sucesso como movimento politico relevante. Tudo bem, talvez não haja verbas para comprar espaço na televisão em horario nobre, mas em tempos modernos felizmente isso talvez não seja necessário, e além disso propaganda não paga tem muito mais credibilidade para começar. Então eu sugiro que seria extremamente conveniente começar a produzir material de divulgação e propaganda voltado para o público em geral, com mensagens claras, fortes, e relevantes, e que busquem firmar uma identidade reconhecível e carismática. Para esse propósito, nada no estilo de ficar explicando teoria econômica. É preciso ao invés disso conectar emocionalmente com as pessoas. Claro, mantendo fidelidade às idéias que se pretende defender, mas não esperando que as pessoas se relacionem com elas no nível do discurso abstrato e intelectualizado.

      Isso tudo colocado, mesmo faltando muito a fazer antes de começar a ter um impacto mais significativo, acho extraordinário e muito animador que tenha sido possível dar a essas idéias uma articulação tão concreta quanto já é no momento. O libertarianismo tem uma história obscura e errática no cenário político brasileiro.

      Saudações,
      Sergio

      • Claudio says:

        Eu acho que, como tudo baseado na ideologia, em vez da observação da realidade, há uma falha absurda em perceber que as coisas existem dentro de um contexto. Vamos apenas a um exemplo: fim do controle de salários. Num país mais ou menos desenvolvido, com um mercado de trabalho mais ou menos dinâmico, uma lei de salário mínimo não é apenas absurda, mas é inútil já que a própria competição faz o serviço de aumentar os salários. Agora traga isso para o Brasil onde há uma gigantesca oferta de mão de obra para vagas limitadas. Sim, podemos afirmar: “ah, mas eu não posso fazer nada se o ponto de equilíbrio da oferta e demanda corresponde a um valor ao qual é impossível sobreviver.” Boa sorte com este discurso na campanha.

        Então temos uma grande parcela da população analfabeta ou analfabeta funcional, totalmente dependente dos ridículos serviços públicos (é, pode parecer surreal mas há pessoas que usam postos de saúde públicos) e vamos chegar pra eles e dizer “Olha só: se eu for eleito vou acabar com isso tudo aí, mas vocês poderão adquirir serviços das fornecedoras privadas que eu não regularei, ok?”

        Esperem sentados pela aclamação popular…

        • Bem, os postos de saúde são financiados com dinheiro de impostos, os quais são pagos pelos próprios beneficiados, então não é tão simples assim. Note por exemplo que só quando acabou o ridículo monopólio das telecomunicações se tornou possivel pobre ter telefone celular.

          Isso sendo dito, eu concordo que simplesmente colocar propostas como essas com base em princípios ideológicos sem medir as conseqüências práticas dentro de um contexto específico, não é por aí.

  8. Gerson B says:

    Exercício gestáltico básico para o povo brasileiro: substituir “govêrno” por “eu” em todas as sentenças relativas a dinheiro. Ex: em vez de dizer ”o govêrno deve sustentar/financiar/pagar tal ou qual coisa” dizer “EU devo sustentar/financiar/pagar tal ou qual coisa”.

    Já seria um começo. Ajudaria o povo a dessacralizar essa entidade mítica, o govêrno. E entender o seu real papel (de bobo, na maioria das vezes).

    • Exercício gestáltico básico para o povo brasileiro: substituir “govêrno” por “eu” em todas as sentenças relativas a dinheiro. Ex: em vez de dizer ”o govêrno deve sustentar/financiar/pagar tal ou qual coisa” dizer “EU devo sustentar/financiar/pagar tal ou qual coisa”.

      Sim, pois é!

      Mas o pior mesmo é o seguinte : mesmo pessoas que TÊM este insight freqüentemente ainda querem explicitamente que o estado lhes diga o que fazer, e isso é mais amplo do que tributos. Por exemplo, limites de velocidade. Ao invés de pensar “Deveria haver um limite de velocidade aqui para as pessoas.” devemos ser seguindo o exempo acima capazes de considerar que isso implica também “Deveria haver um limite de velocidade aqui para mim.”

      Ao que muitas pessoas explicitamente respondem, : “Ah, tem que ter mesmo limite de velocidade, senão eu vou correr demais.”

      Mesma coisa com aposentadoria, por exemplo, mesmo quando o exercício gestáltico é feito explicitamente : “Ah, é melhor mesmo o governo confiscar o meu dinheiro, porque eu não vou ter disciplina de economizar para quando precisar.”

      Claro que grande parte das pessoas não têm suficiente grau de articulação ou mesmo self-awareness para descrever que é explicitamente isso que está acontecendo, mas em muitos casos até tem e dizem tais coisas explicitamente.

      E aí nesse caso, é preciso o exercício oposto : meu caro, se você quer delegar ao governo o poder de administrar sua vida e seu dinheiro, boa sorte, mas não me force a fazer o mesmo. :-)

      Inclusive mais uma vez esbarramos aí com uma questão complicadíssima para os libertários. Supondo que as pessoas queiram o governo lhes dizendo o que fazer, devemos tentar “libertá-las” à força disso? Essa questão fica ainda pior quando consideramos o seguinte : é muito difícil preservar certos direitos se eles não foram razoavelmente universais. Se 95% da população resolver abrir mão da sua liberdade de expressão de forma explicita e contratual, fica *muito* complexo manter esse direito para os outros 5%.

      Então novamente, uma parte substancial da coisa não é apenas libertar as pessoas da opressão, seja do governo, seja de quem mais for. É em grande parte um problema de libertá-las da própria covardia e infantilidade – e aí a coisa começa a ficar altamente confusa, a começar da questão de que autoridade moral temos para dizer às pessoas como viverem suas vidas, em particular se a causa libertária é justamente fundada na idéia de que é prerrogativa de cada um fazê-lo como bem quiser? Em outras palavras, o que fazemos com escravos que querem ser escravos?

      Saudações,
      Sergio

      • Ana Beatriz says:

        Oi Sergio,
        em relação ao que você falou da aposentadoria, acho que qualquer mudança nas regras atuais teria que ser gradual pois as pessoas já se acostumaram a ter o próprio dinheiro administrado pelo governo. Tive uma conversa sobre este assunto com uma amiga na semana passada. Ela era funcionária de uma empresa e seu salário era X, a empresa resolveu promovê-la e deu-lhe duas opções: 1) continuar trabalhando com carteira assinada e receber um aumento (não muito bom) ou 2) virar pessoa jurídica e prestar serviços para a empresa com um salário de 2X + participação anual nos lucros. Ela escolheu a segunda opção, mas agora lamenta não ter “carteira’ e não contribuir para a aposentadoria. Não consegui convencê-la a poupar ou fazer uma previdência privada, pois ela dobrou seus gastos junto com o salário e não consegue sequer separar 5% do que ganha para o futuro. Ela disse que há outras pessoas na empresa na mesma situação – e niguém guarda nada.
        A mim, esta questão de aposentadoria não afeta em nada, pois sou autônoma e tenho bastante disciplina para poupar. Sei também que o governo não administra tão bem o dinheiro e que mesmo um investidor não muito sofisticado poderá ter uma aposentadoria bem melhor com a mesma contribuição que entregaria ao governo. Mas acho que as pessoas que não cuidam disso terminarão pesando sobre a sociedade de alguma forma. Sendo assim, embora a melhor solução para mim seja administrar eu própria o que me pertence, não sei realmente se é bom para todos.
        Uma outra questão importante que um partido libertário teria que deixar bem clara é o que aconteceria com aqueles que já foram obrigadas a contribuir por anos. Hoje se fala muito em falência da previdência, mas não é muito justo o que se faz com os aposentados, pois alguns deles pagaram verdadeiras fortunas ao governo e agora recebem o ridículo teto da previdência. Mesmo os funcionários públicos, que são bem menos injustiçados, poderiam ter muito mais patrimônio se tivessem guardado embaixo do colchão o dinheiro da contribuição.
        Bem, acho importante debater novas idéias, mesmo quando não concordo com tudo. Afinal, na mídia não há debate, apenas a repetição monocórdia de que a redistribuição da renda trará o paraíso na terra.
        Beijos,
        Ana Beatriz

        • Oi Ana,

          Essa questão toda é muito complexa, e envolve várias considerações até certo ponto independentes. Vou então diferenciar aqui três questões.

          A primeira é sobre se é razoável impor a *todos* algo que é “bom” para muitos mas não para todos. Então supondo que a maioria se beneficie de ter contribuição para a aposentadoria descontada à força de seu salário, isso é argumento suficiente para justificar que seja imposto a *todos*?

          Uma segunda questão particularmente problemática para um libertário é : mesmo para quem algo de fato é bom, é razoável isso ser imposto? Por exemplo, é razoável o governo tentar forçar as pessoas na marra a comerem direito e não serem obesas? Tornando por exemplo ilegal vender pizza para quem estiver mais de 10 quilos acima do seu peso? Note, isso não difere substancialmente de legislações sobre ser proibido vender álcool para quem estiver bêbado ou cigarros para menores. Então mesmo no caso de que o governo administrasse bem o dinheiro, e fosse absolutamente bom para a pessoa gozar daquele serviço, isso deve ser imposto a quem mesmo assim não o quiser? Note que em todos esses casos a ruína e desintegração de uma pessoa sempre têm um custo social. Mas será razoável a sociedade então dizer “eu não quero ter que arcar com o custo de você se autodestruir, então diante disso vou cassar sua liberdade”? Onde fica esse limite?

          Finalmente, uma terceira questão, é que mesmo que concluamos que contratar um certo serviço ou tomar uma dada providência deva sim ser obrigatório para todos, isso não significa que tenha que ser o governo a prestar esse serviço. É perfeitamente possível, por exemplo, ser obrigatório fazer seguro do seu automóvel (ou mandar seus filhos pra escola, ou possuir um extintor de incêndio no seu escritório, etc) mas ter liberdade para escolher quem proverá e de quem comprar esse serviço.

          Termino comentando que eu pessoalmente *não* aceito o argumento de que “o que é melhor para todos” deva prevalecer incondicionalmente sobre o que é melhor para as pessoas individualmente. Para mim, essa posição levada às últimas conseqüências nitidamente gera todo tipo de aberraçao e nos transforma a todos em escravos. É preciso haver um equilíbrio entre interesses pessoais e coletivos, e para mim ele não se encontra nem em “cada um faz o que quiser” nem em “você só pode fazer o que maximizar o bem de todos”. As pessoas devem ter explicitamente a liberdade e a prerrogativa de escolherem cursos de ação que não necessariamente sejam os melhores para todos, mas conversamente é também legítimo cercear sua liberdade quando escolherem cursos de ação que prejudiquem excessivamente o bem-estar alheio – como começar a dar tiros para o alto no meio da rua. Esse limite é difícil de achar, mas para mim está claro que não se encontra nos extremos, e isso já é bem diferente do que uma boa parte das ideologias mais fundamentalistas defende.

          Saudações,
          Sergio

  9. Lucas says:

    Excelente post. Concordo com praticamente tudo.

    Só acho que propostas de redução de impostos tem sim um forte apelo popular, principalmente num país com uma classe média crescente.

    E a redução dos impostos não necessariamente é anulada pela agenda esquerdistas. Mesmo um cidadão que acha que é dever do governo resolver quase todos os problemas, gostaria de ser descontado um pouco menos pelo leão, ou pagar mais barato pelo seu ipod. Lembrando que hoje praticamente toda a população possui vários eletrônicos e eletrodomésticos.

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