Breve Bibliografia em Filosofia da Ciência

May 30th, 2010 by Sergio de Biasi

Infelizmente quando me mudei para cá deixei quase a totalidade dos meus livros para trás e à época não os tinha no meu computador, então reconstruir uma bibliografia partindo do que eu li e posso recomendar pessoalmente fica mais complexo dado que primeiro preciso me lembrar do que eu li. :-)

Seja como for, periodicamente recebo pedidos de recomendações sobre o que deve ser lido em filosofia da ciência. Bem, embora eu tenha decidido dedicar minha vida profissional à academia, não é com filosofia da ciência que eu gasto a maior parte dos meus esforços, então qualquer lista que eu proponha terá provavelmente grandes e importantes lacunas. Me reconforto um pouco em saber que isso provavelmente é verdade de qualquer lista desse tipo, dada a vastidão do tema. Enfim, essas são algumas das recomendações bibliográficas pessoais minhas sobre o assunto.

Para começar, eu gostaria de apontar que alguns dos grandes cientistas ao longo da história – aqueles que propuseram idéias tão importantes e revolucionárias que alteraram a própria forma de fazer ciência – se viram forçados eles mesmos a considerarem as implicações filosófica e metafísicas do que estavam dizendo, assim como a olharem para o próprio processo científico e questionarem sua natureza e validade. Então tendo eu sempre sido interessado em ciência, antes mesmo de consumir qualquer literatura exclusivamente sobre filosofia da ciência, já havia lido diversas discussões do assunto por acadêmicos hoje reconhecidos por vezes primordialmente por seu trabalho científico e não por suas discussões de filosofia. Entre eles estão notavalmente Galileu Galilei, René Descartes, Isaac Newton, Ernst Mach, Henri Poincaré, Albert Einstein, Bertrand RussellWerner Heisenberg. Digo notavelmente não apenas em termos de sua relevência intrínseca mas também em termos da influência que tiveram sobre minha opinião sobre filosofia da ciência como sendo um assunto importante. Poucos textos li no original da maior parte deles; na maior parte das vezes li *sobre* o que eles pensavem ao invés de diretamente o que escreveram, tanto pela inacessibilidade das fontes primárias quanto pela sua inescrutabilidade quando lidas contemporaneamente. Mas digo já de saída que é um equívoco gigantesco imaginar que os grandes cientistas desconheçam, não considerem, ou não discutam as implicações filosóficas do que estão fazendo assim como o que os autorizaria no final das contas a afirmar o que quer que seja sobre a realidade objetiva. Inclusive, repito, nas obras científicas mais revolucionárias e relevantes, a ciência esbarra diretamente com filosofia, e na expansão das fronteiras mais avançadas da ciência é necessários discutir explicitamente questões filosóficas. Isso fica claríssimo ao examinarmos o que todos os cientistas acima de fato disseram sobre filosofia da ciência. Infelizmente hoje em dia existe – possivelmente domina – o conceito do cientista não como vocação intelectual mas como “somente um emprego”, caso em que o sujeito está em geral muitíssimo pouco preocupado em questionar paragidmas ou revolucionar qualquer coisa e sim, muito pelo contrário, interessado em investir seus esforços nas direções menos controversas que for possível, receber seu salário e ser deixado em paz.

Uma exceção na lista acima quanto a eu ter consumido primordialmente fontes secundárias é no caso de Einstein. Não que eu não tenha lido muito do que se escreveu tanto sobre ele quanto sobre sua obra científica e seu significado (além de quando estudante de engenharia ter sido submetido à versão-para-universitários da teoria da relatividade especial presente em livros texto de física moderna), mas além disso também li diversos textos escritos pelo próprio, como a coletânea The World As I See it (que na verdade não tem muito sobre filosofia da ciência) e Relativity. Este último de fato fala sobre filosofia da ciência, interessantemente não como um tópico em si, mas como uma necessidade para fazer a ciência da qual o livro trata. Uma parte substancial do livro é gasta discutindo conceitos, como justificá-los, e seu significado.

Outra grande exceção na lista acima quanto a eu ter consumido primordialmente fontes secundárias é no caso de Russell. Autor extremamente prolífico, várias de suas obras permanecem não apenas legíveis como relevantes ainda hoje. O primeiro livro que li dele foi Introduction to Mathematical Philosophy, um clássico absoluto que se por um lado hoje em dia está academicamente um pouco datado, por outro lado permanece perfeitamente acessível e retrata um momento de transição de importância fundamental tanto para filósofos quanto para matemáticos – e de forma mais ampla para cientistas em geral. A única contra-indicação que eu talvez possa ter a esse livro é que possivelmente seja difícil gostar dele para quem por algum motivo se convenceu de que odeia matemática.

Até o momento, porém, venho citando os contatos que tive com filosofia da ciência como efeito colateral de estar interessado em ciência. O primeiro contato que tive com pensadores que se dedicaram mais extensamente a abordar filosofia da ciência como um assunto em si mesmo foi através do curso obrigatório de filosofia da ciência que fiz na PUC-Rio. Um parêntesis aqui para que não sabe – a PUC tem como um de seus princípios a idéia de que todos os seus alunos devem ter uma formação não apenas técnica mas também minimamente humanística e moral, e para satisfazer esse requisito o aluno tem que escolher uma certa quantidade de cursos em filosofia, religião e ética para cursar de forma a poder se graduar. Entre esses cursos, eu fiz o de filosofia da ciência, e isso acabou sendo razoavelmente interessante, por vários motivos. Um deles é que eu parecia ser praticamente o único ser humano na sala de aula remotissimamente interessado nos tópicos sendo discutidos, então as aulas viraram por vezes um diálogo entre mim e o professor com a classe presente assistindo. Outro motivo é que por total coincidência revelou-se que o professor morava exatamente no mesmo prédio que eu, e não tinha carro, e ia para a PUC de ônibus, algo que levava da ordem de 40 minutos. Assim sendo, eu passei a dar carona para ele regularmente, e no caminho já íamos falando de filosofia da ciência, com o resultado de que quando a aula começava a turma estava de fato meio que se juntando a um diálogo pré-existente. Finalmente, como mencionei, foi a primeira vez em que de fato fui apresentado de forma minimamente organizada à literatura da filosofia da ciência como um assunto em si mesmo.

O professor adotou como referência recomendada o autor Alan Chalmers, especificamente o livro What Is This Thing Called Science, que eu concordo que é uma boa introdução ao assunto. Um outro livro do Chalmers que pode valer a pena é Science and Its Fabrication.

Bem, só que a partir daí se abre todo um universo do estudo da filosofia da ciência não da parte dos cientistas mesmos e como parte do processo científico, mas sim partindo de filósofos, e como um assunto em si mesmo ao invés de aplicado ao desvendamento de uma determinada questão científica. É completamente impossivel sequer começar a resumir aqui todas as posições e questões envolvidas, mas posso citar alguns dos autores e livros que considero mais essenciais – ou pelo menos que eu pessoalmente acho que vale a pena examinar. Entre eles (forçosamente incompleta esta lista) : Charles Sanders Peirce, Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, Willard Van Orman Quine, Daniel Dennett. Ressalva : nem todos eles têm igual relevância ou importância e essa lista expressa fortes preferências pessoais. Naturalmente que em qualquer lista deste tipo temos que incluir também Platão e Aristóteles, mas isso além de óbvio eu considero como pré-requisito fundamental para qualquer um que queria falar seriamente seja de ciência, seja de filosofia. E como dizer que “ah, e para discutir filosofia você precisa saber ler e escrever”. Isso sendo dito, não é discutindo Platão e Aristóteles que vamos compreender o que ocorre modernamente seja em ciência seja em filosofia da ciência.

Peirce em particular teve uma vida infernal e é na minha opinião um pensador que se não tivesse sido assolado por circunstâncias adversas teria hoje muito mais relevância do que lhe é concedida. Karl Popper é figura obrigatória em qualquer lista, e seu livro The Logic of Scientific Discovery é um clássico. A obra correspondente de Kuhn é The Structure of Scientific Revolutions, e para quem gostar deste, a continuação obrigatória é Feyerabend, com Against Method. Quine figura nesta lista em grande parte por minha simpatia pessoal :-). Ele nunca realmente escreveu um grande clássico sobre filosofia da ciência. Mas isso não quer dizer que não tenha escrito nem tido influência sobre o assunto, e uma possível sugestão seria From a Logical Point of View.

Finalmente, temos Daniel Dennet, um prolífico e ativo filósofo contemporâneo que se ocupa entre outros assunto com filosofia da ciência, e que acrescento a esta lista em parte porque ele de fato escreve sobre o assunto de forma geral mas mais especificamente porque ele tem a coragem de discutir abertamente religião de forma crítica como não estando de forma alguma à parte do processo científico. A idéia de que a religião possa querer por vezes se colocar como uma “forma de conhecimento” separada da ciência e imune à lógica ou a todas as considerações que (por vezes os próprio religiosos!) fazem ao processo científico é completamente insustentavel. Ou a religião está de fato dizendo algo sobre a realidade, algo com pretensões a ser objetivamente verdadeiro, e nesse caso a filosofia da ciência é relevante e precisa ser levada em conta, ou não está, e nesse caso, importantes que as idéias religiosas sejam, pertencem ao reino da mitologia, arte, literatura ou fantasia, mas não são uma investigação coerente da realidade objetiva. Para quem gostou dessa descrição, eu recomendo o livro Breaking the Spell.

Outros livros que eu aleatoriamente gostaria de mencionar que de alguma forma discutem criticamente como a ciência de fato funciona assim como os fundamentos filosóficos da nossa própria capacidade de compreender qualquer coisa são : Beyond The Hoax (Alan Sokal), Godel, Escher, Bach (Douglas Hofstadter) e Are Quanta Real?.

11 Responses to “Breve Bibliografia em Filosofia da Ciência”

  1. Ana Beatriz says:

    Oi Sergio,
    por coincidência eu estou relendo “A Questão da Técnica” de Heidegger, que tinha lido na época da PUC. É essencial que os cientistas tenham uma formação humanística e também que os leigos tenham alguma familiaridade com a ciência, ao menos para não ficarem dizendo: “A física quântica já provou que…” (complete a frase com o que quiser, eu sugiro “tudo é tudo e nada é nada”).
    Beijos,
    Ana

    • Sim, sim! Concordo plenamente! Inclusive esse foi o tema do meu primeiríssimo texto em “O Indivíduo”. :-)

      E de fato a “Questão da Técnica” discutida por Heidegger é mais moderna e importante do que nunca num momento histórico que que as universidades estão se enxergando cada vez mais como prestadoras de serviços acadêmicos e desenvolvedoras de “produtos” ao invés de como centros de saber, erudição, ensino e estudo. Talvez seja mesmo apropriado colocar que filosofia está para ciência como ciência está para tecnologia. Em outras palavras, a ciência é a filosofia da tecnologia. :-) Por mais que estejam interligadas e conectadas, é um erro achar que (pelo menos no nosso atual estágio de conhecimento) a ciência será “deduzida” da filosofia, assim como é um erro achar que a tecnologia seja “deduzida” da ciência. Ambas se esclarecem mutuamente, mas estamos longe, longe, looonge de chegar num ponto em que podemos deduzir a estrutura do universo a partir de considerações metafísicas, ou de (em grande parte dos casos) partir da ciência pura e criar aplicações tecnológicas apenas com base em considerações teóricas. Vastas áreas de conhecimento e da técnica se baseiam em princípios e métodos que, iluminados que sejam pela ciência, não entendemos direito e não sabemos plenamente justificar. Parafraseando um professor meu, neste curso nós não estudamos o que gostaríamos de entender, nós estudamos o que conseguimos entender. :-)

      Sobre esse negócio de as pessoas começarem a tirarem todo tipo de conclusão filosófica fantástica a partir de resultados obtidos em ciência moderna, isso é realmente *lamentável*. Entre os exemplos mais ridículos estão atribuir ideologias e/ou agendas morais delirantes à teoria da evolução, à teoria da relatividade, ou à mecânica quântica. Agora, em termos de tornar óbvio que estas pessoas não tem a *menor* idéia do que estão falando, o Sokal affair ainda é hors concours. :-)

      Beijos,
      Sergio

      • Claudio says:

        Outro dia vi uma matéria dizendo que “estudos mostram que evolução faz com que os filhotes sejam fofos.” Claro que fui ver do que se tratava: a idéia era de que o processo evolutivo fez com que os filhotes tivessem aparência “bonitinha” para que inspirasse ternura nos adultos. Nem precisa dizer mais nada, precisa?

        • Não sei exatamente quais conclusões você está tirando disso, ou se você acha essa idéia absurda, mas de fato existem vários estudos sobre como os filhos desenvolvem estratégias evolutivas para competir pela atenção dos pais. Essas questões todas se dão de forma muito mais implacavelmente pragmática do que em geral estamos dispostos a admitir. Em algumas sociedades humanas por exemplo nas quais a fidelidade feminina não é o padrão, é comum a prática de os pais (homens) legarem seus bens e herança aos filhos de suas *irmãs* ao invés de aos filhos de suas *esposas* dado que os filhos de suas irmãs são garantidamente consangüineos enquanto que os de suas esposas, sabe-se lá. Fala-se com freqüência sobre a assimetria do custo do sexo para homens e mulheres – para uma mulher pode resultar em gravidez enquanto um homem sempre tem a opção de sair correndo, e além disso uma mulher só pode engravidar de um homem de cada vez, então é um investimento que precisa ser feito com muito mais cuidado pelo lado feminino. Por outro lado, existe também uma enorme assimetria no custo da infidelidade sexual. Se você tem um marido infiel, isso pode resultar em ele ter que dividir seus recursos com outros descendentes que não os seus, mas jamais vai resultar em você engravidar de um filho que não seja seu. Já se você tem uma esposa infiel, isso pode objetivamente resultar em você assumir equivocadamente como seu um filho que geneticamente não é, algo gravíssimo evolutivamente falando. Aí em cima dessas realidades biológicas as pessoas querem construir todo tipo de explicação ético-moral-teológica para justificar o que no fundo não tem nada a ver com bem e mal e sim com evolução e sobrevivência.

          Enfim, nós somos macacos falantes que se acham uns gênios porque descobriram como explodir cidades inteiras em 10 segundos. Mas o que nós somos mesmo é um truque ambulante que nossos genes inventaram para se reproduzir, uma ferramenta acidental para a propagação de informação auto-replicante. Importar-se genuinamente com os outros é uma mutação. O comportamento altruísta evolutivamente bem sucedido surge em geral como epifenômeno do mais pragmático egoísmo. Ser qualquer coisa mais do um robô amoral cuja diretiva número um é assegurar e garantir a proliferação de seu material genético não é impossível, mas exige uma decisão deliberada, uma decisão consciente que vai contra fortíssimas pressões biológicas. Escolher fazê-lo é uma opção intransferivelmente pessoal escorada em última instância unicamente na força da sua vontade.

          Saudações,
          Sergio

          • Leonardo says:

            Esse seu comentário me lembrou que há um exemplo bem engraçado pra ilustrar a noção de fidelidade para o homem e para a mulher.

            Li aqui: http://papodehomem.com.br/sexo-ou-paixao/.

            • Sim, com certeza existe uma assimetria absurda em várias situações, nem sempre favorável ao homem.

              Considere-se por exemplo a seguinte situação : você encontra uma mulher numa festa, conversa com ela, acabam indo para o motel. No dia seguinte ela te liga e você nem sequer atende o telefone. Ela deixa recado e você não responde. Ela liga mais algumas vezes e você acaba atendendo e dizendo rispidamente para ela parar de encher o seu saco. Julgamento padrão : você é um idiota sem consideração, e ela tem total razão em ficar chateada.

              Agora considere o oposto. Você encontra uma mulher numa festa, acaba indo pro motel com ela, liga pra ela no dia seguinte. Ela não atende. Você deixa recado, ela não liga de volta. Você liga mais algumas vezes e ela acaba atendendo e dizendo rispidamente para você parar de encher o saco dela. Você fica chateado. Julgamento padrão : você é um stalker maluco, invasivo e inconveniente, possível psicopata.

              É razoável isso?

              Saudações,
              Sergio

      • Pedro says:

        “(…) as pessoas começarem a tirar todo tipo de conclusão filosófica fantástica a partir de resultados obtidos em ciência moderna, isso é realmente *lamentável*”

        Já vi muito isso com pessoas abusando de Thomas Kuhn. Especialmente quando argumentam contra a evolução, dizendo que a ciência atual está “estagnada” e que falta muito pouco para uma quebra de *paradigma* (odeio essa palavra) total e um novo tipo de teoria que explica “a vida, o universo e tudo mais” vai surgir. Mal sabem elas que a teoria da evolução vai muito bem, obrigado. ;)

        Mas esse assunto me lembrou um texto que eu li recente. Uma conversa (indireta, acho) entre Dick Feynman e Albert Einstein sobre esse suposto papel do cientista. Feynman, sempre muito pragmático, discordaria da necessidade de exercer essa função e centraria-se especificamente no trabalho científico propriamente dito. Difícil não deixar de pensar um pouco também na opinião de Feynman, por este ter sido também um grande cientista…

        Mas isso é só uma divagação. :)

        • De fato, Feynman em alguns momentos expressou uma opinião quase de desprezo com relação a filosofia. :-) Ele era extremamente pragmático e não tinha muita paciência para qualquer coisa que se parecesse com idéias sem conseqüências objetivamente testáveis.

          E sim, é impressionante o quanto certas pessoas supostamente “críticas” não tem a mais remota idéia do que falam quando o assunto é evolução. Ser cético e questionar é saudável, mas é preciso fazer um mínimo de esforço honesto para entender o que já se sabe sobre o assunto, senão vira só ignorância constrangedora. Só para começar, alguns pseudocríticos da evolução não conseguem sequer distinguir entre o absurdamente e exaustivamente estabelecido fato científico de que evolução ocorre (isso é tão cientificamente sólido hoje em dia quanto a Terra girar em torno do Sol) versus teorias sobre por que e como evolução ocorre (área na qual também há enorme sucesso, mas que é separada da observação do fato de que evolução obviamente, observavelmente, escancaradamente ocorre).

          Saudações,
          Sergio

  2. TruthisSuperior says:

    pq nossas boas mentes tem q sair do Brasil? Desculpa por ser off-topic mas tenho uma sincera vontade de chorar ao ver prosperar neste país a maldade com a educação dos filhos da nação, em que já se chegou ao ponto lastimável de distribuir cartilhas contendo conteúdo pornográfico às crianças.

    • Por que nossas boas mentes têm que sair do Brasil? Boa e dolorosa pergunta.

      Eu pessoalmente nunca achei que o Brasil seja intrinsecamente uma droga e preferia mil vezes que não tivesse que fazer escolhas desse tipo. Mas o fato é que para quem quer seguir carreira acadêmica e/ou intelectual, o Brasil é literalmente uma piada. Uma mistura de vários fatores conspira para que a relevância da produção científica brasileira seja RIDÍCULA comparada com seu tamanho, seus recursos, seu poder econômico, sua população, e até mesmo com o potencial humano efetivamente disponível. Até existem instituições, verbas e pseudo-tentativas para reverter isso, mas isso em geral degenera numa grande farsa, num faz-de-conta no qual produzir e transmitir conhecimento é confundido com conceder títulos e posições. Elegemos então um presidente que abertamente considera erudição e intelectualidade algo vagamente inútil e essencialmente burocrático (do tipo “bem, alguém tem que ser contador”), que visivelmente não percebe grande mérito ou propósito em se esforçar para superar as próprias limitações intelectuais, o que não só reforça essa tendência no país todo como em si mesmo evidencia a escala de valores de grande parte dos brasileiros. Para eles, seguir carreira acadêmica é coisa de desocupado, de quem não quer trabalhar, de quem não conseguiu um emprego “de verdade”. Como, sei lá, fiscal do imposto de renda – isso sim é respeitável. Fazer pós-graduação é coisa de quem, coitado, não tem o que fazer. Exceto, claro, ir para um país como os EUA onde de fato existem empregos para os quais a utilidade de um título de pós-graduação não se resume a uma licença corporativista para pleitear uma sinecura. Países como Coréia, China e India conseguiram escapar disso. O Brasil continua atolado na noção de que ter e cultivar uma elite intelectual é algo que será atingido dando a maior quantidade possivel de títulos à maior quantidade possivel de pessoas.

      Mudando *completamente* de assunto, sobre isso de distribuir cartilhas com “conteúdo pornográfico” às crianças, eu nunca canso de me admirar com como as pessoas se revoltam infinitamente mais com crianças terem acesso a imagens e informações sobre algo em princípio positivo, natural, construtivo e biologicamente necessário para a sobrevivência da espécie, como é o sexo, do que com que com as crianças terem acesso a todo tipo de violência física e psicológica retratada das formas mais grotescas em grande parte da cultura moderna. Para mim é *infinitamente* mais danoso e moralmente perverso uma criança ver assiduamente “Big Brother” do que ser exposta a um filme pornô – quanto mais uma cartilha informativa sobre sexo. Eu acho positivo as crianças terem acesso a informação, e acho que é impossivel formar um senso crítico sem ser exposto ao mundo. E o melhor momento para isso acontecer de forma saudável e segura é precisamente enquanto as crianças ainda estão sob a guarda e proteção dos pais. Tratá-las como retardados incapazes até fazerem 18 anos e então soltá-los no mundo dizendo “pronto agora virou adulto” é ridículo.

      Saudações,
      Sergio

  3. Eduardo Ramos says:

    Sergio, utilizei minha tese de doutorado o Bruno Latour, para cientistas sociais definitivamente recomendo o Reassembling the Social.

    Saudações!

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