Organizações de direitos humanos do mundo inteiro rejubilam-se com a prisão, na Inglaterra, do ex-ditador do Chile. Um número cada vez maior de vozes se levanta para anunciar que este é o prenúncio de uma nova ordem mundial, na qual tribunais internacionais terão competência para julgar e condenar pessoas em qualquer parte do planeta. E festejam isso como um avanço em direção à liberdade, justiça e dignidade da raça humana.
Esquecem-se, porém, que um tal tribunal não será possível sem um enorme poder que o apoie. E quando falo de poder, quero deixar bem claro : poder coercitivo de se fazer obedecer, não o “poder” lamuriento de uma determinação da ONU.
O caso do ex-ditador Pinochet é muito particular; ele não é mais chefe de estado, o Chile não é mais uma ditadura, ele estava fora de seu país e não estava em missão diplomática.
Uma legislação que se pretenda realmente útil, porém, deveria entrar em ação assim que os crimes fossem cometidos, contra tiranos ainda ativos; deveria prevenir atrocidades, e não tentar buscar sua exorcização, vinte e cinco anos depois, na figura de um vilão somente afastado do poder após agir como quis durante quase duas décadas. Senão, teremos uma reles e mesquinha vingança.
Em outras palavras: um tribunal mundial que realmente pretenda proteger qualquer povo de genocídio, tortura e outras violações dos chamados direitos humanos fundamentais tem que poder intervir em qualquer país a qualquer momento. Tem que poder chamar o Clinton para explicar por que bombardeou o Sudão, o Fidel para prestar contas do destino reservado aos dissidentes em Cuba e o Yeltsin para contar quantos chechenos matou. E tem que ter o poder – e o dever! – de prendê-los se os julgar culpados. Menos que isso e teremos uma justiça arbitrária de velho oeste, que de justiça evidentemente tem muito pouco.
Portanto, é preciso que um tal tribunal tenha autonomia e – por que meios for – poder efetivo de ação coercitiva sobre todo o mundo.
Ora, dirão os ativistas, é isso mesmo! Afinal, a justiça é para todos.
Digam-me, porém: por que é que o Pinochet não foi julgado e condenado no próprio Chile? Afinal, ele contrariou, antes de mais nada, as leis chilenas. A questão é que a justiça formal não é realizada pela mão divina que desce miraculosamente do céu. Ela só é possível através do exercício do poder. E, sendo Pinochet o poder máximo no Chile, é claro que não permitiu que este fosse usado contra si mesmo. É preciso que isso fique bem claro. Sem um poder esmagador, irresistível, não há possibilidade de haver julgamentos e condenações. Esse poder, no Chile, era Pinochet. Pinochet julgava a todos e não era julgado por ninguém.
Exatamente como ocorreria com um tribunal internacional.
Com vários agravantes, porém. Noticia-se que por ação direta do governo de Pinochet, aproximadamente três mil pessoas foram mortas. Muitas, muitas mais, porém, conseguiram deixar o país e ir viver no resto do mundo. E sobreviveram. O mesmo ocorreu em Cuba, na China, no Brasil, e para citar o exemplo clássico, na Alemanha nazista.
Pois bem, isso foi possível porque temos países diferentes, com culturas diferentes, leis diferentes, e histórias diferentes. É justamente esse equilíbrio de forças que garante um certo grau básico de liberdade a cada ser humano do planeta. No mundo atual, nossas culturas, economias e estruturas políticas tornam absolutamente inviável que um tirano assuma o controle de todo o planeta; estamos livres da ameaça de uma ditadura mundial à la Pinochet.
É realmente irônico que as pessoas perseguidas por regimes de força clamem, lutem, bradem por mais estruturas concentradoras de poder ao invés de menos. Elas têm a ilusão de que os tribunais mundiais serão compostos por anjos e santos, que agirão infalivelmente enviando os vilões de carteirinha para queimar eternamente no fogo do inferno. Deveriam, ao invés disso, pensar em para onde teriam se exilado se o Chile fosse o mundo inteiro.
http://inconformidade.blogspot.com/2006/03/e-nova-ordem-mundial-segue-em-frente.html