“Vou mandando um beijinho
Pra filhinha e pra vovó
Mas não posso esquecer
Da minha égüinha pocotó
Pocotó pocotó pocotó pocotó
Minha égüinha pocotó?”
Me enviaram hoje uma cópia de um artigo cuja abertura é o texto acima.
O artigo prossegue, para esclarecer : “Esse é o grande sucesso da música popular brasileira, que domingo ocupou horas preciosas do horário nobre do programa do Gugu, batendo recordes de audiência.” Mais adiante, o autor comenta : “Eu sou pai. E assisto, consciente de minha impotência diante da máquina da TV, minha filha de 12 anos se divertindo, cantando e dançando o pocotó. Por sorte ela não entende as letras paupérrimas, chulas, apelando para o sexo e tratando as mulheres de éguas e cadelas.”
Concordo totalmente que a degeneração cultural pela qual estamos passando é lamentável, mas não concordo completamente que a causa seja só lavagem cerebral da televisão. As pessoas QUEREM ver a égua pocotó. Logo, há um problema sério com as próprias pessoas, um problema não somente de “nível cultural” (que supostamente as classes média e alta teriam mas vêem egüinha pocotó do mesmo jeito) mas principalmente de valores. É uma coisa comum de se dizer que a educação seria a solução, mas para mim isso é só parte da verdade, só se compreendermos a educação em seu sentido pleno. O principal benefício da educação, a meu ver, não é entulhar a cabeça das crianças com ementas do MEC ou dar-lhes “diplomas” (pfff…). O principal benefício é criar um respeito, uma admiração, um desejo pelo conhecimento e pela cultura. É despertar nas pessoas o gosto pelo mais elevado, pelo mais sofisticado, pelo transcendente. É acordar não só a sua inteligência mas também o seu gosto e sua sede por pensar, refletir, compreender. Pessoas com esse tipo de cabeça não vão suportar 5 segundos de egüinha pocotó. Não somente porque é de mau gosto e idiota, e sim por um motivo mais simples e menos ideológico : porque será chato e vazio. Será como olhar uma folha em branco.
Educadores (pais, professores, etc…) que não sabem ou não se importam em provocar essa mudança, que não puxam as crianças pela mão para fora da infantilidade intelectual e espiritual, são a maior ameaça que temos atualmente à grandeza de nosso país, de nossa civilização, de nossa espécie. A escola tornou-se praticamente uma máquina de ensinar as crianças a achar o conhecimento algo chato, sem sentido, incompreensível e inútil, e os pais freqüentemente concordam.
O que podemos fazer para reverter isso? Considero razoavelmente fútil e provavelmente até danoso achar que o governo, através de algum programa, ministério, subsídio ou seja lá o que for poderá fazer alguma coisa. Tudo em que o governo se mete torna-se instantaneamente impessoal e burocrático. Isso tem que ser uma iniciativa da sociedade, das comunidades, dos pais, dos professores, das igrejas…
Assim sendo, na verdade, acho que até há algo que o governo pode fazer, como na maioria dos casos : parar de atrapalhar. Deixar surgirem mais escolas particulares. Deixar as escolas escolherem suas ementas e cargas horárias. Deixar as escolas escolherem suas mensalidades. Acabar com a obrigatoriedade da matrícula de menores em escolas. Deixar os pais e seus filhos escolherem o que vão estudar e onde. Acabar com a exigência legal de diploma para o exercício da maioria das profissões em que ele é requerido.
“Oh!!!!”, dirão muitos, “Herege! Anarquista! Será o fim da educação!”. Pois eu digo que será o começo da possibilidade de uma educação de verdade.
Da forma como a coisa funciona atualmente, os diplomas são como bens; precisamos adquri-los e para isso devemos seguir certos procedimentos e pagar um certo preço. Feito isso, ganhamos privilégios e benefícios inventados pelo governo. Aprender alguma coisa não tem nada a ver com o assunto.
Se a educação tem algum valor em si, então será mais um recurso desejado por todos, inclusive pelos pobres, talvez nem necessariamente através de uma instituição escolar. E se for numa escola, então será naquela que cada um escolher como adequada às suas necessidades, convicções e ao seu orçamento.
Já dizia Roberto Campos : “Não existe isso de dizer que o governo oferece escola pública gratuita. Toda escola é pública e nenhuma escola é gratuita.” De fato, em nosso país, as escolas em geral, sejam do governo ou particulares, estão abertas a todos e prestam um serviço à parcela de nossa população que as freqüentam, e nesse sentido certamente são públicas. E ambas são pagas, porque o serviço que prestam, naturalmente, tem um custo. No caso das escolas particulares, esse custo é assumido voluntariamente por clientes pagantes. No caso das escolas desse governo, os pagantes somos todos nós, inclusive as famílias dos alunos, através de taxas, impostos e similares, e isso não só é pago involuntariamente como independentemente da qualidade dos serviços que recebemos ou mesmo de se sequer utilizamos esses serviços.
“Mas nesse caso como é que os pobres irão educar seus filhos?”. Eu inverto a pergunta – se o governo cria montes de escolas que educam “de graça”, como é que alguém vai conseguir ganhar dinheiro abrindo escolas para pobres, escolas que concorram entre si e ofereçam serviços que eles possam escolher, selecionar e pagar? Quem diz que isso é irreal, reflita que neste país, na época em que a telefonia estava nas mãos do governo, pobre não tinha telefone. Ponto. Após a privatização do setor, um dos resultado mais óbvios e palpáveis foi que agora não é mais necessário ser rico para ter um telefone. É absolutamente comum atualmente ver porteiros, empregadas domésticas, camelôs, etc… com telefones celulares pré-pagos. As companhias telefônicas estão fazendo isso porque são boazinhas? Não, estão fazendo porque os pobres estão comprando. Elas só acharam um jeito de oferecer um serviço que eles pudessem pagar.
Claro, então demagogicamente, há quem argumente que “Ah, mas a educação que eles poderão pagar será pior que a dos ricos!” É claro que será. Note-se que os pobres também precisam comer, morar, vestir, cuidar da saúde, etc… sua comida, habitação, roupas e atendimento médico também são piores. Talvez, pensam infantilmente alguns, o governo devesse então “dar” aos pobres tudo igual ao que “os ricos” têm. Só que isso é impossível – e não estou falando meramente de impossibilidade social ou econômica. É uma impossibilidade física. Simplesmente não há recursos materiais no mundo para todos viverem em mansões e comerem caviar. Não há como todos viverem segundo os padrões daqueles que usufruem do “melhor”.
Diante disso, surgem os que concluem – “Certo, então vamos tomar o que os ricos têm e distribuir.” Isso não só não resolve absolutamente nada como piora a vida de todos. A dos ricos é óbvio que piora – eles terão sido estuprados pelo governo. Só que mesmo as grandes fortunas, se distribuídas por toda uma população, não mudam em nada a vida de pessoas individuais. A chave para entender isso é o fato de que a economia é um jogo no qual, visto de longe e a longo prazo, é fisicamente impossível a média das pessoas receber mais do que o que a média das pessoas produz. Isso é óbvio. Tudo o que é construído, vendido, taxado, utilizado, alguém tem que ter feito. Se não fui eu, foi outro. Ficar mudando as coisas de mãos é algo que, em si mesmo, não resolve nenhum problema social, a não ser que dar os mesmos problemas sociais a todos seja considerado uma solução. Adicionalmente, o acúmulo de capital é necessário ao desenvolvimento econômico e social; sem ele, nada de vulto um pouco maior pode ser realizado. A diferença é que num sistema com maiores liberdades individuais as pessoas se reúnem espontaneamente para acumular capital, como quando uma comunidade se reúne para construir uma igreja, ou quando alguém abre uma loja, ou, num nível mais sofisticado, quando é lançada uma sociedade por ações. Sistemas totalitários, centralizados, como o comunismo, são tão capitalistas quanto todos os outros (é impossível fugir disso numa economia moderna) com a única diferença de que o governo, pelo meio da força, garante para si o monopólio do acúmulo de capital, o qual naturalmente também é feito por coerção.
Isso tudo do ponto de vista econômico e político. Agora, do ponto de vista moral e humano, além da perda de liberdades, ocorre algo ainda pior quando o governo se mete a consertar “desigualdades” através da força. Os teoricamente “beneficiados” pelas ações governamentais perdem qualquer incentivo prático ao auto-aperfeiçoamento. Pior ainda, perdem completamente a noção da conexão entre mérito e recompensa, entre trabalho e resultado, entre investimento e retorno, que são leis morais e físicas universais que nenhum governo pode revogar. Passam então a viver num mundo de fantasia, no qual acham que tem “direito” a ter magicamente tudo o que desejarem – inteligência, estudo, reconhecimento, conforto – exclusivamente pelo fato de que outros têm, não porque tenham passado pelo esforço pessoal de obtê-lo.
O que isso tudo tem a ver com educação? Tudo! A ilusão de que eu possa “salvar” uma pessoa simplesmente dando bens materiais para ela sem que ela se engaje de qualquer forma na produção desses bens é exatamente a mesma que no caso da educação. Só que na educação, mais do que em qualquer outra área, essa falácia se esfarela mais fragorosamente e causando mais prejuízos. Ninguém pode me “dar” uma educação, como um presente caro numa caixa com uma fita em cima; eu preciso conquistá-la, a educação é um esforço de transformação interna. Ninguém pode fazê-lo por mim. Da mesma forma, ninguém pode me “obrigar” a ter uma educação. Podem me obrigar a ir a uma escola e a seguir rituais burocráticos ditados pelo governo, mas se eu não estiver pessoalmente engajado, isso só contribuirá para me despersonalizar e para me acostumar a aceitar pacificamente seguir ordens inúteis e a recitar historinhas sem sentido.
Aliás, se chega-se ao ponto de coagir as pessoas a mandar seus filhos para a escola, então realmente tem de haver algo de fundamentalmente errado com o sistema. Pais zelosos (que suponho que ainda sejam uma boa parte da população) educam muito melhor do que qualquer escola; eles saberão como administrar a educação de seus filhos. E se os pais não forem zelosos, dificilmente haverá governo ou escola no mundo que tenha autoridade moral ou competência para substituí-los adequadamente. Mesmo supondo que haja muitos pais alienados, o que é preciso é um trabalho contínuo de CONVENCIMENTO de que a escola será boa para seus filhos. Colocar um oficial de justiça para intimá-lo a mandar seu filho para a escola é simples violência totalitária.
E para piorar, em geral é inútil. Quantas pessoas, ricas ou pobres, se lembram, quando adultas, do conteúdo das aulas de primeiro e segundo grau? Quantas, mesmo as “cultas”, conseguem usar uma crase corretamente, achar o circuncentro de um triângulo, lembrar como começou a Segunda Guerra Mundial, explicar o que é uma meiose ou desenhar a estrutura molecular do álcool etílico? Lembrem-se, nós passamos aproximadamente UMA DÉCADA de nossas vidas, e ainda por cima justamente um dos períodos em que nossa mente estava mais ativa e apta a aprender… sentados em cadeiras, dia após dia, numa sala fechada, proibidos de conversar e sendo obrigados a ouvir coisas… as quais posteriormente, quando adultas, a grande maioria das pessoas absolutamente não será capaz de se lembrar nem sob tortura.
Por que isso aconteceu? Será que os professores não “ensinaram” os “conteúdos” direito? Ou será que a falha foi mais básica, mais fundamental, em não conseguir despertar nos jovens a noção de que há algum valor, algum mérito, alguma beleza, alguma importância em saber todas essas coisas? Falhando isso, todo o resto perde o significado. Os adultos que não se lembram de todas essas coisas provavelmente as responderam algum dia numa prova há dez, vinte, trinta anos atrás. Só não viram absolutamente qualquer motivo para prestar atenção nelas, e continuam até hoje não vendo. Sua educação falhou. Foi tudo um grande desperdício de dinheiro, tempo, esforço, mas principalmente de vidas humanas que depois crescem para achar maravilhoso ficar dançando e cantando ao som da Egüinha Pocotó.
[...] escreveu recentemente um texto falando sobre o fetiche que existe com educação no Brasil. Eu concordo plenamente com o que ele escreveu, e diria que este na verdade é um mal compartilhado pela maior parte das sociedades ocidentais [...]