Hoje fiquei pensando sobre como a poligamia nas sociedades islâmicas deve ter um efeito colateral não intencional : necessariamente, haverá homens que nunca terão esposas. Mais do que isso, o número de homens sem esposas será sempre superior ao de mulheres sem maridos, e será tão maior quanto mais polígama for a sociedade. Considerando além disso a atitude dominante nas sociedade islâmicas sobre sexo fora do casamento, não é de admirar que as mulheres sejam proibidas de saírem sozinhas na rua, tenham que usar roupas que escondam suas formas, e que em tais países as pessoas estejam dispostas a se explodirem em nome de Alá esperando com isso irem parar num paraíso cheio de virgens. Eu, pessoalmente, não vejo nada de terrivelmente errado com a poligamia (supondo que os envolvidos a aceitem voluntariamente e construtivamente), mas há de se convir que se ela for somente masculina (que é mesmo a que biologicamente faz mais sentido), isso contém em si as sementes de uma tensão social constante.
Aí eu pensei que uma forma de compensar (parcialmente) isso seria haver umas poucas mulheres que prestassem à sociedade o serviço público de transarem com os homens que ficassem sem esposas/parceiras. Só que tais mulheres já existem em todas as sociedades – são as prostitutas. Então eu comecei a pensar sobre o papel que elas têm nas sociedades cristãs, e acabei por concluir que elas prestam um excelente e muito saudável serviço à comunidade.
Porém, apesar disso, a prostituição é quase sempre cercada de um estigma negativo. Mas pensemos com cuidado. Uma prostituta faz mal a alguém? Não, ela presta um serviço ardentemente desejado por seus clientes. O argumento normalmente utilizado é que esse serviço seria degradante para a própria prostituta, que é colocada como vítima. A construção dessa descrição da prostituta como “vítima” geralmente se dá por duas vias : 1. prostituir-se seria intrinsecamente degradante e 2. para muitas mulheres, a prostituição seria imposta, e não voluntária.
Comecemos pelo segundo ítem. Impor uma profissão a qualquer pessoa já é ilegal. Um trabalhador rural, por exemplo, que seja contra a sua vontade mantido em sua profissão ou ligado a um empregador específico, seja sob ameaças, por contatos abusivos, por falta de meios de escapar, por não poder pagar dívidas ou por qualquer outro motivo, terá pleno apoio da lei e das instituições em quase todas as sociedades modernas. Não que o trabalho escravo tenha desaparecido completamente da face da terra, mas o que o caracteriza – e à sua ilegalidade – não é a natureza da atividade exercida e sim a relacão entre prestador de serviços e empregador. Querer tornar prostituição ilegal porque existem gigolôs ou bordéis abusivos é como querer tornar colher cana ilegal porque existem pessoas enganando ou forçando bóias-frias a realizarem o que constitui na concepção moderna trabalho escravo. E, adicionalmente, não seria justificado tornar ilegal o exercício autônomo dessa atividade (pelo menos nesse aspecto a lei brasileira é coerente). Pelo contrário, é exatamente a ilegalidade da profissão que permite que exista a exploração, escravização e tráfico de prostitutas. Uma prostituta, ao contrário de um trabalhador rural, não tem a quem recorrer quando ameaçada, pois se recorrer ao estado, apenas acrescentará mais uma entidade à lista daqueles que a vitimizam. A forma mais óbvia e simples de proteger as prostitutas de trabalharem sob ameaças ou coação seria simplesmente a descriminalização da atividade. Isso imediatante faria com que as prostitutas pudessem de fato serem ajudadas (ao invés de perseguidas) pela sociedade, e adicionalmente baixaria os preços dos serviços (pelo aumento da concorrência e diminuição do risco), diminuindo cada vez mais o incentivo para que se voltasse para essa área quem se sentisse muito agredido com isso.
O que nos leva ao primeiro ítem. Quão degradante é prostituir-se? Para começar, é evidente que mulheres diferentes reagirão de forma diferente. Cada pessoa tem uma personalidade e uma vocação. Mas no caso geral, o que é mais degradante, dar prazer a um estranho ou ser forçado a aceitar que um editor mexa aleatoriamente em um texto que você escreveu? Fazer sexo sem sentir prazer ou entregar para os clientes um programa de computador que você sabe que não funciona porque seu chefe mandou? Ser tocada intimamente por alguém que você não ama ou passar noites acordado estudando assuntos que você considera irrelevantes para poder ganhar um título ou passar num concurso? Fazer sexo por dinheiro é mais degradante do que ir ao dentista? Ao ginecologista? Do que passar fome no meio da rua e ver seus sonhos se desmancharem? Do que trabalhar como um cavalo e ganhar um salário mínimo? Do que ser garçonete? (Essa é respondida diretamente por *muitas* prostitutas com um ressonante “não”!) Mais ainda, pergunto : é mais degradante casar-se com um homem de quem você não realmente gosta para ter uma vida financeiramente segura ou cobrar abertamente de homens para prestar os serviços de que eles biológica e psicologicamente precisam? Especialmente nesse último caso, acho a segunda opção bem menos degradante para os dois lados. Além disso, assim como no caso por exemplo de homossexualismo, se eu escolho voluntariamente fazer coisas que outros acham degradantes para mim, isso é problema meu. Se outros quiserem me “ajudar”, me dar opções, fazer discursos ou qualquer outra coisa que não envolva coação, é escolha deles. Mas me forçar a seguir as escolhas que fariam no meu lugar é nada menos que totalitário e opressor.
Me parece que a humanidade, nos tempos modernos, cada vez menos consegue lidar com a questão de sexo de uma forma positiva e construtiva. Metade da sociedade trata sexo de forma cada vez mais despersonalizada e niilista, enquanto que a outra metade o trata de forma fóbica e hipócrita. Onde estão as pessoas que enxergam sexo como algo que envolve sim, sentimentos, compromisso e responsabilidade mas que ao mesmo tempo o vêem de forma natural e construtiva?
Sexo não é apenas sobre orgasmo. Se fosse, masturbação seria suficente e os homens não gastariam tanto tempo, dinheiro, esforço, saúde, paciência, dignidade e reputação cavando – muitas vezes desesperadamente – uma parceira sexual. Especialmente na sociedade ocidental moderna, sexo evidentemente também não é apenas sobre ver mulheres nuas – isso é trivialmente fácil, e novamente, claramente não é a questão. Desnecessário dizer que sexo também não é somente sobre ter filhos, ou ninguém veria qualquer sentido em fazer sexo quando filhos não pudessem ser um resultado, enquanto que evidentemente a maioria das pessoas toma extremo cuidado para que filhos não sejam um resultado. Etc, etc. O papel do sexo na psique humana é muito mais complexo do que tudo isso. Tem a ver com afetividade, com afirmação da identidade, com relações de poder, com necessidade de aceitação, com tantas coisas tão fundamentais que é difícil imaginar um ser humano mal resolvido sexualmente que leve uma vida plena e feliz. Grande parte dos psicanalistas do mundo provavelmente ficaria sem emprego se as pessoas pudessem simplesmente fazer as pazes com suas necessidades sexuais.
O que nos leva de volta à prostituição. As prostitutas não existem por acaso. Elas prestam um serviço que satisfaz necessidades profundíssimas e muito poderosas na psique humana. Desde que trabalhem voluntariamente, qual o problema? Por que uma atividade se tornaria *mais* degradante pelo fato de que alguém está extraindo prazer dela? O cliente acho que ninguém discute que está, mas é ainda mais fantástico ver os ultra-moralistas de plantão criticarem as próprias prostitutas por se entregarem à “luxúria”. É um discurso completamente esquizofrênico, e incompatível com sua suposta vitimização. Como se um boxeador (ou qualquer atleta realmente competitivo) não levasse seu corpo até os limites. Como se um guarda penitenciário não fosse submetido a intenso estresse psicológico. Como se um bombeiro ou policial não corresse risco de vida. Isso me parece altamente sintomático daquela lógica repressora masoquista de que se alguém está se divertindo, então algo está errado.
Acho que chegamos a um ponto de desenvolvimento social e cultural em que antigas leis tribais concebidas há milhares de anos não são mais uma base adequada para o nosso sistema de moral. Talvez em algum momento histórico tenha feito sentido enxergar a prostituição como perniciosa; não sei dizer. Mas hoje, me parece que isso não faz mais qualquer sentido. Diria ainda mais – a aceitação e a normalização dessa atividade vêm potencialmente a contribuir para amenizar vários dos desequilíbrios da sociedade moderna.
Enumeremos aqui algumas das forma como esse efeito positivo poderia ocorrer. Comecemos por alguns benefícios mais diretamente ligados à descriminalização para então prosseguir a outros associados a uma prestação mais ampla e disseminada do serviço de prostituição.
- Proteção das prostitutas contra abusos. A partir do momento em que prostituição não fosse mais criminalizada, e sim legalmente uma atividade profissional como qualquer outra – como babá, dançarina ou psicóloga – o problema de uma mulher ser “forçada” à prostituição diminuiria sensivelmente. Da mesma forma, seria possível organizar as condições de trabalho das que decidissem oferecer seus serviços através de uma agência ou agente. Só seria prostituta quem escolhesse, e em condições mais seguras de trabalho.
- Desmonte de estruturas mafiosas. Como toda atividade criminosa na qual tanto cliente quanto prestador de serviço estão interessados na transação (outro exemplo típico é o tráfico de drogas), a prostituição é notoriamente complicada de combater, e gera toda uma estrutura de poder paralelo (já que não é possível contar com a lei para garantir segurança e contratos). Isso deixaria de fazer sentido e passaria a funcionar como qualquer outro mercado de prestação de serviços.
- Queda dos preços, juntamente com melhora da qualidade e disponibilidade dos serviços. Sem a necessidade de altas taxas de lucro para compensar o risco associado à ilegalidade, assim como com o aumento da concorrência devido à possibilidade de se oferecer e anunciar abertamente os serviços (se bem que em lugares como o Brasil isso já é uma realidade na prática), é natural esperar-se uma queda de preços dos serviços prestados, juntamente com um aumento da qualidade, sem necessariamente uma correspondente diminuição da remuneração, já que de fato o custo de oferecer o serviço diminuiria, além de que a demanda aumentaria.
- Controle de doença sexualmente transmissíveis. Talvez contra-intuitivamente, isso provavelmente resultaria em um controle muito melhor da propagação de doenças sexualmente transmissíveis. Enquanto as pessoas recorrerem a parceiras aleatórias, que desconhecem e que não querem conhecer, premidas primariamente pela necessidade de satisfazer seus impulsos sexuais em situações muitas vezes absolutamente insensatas, é claro que haverá uma taxa muito maior de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Ironicamente, é muito mais fácil controlar e regular esse tipo de problema quando se trata de uma profissional do que num encontro aleatório. Em tempos modernos, nos quais testes clínicos são baratos e imediatos, é possível facilmente acompanhar o estado de saúde de uma profissional. Já o mesmo não pode ser dito de alguém encontrado aleatoriamente. Adicionalmente, uma profissional em geral terá muitíssimo maior conhecimento e determinação em detectar doenças e precaver-se de contaminação do que uma pessoa aleatória.
- Diminuição do número de estupros. Esta é auto-explicativa. Claro que em grande parte das vezes o estupro é um ato de poder e agressão, não primariamente sexual, etc, mas mesmo assim – existem sim pessoas por aí desesperadas e/ou revoltadas por causa de sexo e um acesso mais universal e menos estigmatizado a esse tipo de serviço mitigaria o problema. Além disso, uma profissional de sexo não é o mesmo que uma namorada; ela poderia no caso geral com muito mais competência (por conhecimento e por estar sendo paga) satisfazer / desarmar de forma controlada os impulsos que desviassem do trivial simples.
- Controle de natalidade. Estamos chegando em uma época em que a humanidade simplesmente não pode continuar se reproduzindo nas taxas que historicamente manteve. Porém, nossa necessidade biológica e psicológica de sexo não se alterou em nada devido a essa conjuntura. Por imbecil que possa soar, uma quantidade substancial das pessoas ainda têm filhos não porque queira ter uma família mas sim como conseqüência colateral da concretização de seus impulsos sexuais. Seria bastante conveniente que tais pessoas suprissem suas necessidades sexuais sem superpovoar o mundo. Nos casos em que tal desejo sexual poderia ser expresso por qualquer pessoa ao invés de por uma parceira específica, uma profissional provavelmente realizará um controle de natalidade muito superior a uma mulher aleatória.
- Casamentos mais estáveis e fortalecimento da família. Existem muitos homens que aceitam ingressar num casamento ou iniciar uma família como forma de garantir uma parceira sexual. Eles não estão necessariamente entusiamadíssimos de vontade de terem filhos com aquela mulher, ou de partilhar uma vida com ela, mas sentem uma necessidade insufocável de terem uma parceira sexual. Nesses casos, a melhor forma de resolver o assunto não é se casar e ter filhos, e sim ter uma parceira sexual. O homens que seriam chantageados a terem uma família como forma de terem acesso a sexo provavelmente estarão mais bem servidos por uma profissional. Por outro lado, as famílias que de fato se formarem provavelmente estarão mais fortemente fundamentadas em interesses comuns, inclusive sexuais. E um homem não precisará desesperar-se em casar com “alguém” (gerando um casamento provavelmente frustrado que terminará em divórcio) por falta de uma parceira sexual. Poderá esperar com muito mais calma por uma parceira com a qual realmente haja uma relação de complementação mútua.
- Homens mais felizes. Existe uma quantidade substancial de homens em nossa sociedade que têm que passar extensos períodos lidando com a (em muitos casos extrema) frustração de não terem atendidas suas instintivas, naturais e saudáveis necessidades sexuais. Sejam quais forem os motivos para essa situação, ela gera uma grande quantidade de infelicidade, que transborda também para a sociedade ao redor.
- Mulheres mais gentis. Nossa sociedade atual pulou de uma situação na qual as mulheres tinham pouca independência política, social e sexual para uma situação diametralmente oposta na qual (especialmente nos EUA) elas têm efetivamente uma quantidade de liberdade superior à dos homens. Por exemplo, se uma mulher chama um homem para sair e ele não está interessado, a resolução normal é ele dizer que não está interessado e a vida continuar normalmente. Já se um homem chama uma mulher para sair e ela não está interessada, por ser que ocorra o mesmo, mas também pode ser que ocorra qualquer coisa desde uma (injustificável, ridícula, hipócrita, neurótica) reação de indignação, uma (cruel) reação de escárnio até, dependendo do contexto, um processo por assédio sexual ou por stalking. Isso tudo tem a ver com uma reação exagerada a uma prévia situação de opressão, mas também com um desequilíbrio entre os comportamentos sexuais femininos e masculinos que ficou muito mais evidente após a “revolução” sexual das décadas de 60/70 após a qual as pessoas se sentiram muito mais livres para perseguir relacionamentos sexuais precedendo ou mesmo sem pensar em casamento. Em nossa sociedade atual, uma mulher normal que deseje sexo (não estou falando necessariamente de relacionamentos) precisa apenas andar até o clube da esquina e esperar. Ja um homem que deseje sexo passa por um processo infinitamente mais desgastante. Diante disso, grande parte dos homens está disposto a aceitar *muita* besteira de uma mulher que seja (ou mesmo que poderia ser) sua parceira sexual. Isso corrompe o caráter de grande parte das mulheres, que se sente numa situação de poder, e abusa desse poder ao invés de agir com dignidade e respeito. Essa atitude se tornaria insustentável num contexto em que o acesso ao sexo fosse trivial. Mulheres antipáticas e rudes seriam simplesmente ignoradas.
- Homens mais sinceros e afetivos. Uma reclamação razoavelmente comum que se ouve no meio feminino é de que “os homens só estão interessados em sexo”. Ora, se eles tiverem acesso simples, seguro e garantido à satisfação de seus impulsos sexuais instintivos, buscarão relacionamentos não profissionais com outras mulheres primordialmente por motivos mais afetivos, como companheirismo e amizade, não apenas para conseguir sexo, ao qual já têm acesso fácil. Isso me parece ser altamente benéfico para ambos os lados.
[...] .././ [...]
No 5º parágrafo não seria ‘O que nos leva ao primeiro item’? Uma ótima idéia a liberdade.
Vinicius – Ooops, tem razão. Obrigado pela observação, já consertei. Quanto à liberdade, eu nunca canso de me surpreender como ainda hoje ela é considerada uma idéia revolucionária!
Eu desisti aqui, ó: “supondo que os envolvidos a aceitem voluntariamente e construtivamente”.
Pensei em alemães, e canibalismo.
Olá, Sergio. Olá.
Sergio, ressalve-se que prostituição não constitui crime em diversos países ocidentais. Brasil inclusive. Por aqui, contudo, é crime explorar a prostituição. O trottoir por sua vez, ao critério do delegado de plantão e a depender da pressão da sociedade, costuma ser reprimido com base nos crimes e contravenções ligados aos bons costumes.
Sérgio, acho que sua análise moral da prostituição, e dos efeitos que ela tem no ser humano, deixou muito a desejar.
Sim, o homem tem necessidades fisiológicas. Mas essa constatação banal tem sido sistematicamente usada para justificar toda e qualquer prática.
O desejo sexual é um desejo como outros que temos; talvez mais forte, mas não muito diferente. Criou-se o mito de que o impulso sexual é irrefreável e que, se tentarmos fazer qualquer coisa para contê-lo, seremos vítimas de neuroses profundas e seríssimas. Isso é falso.
O que causa neuroses e danos psíquicos é a união de duas coisas inconciliáveis:
-a crença arraigada de que a satisfação sexual é absolutamente fundamental e central à felicidade humana.
-a impossibilidade circunstancial de se satisfazer sexualmente.
Isso é bomba psíquica para qualquer um.
Você protesta, com justiça, contra quem quer tornar o sexo algo impessoal e banalizado, mas faz exatamente isso ao tratar da prostituição.
O sexo e o corpo humano não são bens que negociamos por aí. Ao fazer isso violentamos a nós mesmos.
“Quem é mais degradado: a prostituta ou quem vai ao dentista?”
É essa a completa trivialização e banalização do sexo que está por trás de tantos distúrbios psicológicos, porque não condiz com a realidade da natureza humana.
Se o sexo não fosse algo especial, se fosse só mais uma atividade trivial como ir ao dentista ou contar uma piada, abuso sexual e estupro não deixariam as seqüelas profundas que deixam.
Se reduzimos o sexo a uma atividade de proporcionar prazer a ambas as partes, como você reconhece que é errado mas acaba fazendo, perdemos a sua real dimensão.
Estou em pleno acordo com você: sexo não é apenas para a reprodução. Aliás, nunca vi ninguém, fora dos programas de TV, que dissesse isso.
Sexo não é só reproduçãp. Mas é isso também. Se perdemos a consciência disso, já estamos no caminho que levará invariavelmente à sua banalização completa.
Hoje em dia não há a menor dúvida de que se faz muito mais sexo do que no passado. E por acaso as pessoas estão mais felizes e realizadas?
Parece que não. Parece que só aumentam os relacionamentos efêmeros, os distúrbios psicológicos, as depressões, os suicídios. Ninguém considera a si mesmo como alguém que vê o sexo de forma “despersonalizada e niilista”; todo mundo aceita que envolve sentimentos, relação, etc. Mas o resultado é esse.
Em suma, tratar a prostituição como mais uma atividade comercial é um grande erro, pois ignora realidades profundas sobre a natureza humana. Quem é vitimizado nela? Eu diria que ambas as partes vitimizam a si mesmas e uma à outra. Mesmo que não o percebam.
O que não significa que deva ser proibida pela lei. Aliás, concordo que não deva ser proibida. Mas não se deve confundir o status legal do ato com sua moralidade.
Jorge – Oi, Olá. Os alemães fizeram muitas coisas em que os envolvidos não estavam envolvidos nem voluntariamente nem construtivamente. Quando ao canibalismo, ora, ele não faz intrinsecamente mal a ninguém. É considerado estranhíssimo, naturalmente, em nossa sociedade ocidental moderna, mas historicamente foi praticado em vários grupos humanos, assim como em condições extremas nas quais não havia qualquer outra opção. Não acho que nojo instintivo seja necessariamente uma boa base para a moral, embora seja evidentemente uma sólida base para preconceitos.
Oi Dpedra – Sim, de fato, é esta a situação legal da prostituição no Brasil. A qual, aliás, apesar de bastante liberal, continua sendo um pouco não sincronizada com a realidade, dada a pública e notória existência de bordéis. Mas é como o jogo do bicho – os maiores interessados em mantê-lo ilegal são os próprios bicheiros, que não querem perder para a livre concorrência um mercado que atualmente é quase uma concessão.
De fato, é muito interessante observar a situação jurídica da prostituição em diversos países ao redor do mundo. Num extremo do espectro, existem alguns países (por exemplo Sudão) nos quais prostituição é punida com pena de morte. Em vários países do mundo nos quais prostituição é legal, ela *tem* que ser realizada em bordéis licenciados pelo estado, seguindo regras estritas, a prostituir-se na rua é ilegal (por exemplo Turquia). Já em outros, bordéis tem que ser licenciados e seguir regras, mas autônomas não têm que prestar contas a ninguém. No Japão, que sempre teve atitudes estranhas para padrões ocidentais com relação a sexo, prostituição envolvendo sexo vaginal é ilegal, mas envolvendo praticamente qualquer outra atividade, como por exemplo sexo oral ou sexo anal, não é.
Enfim, existem todas as variações possíveis. Em alguns lugares a prostituta está ilegal mas o cliente não, em outros o cliente está ilegal mas a prostituta não, em outros os dois estão ilegais, e ainda em outros (como o Brasil) os dois estão legais mas não quem agencia, promove ou hospeda a prostituta.
Tantas variações tornam ainda mais claro como é difícil legislar sobre este assunto. Um dos problemas é que esse é um típico caso de um crime no qual a “vítima” freqüentemente não se sente como vítima de coisa alguma senão da perseguição da sociedade. O sentimento dominante nas sociedade ocidentais tende a ser de grande hipocrisia, no sentido em que a prostituição é em geral tolerada e largamente utilizada (mesmo quando ilegal) mas ao mesmo tempo publicamente estigmatizada e varrida para debaixo do tapete.
Carlos – Naturalmente, devo concordar que o fato de algo ter sido historicamente aceito não torna automaticamente esse comportamento moral. Meu argumento sobre a existência histórica do canibalismo era apenas quanto ao fato de que nosso *estranhamento* com ele é em grande parte cultural. Meu ponto era apenas que nojo não é uma boa base para julgamentos morais. Uma coisa pode nos parecer nojenta e não fazer mal a ninguém, enquanto outra pode ser culturalmente aceita e ser realmente injustificável do ponto de vista moral.
Quanto ao assassinato, ele evidentemente não é no caso geral aceito, embora seja largamente praticado, em nossa sociedade.
Finalmente, achei que fosse trivialmente óbvio que quando fiz o comentário de que canibalismo não faz instrinsecamente mal a ninguém, eu não estava falando em canibalismo no qual se *mata* alguém para comê-lo, e sim em comer o corpo de alguém que morreu por outras causas quaisquer. Essa é a parte do “intrinsecamente mal” – o ato em si de comer carne humana. Mas se o esclarecimento é necessário, aqui está ele.
O texto mais sincero, mais eloquente, mais verdadeiramente humano que já li. Nunca pensei que alguém pudesse pensar de forma tão clara sobre os problemas que me atormentam tanto e que chegam ao ponto de destruir a minha vida. Um grande abraço,
Sergio, como corolário dos seus últimos dois parágrafos só posso concluir que manter a prostituição na ilegalidade é de interesse das mulheres, isto é, as não prostitutas.
Joel – achei sua análise bastante equilibrada e razoável. Concordo com alguns pontos que você levanta. O contexto mais nobre e ideal em que o sexo deve aparecer é mesmo, concordo, numa relação afetiva e que não envolva qualquer transação comercial.
Porém, como em muitas outras coisas na vida, o ideal nem sempre é possível, mesmo que circunstancialmente.
Note, a questão da satisfação sexual ser fundamental à existência humana não é exatamente uma crença. É um instinto muito real. Pessoas diferentes o vivem de forma diferente. Alguns têm uma libido mais atuante do que outros. Alguns têm mecanismos de sublimação mais efetivos do que outros. Porém, não acho absurdo dizer que para uma boa parcela da humanidade, ter sexo – ou contato com outros seres humanos, de uma forma mais geral – não é exatamente opcional. É uma necessidade psicológica básica. Podemos sobreviver sem satisfazê-la, assim como tecnicamente podemos sobreviver sofrendo torturas indescritíveis, mas isso não é o mesmo que viver uma existência plena e feliz.
Além disso, a banalização e despersonalização do sexo evidentemente não dependem ou são causadas primordialmente pela existência de prostituição. Pelo contrário, tais fenômenos têm ocorrido em nossa sociedade moderna corriqueiramente mesmo em contexto onde relações afetivas seriam perfeitamente possíveis e até mesmo apropriadas. O que está acontecendo aqui?
Me parece que a prostituição, se algum efeito tem sobre isso, é não de agravar, mas sim de amenizar a questão. A excessiva estigmatização da prostituição faz com que as relações que muito melhor seriam vividas com prostitutas – mera expresão de desejo sexual – sejam ao contrário vividas em contextos pouco apropriados, para prejuízo de todos os envolvidos.
Não acho que esteja tão claro assim que hoje se faça mais sexo do que no passado. Concordo que hoje parece mais ou menos claro que se tenha mais parceiros do que no passado. Mas mais sexo? Estatisticamente, as pessoas casadas em geral têm mais sexo do que qualquer pessoa solteira. E provavelmente sexo mais satisfatório afetivamente falando. Pode ser verdade que um casal de namorados apaixonado faça sexo várias vezes ao dia, enquanto um casal casado fará algumas vezes por semana. Mas como em muitas outras áreas da vida, a longo prazo a constância supera, em somatório, o entusiasmo momentâneo. Essa geração moderna e sexualmente “liberada” é provavelmente muito mais sexualmente frustrada do que grande parte das pessoas casadas.
Sobre o exemplo do dentista, eu visava meramente ilustrar que algo que nos provoca dor ou desconforto não é necessariamente moralmente errado.
Mas em uma coisa vejo que concordamos : seja qual for o significado moral exato da prostituição, ela não deve ser criminalizada ou proibida por lei. Aliás, essa é exatamente a posição de São Tomás de Aquino, como se pode verificar por exemplo aqui :
http://www.illinoismedieval.org/ems/VOL13/13ch4.html
ou aqui :
http://www.aquinasonline.com/Topics/tolernce.html
Rafael – Mais ou menos. Só no caso das mulheres manipuladores e/ou não interessadas em relações de igual para igual. Para as outras, os resultados são positivos. Para uma mulher interessada em uma relação romântica baseada em sentimentos mútuos, não ter que ficar se preocupando tão recorrentemente com “será que esse cara só está atrás de uma mulher para comer” é um GRANDE benefício.
Mas sim, naturalmente existe um subconjunto das mulheres ao qual interessa que os homens vivam em um estado constante de desespero sexual.
Boa tarde. Creio que não são só as mulheres que procuram sexo com afetividade. Como se disse anteriormente, se não fosse isso, a masturbação seria suficiente. Deve haver algum componente emocional que a prostituta também ofereça. Vocês, homens, dirão. Nem que seja amenizar a solidão, ou fazer a companhia que a mulher em casa não faz.
Casamento não é regra para sexo constante e satisfatório. Se assim fosse, homens casados não procurariam sexo fora do casamento.
Imagino que para a quase totalidade das mulheres também possa variar o grau de afeto suficiente para uma relação sexual. Mera amizade, simpatia momentânea por um desconhecido, amor de longa data. Qualquer opção destas é suficiente para justificar uma relação satisfatória. Creio que o cerne da questão está na forma de encarar o sexo em relação às mulheres, e que vocês, talvez involuntariamente, estejam se deixando levar por estereótipos.
Prostitutas como meio regulador da demanda sexual? Soa muito forçado quando o que vemos na realidade é uma multidão de mulheres desesperadas por qualquer pequeno afeto masculino – e o sexo, sob o ponto de vista das mulheres, é uma ótima forma de obter afeto, e não o contrário.
Por isso a prostituição não interessa às outras mulheres.
Oi Nisia. Veja bem, na minha opinião sexo (tanto para homens quanto para mulheres) é sempre muito mais complexo do que estímulo físico. Existe um anseio por uma situação de encontro, de contato muito próximo com outro ser humano. Se não fosse assim, como eu disse no texto original, masturbação daria conta.
Na nossa sociedade atual, eu afirmo, como homem, que está ocorrendo uma reversão de papéis. O papel tradicionalmente associado à psique feminina é de não querer sexo sem afetividade e continuidade. Paralelamente, o papel tradicionalmente masculino é de buscar sexo indistintamente com qualquer mulher, sem necessidade (ou às vezes repudiando) continuidade ou ligação afetiva.
Pois bem, não é de forma alguma isso que eu observo olhando ao meu redor. Mais e mais, eu vejo homens querendo namorar, ter filhos, constituir famílias, frustradíssimos por só encontrarem mulheres interessadas em ficadas aleatórias e one-night stands. A grande crítica feminista à “objetificação” das mulheres se concretizou com uma objetificação ainda mais cínica e abjeta dos homens. Um retrocesso e não uma conquista, na minha opinião.
Aliás, dado o contexto altamente ideologizado em que tais assuntos se encontram modernamente, nem ao menos a situação é simétrica. Se eu fico com uma mulher numa boate, acabamos indo para o motel, e no dia seguinte eu telefono para ela e ela não quer nada mais comigo, considera-se que ela está plenamente em seus direitos, e se eu insistir no assunto eu sou um chato, stalker, creepy, não sei respeitar limites, etc. Mas se o contrário ocorre, e a mulher me ligar no dia seguinte e eu não quiser mais nada com ela, eu sou um player, insensível, estou usando as mulheres, etc. Somos culpados por default. Onde ficam os sentimentos dos homens?
Naturalmente que casamento não é garantia de sexo constante e satisfatório. Mas estatisticamente, pessoas casadas de ambos os sexos são muito mais sexualmente satisfeitas e realizadas do que pessoas solteiras. A idéia de que estar solteiro lhe dá mais opções é uma quimera. Para a maioria das pessoas isso resulta somente em solidão na maior parte do tempo.
Aliás, falando em mitos, é altamente questionavel a noção de que homens sejam mais infiéis que as mulheres. A diferença é que a grande maioria das mulheres não precisa pagar para ter sexo. Se estão receptivas à infidelidade e sexualmente carentes, basta dizerem “sim” para um dos 3482 homens interessados em fazer sexo com ela que encontrarão na sua vida cotidiana. Você acha que as mulheres estão desesperadas por qualquer afeto masculino? Experimente ser homem por uma semana. Tenho certeza de que sob o aspecto de carência de atenção sexual ficará imensamente aliviada em ser mulher. Uma mulher comum tem infinitamente mais opções sexuais do que um homem comum. Não tem nem como comparar. Isso é algo que acho que não é plenamente bem compreendido nem por homens nem por mulheres, tão díspares são as experiências.
Concordo que a prostituição não interessa a uma parte das mulheres – aquelas que pretendem usar escassez na oferta de sexo como forma de “prender” um homem. Porém, não me parece que seja bom um homem ingressar numa relação afetiva com uma mulher de quem não realmente gosta ou admira como forma de garantir uma parceira sexual. Isso me parece destrutivo para ambos os lados. Adicionalmente, a meu ver, muito mais provavelmente levará à infelicidade feminina do que masculina, pois o homem nessa situação se resignou conscientemente a aceitá-la enquanto que a mulher muitas vezes ansiará por genuína apreciação que nunca virá.
Um amigo, por email, citando um trecho do texto :
“Mas no caso geral, o que é mais degradante, dar prazer a um estranho ou ser forçado a aceitar que um editor mexa aleatoriamente em um texto que você escreveu?” ==> me pergunto a mesma coisa
Meu comentário :
Pois é. Tem tantas escolhas que fazemos profissionalmente, ou por dinheiro, ou por imposições sociais, que provocam um sentimento absoluto de prostituição. Aliás, freqüentemente, o sentimento é pior do que o de prostituição – a qual pelo menos ainda pode ser voluntária e previamente acordada. Muitas vezes o sentimento é de estupro mesmo. Por que a violação do nosso espírito seria menos importante do que a violação do nosso corpo?
O mais fantástico é que grande parte das pessoas alegremente prostitui suas idéias, seu corpo, a verdade, e muitas outras coisas fundamentais de formas não sexuais com a desculpa de “it’s just a job” e isso é socialmente aceito sem qualquer problema.
Mas mais do que isso, até mesmo trocar ESCANCARADAMENTE sexo por dinheiro é perfeitamente bem aceito pela sociedade em quase qualquer outro contexto. As prostitutas nesse aspecto são, pelo contrário, para mim claramente moralmente superiores a alguém cujo plano de vida é “casar-se com alguém rico”. Pense bem. O que *realmente* se detesta nas prostitutas é a sua sinceridade. É expor e colocar na mesa algo que se gostaria de manter fora do radar.
Em alguns comentários mais ou menos mal educados que recebi para este texto, pessoas me perguntam se eu aprovaria / gostaria que membros da minha família do sexo feminino resolvessem se dedicar à prostituição.
Resolvi comentar esse ponto específico porque ele sugere a premissa implícita de que seria legítimo proibir ou pelo menos estigmatizar tudo aquilo que não aprovamos.
Para tornar o exemplo mais realista, existem de fato membros da minha família que, por exemplo, fumam. Eu preferia que não fumassem, tanto porque acho isso incômodo quanto porque faz mal à saúde deles, com a qual me importo.
Porém, não parto daí para automaticamente acreditar que fumar deveria ser proibido. Também não compartilho da idéia de que ficar fazendo chantagens ou imposições quanto a esse assunto seja razoável. Expresso claramente minha opinião, e em certas circunstâncias (quando me sinto agredido em meu bem estar) peço civilizadamente que não fumem. Mas não me passa pela cabeça dizer “ou você para de fumar ou não fale mais comigo”, ou tratá-los como monstros ou párias. Nesse contexto (e em vários outros) eu encaro ter uma atitude dessas como intolerante, agressivo e totalitário. Viver faz mal à saúde e todos nós temos que administrar continuamente o quão rapidamente estamos dispostos a gastar o crédito que temos.
Sergio,
Concordo em todos os aspectos. E o assunto é tão complexo que acho que não vale a pena falar sobre isso de forma despretensiosa. Porém, queria aproveitar para acrescentar um ponto de vista sobre a questão cultural, que a meu ver se liga diretamente à escravização ao sexo. A propaganda que se faz é que sexo é parte absolutamente necessária à felicidade.
Não faço a menor idéia se é ou não.
Mas, o que se deseja realmente em um relacionamento? Será algo físico ou espiritual? Ou os dois? Quanta disciplina é necessária para que consigamos conciliar os apelos do corpo físico às necessidades da alma? Quantos em uma multidão conseguem sequer ter essa consciência?
(e o que é mais cruel, quanto tempo dura o apelo físico em um relacionamento?)
…
Ocorre que as meninas são criadas desde o nascimento para serem “atrativas”. O primeiro elogio que se faz a uma menina é “que bonitinha!”. A primeira coisa que se faz é colocar brincos, antes mesmo de sair da maternidade. Pois bem. O que mulheres aprendem é que é preciso seduzir sempre, e, claro, considerando a aptidão natural masculina, isso provoca tensão constante no ambiente.
Logo, nenhuma concorrência será bem-vinda. E não acho que nos tornaria mais gentis, mas mais loucas, com certeza.
Aliás, a auto-estima feminina mede-se pelo tanto que ela é capaz de perturbar um ambiente.
É duro vencer essa condição infantilizada, carente de aprovação.
Tudo isso para dizer que, se existe algo que pode realmente trazer benefícios nesse campo é uma melhor educação das mulheres, conscientizando-as da sua capacidade para criar problemas. Mais recato, talvez. Menos apelos. Menos pornografia. Menos submissão aos apelos físicos. Mais responsabilidade…
Sabemos a receita, e já está escrita há milhares de anos. Quanto à prostituição, acho que devemos deixá-la onde socialmente está, á margem, como uma breve concessão que fazemos aos pequenos vícios, que na verdade ninguém gosta de admitir.
…
Terminando: é necessário que se formem os casais, mesmo que por motivos incertos e imperfeitos, caso contrário a humanidade desapareceria.
“Sexo não é apenas sobre orgasmo. Se fosse, masturbação seria suficente e os homens não gastariam tanto tempo, dinheiro, esforço, saúde, paciência, dignidade e reputação *cavando* – muitas vezes desesperadamente – uma parceira sexual.” (grifou-se)
Cavando? Necrofilia? Freud explica?
Just kidding, man.
Oi
Eu adoraria viver numa sociedade em que as escolhas individuais (que não atentassem contra ninguém) fossem respeitadas e legitimadas. A meu ver não há nenhum problema em uma mulher se prostituir desde que o faça por livre, espontânea, e consciente vontade. Observo que mulheres têm tanto desejo sexual quanto os homens, a forma como ambos lidam com isso é o que os diferencia (às vezes até os iguala), assim como lidam com as dificuldades, existentes tanto para um quanto para outro, de se conseguir um parceiro, pois não basta a mim, mulher, ter homens me desejando se não os desejo etc. Muitas mulheres não admitem a prostituição, porque tal aceitação romperia com pensamentos tradicionais (sobretudo religiosos) arraigados, e não por medo de “perder homens”, pois sabe-se que tais homens diferenciam (e escolhem, por vezes de modo preconceituoso) as mulheres com que se relacionar. Quanto ao aspecto sexual, ouso dizer que tais indivíduos seriam menos ansiosos (e menos problemáticos) sexualmente (e em outros âmbitos da própria vida) se assim como eles “desabafam” no sexo, “desabafassem” também com um analista ou outro terapeuta, se buscassem mais conhecimento de si mesmos.
Quanta chatice. Muito, muito chato.
Leia isso aqui. – http://www.mtecbo.gov.br/busca/competencias.asp?codigo=5198
Chato.
Nisia – Bem, tecnicamente, os casais não são necessários para a preservação da humanidade. Isso, aliás, está cada vez mais claro na sociedade moderna, onde as pessoas têm filhos sem formar casais. Existe uma rede de suporte social tão forte que encontrar um parceiro para suporte material não é mais um requisito tão crucial. Aliás, mais do que isso, estamos caminhando tecnologicamente para o próprio ato sexual ser cada vez menos necessário à reprodução. Adicionalmente, com a medicina e recursos modernos de produção, apenas uma taxa moderadíssima de reprodução (evolutivamente falando) é necessária para manter a população. Portanto, não me parece forte o argumento de que “temos que formar casais senão a humanidade vai desaparecer”. O problema básico aqui não tanto preservar a existência material da humanidade, que não me parece ameaçada por este fenômeno, como resgatar a integridade afetiva e psicológica dos seres humanos que a constitutem.
Estamos vivendo uma neurose coletiva resultante em grande parte do fato que evoluímos num contexto em que sexo, reprodução e família eram todos inextricavelmente interligados, mas em um curto século tudo isso deixou de valer. A receita de milhares de anos não vale mais. Talvez não tenha havido tempo para nos adaptarmos biológica e instintivamente a isso.
Quanto à lavagem cerebral contínua das mulheres para o tempo todo seduzirem e buscarem aprovação, concordo – ela é tão horrível quanto a lavagem cerebral contínua que os homens recebem para quererem comer loiras peitudas e com bundão e ignorarem todas as outras características femininas (incluindo genuína compatibilidade sexual!) que poderiam realmente complementá-los e produzir um relacionamento frutífero.
Quanto a mulheres não ficarem mais gentis e sim mais loucas com o “aumento da concorrência”, bem – esse é justamente o ponto, essa é a motivação para num segundo momento se tornarem mais gentis. A tentação atual de usar o poder sexual para impor sua vontade ou cultivar padrões de comportamento inaceitavelmente anti-sociais é muito grande. Uma sociedade na qual os homens pudessem satisfazer seus instintos sexuais sem se submeterem a isso seria muito mais saudável para todos. Aí as pessoas poderiam se concentrar em ficarem juntas por motivos como amizade, companheirismo, admiração mútua, etc. Imagino que você prefira um milhão de vezes um homem sexualmente satisfeito que escolha livremente ficar com você porque prefere a sua companhia do que a de outras mulheres, certo?
Engraçadinho – Pois é, eu estava lendo uma notícia outro dia sobre alguns adolescentes americanos que viram uma notícia no jornal sobre o enterro de uma jovem muito bonita. Eles viram a foto da garota e decidiram que seria uma ótima idéia ir ao cemitério, literalmente cavar o caixão e fazer sexo com ela. Porém, quanto estavam executando o plano, foram pegos. Daí queriam acusá-los de crime sexual, porém nada do que haviam feito se enquadrava nisso, simplesmente não havia uma lei que se aplicasse, então criou-se uma certa confusão, pois se os condenassem por algum delito não sexual bobo como invasão de propriedade ou vandalismo não haveria justificativa para registrá-los como “sex offenders” – algo que é um grande assunto aqui nos EUA.
Mas enfim, assim como o canibalismo, necrofilia também é algo que não me pareça fazer intrinsecamente mal a ninguém. Pode-se suspeitar que alguém que faça isso tenha um parafuso a menos, mas isso também vale para sujeitos que ficam berrando sozinhos olhando para o teto em estações de metrô.
Novamente, não acho que nossa moralidade deva ser cegamente baseada em automaticamente proibir e estigmatizar tudo aquilo que nos provoque algum tipo de repulsa.
Abraços!
André – ei, genial o link. No mesmo site tem outras pérolas como essa aqui :
Ministério do Trabalho e Emprego
Classificação Brasileira de Ocupações
5198 :: Profissionais do sexo
Condições gerais de exercício
Trabalham por conta própria, na rua, em bares, boates, hotéis, porto, rodovias e em garimpos. Atuam em ambientes a céu aberto, fechados e em veículos, em horários irregulares. No exercício de algumas das atividades podem estar expostos à inalação de gases de veículos, a intempéries, a poluição sonora e a discriminação social. Há ainda riscos de contágios de DST, e maus-tratos, violência de rua e morte.
Formação e experiência
Para o exercício profissional requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro, oferecidas pelas associações da categoria. Outros cursos complementares de formação profissional, como por exemplo, cursos de beleza, de cuidados pessoais, de planejamento do orçamento, bem como cursos profissionalizantes para rendimentos alternativos também são oferecidos pelas associações, em diversos Estados. O acesso à profissão é livre aos maiores de dezoito anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima séries do ensino fundamental. O pleno desempenho das atividades ocorre após dois anos de experiência.
Carlos – A comparação é evidentemente imprópria já que os judeus não foram consultados sobre sua participação no holocausto. Impedir o holocausto de fato protege certas pessoas da agressão de outras.
Já impedir por coação as pessoas de darem a bunda, ou de fumar maconha, ou de rodar bolsinha na esquina é meramente impor seu sistema pessoal de valores aos outros. Não se trata de defender a integridade de ninguém de ataques externos, e sim de “proteger” a pessoa de decisões voluntárias que você não aprova. Não consigo ver legitimidade nisso ser feito com seres humanos adultos em plena posse de suas faculdades.
E eu não estou dizendo aqui que “todo mundo deveria se prostituir”, estou dizendo que na minha opinião quem assim escolher não deve ser proibido à força pelo estado de fazê-lo, nem ser tratado como um monstro.
Por que é tão difícil explicar a “revolucionária” idéia de defender o direito das pessoas fazerem coisas com as quais não concordamos e/ou que não faríamos?
Carla – Oi, concordo em essência com tudo o que você disse.
Só observaria que não é claro para mim que não haja “qualquer problema” em uma mulher se prostituir. Eu acho que não deve ser proibido, e acho que ela não deve ser tratada como um monstro.
Colocado isso, acho que se prostituir provavelmente carrega uma grande chance de traumas e seqüelas afetivas e emocionais – além de riscos objetivos. Evidentemente, diferentes mulheres lidarão com isso de formas diferentes. Para algumas, não será nada demais, enquanto que para outras será insuportável.
Da mesma forma, pessoas diferentes terão relações diferentes com álcool, por exemplo. Algumas poderão destruir suas vidas enquanto que outras vão simplesmente se divertir. Não dá pra ser ultrafundamentalista e concluir que álcool é produto do demôôôôônio e que deve ser completamente banido para o bem estar da sociedade. Isso é simultaneamente totalitário, irreal e contraproducente. Ou seja, agride as pessoas, não é atingível, e provavelmente geraria uma sociedade *mais* e não menos problemática. Está errado em todos os níveis.
Mas daí deduzir que “todo mundo devia beber”, “beber é o maior barato” ou mesmo algo mais brando como “beber não faz mal algum”, aí já é discutível.
Só que se formos ser fanáticos com isso, comer um pedaço de pizza também pode ser considerado uma má idéia. Seria mais “saudável” comer um pedaço de aipo com queijo cottage. O fato, como eu disse em outro comentário, é que viver faz mal à saúde, é responsabilidade e privilégio de cada um de nós administrar como vamos percorrer o caminho da saúde até a inexistência.
Gostaria também de dizer que exercer ativamente sua identidade sexual é provavelmente uma forma muito mais efetiva de conhecê-la do que pensar sobre ela. Para muitos, não me parece que ocuparia apenas um papel de “desabafo” como você coloca, mas também de exploração e aprendizado. Ou até de recreação, por que não? Não que refletir não seja importantíssimo, mas estranhamente em grande parte dos casos não dá pra “deduzir” quem eu sou; muitas vezes nós nos descobrimos é vivendo mesmo.
Aliás, o paralelo entre contratar uma prostituta e contratar um terapeuta levanta um ponto muito interessante. Por que é socialmente aceitável contratar alguém para ouvir seus problemas íntimos e discuti-los com você mas não é aceitável contratar alguém para ajudá-lo com suas necessidade sexuais?
Mas basicamente concordo com tudo o que você disse.
Abraços!
sobre este trecho da resposta 13 “Para uma mulher interessada em uma relação romântica baseada em sentimentos mútuos, não ter que ficar se preocupando tão recorrentemente com “será que esse cara só está atrás de uma mulher para comer” é um GRANDE benefício.”
existe um outro ponto, o daquelas mulheres que gostam demais de sexo. elas se deparam com esse blá blá blá de homens que falam sobre falta de sexo, tão cheios de fantasias, falta de mulher que os satisfaçam, mas quando se deparam com uma, assustam-se e vão embora. senão denigrem a imagem de cada ou a história se espalha e e aí sim, estão atrás dela apenas para comê-la.
safiri – Sim, concordo que por algum motivo maluco existem muitos homens que ainda não estão preparados para lidar de forma tranqüila e construtiva com mulheres que aceitem e expressem com naturalidade sua própria sexualidade, mesmo que sejam perfeitamente carinhosas e afetivas, e sem haver qualquer prostituição envolvida.
Por outro lado, também é um saco para os homens terem que ficar ouvindo “você é um tarado” repetido de forma absolutamente acéfala diante das expressões mais banais de sexualidade masculina.
O que só vem a reforçar meu ponto – uma grande porcentagem de ambos os lados não está sabendo lidar direito com a questão da sexualidade. Isso é ainda pior nos EUA.
As pessoas precisam entender melhor a própria sexualidade, e a do sexo oposto, para então saberem respeitar um pouco mais as escolhas alheias assim como terem condições de buscar (e aceitar) um parceiro que as complemente.
Sérgio, concordo com vários argumentos, como outros nem tanto.
Achei sua perspectiva freudiana demais. O sexo, estando na explicação da maioria das neuroses, mais condena que explica, que o diga as obras culturais baseadas em tal assertiva.
À maneira do Pedro, sem querer condenar, mas sem querer corroborar também, creio que nossa represa deve situar-se um pouco acima dos genitais.
Abraço
Edvaldo – Uma parte do problema, e o ponto no qual tenho que concordar parcialmente com você, é que o objetivo de nossos instintos não é nos fazerem felizes. É nos manterem vivos e nos impelirem em direção à replicação, em direção a atos que provavelmente (evolutivamente falando) nos levarão à propagação do nosso material genético.
Portanto, mesmo sem entrar em questões morais, ceder descontroladamente aos nossos instintos muito possivelmente não nos fará sequer felizes.
Por outro lado, ignorar nossos instintos também não é uma opção muito realista. No nível mais tosco, fingir que eles não existem e nem sequer reconhecê-los – isso pra mim é claramente problemático.
Em os conhecendo, aí sim podemos realmente escolher exercê-los ou não. Aí é preciso considerar muito bem custos e benefícios e ter consciência das consequências (para os outros e para si mesmo). É preciso entender as nossas próprias necessidades psicológicas, e as dos outros, assim como as questões práticas envolvidas.
Agora, a meu ver, é responsabilidade e privilégio de cada ser humano fazer essas escolhas. Elas não cabem à família, à sociedade ou ao governo.
“Nem a Daslu conseguiu impedir. Daspu na Bienal. A grife de roupas criada pela ONG Davida, que promove a cidadania das prostitutas, está exposta no Ibirapuera num estande de 130 metros quadrados localizado no terceiro andar.”
Continue lendo aqui:
http://blogtalk-cristiana.blogspot.com/2006/10/daspu-na-bienal.html
Sérgio, amei o texto e a conversa gerada por ele. Acima, minha contribuição.
Beijos
Cris
[...] vejamos, ela cita um texto que escrevi sobre prostituição. Deixo claro no texto e reitero aqui que não vejo absolutamente qualquer problema moral com [...]
Pedro, estou com você. A legalização seria o melhor caminho. As mulheres que não gostassem da profissão poderiam simplesmente mudar de emprego, como fazem tantos trabalhadores em tantos momentos da vida. Já escrevi outro artigo, abordando o mesmo tema, e chegando basicamente às mesmas conclusões. Te convido a dar uma olhada.
http://jornalplasticobolha.blogspot.com/2011/03/sobre-brunas-e-raqueis.html
Oi, concordo com a maior parte do seu texto, de fato grande parte dos casamentos – e dos “relacionamentos” – é uma farsa total que produz homens e mulheres frustradíssimos, e uma parte crucial disso é o sexo ser usado como ferramenta de manipulação. Isso sim é desonesto. Se for pra fazer desse jeito, melhor que os termos estejam explícitos e cada um faça sua parte.
Agora, quem escreveu este texto não foi o Pedro não, e sim eu.
Saudações,
Sergio