Aproveitem enquanto podem, que é bem possível que o mundo como o conhecemos esteja prestes a mudar.
Grandes, vastas partes do globo já são correntemente controladas por ditaduras grotescas e aberrantes que não cogitam alguns dos mais elementares direitos individuais que por estes lados nem chegamos a imaginar que poderiam ser questionados. Mais está por vir.
A imprudência e a incapacidade de avaliar o quanto está em jogo são facilitadas por um sentimento mais ou menos universal no ocidente – em particular nas Américas – de que o progresso histórico em direção a sistemas de governo mais “democráticos” onde a autodeterminação individual – mesmo que restrita por certas questões de ordem – seja respeitada e garantida pelos governos seria um processo mais ou menos automático, um destino manifesto no qual ditaduras totalitárias e teocracias fundamentalistas seriam apenas percalços, obstáculos temporários, dores de crescimento, digamos.
Só que se examinarmos a história dos últimos 200 anos da humanidade, veremos que passamos por um pico de expressão máxima desses valores e que agora estão em franco declínio. A Rússia volta a se apaixonar pelo comunismo com força total. A China nunca o abandonou, e rapidamente se torna uma ultra-potência industrial, bélica e financeira. O Oriente Médio, após vários governos cada vez mais seculares – ironicamente entre eles o de Saddam Hussein – volta-se para o mais alucinado fundamentalismo religioso. Guerras civis genocidas assolam a África enquanto governos essencialmente tribais retornam ao centro do espectro político. A Europa, moribunda e morrendo de velhice, sofre ondas de imigração e colonização cultural reversa.
Enquanto isso, grande parte da estratégia geopolítica americana é baseada em premissas abstratas e quase místicas, numa fé cega e suicida de que as “forças de mercado” prevalecerão, de que os países do mundo, comportando-se como “agentes racionais”, verão que não é de seu interesse lutar contra os Estados Unidos, e sim que o maior benefício para todos virá de trabalharem junto com ele.
Essa falácia irresponsável arrisca a própria existência dos Estados Unidos como o conhecemos.
Ora vejam, como o próprio Alan Greenspan, um dos ícones da ideologia do poder auto-regulatório do livre mercado, declarou em seu depoimento ao congresso americano sobre a crise atual, a seqüência de eventos que culminou no colapso do sistema financeiro americano o deixou num estado de “choque e descrença” e que eventualmente isso o levou a a questionar seu modelo de que os bancos, movidos pelo puro interesse de auto-preservação, tenderiam a tomar decisões racionais que protegessem seus interesses. Só que ao invés disso bancos como o Washington Mutual, um dos maiores dos Estados Unidos, entraram numa espiral absurda de conceder uma quantidade inadministrável de empréstimos em termos que por quaisquer critérios minimamente conservadores previsivelmente jamais seriam pagos como contratualmente estabelecido.
Como isso foi possível? Bem, os executivos e gerentes responsáveis por tais empréstimos ganharam imensos bônus por trazerem novos “negócios” e “clientes” ao banco. Bônus que carregaram pra casa e agora podem gastam despreocupadamente enquanto o banco colapsa a ponto de se tornar insolvente e cessar de ter existência independente, sendo – no caso do Washington Mutual – incorporado pelo Chase. Não existe outro nome possível para o que aconteceu, não foram erros de julgamento : foi fraude pura e simples.
Só que enquanto isso estava acontecendo, toda a nação – já que o Washington Mutual não foi o único a fazer isso – ficou por anos ouvindo um discurso repetido exaustivamente sobre como isso era sensato, sobre como esses empréstimos faziam sentido, sobre como o risco era diluído por X ou garantido pelas contrapartidas Y. E no final das contas o que era óbvio era verdade – emprestar grandes somas de dinheiro a quem não tem a menor condição de pagar leva a bobagens.
Enquanto isso, em outro palco, um drama semelhante se desenrola. Mais e mais componentes fundamentais e estratégicos da indústria americana estão migrando para locais que por qualquer critério minimamente prudente são controlados por inimigos políticos dos Estados Unidos. Argumentar que não é de interesse econômico deles sabotar tal colaboração é como argumentar que não é do interesse racional de um fundamentalista se explodir. Experimente usar esse argumento com a Alemanha nazista. “Oh, nós discordamos politicamente mas enquanto isso por favor tome conta da fabricação de nossos produtos estratégicos de alta tecnologia.”
Imagine o tamanho do problema que haveria no caso de qualquer tipo de conflito mais sério com a China. Fábricas de bilhões de dólares e de altíssima tecnologia não se constroem do dia para a noite. Claro, talvez seja completamente suicida para China alimentar um tal conflito. Isso historicamente importou no passado? Isso importa no presente? Pior ainda, isso importa para aqueles que efetivamente estão tomando as decisões? Assim como no caso dos bancos, que agora estão indo à falência, aqueles com o poder de decisão com freqüência não só não sofrerão qualquer conseqüência negativa por suas decisões absurdas como muitas vezes encontram-se numa situação em que têm enormes pressões ou incentivos para tomá-las. As empresas americanas que abrem fábricas na China, por exemplo, beneficiam-se de menores custos de produção, menores impostos, menores encargos e complicações trabalhistas. Mas isso é realmente do interesse dos Estados Unidos? Ou apenas do interesse de certos grupos?
Por outro lado, qual seria a opção? O governo intervir e tentar impedir o parque industrial americano de migrar para a China? Além de desconfortavelmente invervencionista, tal política provavelmente seria ineficaz no longo prazo. Na pior hipótese, a longo prazo as próprias empresas migrariam para fora dos Estados Unidos, escapando completamente à jurisdição americana. Então o que fazer?
Talvez não haja nada realmente que se possa fazer. Talvez o “livre mercado” seja em última análise não exatamente uma ideologia e sim uma realidade darwiniana inescapável, na qual o mais produtivo sobrevive e o menos produtivo morre. Tentar regular ou impedir isso só leva à falência econômica, como no caso da União Soviética. Nesse ponto os defensores do livre mercado teriam razão. Mas note que daí não decorre de forma alguma que automaticamente seja maximizada a liberdade ou o bem estar individuais. Talvez o sistema mais eficiente economicamente seja mesmo as pessoas serem descartáveis, criadas e destruídas sob demanda e alocadas friamente pelas necessidades correntes de produção. Talvez não haja como lutar contra isso sem se tornar voluntariamente menos competitivo. Então é preciso considerar a hipótese de que achar que a estratégia que maximiza a produtividade econômica e a capacidade de sobrevivência de um grupo seja precisamente a mesma que maximiza o bem estar e a liberdade dos seres humanos que o constituem possivelmente seja basicamente um anseio romântico, motivado pelo desejo de que tais objetivos não conflitem, de que ambos possam ser perseguidos simultaneamente sem necessidade de se fazerem escolhas irresolvíveis entre ganhar o mundo e perder a alma ou salvar a alma e perder o mundo.
Sendo que para aqueles que rejeitam especulações místicas, a situação tende a ser ainda mais grave, porque não há como salvar a alma se perdermos o mundo. Se perdermos o mundo, a alma vai junto. Então aproveitem enquanto podem.
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Bom, as empresas que migram para a China – ou um país similar – buscam mão-de-obra barata, ou melhor, escrava. Menores custos de produção é igual a mais lucro.
Eis que aí entramos nos conceitos morais da coisa. Assim, remeto imediatamente a entrevista do monsenhor Schooyans (http://www.zenit.org/article-20431?l=portuguese), sobre a ONU e Nova Ordem Mundial com a pretensão de revogar os direitos fundamentais do homem, que nos permitem ainda sermos livres, em favor de uma legislação positiva extremamente tirânica. Não creio que todo o mundo pense como um ou dois burocratas políticos ou empresários hedonistas. Neste momento o que tenho em mente é a servidão voluntária de Boétie.
No entanto, é mais do que evidente que estamos vivendo bem perto desse tão sonhado governo mundial autoritaríssimo pretendido pela ONU – e mesmo que muita gente dê aquele sorrisinho irônico e desaprovador de canto de boca, movimentando a cabeça no sentido leste-oeste, é inevitável identificarmos a estrutura global do socialismo-comunismo marxista.
Agora, tenho que remeter a uma entrevista que fiz com o Nelson Lehmann sobre o seu livro A Religião Civil do Estado Moderno: http://www.diogochiuso.com/2009/01/01/a-religiao-civil-do-estado-moderno/
Em suma: aproveitem enquanto ainda há lugar neste mundo para a liberdade individual. Porque no Admirável mundo novo global, até a religião e os santos são estatais.