Autópsia de uma Consciência em Colapso

March 20th, 2009 by Sergio de Biasi

O contexto é o seguinte. Em comentário a um texto que escrevi recentemente, um dos leitores fez a seguinte observação :

Já quanto à Religião (…), se você não entende como uma pessoa pode acreditar em Deus ou pautar-se por uma Religião – que é uma coisa medonha e totalmente desprovida de razão e moralidade, não é? – por favor, aponte uma só civilização que não tenha se edificado mediante a idéia da existência de Deus (ou Deuses).

Ok, este é um comentário que em si mesmo não considero particularmente absurdo; a religião de fato parece ser um fenômeno universal. Apenas acho muito pouco apropriado daí deduzir que ela seja desejável, boa, ou sequer automaticamente “edificante” no processo civilizatório em oposição a meramente endêmica. Respondi então dizendo isso que acabo de dizer e comentando que

“Eu poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas.”

Recebi então sobre esta frase um comentário que exemplifica tantas coisas sobre as quais venho falando recentemente – inclusive em outros textos – que parei no meio da resposta que estava escrevendo sob a forma de comentário e decidi publicar um texto sobre o assunto.

Eis na íntegra o comentário que me foi deixado :

Caro Sr. Sérgio,

Francamente, creio que sua consciência desta vez entrou em algum tipo de colapso:

“Eu poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas.”

Dirá você que queria dizer, mais não disse o que disse, só usou de uma comparação absurda e sem fundamento para mostrar o absurdo argumento sem fundamento dos católicos.

Pera lá Sr Sabe-Tudo! Quer dizer então que os romanos ou egipcios, ou os gregos fundaram suas civilações chapados ou nestas civilizações houve uso de drogas? E não me venha dizer que não quis dizer isso, pretensos sofismas ou malabarismos intelectuais já não convencem. Que diabos de civilação drogada ou que permitiu uso de drogas foi essa? A civilização dos hippies? Bom..eu já apontei três, gostaria de saber que tipo de drogas os romanos, os egipcios e os gregos costumavam a usar? Ah.. bebidas ou plantas medicinais naõ valem tá?

E tem ainda os medievais católicos..quatro!

E é preciso não um ninja, mais talvez um super-samurai como o Sr. Sérgio para cortar a pobreza à espadas. O Sr Sérgio com estes argumentos do outro mundo parece acreditar na utopia marxista, e eu digo parece, ok? Será que um douto ateu como o Sr Sérgio acredita no mito milenarista de que o igualitarismo é possivel? Ah, não. Afinal para um ateu nada pode ser plenamente bom, só meio bom, a igualdade nunca será possivel com estes ninjas católicos por perto. Ele evidentemente naõ quis dizer o que disse. Fica a consciência individual do Sr. Sérgio registrada em um blogue para convencer ninguém a aderir as suas ideías meio igualitárias, e fica a pobreza.. contra a vontade em cima do muro do Sr. Sérgio.

Aponte o Sr. Sérgio se alguma civilação que perceber sua ordem sendo ameaçada ou de fato, estiver sendo atacada, se ficará de braços cruzados? Creio que o Sr. Sérgio também não quis dizer o que disse, afinal de contas, ele apenas conceituou a guerra como se os dois (ou três, quatro e etc) paises inimigos naõ tivessem razão para se defenderem ou atacarem. Ah.. mais as guerras matam pessoas inocentes e é contra os direitos humanos da ONU. Sim, as guerras matam pessoas inocentes, mas o aborto não, naõ é Sr. Sérgio? Imagina..ele não quis dizer isso. Sim, as guerras são contra alguns direitos humanos, de certa forma, mas o aborto nunca. Não é? Então viva os direitos humanos de quem estão livres dos ventres das mães. Talvez se o Sr. sérgio fosse contemplado com este direito contra sua existência, ele naõ poderia estar se lamentando agora contra os ninjas hipócritas. Ainda bem que sua mãe não cumpriu esse direito da mulher Sr. Sérgio. Sua mãe seguiu a ideologia destes ninjas retrógados. E o senhor está aí..vivo.

Com a palavra, se quiser, o Sr. Sérgio….

Esse texto demonstra uma confusão mental tão grande e uma percepção tão incorreta da realidade concreta que poderíamos facilmente descartá-lo como simplesmente sem nexo. Porém, there is method in the madness, e várias das percepções, preconceitos e raciocínios automáticos nele ilustrados infelizmente não são incomuns, e a ignorância neles contida é ativamente promovida por uma multiplicidade de movimentos políticos e religiosos. Responder a ele torna-se dessa forma relevante e de importância quase pedagógica, supondo que entre os bombardeados pela chuva de mentiras e lavagem cerebral que produz estados mentais como esse existam também outros mais críticos que sintam o cheiro da falsidade e que possam extrair algum benefício (ou pelo menos material para reflexão) de se falar sobre o assunto.

Prossigamos.

Fundamentos

Em primeiro lugar, o ponto da minha comparação é justamente apontar a absurdidade de afirmar que só porque algo seja universal, então será automaticamente civilizatório, ao apontar coisas que são de fato universais, mas não necessariamente civilizatórias. Achei que isto estaria óbvio mas aparentemente era preciso explicar. Mas até aí é só confusão mental.

Drogas

Muito mais espantosos são os comentários sobre as drogas, e foi aí que eu decidi que era mais importante publicar isso como texto e não como comentário. Sim eu estou afirmando que o uso de drogas é algo universal em todas as civilizações. E sim, os romanos, os egípcios, os gregos usavam drogas, caso alguém porventura desconheça esse fato histórico básico. Aliás, assim como os “medievais católicos” (embora seja discutível categorizar esse grupo como “uma civilização”).

Uma parte substancial das drogas mais usadas atualmente incluindo maconha, ópio, e naturalmente álcool não são nenhuma novidade histórica, e foram usadas extensamente nos últimos milhares de anos ao redor do mundo, assim como muitas outras. Isso é algo tão incontroverso e de conhecimento geral que é desnecessário argumentar extensamente. Para quem for mesmo remotamente surpreendido por essa informação que aqui meramente cito, sugiro que leia as referências que apontei e procure outras caso queira compreender quão constrangedora é a insinuação de que romanos, egípcios e gregos não usavam drogas.

Aliás, como isso não fosse suficiente, ironicamente um dos usos mais tradicionais de drogas em todas as civilizações sempre foi em cerimônias religiosas. E ainda mais ironicamente, isso é verdade inclusive na igreja católica onde a eucaristia é realizada com vinho até hoje. E dizer que “bebidas não valem” é mais uma demonstração inacreditável de hipocrisia. O álcool é uma droga tanto quanto todas as outras, por qualquer critério. Falar de drogas com tal grau de histeria e desconhecimento enquanto a sua (suponho) própria religião usa drogas em suas celebrações consegue bater todos os graus de ignorância, hipocrisia e loucura.

Sobre que tipo de civilização drogada “permitiu” o uso de drogas, a resposta é todas. Inclusive aliás as atuais, nas quais por exemplo álcool, cafeína e nicotina continuam sendo perfeitamente legais e aceitas socialmente para uso recreativo, e às quais podemos adicionar uma enorme coleção de drogas psicotrópicas disponíveis para uso medicinal. Isso sem falar nas que apesar de nominalmente ilegais são usadas em ampla escala.

Ailás, esse negócio de criar uma histeria inacreditável em torno de drogas e de querer proibi-las é algo absolutamente moderno. Historicamente, a preocupação e mesmo a condenação moral sempre foram com o abuso, não com o consumo em si. Tão recentemente quando no começo do século 20, a coca-cola (uma bebida popular sem qualquer estigma social) continha cocaína e só quando uma onda de histeria regulatória tornou a cocaína ilegal ela foi substituída por outra droga similar, a cafeína. Aliás, nos estados unidos houve tentativas sérias de se proibir a cafeína (sem grande sucesso) assim como o álcool (que eventualmente fracassou, mas com consequências terríveis). Mas voltando à cocaína, ela não apresentava qualquer problema ou estigma para ninguém, sendo que na Europa do final do século 19 era ingrediente por exemplo no popular Vinho Mariani, que era não só consumido como recomendado pelo papa Leão XIII, que premiou o químico que o desenvolveu com uma medalha.

Pobreza

Passa então o autor do comentário a argumentar que eu estaria defendendo o igualitarismo, logo em seguida a eu afirmar que a pobreza, assim como a religião, a guerra e o uso de drogas, é um fenômeno universal nas civilizações humanas.

Para começar, isso demonstra uma incapacidade embaraçosa de apreender a estrutura básica do meu argumento. Mas saltando por cima do fato de que eu estava justamente dizendo que a pobreza é algo universal e possivelmente de alguma forma essencial e inevitável nas sociedades humanas, existe um erro bem mais relevante : a noção de que o combate à pobreza (compreendida como miséria) seria automaticamente uma defesa do igualitarismo. Esse é *precisamente* o perverso e injustificável salto cognitivo que o marxismo conseguiu que grandes massas humanas introjetassem a ponto de o realizarem de forma silenciosa, automática e acrítica. E o autor do comentário realiza esse salto sem se dar conta, enquanto nominalmente criticando o marxismo! Ora, é precisamente isso que os marxistas defendem : que a melhor forma de combater a miséria seria atacando as desigualdades, impedindo e destruindo a acumulação de riqueza privada, que empobrecer os ricos seria um objetivo desejável e meritório. Então dessa forma consegue-se cooptar para o projeto marxista pessoas que movidas pela caridade buscam aliviar os sofrimentos decorrentes da pobreza alheia, ensinando-lhes que combater a miséria é idêntico a promover o igualitarismo que tem como conseqüência perseguir a riqueza. Com tantas pessoas que (como o autor do comentário) automaticamente vêem como equivalente o combate à pobreza e a defesa do igualitarismo, não é surpresa que haja tantos comunistas.

Guerra

Essa parte é até difícil de comentar porque ela é basicamente um amontoado de incongruências nas quais até mesmo a capacidade de escrever de forma ortográfica e gramatical do autor do comentário se esgotou. Eu não “conceituei” a guerra de forma alguma um meu texto, eu não disse coisa alguma sobre a ONU, ou sobre “direitos humanos” ou sobre a guerra matar pessoas inocentes. Isso tudo veio diretamente da imaginação do autor do comentário.

Aborto

Finalmente, o autor do comentário decide falar sobre aborto, e ignora completamente, como é de praxe, o fundamento da posição de quase todos aqueles que se opõem à criminalização do aborto no início da gestação : que num aborto realizado suficientemente cedo, *ninguém* morre. Para a maioria das pessoas contra a criminalização do aborto, o ponto não é e nunca foi se é certo ou bom matar bebês e sim se bebês estão morrendo para começar. Adicionalmente, representar a posição de “o aborto não deve ser um crime” como sendo “todas as pessoas devem abortar sempre que ficarem grávidas” é um discurso no mínimo desonesto se for só uma mentira e francamente maluco e delirante se o próprio autor do comentário não percebe a distinção.

26 Responses to “Autópsia de uma Consciência em Colapso”

  1. Felipe says:

    “Para maioria das pessoas contra a criminalização do aborto, o ponto não é e nunca foi se é certo ou bom matar bebês e sim se bebês estão morrendo para começar.”

    Cara, essa crítica ao aborto bate muito na tecla do achismo. A vida começa na fecundação? Depois de alguns meses? Quantos meses? Depois do nascimento? Quando é formado o coração? Quando é formado o cérebro? Quando é formado algum órgão inteiro?

    E antes que você pense “lá vem mais um chato reclamando”, eu já digo que sou a favor da legalização do aborto. Mas não por essa idéia “achista”.

    Sou a favor da legalização do aborto simplesmente pq o feto, enquanto feto, não possui um direito à vida. Se a mãe de um bebê vivo decide parar de comer até morrer, o bebê – em tese – continua vivo. Na prática, ele poderia facilmente ser adotado por uma família sem tendências suicidas. Então a mãe não tem o direito de tirar a vida de um bebê já nascido, pois o bebê já possui o direito de viver “por conta própria” – em tese. Agora, uma mãe grávida, se decidir parar de comer até morrer, o bebê inevitalmente morrerá junto. Ele não pode ser “transferido” no meio da gestação para outro útero. Em uma maneira, confesso, insensível e apelativa de se dizer, o feto é um “parasita” que precisa necessariamente do “parasitado” para sobreviver. A mãe grávida tem o direito sobre a vida do filho enquanto este permacer dentro dela.

    Se é certo ou errado matar o feto, não cabe – e nunca caberá – a mim decidir. E nem a você, Sérgio. Perceba que somos homens, portanto nunca ficaremos grávidos. Não estou dizendo isto para fugir da responsabilidade, mas é a verdade. A mãe se torna mãe no momento que descobre a gravidez; o pai só se torna pai depois do nascimento – se não há nascimento, não há paternidade. Enquanto na fase de gestação, o pai – em tese – não tem nenhuma responsabilidade no processo e sua ausência ou presença em nada afetará a condição do feto.

    Pessoalmente, eu não gostaria de saber que um filho meu foi abortado. Sou novo – tenho 18 anos -, uso camisinha e nunca engravidei ninguem. Mas caso acontecesse, eu não iria querer o aborto. Mas a minha opinião não é importante. Eu só me tornarei pai depois de 9 meses, enquanto a menina já é uma mãe. Caso ela queira abortar, não há nada que eu possa fazer.

    Percebam, leitores do Sérgio, que eu não quis impor minha vontade nem mesmo na minha parceira. Vocês – alguns, pelo menos – querem impor a sua própria vontade no mundo inteiro.

    Finalizo dizendo que vocês podem ter quantos filhos quiserem, mas não tentem impedir que sua vizinha faça um aborto. Não cabe a vocês decidir. Se é “assassinato”, ensine para a sua filha e deixe que ela chegue à conclusão que achar melhor.

  2. Diogo Chiuso says:

    Sérgio, você não “poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas” porque tratam-se de coisas distintas. Uma trata-se de uma coisa boa; outra, depende do contexto, pois uma guerra pode ser moralmente justificada ou não. Quanto à pobreza e o uso de drogas, bem, são coisas ainda mais distantes do argumento em questão. Você está espalhando a coisa e se distanciando do objeto formal.

    Mas parece que você fez questão de ignorar a última parte, que em verdade, tentou sintetizar o que pretendia dizer: “Veja que até o mundo moderno, que se esforça ao máximo para expurgar a idéia religiosa, apoia-se num conceito de divindade estatal.” Temos aí a religião do Estado da mesma forma, com um adicional: o homem é falível e imperfeito. Numa síntese boboca, temos a inspiração nos homens e suas imperfeições; ou no absoluto, no ser perfeito, mesmo que para você seja hipotético.

    No entanto, o mais importante é que você conclui que Religião não é uma coisa boa. Bom, chegamos a um termo não-significativo: “coisa boa”. Não tenho a menor idéia do que você está falando. A mim, a religião, grosso modo, é algo que pretende dar atributos para o homem se tornar um ser pleno, ainda que a perfeição contemple uma farta minoria.

    No entanto, por não ser possível uma pessoa requerer provas significativas ou científicas de todas as coisas mais urgentes para decisões mais urgentes, apoiamos-nos em crenças e mitos religiosos ou não – que não são necessariamentes engodos ou lavagens cerebrais, pois um mito ou uma crença pode não ter uma prova definitiva, mas isto não impede que tratem de verdades universais.

    O problema aí é que a Ciência, com seu caráter restritivo, não tem meios para edificar provas substanciais para verdades universais de que tratam as Religiões – ou mesmo explicar o que é o homem. Todas as religiões tratam disso bem melhor do que a teoria da evolução, que no máximo trata em explicar o que é um animal de uma forma generalizada.

    Explicar o homem sempre foi objeto de estudo da Filosofia. Depois passou-se a tentar recriar um ambiente em que o homem pudesse buscar uma sabedoria para identificar o que é falso do verdadeiro. Eis que a Lógica e a Dialética, que equipam a Ciência, foram edificadas a partir de um ambiente religioso – que fora incorporado a elas, não expurgado.

  3. Diogo Chiuso says:

    “Para maioria das pessoas contra a criminalização do aborto, o ponto não é e nunca foi se é certo ou bom matar bebês e sim se bebês estão morrendo para começar.”

    Sua proposição está errada, porque a maioria dos que são contra o aborto (mesmo a Igreja!) expõe como fundamento tal dúvida. E, ora, na dúvida exclui-se a possibilidade de matar.

    A questão é mais cômica porque a própria definição de concepção adotada pela Igreja é científica. Há teorias que compreendem o zigoto já como um ser vivo. E não são poucos os médicos e cientistas que defendem tal teoria.

    Enfim, não há um consenso científico para o início da vida – e mesmo que houvesse não teria tanta importância no assunto, afinal um consenso nada mais é do que conjunto de opiniões sobre hipóteses, não o conhecimento pleno da coisa-em-si.

    Mas a questão levantanda pelo Felipe já adentra ao conceito jurídico do direito à vida. O direito à vida é inalienável já desde o Decágolo (olha aí a Religião que “não é uma coisa boa”, segundo o imutável Sergio), pois trata-se de uma verdade universal: sem vida não há Direito. Então, o fator que impugna qualquer teoria abortista é o fato de não ser admissível matar um ser humano, salvo em um caso de legítima defesa, que, guardada as devidas proporções, nada mais é do que o exercício mesmo do direito à vida.

  4. O argumento abaixo é um circulus in demonstrando:

    Sérgio, você não “poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas” porque tratam-se de coisas distintas. Uma trata-se de uma coisa boa; outra, depende do contexto, pois uma guerra pode ser moralmente justificada ou não.

    O argumento parte da premissa de que religião é “uma coisa boa” para provar que a religião é uma coisa boa.

  5. Diogo Chiuso says:

    Sergio, em primeiro lugar, tratar todas as Religiões como uma coisa unitária é de uma ignorância atroz do que seja cada uma delas. A diferença é grande e de princípios. Depois, meu raciocínio não é “ah, essas não servem por não serem boas”, mas sim por não serem verdades! Adiante:

    Quando falo que as religiões são boas em princípio é porque fundam-se em conceitos bons. Primeiro no que diz respeito ao direito à vida, que é fundamento principal da nossa civilização judaico-cristã. Depois de sentimentos bons, como justiça, bondade, honestidade, etc. Quando um cristão tem de pautar a sua vida por um ensinamento do tipo “amai ao próximo como a si mesmo”, é inegável que é uma coisa justa, boa e honesta.

    Depois, a tal da “grande parte das ideologias laicas” simplesmente negam o Absoluto (como conceito de divindade). Buscam, em verdade, apoio nas experimentações científicas para justificar (e experimentar) suas engenharias sociais. Não é isso o que acontece com o aborto? Tratam como um problema de saúde pública, expostos em planilhas de estatísticas ao invés de procurar conceituar o problema de forma metafísica – o que é a vida? Depois, quando e como se inicia? Nisto parece que estamos de acordo!

    Aí, você diz que a Ciência trata o homem enquanto ser absolutamente melhor do que a Religião. Não é verdade, Sergio! Primeiro porque a Ciência moderna abriu mão da Metafísica devido a sua incapacidade de analisar o ser através de modelos matemáticos e experimentações hipotéticas. Um físico ou um químico é incapaz de demonstrar fisicamente ou quimicamente a essência de um ser. Por outro lado, se você ler Santo Tomás ou Santo Agostinho verá alí a exposição da Lógica, da Dialética e da Metafísica aristotélica em sua plenitude afim de explicar o que é este ser.

    E também, um dos princípios da Ciência é a auto-tutela, não é mesmo? Nenhuma tese aceita é irrefutável e nem mesmo algo necessariamente verdadeiro. As Religiões também têm este atributo em assuntos que não são considerados verdades fundamentais que a regem – obviamente que o contrário seria o seu fim.

    Atente que não estou negando – embora acredite que você deva estar pensando isso – os avanços que as experimentações científicas trouxeram até nós. Seria negar a realidade dos fatos. O que quero te dizer desde o princípio é que a Ciência é incapaz de analisar os fundamentos religiosos porque eles são necessariamente temas metafísicos. Talvez esteja aí o seu problema em entender assuntos como Fé e dedicação religiosa.

    Em termos mais específicos à sociedade, não se pode fazer da Religião uma fonte única de Direitos. Da mesma forma se dá com a Ciência. Primeiro porque numa sociedade pode haver diversos grupos religiosos distintos e em contradição fundamental. Privilegiar somente um desses grupos seria uma tirania. Por outro lado, um consenso científico não é sinônimo de verdade universal por que é nada mais do que um conjunto de opiniões admitidas porque ainda não se deu uma explicação melhor sobre um objeto estudado. E talvez amanhã uma única teoria seja capaz de refutar totalmente tais opiniões admitidas em consenso.

    Para terminar: você critica os dogmas da Igreja ao mesmo tempo que se equilibra numa suposta superioridade moral e intelectual dos dogmas científicos – que em verdade, são refutáveis e sem nenhum fundamento do tipo metafísico.

    Um abraço,
    Diogo

  6. Diogo Chiuso says:

    Separei os comentários porque tratam de coisas distintas. Este é necessariamente sobre o teu último parágrafo:

    O Direito à vida não é discurso jurídico moderno porque é um direito natural.

    Depois uma Religião não se fundamenta somente no seu livro sagrado, Sergio. Não à toa que o Judaísmo tem o Talmud e a Mishná; que o Islã tenha as Suras, a Sharia e os ensinamentos dos profetas do Corão; que o catolicismo tenha a Escolástica, as encíclicas, os Concílios, e que todas tenham suas doutrinas, simbolismo e ritos.

    E, claro, criticar o cristianismo baseado pura e simplesmente no Velho Testamento é não ter a menor idéia do que seja a Religião Cristã.

    Outro Abraço,
    Diogo

  7. eliane says:

    Sergio,

    Segue aí uma boa indicação de leitura :

    Georges Bernanos. Diário de um Pároco de Aldeia.
    Editora Paulus.

    saudações,

    Eliane

  8. amauri says:

    Bom dia.
    O senhor acha, ou tem certeza, de que com a legalização do aborto, o numero de abortistas aumentará?
    Na minha opinião, quem quer o aborto, o fará legal ou ilegal.
    O interessante nesta discusão em torno do aborto, é que o aborto em si é a concequencia e não a causa. No meu entendimento a discusão seria mais proveitosa se discutissimos a causa de tantas gravides indesejadas. Daria uma nova autopsia da mente.
    Amauri

  9. [...] Filosofias….e discussões Março 22, 2009 Posted by claudio in Uncategorized. Tags: O Indivíduo, off-topic trackback Pessoal, o Sérgio e o Pedro, sobreviventes do “O Indivíduo”, são uma das provas de que existe inteligência na rede. [...]

  10. [...] O Indivíduo Porque só o indivíduo tem consciência « Autópsia de uma Consciência em Colapso [...]

  11. Filipe says:

    Caro Sergio,

    Há alguns equívocos nesse trecho:

    “Esse está entre aqueles argumentos automáticos padrão que não fazem nenhum sentido repetídos por religiosos e outros fãs da criminalização do aborto como se fosse um grande triunfo moral ou da lógica. Em primeiro lugar algo ser errado não é uma questão científica. Não existe uma “verdade” oculta que tem alguma “probabilidade” de ser de um jeito ou de outro. Não podemos falar em qual a “probabilidade” de que algo seja errado. Isso é um julgamento subjetivo, não um fato observável. Mas mesmo que fosse um fato absoluto que pudesse ser determinado cientificamente, continuaria sendo o caso de que a tal “probabilidade” de ele ser verdadeiro importa enormemente. É uma falácia total dizer que “se existe *alguma* probabilidade” então deve ser proibido. Ora bolas, se eu dirijo um carro existe uma certa probabilidade de que eu atropelarei alguém. Então dirigir deve ser proibido?”

    Primeiramente, se não há um momento em que se possa precisar que a existência do feto passe a ser propriamente humana, permanece sólido o argumento de que é possível que um ser humano esteja sendo assassinado. Afinal, todos concordamos, como você disse, sobre a inexistência de um ser humano antes da concepção e sobre sua existência após a gravidez. Se não é possível precisar o momento de tal passagem, ou se tal momento inexiste, como você defende arbitrariamente, é prudente não matar o feto em momento algum da gravidez. Ou aceitamos o impedimento do homicídio como absoluto ou estaremos abertos a diversas possibilidade de barbárie. Se consideramos apenas por convenção que o feto ou o zigoto não são humanos, nada impede que outros, também por convenção, determinem que pessoas com retardamento mental ou judeus tampouco o sejam. Perdoe-me pelo “reductio ad Hitlerum”, é só para exemplificar com clareza.

    Segundo, sua comparação com dirigir está errada. O motivo é o seguinte: quando dirigimos, não vamos necessariamente matar algo cuja humanidade ignoramos. Existe apenas a possibilidade de que, por acidente, matemos alguém. O mesmo vale para a venda de amendoins. No caso do aborto, estamos, necessariamente, matando (ou destruindo, se preferir) algo.

  12. Fernando Carneiro says:

    Tratar de religiões como se todas fossem equivalentes é bastante discutível. Além disso, nem sei se a religião católica pretendia fundar uma civilização. Passou bem cinco séculos sem uma. Cresceu baseada no martírio enquanto outras baseadas em guerras, conquistas, violência. Como defesa da existência de Deus é também discutível, a meu ver.

  13. Recebo o seguinte comentário de um leitor insatisfeito com não ter *todos* os seus comentários publicados :

    Talvez fosse a hora de você fechar definitivamente os comentários, afinal, você não quer discutir, mas sim, sentenciar. Ainda assim agradeço até onde foi a tua atenção para com este leitor, que, com muito pesar, encerra as suas visitas a este blogue, que parecia ser casa de uma pessoa sensata.

    Para não repetir o que já foi dito diversas vezes antes, aponto este texto.

  14. Lendo o comentário e a conseqüente resposta do “O INDIVÍDUO’ – é a primeira vez que acesso o conteúdo do blog – fico maravilhado com o teor da coluna, pois sou, também, partidário da necessária discussão de temas que, dentro e fora de nossa mídia dominante e onipresente, estão legados ao eterno lugar que a Ignorância sempre lhes destina, ou seja, para escanteio (ou mais além ainda!). Realmente, a pessoa que enviou tal comentário devia, e muito, estar envolvida em uma áurea de idealismo fatalista, daqueles que não se permitem (notem que usei o termo ‘não se permitem’ para não parecer determinista e igualmente fatalista) enxergam outra realidade além da que está sendo entregue de bandeja, sem esforços ou conflitos, a não ser o de abrir bem a boca e receber o maná diretamente dos Céus, como passsarinhos no ninho.

    Estes, com toda a certeza, fazem parte do rebanho que já se considera salvo, pois todas respostas estão na ponta da língua bifurcada. Não temeram a sombra do Vale da Morte, pois que já são partes incondicionais de tal ermo estéril. Estão à direita do Salvador, já que não avistam nenhuma outra lateralidade possível…

    Mas não posso suportar nenhuma espécie de descriminação em relação à nenhum tipo de ideologia ou crença, por mais imatura ou irracional que seja. Todos devemos e podemos gozar de liberdade de pensar, dizer(dentro dos limites civilizados) e crer no que está mais próximo de nossos anseios e necessidades emocionais. Apenas não quero que fundamentalistas em crenças pérfidas, nocivas e extremadas venham, num futuro próximo, comandar uma nação ou Estado, instituição ou sequer grêmio estudantil – não pelos laços ideológicos em si, mas pela inevitável crise de ponto-de-vistas que daí virão (a história já nos provou isto, várias e várias vezes). E tais confrontos ideológicos, infelizmente, não ficam apenas no campo da argumentação refinada e educada…

    Sobre os pontos que foram discutidos na resposta do tal comentarista (guerra, drogas, aborto, miséria e igualitarismo), devo dizer que, do meu ponto de vista, estarão sempre na pauta do dia para os que se encontram amarrados pelas correntes do secularismo cego e cegante. A guerra sempre vai existir enquanto houver egoísmo e intolerância com o diferente. As drogas são uma faca de dois gumes que, se não soubermos empulhá-la, irá produzir cortes profundos na sociedade, em todos os níveis – principalmente nas classes ricas, as mais prejudicadas, pois se assim não fosse, as drogas e o narcotráfico não seriam um problema tão sério e alarmante nos noticiários televisivos. O combate da miséria através da igualdade econômica é um velho fantasma que as elites temeram desde o dia em que o proletariado se levantou e reivindicou o seu quinhão no bolo social. O aborto é um problema de âmbito pessoal e cada um deve fazer o que achar melhor com o que tem dentro das tripas e ponto final.Por que o tal iluminado não discursou sobre racismo ou exploração sexual ou comercial? Ou da escandalosa corrupção que mina recursos na Educação, na Saúde ou no Assistencialismo Social para com os que já trabalharam tanto por este país que parece existir apenas para produzir lucros e juros para os atravessadores monetários?

    Será que este nobre contestador mora no Brasil? Ou é apenas um infiltrado do Vaticano querendo demonstrar que é melhor para uma menor de idade, violentada pelo próprio padrasto, correr risco de vida ao dar a luz á uma vida indesejada por motivos óbvios? Será que a pretensão da Verdade é mais importante do que a vida que gera?

    Ficam aqui minhas sinceras e encorajadoras palavras para O INDIVÍDUO.

    Em meu blog: analisessintaticasdarealidade.blogspot.com – tive a mesma repulsa em relação a este tipo de opinião padronizada, o que me levou a escrever a coluna “ATÉ ONDE, PARA SALVAR UMA ÚNICA VIDA, É PRECISO PERDER VÁRIAS OUTRAS?”
    http://analisessintaticasdarealidade.blogspot.com/2009/03/httpwwwbloggercomate-onde-para-salvar.html

    e-mail: bode.cleriston@gmail.com

  15. Jose Luiz says:

    Caro Sérgio,

    Acompanho este blog a um bom tempo, apesar de nunca ter postado um comentário.
    Parabéns a todos pela riqueza da discussão. Isso é raro na net. Em geral, temos o enfadonho trabalho de filtrar as opiniões realmente interessantes…

    A investigação sobre o que é falso ou verdadeiro, em termos de fenômenos naturais, em geral é contrária ao religioso. As religiões dão aos fenômenos naturais causas extratarrenas. São, por natureza, contrárias à dúvida e ao ceticismo – como deve ser um pensamento religioso, de verdade revelada. O pensamento científico, tem como fundamento o ceticismo, oposto da fé, explicando fenômenos naturais, desmistificando crenças religiosas sobre o que é falso ou verdadeiro e se tornando, portanto, oposto ao pensamento religioso.
    Em termos de questões morais ou existenciais, a questão é um pouco mais complicada.
    Não podemos cientificamente e, do ponto de vista PURAMENTE racional, determinar o que é certo ou errado ou o porquê da existência humana e do Universo. O pensamento científico é, em si mesmo, amoral: pode inventar antibióticos ou a bomba atômica. É como uma ferramenta para entender o funcionamento (não o propósito ou o senso de valor) das coisas e dos fenômenos naturais.
    Neste ponto, é o sentimento pessoal e outras características puramente subjetivas que acabam definindo ações como certas ou erradas. Pode se alegar questões relacionadas à nossa evolução como espécie (há evidências – não comprovação definitiva – de que a empatia, a compaixão, o altruísmo, dentre outros têm um substrato biológico) e, por que não, conceitos religiosos.
    Não tenho religião, não sou um crente (no sentido de crer em verdades reveladas), mas quando sinto profundamente que matar ou roubar são ações que devo me esquivar de fazer, mesmo que não possa do ponto de vista puramente racional afirmar o porquê (já que, dentre outras razões, poderia me beneficiar de tal ato), posso atribuir esse sentimento a algo puramente biológico e/ou a um enraizado preceito moral de origem religiosa.
    Algumas religiões, em seu cerne, a despeito da verdade revelada, tem fundamentos morais como a valorização da vida humana, da liberdade de escolher entre o certo ou o errado e de amor ao próximo. Infelizmente, em geral, a escolha do certo ou errado se dá com base no temor da punição ou na graça da recompensa e não APENAS pela consciência de não fazer o que se crê ser errado.
    Creio que do ponto de vista puramente racional, para questões morais, Kant foi o mais profundo (Crítica da Razão Prática, etc) e, depois dele, houve apenas retrocesso ou variações sobre o mesmo tema. Isso dá assunto pra um novo comentário, mas paro por aqui.

    Grande abraço a todos e, mais uma vez, parabéns!

  16. Felipe,

    Concordo 100% com você que não existe uma resposta “certa” para quando exatamente começa a vida humana. Existem momentos de maior consenso sobre quando ela já existe, como após o nascimento, e quando ela ainda não existe, como antes da concepção, mas saindo disso existem todo tipo de opiniões e nenhum critério realmente objetivo, muito menos ainda científico, para decidir.

    Porém, diante da impossibilidade de formar uma decisão que não seja basicamente arbitrária sobre isso, você diz defender a legalidade do aborto não porque o feto ainda não seja humano, e sim porque você nega a ele, humano ou não, o direito à vida. Ora, em que isso é menos arbitrário? Seu argumento parece ser “bem, dizer onde um feto se torna humano é “achismo”, então ao invés disso eu vou arbitrariamente decidir onde começa o direito à vida de um ser humano”. Em que isso é menos “achista”? Dizer que “a mãe grávida tem o direito sobre a vida do filho enquanto este permacer dentro dela” é absolutamente tão “achista” quanto dizer que “um feto de duas semanas ainda não é um ser humano”.

    Sendo que a sua posição, essa sim é precisamente a posição fortemente criticada pela igreja católica, e ela cria problemas éticos enormes. Entre eles, o de que um bebê recém nascido continua sendo sob quase todos os aspectos um “parasíta”, embora não mais associado fisicamente a nenhuma pessoa específica, e que precisa de ajuda para permanecer vivo, incapaz que é de prover a própria subsistência. A maior parte da sociedade tenderia a concordar que existe apesar disso um imperativo ético em cuidar dele. Não precisa mais ser a mãe, mas se eles não são mais descartáveis *alguém* tem que manté-los vivos, mesmo que isso tenha um custo. Não é aceitável para a maior parte da sociedade, e me parece que isso inclui você, embora você não chegue a dizê-lo claramente, pensar que “bem, se não houver ninguém para quem seja conveniente manter esses bebês vivos, deixemo-los morrerem.”

    Então você prosegue a dizer que “Se é certo ou errado matar o feto, não cabe – e nunca caberá – a mim decidir. E nem a você, Sérgio.” porque em sendo homens, jamais ficaremos grávidos. Você está então dizendo que *outras mulheres* poderiam criticar uma mulher que aborte, mas não nós homens? E no caso de mulheres estéreis, podem estas fazerem críticas? E no caso de mulheres mais velhas, que não podem mais ter filhos? A estrutura do seu argumento parece ser de que se eu não tenho o poder de fazer X, então não posso criticar alguém fazer X”. Ora, levando isso ao limite lógico este argumento isso é tão falho quanto dizer que não cabe a um tetraplégico criticar alguém por estrangular um bebê, porque não tem o poder de fazê-lo. Ou que pessoais estéreis não poderiam criticar casais por afogarem seus filhos recém nascidos na banheira porque nunca os terão.

    Talvez o que você quisesse dizer é que só a *mãe* tem autoridade para decidir se é ou não errado matar aquele feto específico. Mas embora o argumento filosófico genérico de que só temos realmente autoridade moral para julgarmos nossos próprios atos me pareça bastante forte (e interessantemente tenha ressonâncias até mesmo na tradição católica), eu não acho que isso possa sozinho ser realmente base para um sistema moral. Então eu acho sim que a sociedade *em princípio* tem a prerrogativa de ter um julgamento moral sobre uma mãe grávida. Apenas o meu julgamento pessoal é que ela claramente não está cometendo um assassinato ao abortar no início da gestação, e é isso que a isenta de estar fazendo algo errado, não o fato de que “não cabe a nós julgar”.

    E tenho que discordar também sobre o pai se tornar pai apenas no momento do nascimento; isso, ao contrário de outras questões, não é achismo. O pai é objetivamente, concretamente o pai desde o momento da concepção, mesmo que ainda não haja um bebê, e mesmo que isso não lhe dê direito de decidir se a mulher deve ou não abortar. Acho indefensável a tese de que a paternidade começa no momento do nascimento, ou separadamente da maternidade. Para isso há de fato um critério científico muito bem compreendido hoje em dia.

    Você termina dizendo que

    vocês podem ter quantos filhos quiserem, mas não tentem impedir que sua vizinha faça um aborto. Não cabe a vocês decidir. Se é “assassinato”, ensine para a sua filha e deixe que ela chegue à conclusão que achar melhor.

    Esse raciocínio apresenta sérios dilemas éticos. Eu concordo que os católicos e religiosos em geral acham que tudo é da conta deles e querem interferir em decisões pessoais que não são da conta de mais ninguém. Mas assumir a posição diametralmente oposta de que não temos autoridade ou obrigação de cuidar de ninguém que não nós mesmos ou para interferir nas decisões dos outros sob nenhuma circunstância me parece um pouco cínico demais. Suponhamos que você observe um casal de vizinhos e eles abandonem seu bebê na lata de lixo em frente à residência deles. Acharia você então que “não cabe a você julgar” ou que “não é da minha conta” ou que nenhuma ação é moralmente requerida da sua parte? Isso me parece um pouco demais nas linhas de “Acaso sou guarda de meu irmão?”. Até certo ponto, sim, é. Apenas os católicos tendem a colocar esse limite de o que é da conta deles beeeeeeeem além do que eu considero razoável, e ironicamente vezes demais fazendo aos “auxiliados” mais mal do que bem no processo.

    Saudações,
    Sergio

  17. Diogo,

    Você começa por dizer :

    Sérgio, você não “poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas” porque tratam-se de coisas distintas. Uma trata-se de uma coisa boa; outra, depende do contexto, pois uma guerra pode ser moralmente justificada ou não. Quanto à pobreza e o uso de drogas, bem, são coisas ainda mais distantes do argumento em questão. Você está espalhando a coisa e se distanciando do objeto formal.

    De forma alguma. É você que está tentando provar que a religião seja uma “coisa boa” e usa para tentar demonstrar isso um argumento com a forma “veja só, ela está presente em todas as civilizações”. Eu passo então a listar coisas que intencionalmente não tem nada a ver com serem boas e que no entanto também estão presentes em todas as civilizações. Esse seu raciocínio de que “ah, essas não servem” por não serem “boas” é completamente circular.

    Então você prossegue dizendo sobre religião versus tentativas laicas de estruturas a sociedade que

    Numa síntese boboca, temos a inspiração nos homens e suas imperfeições; ou no absoluto, no ser perfeito, mesmo que para você seja hipotético.

    Ora, para começar a “inspiração do absoluto” mesmo que sincera pode estar completamente equivocada e levar a todo tipo de disparates. O máximo que isso provaria é que as intenções são boas.

    Adicionalmente, grande parte das ideologias laicas também extraem “inspiração do absoluto” e buscam atingir por exemplo ideais abstratos de justiça, fraternidade, dignidade entre outros, apenas sem passar por uma teologia. O absoluto, mesmo em termos existenciais e morais, não é de forma alguma monopólio do religioso.

    As religiões, porém, quase universalmente fundamentam suas crenças sobre tais assuntos em dogmas e em submissão à autoridade ao invés de em diálogo e reflexão, e isso é profundamente danoso ao que para mim é a parte mais importante da formação de agentes morais, que é o cultivo de uma consciência ética individual autônoma, crítica e independente. Isso é completamente desincentivado pela quase totalidade das religiões. Ao invés disso busca-se ativamente produzir conformidade e punir independência de pensamento. Mesmo quando isso não é feito à força, é isso que se pede do devoto.

    Não que adicionalmente isso não ocorra quase universalmente sob enorme e devastadora pressão social ou mesmo coação física, ou seja, literalmente à força. Experimente nascer entre mórmons e tentar dizer que Joseph Smith talvez não estivesse certo. Ou nascer entre muçulmanos na Arábia Saudita e tentar dizer que pensando bem talvez deus não exista. Aliás, experimente ser um cristão na Arábia Saudita e tentar expressar abertamente suas convicções para ver o que ocorre. Ou mesmo ser um membro de uma família protestante ortodoxa e dizer que pensando bem você não concorda com o que o pastor está dizendo. Deixo como exercício para o leitor verificar o que ocorre e ocorreu historicamente nessas mesmas situações quando o poder político dominante é ou era a igreja católica.

    Você um pouco depois diz então que

    O problema aí é que a Ciência, com seu caráter restritivo, não tem meios para edificar provas substanciais para verdades universais de que tratam as Religiões – ou mesmo explicar o que é o homem. Todas as religiões tratam disso bem melhor do que a teoria da evolução, que no máximo trata em explicar o que é um animal de uma forma generalizada.

    Existem vários tipos possíveis de explicações que podemos buscar atingir sobre “o que é o homem”. Se estamos tratanto de de onde veio fisicamente a espécie humana, a ciência trata disso de forma tão absolutamente superior à religião que não há comparação possível. Enquanto a religião trata de mitos revelados sobre personagens fantásticos, a ciência de fato conseguiu progredir de forma fenomenal em entender de onde de fato viemos.

    Por outro lado, se estamos tratando isso como uma pergunta filosófica e existencial na qual queremos saber o “por quê” e “para quê” subjacentes a estes “como” e “o quê”, então eu diria que ninguém conseguiu chegar a nenhuma resposta satisfatória, e tudo indica que não exista nenhuma. Aliás, a resposta mais provável dado o nosso conhecimento atual, mesmo que isso seja frustrante, é de que não existe um “por quê” ou “para quê”.

    Agora, querer responder ao “por quê” ou “para quê” de um certo “como” e “o quê” enquanto se ignora completamente o que efetivamente se sabe sobre o “como” e “o quê” é uma atitude cega e obscurantista. Como é que você vai tentar explicar “por quê” o homem está aqui se você se recusa a estudar a natureza do objeto cuja existência você está tentando justificar? Porém, essa é a atitude padrão nos meios religiosos.

    Eu não acho que as religiões tenham realmente alcançado qualquer progresso em explicar o homem. Diante da enormidade desta questão, elas em geral simplesmente postulam uma série de dogmas e decretam que a questão está resolvida.

    Saudações,
    Sergio

  18. Diogo,

    Sua proposição está errada, porque a maioria dos que são contra o aborto (mesmo a Igreja!) expõe como fundamento tal dúvida.

    Eu estava falando sobre aqueles que são contra a criminalização do aborto, não sobre aqueles que são a favor, os quais em geral evidentemente sempre se preocuparam com essa questão. O problema é precisamente que a igreja tenta construir o debate como se só ela se importasse com isso. Leia o texto.

    E, ora, na dúvida exclui-se a possibilidade de matar.

    Esse está entre aqueles argumentos automáticos padrão que não fazem nenhum sentido repetídos por religiosos e outros fãs da criminalização do aborto como se fosse um grande triunfo moral ou da lógica. Em primeiro lugar algo ser errado não é uma questão científica. Não existe uma “verdade” oculta que tem alguma “probabilidade” de ser de um jeito ou de outro. Não podemos falar em qual a “probabilidade” de que algo seja errado. Isso é um julgamento subjetivo, não um fato observável. Mas mesmo que fosse um fato absoluto que pudesse ser determinado cientificamente, continuaria sendo o caso de que a tal “probabilidade” de ele ser verdadeiro importa enormemente. É uma falácia total dizer que “se existe *alguma* probabilidade” então deve ser proibido. Ora bolas, se eu dirijo um carro existe uma certa probabilidade de que eu atropelarei alguém. Então dirigir deve ser proibido? Pessoas morrem todos os anos ao comer amendoim por seres alérgicas. Apenas colocar rótulos com avisos não impede que isso ocorra. Devemos então proibir a produção e comercialização de amendoim?

    Isso evidentemente se aplica a inúmeras outras atividades. Então ou você vai argumentar que matar um feto é de fato assassinato de um ser humano com “significativa probabilidade” ou mesmo em todos os casos e sempre, e para isso precisa de argumentos, ou o raciocínio não tem qualquer força. A mera possibilidade de que estejamos cometendo um assassinato ou causando uma morte pode existir ou ser levantada arbitrariamente em todos os tipos de circunstâncias e não há qualquer justificativa para usá-la como base automática para proibir o que quer que seja.

    A questão é mais cômica porque a própria definição de concepção adotada pela Igreja é científica. Há teorias que compreendem o zigoto já como um ser vivo. E não são poucos os médicos e cientistas que defendem tal teoria.

    Não há absolutamente nada de científico em dizer que a vida humana começa na concepção. Isso é uma posição arbitrária da igreja católica. Seria igualmente “científico” dizer que a vida começa quando o coração começa a bater. O fato é que dizer quando começa a vida humana não é uma questão científica, é uma questão existencial, moral, ética e também prática. Mas não é um “fato” que esteja lá fora no mundo esperando para ser descoberto.

    Quanto ao zigoto estar vivo, isso não tem nada a ver com o assunto. O óvulo já estava vivo, assim como os espermatozóides. As células no meu estômago são seres vivos e nem por isso atribuímos a elas qualquer valor moral. A questão não é se o zigoto está vivo, e sim se ele deve ser considerado moralmente equivalente a um ser humano, ou mesmo se vamos afirmar que ele *é* um ser humano. “Estar vivo” ou mesmo “ser um ser vivo” são apenas remotos requisitos para isso.

    Mas eu acho que provavelmente isso aqui resume muito da atitude religiosa :

    Enfim, não há um consenso científico para o início da vida – e mesmo que houvesse não teria tanta importância no assunto, afinal um consenso nada mais é do que conjunto de opiniões sobre hipóteses, não o conhecimento pleno da coisa-em-si.

    Ou seja, não interessa absolutamente qual seja a realidade que me é informada pelos meus sentidos, ou pela minha razão, porque estas nunca poderão atingir a coisa-em-si. Apenas a verdade revelada realmente importa, e está me é informada (no caso da igreja católica) pelas autoridades eclesiásticas.

    Que você tenha escolhido certas autoridades eclesiásticas específicas em quem acreditar e não miríades de outras disponíveis aparentemente não abala seu argumento, porque afinal de contas, as autoridades que você escolheu lhes dizem que elas são as únicas verdadeiras, e elas têm acesso à coisa-em-si.

    Ora bolas, isso é evidentemente circular e quem não percebe imediatamente que não faz qualquer sentido provavelmente não será convencido por argumentação sobre o assunto.

    Finalmente, chegamos a

    O direito à vida é inalienável já desde o Decágolo

    O “direito à vida” não é “inalienável” desde o decálogo. Isso é discurso jurídico moderno. E além disso que não tenho qualquer obrigação (moral ou de outros tipos) de seguir o decálogo. O valor atribuído à vida humana, por outro lado, é algo universal e presente em todas as civilizações, sem a necessidade de qualquer dogma religioso sobre o assunto. É uma constante entre os religiosos acharem que o discurso moral só é possível dentro da religião, apesar de ser transbordantemente falso que apenas as pessoas religiosas tenham impulsos e valores morais ou ajam eticamente. Aliás, é muito mais historicamente correto que os dogmas religiosos decorram desse valor universal em todas as culturas do que o contrário. Não é como se as pessoas se matassem indiscriminadamente antes do maravilhoso decálogo ter sido publicado, e não é como se tivessem parado de se matar seletivamente depois disso, inclusive as pessoas religiosas, inclusive a igreja católica. Inclusive aliás a maior parte dos textos religiosos antigos prescreve a pena de morte para todo o tipo de bobagens. Isso só caiu realmente em desfavor com o advento do estado laico democrático moderno, não por causa da religião. Aliás, em grande parte dos estados teocráticos a pena de morte por heresias diversas permanece ainda atualmente indo muito bem, obrigado. Então não venha dizer que a religião universalmente promove o respeito ao “inalienável direito à vida”. Aliás, hipocrisias à parte, está mais para o contrário.

  19. Oi Roberto,

    Pois é, concordo plenamente que é circular, e até observei isso num comentário posterior…

    Agora, é impressionante as pessoas não perceberem o quanto isso é circular ao argumentarem. Quem chega a usar argumentos desse tipo dificilmente sairá do círculo meramente pela argumentação, pois se a pessoa fosse minimamente capaz de autocrítica, já teria percebido espontaneamente que isso não faz qualquer sentido.

    Torço porém que observar e falar sobre essas coisas mesmo quando não vejo muitas esperanças de que os interlocutores percebam seus erros crassos sirva para ajudar outros leitores que ainda hesitam em confiar plenamente no seu próprio julgamento de que isso não faz nenhum sentido.

    Obrigado pelo comentário!

    Saudações,
    Sergio

  20. Diogo,

    Vou publicar esse comentário que começa com

    em primeiro lugar, tratar todas as Religiões como uma coisa unitária é de uma ignorância atroz do que seja cada uma delas.

    basicamente porque você se deu ao trabalho de escrever uma resposta longa.

    Discordo enfaticamente de quase todas as frases do seu comentário. Mas não vou novamente comentar tudo que você escreveu porque sinceramente, você deveria pensar um pouco mais sobre o que você mesmo está dizendo. Você faz um monte de afirmações “refutando” coisas que eu nem sequer remotamente disse, usa constantemente raciocínios circulares, diz coisa que simplesmente não são verdade ou não fazem sentido, e quando eu aponto as falhas gigantes no que você está dizendo, ao invés se corrigir, parar pra pensar, ou pelo menos negar a existência de tais falhas, simplesmente prossegue adiante fazendo mais uma coleção de afirmações que vão do non sequitur ao nonsense.

    Acho que você já expôs de forma suficientemente extensa sua posição, eu já contra-argumentei o suficiente para colocar minha posição. Agora é com o leitor.

    Saudações,
    Sergio

  21. Mais uma vez, publico o comentário que começa com

    Separei os comentários porque tratam de coisas distintas.

    mais como contra-exemplo de como não se deve raciocinar do que por achar que valha a pena criticá-lo explicitamente. Há tantas coisas erradas com ele e com o comentário que o precede que criticá-los é como tentar consertar um carro que foi atingido por um trem am alta velocidade, explodiu e então foi abandonado por um ano ao relento. Declaro perda total.

  22. Amauri,

    Um comentário sobre o que você disse pode ser encontrado em

    ../.././22/para-abortar-e-preciso-engravidar/

    Saudações,
    Sergio

  23. Caro Filipe,

    Se consideramos apenas por convenção que o feto ou o zigoto não são humanos, nada impede que outros, também por convenção, determinem que pessoas com retardamento mental ou judeus tampouco o sejam.

    Concordo que é uma *excelente* colocação. Infelizmente, não resolve o assunto, porque *continua* não sendo uma questão científica objetiva; continua sendo “por convenção” que não se deve matar judeus ou retardados mentais e não porque “é possível” que seja errado. Falar na “possibilidade” de que seja errado supõe que exista uma “verdade” oculta sobre se o zigoto deve ou não ser tratado como um ser humano, quando isso é no fundo algo que cabe a nós subjetivamente decidir. Não se pode ir a um laboratório, fazer uma medida e determinar “ih, era errado”.

    Mesmo que você resolva argumentar que existam valores morais absolutos e que matar seres humanos seria absolutamente errado, continua sendo preciso determinar a quem daremos o status de ser humano, e isso não é algo que tenha uma resposta objetiva. A não ser é claro que você vá usar o argumento de que “Ah, mas deus disse para o papa que o ser humano surge na concepção e isso resolve o assunto, e isso não é uma convenção e sim uma verdade absoluta vinda diretamente de deus.” Bem, eu absolutamente não aceito esse argumento e não vejo como alguém racional poderia aceitá-lo.

    Agora, o fato de ser por convenção não significa que seja desprovido de importância ou significado; eu diria que há razoável consenso sobre o fato de que por exemplo essas convenções que você menciona devam ser mantidas. Então o fato de algo ser aceito apenas por convenção – aliás a totalidade do nosso sistema jurídico funciona assim – não nos leva automaticamente à barbárie.

    Por outro lado, se formos aplicar generalizadamente o seu argumento de que se algo tem alguma chance de estar errado deverá ser por via das dúvidas considerado errado, isso sim leva a todo tipo de disparates. Por exemplo, digamos os animais não humanos. Há pessoas que atribuem várias gradações de valor moral a eles. Existem aqueles que defendem por exemplo que todo ser suficientemente consciente tem algum tipo de alma, e que portanto devem ter muito mais direitos morais e legais do que as sociedades em geral dão a eles. Há os que defendem que matar uma vaca é assassinato. Devemos automaticamente ceder “por via das dúvidas”, porque existe uma “possibilidade” de que estejam certos? E que tal o homossexualismo? Há pessoas que seriamente defendem que ele é uma abominação muito pior do que por exemplo usar drogas e que deveria ser ilegal inclusive para proteger os dirtamente envolvidos. Deveríamos concordar com elas porque existe uma “possibilidade” de que estejam certas? Aliás, existem também pessoas que acham que a religião é uma doença mental que produz enorme dano à sociedade e que deveria portanto ser tornada inaceitável, sendo sua propaganda e prática tornada ilegal e seus proponentes presos ou internados em hospitais psiquiátricos. Você acha que isso deve ser feito porque existe uma “chance” de que religião seja mesmo errado?

    Toda essa linha de argumentação de “se existe qualquer chance de que algo esteja errado devermos proibir” é claramente absurda. Certo e errado não são uma questão de “probabilidades”. É preciso primeiro que concordemos que algo está errado para então podermos medir a chance de que aconteça. E mesmo nesse caso, mesmo quando todos concordamos que algo pode causar um mal, ainda importa muito *quão* provável é que isso aconteça.

    Segundo, sua comparação com dirigir está errada. O motivo é o seguinte: quando dirigimos, não vamos necessariamente matar algo cuja humanidade ignoramos. Existe apenas a possibilidade de que, por acidente, matemos alguém. O mesmo vale para a venda de amendoins. No caso do aborto, estamos, necessariamente, matando (ou destruindo, se preferir) algo.

    Claro que no caso do aborto estamos “necessariamente, matando (ou destruindo, se preferir) algo”, mas isso não apresenta qualquer problema moral. O problema é se aquilo que foi destruído era um ser humano. Eu estou afirmando que ali não existe qualquer ser humano (certamente na minha opinião não, digamos, com uma semana de gestação). Então você usa o argumento de que não haveria como saber realmente e que existe uma “probabilidade” de que na verdade haja. A questão do amendoim e do carro é justamente para dizer que esse argumento de “probabilidade” não é bom.

    Talvez a sua crítica seja a de que se estivermos errados, estaremos errados *todas as vezes* em que cometermos um aborto. Mas novamente, como dito no começo da minha resposta, isso se aplicaria a um monte de situações absurdas. Não dá para sair concluindo que as coisas são erradas só porque alguém levantou a hipótese de que sejam e existe uma chance não nula de que ele esteja certo. Isso é só histeria.

  24. Tratar de religiões como se todas fossem equivalentes é bastante discutível. Além disso, nem sei se a religião católica pretendia fundar uma civilização. Passou bem cinco séculos sem uma. Cresceu baseada no martírio enquanto outras baseadas em guerras, conquistas, violência. Como defesa da existência de Deus é também discutível, a meu ver.

    Isso é um primor de incoerência. Você começa dizendo que “Tratar de religiões como se todas fossem equivalentes é bastante discutível.” para *imediatamente* em seguida classificar todas as religiões do mundo em “a religião católica”, “baseada no martírio” versus “as outras”, “baseadas em guerras, conquistas, violência”. Certo, não há qualquer problema em colocar TODAS as outras religiões como equivalentes, o problema é dizer que a santa e perfeita igreja católica seja igual às outras?

    Isso sem falar em toda a notória e violentíssima história de perseguição da igreja católica a hereges e não católicos. Aliás, quase sempre em que teve poder político suficiente para fazê-lo. Para não ficar nos óbvios e repisados exemplos da inquisição européia ou das cruzadas, posso citar por exemplo que foram os católicos que praticamente destruíram a cultura maia, queimando todos os livros escritos em maia que conseguirem recolher, por serem “coisa do demônio”, e torturando os maias que se recusavam a renunciar à sua cultura. A quantidade de sangue que ja foi derramado em nome da religião católica torna absolutamente ridícula a afirmação de que seja uma religião isenta de ser agente de “guerras, conquista e violência”.

  25. Oi José Luiz,

    Obrigado pelos comentários!

    Pois é, as tentativas de chegar à moral através da razão infelizmente não dão conta do recado. Mas diante disso saltar para verdades reveladas, para mim não só não resolve o problema como menospreza e destrói justamente a única fonte de motivação para fazer algo de bom ao invés de grandes maldades, ou mesmo para sequer ver sentido em tais conceitos : a nossa consciência individual. Nossos sentimentos – auxiliados e aliados à razão – essa é a verdadeira base de toda a ética. E a meu ver, transformar o que sentimos em “a palavra de deus” é uma tentativa tosca de escapar à responsabilidade pelo fato de que no fundo é a nossa falível, mutável, incompleta e provisória opinião. O fato é que em termos de ética nós NÃO TEMOS acesso a um dicionário de regras absolutamente certas nas quais sempre podemos confiar. Não existe nenhuma lista de mandados ou leis ou mandamentos que se seguirmos cegamente poderemos então dizer “oh, eu estava seguindo ordens, não posso ser culpado de nada”. Em última instância a reponsabilidade em decidir o que é certo e errado é inalienavelmente de cada um de nós, e não conseguir aceitar isso leva à esquizofrenia, à intolerância, ao fanatismo.

    Saudações,
    Sergio

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