Recebi recentemente de um leitor um comentário com algumas perguntas relacionadas aos fundamentos das minhas posições sobre moral, ética, liberdade e etc. Infelizmente (por limitações práticas de tempo) não posso dar longas respostas a todas as perguntas, mas elas são suficientemente interessantes que eu queira dar respostas curtas, e convidar os leitores a pensarem o que eles mesmos responderiam.
Notem que eu não estou aqui tentando colocar os fundamentos de um sistema filosófico axiomático e sim responder brevemente às perguntas para expor a direção genérica na qual vão minhas posições.
Olá Sérgio! [Gostaria de] fazer algumas perguntas que (…) acredito serem úteis para compreender melhor seu ponto de vista no tocante à série de questões que vc tem abordado nos últimos posts e comentários.
1- Para você, existem atitudes certas ou erradas (moral ou eticamente falando)?
Eu tenho duas respostas para essa pergunta.
Uma é a nível racional, científico, objetivo, e essa resposta é : tudo indica que NÃO. Aliás, do ponto de vista de lógica, não me parece que a questão sequer faça muito sentido. Mesmo admitindo que houvesse um deus (para o que não vejo qualquer evidência) e que ele tivesse decretado que “X é certo”, como saber que deus é bom sem um critério externo do que é bom? Então nem sequer isso funciona. Então objetivamente, para mim a resposta é NÃO.
Outra resposta é a nível emocional e instintivo. Apesar de racionalmente achar que não existe certo ou errado, emocionalmente eu sinto muito fortemente que certas coisas são certas e outras erradas. Eu não acredito que seja plenamente possível justificar logicamente o meu sistema de valores, mesmo que haja uma certa coerência. Eu acho que ele pode ser parcialmente explicado como conseqüência de vantagens evolutivas, mas isso é uma explicação causal e não realmente justifica filosoficamente eu acreditar nisso, e nem é o meu motivo pessoal para acreditar no que acredito em termos de valores – as causas evolutivas se manifestam como repulsa instintiva a certas atitudes e comportamentos e atração por outros e não como uma série de argumentos armazenados no meu cérebro. E não poderia ser de outra forma, porque não existe motivo lógico para sobreviver e se reproduzir. Se não for instintivo e automático, não será escolhido por ser “a coisa lógica a fazer”. Quem não tinha dentro de si esse impulso morreu sem deixar descendentes.
2- Em caso de resposta afirmativa, o que define uma atitude como certa ou errada?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares.
Objetivamente, nada. Para mim não existe, objetivamente falando, certo ou errado.
Subjetivamente, porém, me parece que se formos ser 100% francos, são os nossos sentimentos. O que é insuportavelmente arbitrário. Mas é a realidade. E naturalmente existem sentimentos mais e menos sofisticados. Minha posição pessoal é que cada um deve ser tanto quanto possível deixado em paz pela sociedade para fazer suas próprias escolhas. Isso inclui retirar liberdades de quem está usando sua liberdade para retirar liberdades dos outros à força, o que leva a um monte de problemas e contradições que nem sempre têm respostas lógicas ou óbvias. Não vejo nenhuma forma de transformar essa noção libertária genérica numa lógica teoria consistente do que seja certo e do que é errado. No fundo mesmo tem a ver sentimentos, não com a razão.
Coloquemos assim : eu tenho noções muito fortes de que certas coisas sejam certas ou erradas, mas não acho que se formos até os fundamentos exista uma justificativa lógica, matemática, cristalina para elas. Posso argumentar muito logicamente no caso de partirtmos de certos fundamentos em comum como “é ruim matar seres humanos”, que geralmente até existem, mas se alguém perguntar “por que não?” até chegar em questões realmente fundamentais, não há uma boa resposta.
3 –A que vc se refere quando fala em “vida humana”?
Essa é mais uma dessas questões fundamentais. :-) Para mim o mais importante e especial e definidor de um ser humano é sua consciência. Mas isso é algo arredio e difícil até mesmo de conceituar, quanto mais medir. E mesmo em termos genéricos, infelizmente tanto o início como o final dessa consciência são altamente discutíveis. Me parece claro que não haja algo que se possa chamar de “consciência” logo após a concepção, mas isso vai gradualmente se tornando cada vez menos óbvio à medida em que a gestação progride. Na outra ponta, então em ser humano em coma / com alzheimer / após um derrame não seria mais um ser humano? Então me parece que a história passada de uma consciência também tem importância. Mas e alguém que nasce com síndrome de Down ou algo assim? É um ser humano? Etc.
O problema é que apesar de haver coisas além das quais não há dúvida, as fronteiras são, novamente, se formos ser francos, arbitrárias. Seria ótimo se moral e ética fossem disciplinas matemáticas nas quais pudéssemos fazer um experimento de determinar o que é certo e errado, mas não são. Então nos resta escolher de acordo com nossa consciência e viver com os resultados.
4 – Existe um critério de razoabilidade para definir algo como “vida humana”?O que define algo como “vida humana”? (chamo de “critério de razoabilidade” a motivos lógicos/racionais não fundados meramente em estados afetivos e/ou volitivos)
Para mim, em última análise, não. Vida humana é o que concordarmos em chamar de vida humana. Isso não quer dizer, porém, que eu não tenha opiniões sobre o que deve ser tratado como vida humana e o que não deve. Mas em última análise não acho que exista uma resposta objetiva para esta pergunta.
5 – Em que consiste o valor da “vida humana”? Existe um critério de razoabilidade para definir o valor da “vida humana”? Qual?
Objetivamente, valor nenhum. É só um aglomerado de atómos numa certa configuração.
Subjetivamente, imenso. Mas isso é basicamente uma parcialidade fortíssima minha baseada entre outras coisas em eu ser um ser humano. Não acho que exista qualquer critério razoável para definir o valor de uma vida humana. Eu pessoalmente acho que uma vida humana tem enorme valor, mas não acho que em última análise exista qualquer justificativa lógica para isso. Os argumentos sobre isso tem muito a ver com sentimentos e instintos. Não que isso os nulifique, como querem alguns; sem instintos e sentimentos não haveria motivo para fazer absolutamente nada. Mas você perguntou sobre critérios basicamente fundamentados em lógica e razão. Eu acho que para ver valor na vida humana é preciso dar alguns passos para o lado e considerar outras coisas além da razão.
6– Você fala bastante em “liberdade”. O que é liberdade para vc?
Ok, vou tentar capturar isso numa definição genérica. Num contexto social, liberdade para mim é eu não ser deliberadamente impedido por outros de fazer algo que de outra forma eu teria recursos para fazer, nem forçado por outros a fazer algo que voluntariamente não faria. É eu ser basicamente deixado em paz para fazer minhas própria escolhas sem ser forçado por outros a fazer ou a não fazer algo.
Naturalmente que não dá para ter liberdade total em sociedade, porque as liberdades de todos nós conflitam entre si, etc.
7 – Você também parece dar muito valor a esta liberdade. Existe um critério de razoabilidade para este valor? Qual?
Nenhum critério. Eu gostaria de ter uma resposta do tipo “ah, isso é evidentemente o certo pois…”, mas se eu for 100% implacavelmente honesto comigo mesmo, não há tal resposta. O que não significa que seja uma posição aleatória, apenas que se formos cavar suficientemente fundo, não existe realmente um motivo “lógico”. Eu poderia dizer que a liberdade a meu ver maximiza a felicidade das pessoas, mas por que maximizar a felicidade das pessoas seria bom? Além disso, será que maximiza mesmo? Talvez todo mundo ser lobomotizado maximizasse a felicidade das pessoas. Mesmo que fosse o caso, eu seria contra. Então eu posso até falar sobre meus motivos, mas não acho que seja, se cavarmos suficientemente fundo, uma posição logicamente justificável. É como se você me pedisse para explicar por que eu acho um pôr-do-sol bonito. Eu poderia discorrer longamente sobre isso, mas no fundo não há é algo lógico.
8 – É possível haver situações onde a coação é legítima? O que se dá nesses casos, caso existam, que justifica a coação?
Na minha opinião (feitas todas as ressalvas prévias sobre a subjetividade dos fundamentos desta posição), sim, e entre as principais justificativa para fazê-lo eu colocaria quando uma pessoa começa a agir em franco desrespeito à liberdade, à integridade física ou à propriedade de outros.
9 – Você fala bastante em “verdade”. Como vc definiria a verdade?
Ok, uma primeira aproximação do que eu penso seria mais ou menos assim : verdade é aquilo que é real independentemente dos sentimentos ou preconceitos de quem está observando. Então você pode perguntar o que é “real”, naturalmente, e entramos num labirinto semântico sem saída.
10 – Você também parece dar muito valor a esta verdade. Existe um critério de razoabilidade para este valor? Qual?
Nenhum. :-) Para mim não existe em última análise critério de razoabilidade para nenhum valor. :-) Mesmo que você me provasse por A+B que a média dos seres humanos é mais feliz acreditando em coisas que não são verdade (algo que eu discordo que seja o caso, mas admitindo como hipótese), mesmo assim eu não gosto da idéia.
Agora, eu de fato tendo a achar que conhecer a verdade ao invés de ilusões dá a um ser humano mais recursos para tomar decisões que maximizem sua felicidade assim como o bem que ele é capaz de realizar ao interagir com o mundo.
11 – Respostas reformáveis podem orientar uma práxis de consequências irreformáveis? “Por que” ou “em que condições”?
Não sei se essa pergunta é muito boa. Ou melhor ela até é, pois levanta uma questão fundamental; o que não é muito bom é o pressuposto implícito na pergunta de que exista outra possibilidade. O caso é que a rigor todas as respostas são em princípio reformáveis, e todas as práxis são em princípio de conseqüências irreformáveis. Portanto, a questão não é tanto se “podem” tanto quanto perceber que nós não temos escolha : temos continuamente que tomar decisões irreformáveis com base em critérios arbitrários, incompletos e mutáveis. E isso, novamente, é muito frustrante. Mas a decisão de adotar por uma questão de princípio critérios “irreformáveis” tende a levar apenas a ilusões e erros ao invés de esclarecimento e sabedoria. É saudável mudar de idéia quando se percebe que estava errado. E acreditar – ter certeza! – que nunca se estará errado como forma de resolver essa questão é o fundamento universal da intolerância e do fanatismo.
[...] ./ [...]
Você tem certeza absoluta que a nível racional, científico e objetivo não existe uma verdade concreta? Hehehe
Respostas esclarecidas “epistemologicamente!”.
Sérgio,
Publicamos hoje um post que veicula o vídeo extraído do Dr. Negociação Tv, especificamente do quadro semanal dedicado à blogosfera. Neste vídeo o seu Blog é destaque. Parabéns pelo seu trabalho.
Extraímos as seguintes conclusões de seus fundamentos:
O homicídio pode ser bom ou mau.
O estupro pode ser bom ou mau.
A caridade pode ser boa ou má.
Viver pode ser bom ou mau.
Tudo pode ser X ou Y, a depender do observador.
Sinceramente, Sérgio, não me parece que você tenha “fundamentos”; aliás, me parece que lhe faltam justamente fundamentos, ou algo que não possa mais ser aprofundado, uma base. E sua constante recusa ao longo do texto de discutir as raízes de suas posições deixam isso claro.
Em suma, suas opiniões são extremamente superficiais, meras impressões.
É claro que não existe CERTO ou ERRADO absoluto. Pensar o contrário é ignorar a multiplicidade de realidades.
O povo boliviano, por exemplo, deveria ser privado de usar a produção de coca só porque os E.E.U.U tem problemas com drogas? É claro que não! O que é certo para os ianques não é necessariamente certo para os povos livres latinoamericanos, é? Claro que não.
É necessário entender as diversidades de opiniões.
Estávamos concordando muito bem até:
Infelizmente, acho que você está equivocado. É fato que há um bombardeamento midiático no Brasil e que, por isso, talvez você não seja culpado do erro. Você foi indocrinado pela mídia conservadora do Brasil a ter uma visão errônea de Cuba.
Cuba é uma nação latinoamericana similar a tantas outras, com alguns diferenciais-chave. Cuba tem um dos melhores sistemas de saúde do mundo. O mesmo pode ser dito sobre a educação e o esporte. O povo é um povo alegre, feliz e com uma qualidade de vida que não se pode encontrar em outros países da região.
É uma pena que, por razões puramente políticas, a mídia ofereça uma imagem tão deturpada da ilha.
Mas antes que alguém me acuse de também estar iludido, deixe-me ser o primeiro a admitir que há problemas em Cuba! Ninguém diz que lá tudo está perfeito. Mas os problemas existentes são conseqüência direta do bloqueio estadounidense, que priva o povo cubano de crescer mais. Talvez Obama acabe com esta aberração e Cuba volte a seu lugar de destaque no cenário internacional.
Sergio,
Questiono o seguinte :
Ensinar a forma, a medida e a ordem não é um bem? O valor que você dá à liberdade não é um bem em si mesmo? Se você busca e acredita na autenticidade não é um bem poder transmitir isso, defender isso ? E se você o faz não é por saber que a possibilidade do erro é algo iminente? Não é um mal ser sistematicamente ludibriado e um mal ainda pior crescer sem orientação nenhuma como um animal selvagem? O bem não reflete a própria ordem universal?
E de onde vem essas noções muito fortes que você diz ter sobre o certo e o errado? Considerar que não existe uma justificativa lógica, matemática e cristalina a fundamenta-las não traduz uma tentativa frustrada de coisificar tudo? E como afirmar que o ser humano é *só* um aglomerado de átomos, quando este campo de conhecimento é tão assomboroso?
Percebo uma falta de aprofundamento ou conhecimento sensível também. Por exemplo, questionar se uma pessoa que nasce com a síndrome de Down ( ou algo assim ) é um ser humano, a meu ver, reflete um pensamento verdadeiramente desumano. Você, assim, “pensa” mais ou menos como um animal “reage” com os membros de sua espécie incapazes de ir à caça. Não te parece que o ser humano tenha outras funções para desenvolver? Ou, ainda, que outros seres humanos tenham diferentes estruturas mentais e alguns entendam a própria vida à partir de um ponto de vista mais abrangente? Instintivamente você está se agarrando à espécie, não ao ser. Conviver com uma pessoa com a síndrome de Down enriquece a experiência humana; ser humano é um modo de existência capaz de experimentar e compreender a vida amplamente.
A consciência não pode ser vista como exclusiva do ser humano, e este é um ponto importante que você parece desconhecer. Mas você afirma, justamente, que devemos escolher de acordo com nossa consciência e viver com os resultados. A consciência de si mesmo, sim, talvez seja mais representativa de um grau só alcançado pelo homem. A auto consciência moral, que você mostra ter, é o que leva não só à um ato moral, mas também à uma recepção… Se você for capaz de um aprofundamento nessa direção, vai ver que a sua estrutura mental, para a qual certamente você dá muito valor, está fundamentada sobre valores religiosos, e que são estes, enfim, que te fazem sentir tamanho apreço pela liberdade.
Só você pode provar a si mesmo em que bases poderíamos construir o pensamento moral.
Finalmente, não te parece que o que fazemos aqui ao comunicarmos nossas idéias e impressões sobre a vida, a capacidade de desenvolver uma linguagem, de alcançar novas compreensões e de se transformar, ou seja, tudo o que diz respeito ao mental já não é uma boa definição do ser humano?
Um abraço,
Eliane
Qual a coisa mais errada que alguém poderia fazer? Seria afirmar/fazer/ julgar algo sem ciência. A coisa mais certa? O saber. Existe alguma vida sem ciência?
Sergio,
Vou fazer um último comentário, pelo menos sobre esta questão.
Eu não disse uma beleza, isso é uma distorção, e mostra que você está manipulando as coisas de modo a sempre ter razão.
É uma pena você não comentar, a meu ver estas são as questões que importam numa discussão como esta. Eu concordo plenamente com muitas coisas que você diz, até repensei fatos de minha infância, como por exemplo ter me negado a fazer primeira comunhão por saber que o padre fazia perguntas absurdas. Por outro lado acho que você vai longe demais nas suas críticas, assim como a maiorira dos católicos vai longe demais na sua falta de reflexão.
E você está errado em condenar a Igreja por práticas de exorcismo. Houve época em que eles curavam pessoas de patologias hoje em dia consideradas como incuráveis. Olhe para o outro lado e veja quantas pessoas morrem ou se tornam doentes crônicos nas mãos de médicos cuja única bíblia são meras fórmulas químicas. E isso todo mundo aceita como fato inevitável.
Também acho que você fala com total desconhecimento de causa ao se mostrar a favor das drogas. E se teve alguma experiência, não deve ter passado do feijão com arroz para imaginar que todos deveriam ter a liberdade de experimentar.
Eliane
Não sei de onde veio essa interpretação esdrúxula do que eu escrevi. Eu disse o oposto. Que a meu ver, a nível racional, científico e objetivo há uma verdade concreta que é a mesma independente da opinião ou da vontade de quem olha e que entre as coisas que são verdade concreta não estão conceitos como “certo” e “errado”. E além disso a tal “certeza absoluta” fica por sua conta, eu usei literalmente as palavras “tudo indica”. Aliás, eu aconselho muito cuidado com certezas absolutas.
Não que eu não acredite que não existam verdades absolutas, muito pelo contrário. Dizer “não existem verdades absolutas” é uma bobagem sem tamanho e para começar uma contradição lógica óbvia. Mas isso não significa que a verdade seja o que você gostaria que fosse, ou o que lhe parece que seja. Descobrir o que realmente é verdade pode ser extraordinarimante difícil mesmo quando é possível, e em certos casos a pergunta nem sequer faz sentido. Como por exemplo se eu pergunto “qual a coisa mais errada que alguém poderia fazer?”. Achar que esse tipo de pergunta tem uma resposta puramente objetiva e racional só leva a bobagens. Não que não nos defrontemos com esse tipo de questão todo dia e não precisemos responder a isso de algum modo, mas a resposta não tem como ser puramente objetiva e racional, porque “certo” e “errado” não têm realmente base na realidade, e sim são algo que nós, humanos, mais ou menos arbitrariamente (do ponto de vista lógico) colocamos lá. Por outro lado e em contraste “quantos números primos há entre zero e um trilhão?” tem significado concreto e admite uma resposta puramente objetiva e racional que seria verdadeira mesmo que nenhum ser humano existisse.
Oi Nacir,
Agredecemos a menção!
Saudações,
Sergio
PS : O post mencionado pelo Nacir pode ser encontrado em http://www.adequacao.com.br/blog/2009/04/brasileiros-pensando-o-brasil-o-que-voce-pensa-disso/
Não, completamente errado. Não foi absolutamente isso que eu disse. O que eu disse não foi que qualquer coisa possa ser boa ou má e que não temos direito como saber. O que é disse foi algo mais radical : que embora exista uma realidade objetiva em, digamos, pedras e estrelas, essa realidade não se estende a conceitos como bem e mal, e que não é exatamente que ainda não saibamos o suficiente, e sim que bem e mau são artefatos da nossa psique e injustificáveis através da razão pura.
Isso está um pouco mais próximo do que eu disse. Mas note, não é que as coisas “sejam” X ou Y dependendo do observador. As coisas são o que são, e isso não inclui serem boas ou más. O julgamento sobre serem boas ou más, este sim surge na mente do observador.
Errr, caso não tenha ficado claro, eu estou dizendo explicitamente que querer se arrogar conhecedor de tais “fundamentos” com base na razão ou na revelação ou em qualquer outra coisa costuma levar a grandes bobagens. Inclusive, me parece que tudo indica que tais fundamentos não existam realmente, eles são simplesmente artefatos da nossa psique. Seria meio contraditório logo em seguida eu me declarar possuidor dos tais fugidios “fundamentos”.
Precisamente. Este é o ponto do que estou dizendo. Isso não é uma “falha” ou “omissão” no meu argumento, isso é o *conteúdo* do que estou dizendo : não existe base sólida para construir uma teoria da moral. E não é só para mim essa base não existe; ela não existe para ninguém. E a opção de “então diante disso vamos ser dogmáticos” é péssima e leva à intolerância, à opressão é à esquizofrenia (pela necessidade de ignorar contradições e evidências em contrário aos dogmas).
Em primeiro lugar, declaradamente como alertado explicitamente no começo do texto não era minha intenção escrever aqui um tratado filosófico, ou explicar longamente todas as evidências que me levaram a essa posição. Não que os motivos sejam irrelevantes, mas por limitações de tempo e prioridade, coloquei apenas genericamente minhas conclusões sobre o assunto, a quem possa interessar (os outros são naturalmente livres para ignorar completamente). Além disso, parece escapar repetidamente a você em seu comentário que o meu principal argumento é que *não existem* bases estritamente racionais para o pensamento moral, então a crítica de que eu teria deixado de apresentar as “minhas” bases nem sequer faz sentido. O que talvez merecesse maior discussão é que motivos me levam a crer que não existe base racional para a moral. Ou talvez sobre que outras bases poderíamos então construir o pensamento moral.
Essa conclusão é um completo non sequitur.
O seu comentário sim é extremamente superficial e não introduz absolutamente nenhum argumento contrário ao que eu falei.
Eu não sei se eu colocaria nessas palavras; eu acredito que exista uma realidade única compartilhada na qual todos vivemos, então eu não gosto tanto de colocar a coisa como “multiplicidade de realidades”; para mim existe uma multiplicidade é de pontos de vista.
Agora, eu concordo plenamente que pessoas diferentes experimentam essa realidade compartilhada de forma muito diferente, e mesmo usando critérios mais ou menos objetivos o que é bom para um pode não ser bom para outro. E concordo sem problemas que o certo e o errado não habitam na realidade compartilhada e sim nesses pontos de vista.
Não salto daí porém para achar que a moral seja algo “meramente” cultural ou sem importância ou que apenas tenha importância como instrumento de manipulação política. Eu acho que o certo e o errado, mesmo não tendo em seus mais profundos fundamentos uma base lógica e racional (ou aliás : precisamente por isso) são importantíssimos, mas que é basicamente privilégio da consciência individual determiná-los, e que é muito importante que as pessoas sejam tanto quanto possível deixadas livres para fazê-lo.
Eu sou completamente contra seguir cegamente líderes messiânicos de qualquer tipo, assim como contra ideologias ou escolas de pensamento institucionalizado que busquem substituir o julgamento pessoal de cada um, venham elas de religiões ou de governos.
Por esse ponto de vista, por mais que muitas falhas absurdas possam ser apontadas na forma como funciona a sociedade americana, ainda acho que seja um modelo para o mundo, em termos do quanto é respeitada a liberdade individual e a diversidade de opiniões. Existem falhas, muitas, tanto na política interna como externa, mas o conjunto da obra é muito superior a aberrações como as que ocorrem em países como Cuba e China, nas quais as liberdades individuais mais fundamentais de um ser humano são ativamente eliminadas pelo regime. Na minha visão pessoal, o regime americano precisa sim ser consertado e aperfeiçoado, até mesmo voltando um pouco mais às suas origens. A cultura do egoísmo e do lucro pessoal a todo custo, além de altamente duvidosa do ponto de vista moral (pelo menos para mim), mostrou-se um fundamento instável para o progresso material e econômico da nação. Mas mesmo com todas as falhas, ainda está a quilômetros, anos-luz à frente de países como Cuba, que funcionam mais como uma prisão do que como uma sociedade.
Até acho que o Brasil seria outro fenomenal exemplo de tolerância, mas provavelmente mais devido à completa ineficácia do estado do que pelo triunfo de um projeto libertário explícito. :-)
Na verdade eu iria bem mais longe. O problema com as drogas é completamente fictício até nos EUA. Disparadamente, o maior problema que enfrentam 99.9% dos usuários de drogas é o fato de as drogas serem ilegais. Isso é uma gigantesca farsa, criada por uma mistura de
1. fanatismo fundamentalista pseudo-moralizante
2. sede desenfreada por controle, poder e erosão dos direitos civis
3. corrupção derivada de interesses econômicos
A mesma coisa vale para o Brasil, sendo que no Brasil eu acho que o fator 3 é provavelmente o mais importante.
Felizmente há indícios de um lento progresso em direção a acabar com essa palhaçada. O mundo será muito melhor, mais pacífico e mais saudável quando quem quiser comprar cocaína for no supermercado e comprar um “White Bull” ou algo assim.
Mas mesmo sem precisar ir tão longe, sim, a pretensão norte-americana de extinguir a cultura da coca na América Latina é ridícula e absurda.
Não acho que tenhamos eu e você acesso a informações essencialmente diferentes sobre Cuba, especialmente considerando que aqueles que defendem o regime cubano gozam (pelo menos no Brasil) de ampla liberdade em divulgar os fatos sobre o que lá ocorre. Aliás, a mídia brasileira assim como a intelectualidade e hoje em dia até mesmo o governo brasileiro contêm em seu seio uma boa quantidade de porta-vozes do regime cubano.
Por exemplo, objetivamente : não é permitido a um cidadão cubano acordar um dia de manhã e decidir que vai emigrar para os EUA. Se tentar fazê-lo, na mais branda das hipóteses eles será fisicamente impedido pelo governo. Pode-se discutir se isso é certo ou errado, ou se o país foi impelido a isso pelas circunstâncias, mas isso é um fato, entre vários outros. Que juízo vamos formar desses fatos é outra história, mas acredito que devamos estar ambos provavelmente suficientemente bem informados sobre os fatos objetivos.
Claro que mesmo diante dos mesmos fatos, um constante bombardeio ideológico pode produzir uma percepção distorcida da realidade. Mas também não acho que a minha opinião seja devida a lavagem cerebral (embora aí naturalmente quem disso seja vítima pela própria natureza do fenômenos tenha enorme dificuldade de se dar conta).
Então a conclusão que resta é que diante dos mesmos fatos temos duas legítimas interpretações diferentes.
Você (pelo que entendo) acha que existem motivos legítimos para o governo cubano agir como age. Eu, por outro lado, acho que o projeto comunista é incompatível com o grau de liberdade individual que eu considero essencial à dignidade humana. Eu até concordo que preservar certas liberdades individuais permite que pessoas escolham tomar decisões pessoais que nem sempre são as melhores para a sociedade. Só que assim como o egoísmo exacerbado e sem limites não me parece um bom fundamento para uma sociedade, a submissão da consciência individual à vontade das massas me parece ainda mais abjeta. Eu não acredito em tornar por coerção todos escravos do interesse coletivo, mesmo sob condições ideais. Sendo que sob condições reais, a coisa é ainda muito pior, pois quem decide o que é “interesse coletivo” é humano como todo o resto com todas as óbvias conseqüências. Eu acho que cada um deve ter tanto quanto possível o direito de escolher seu próprio destino, mesmo que não seja da forma que mais beneficiaria a sociedade. Se coubesse a mim escolher, o que eu quero mesmo é um regime no qual a liberdade individual seja preservada ao máximo possível. Isso de saída já descarta o comunismo, que intrinsecamente (além de na prática em todos os lugares onde foi implementado) retira das pessoas liberdades de uma forma que está muito além do que eu considero tolerável.
Mesmo sem questionar nada do que você está afirmando, eu acrescentaria que existem outros diferenciais-chave. A liberdade política, econômica, intelectual e pessoal também é muitíssimo mais restrita em Cuba do que nos outros países da região. Aliás, restrita bem além dos limites que eu consideraria aceitáveis. E se fosse tão maravilhoso morar em Cuba as pessoas não estariam tentando fugir de lá. E muitas (não todas, mas muitas) objetivamente estão, e eu não vejo multidões querendo entrar. Da mesma forma, com todos os seus defeitos, um dos problemas que os EUA têm é que há continuamente multidões de pessoas querendo ir pra lá. Logo, eu diria que a grosso modo as pessoas (inclusive eu) preferem por exemplo liberdade de ir e vir do que serviços de saúde “gratuitos” prestados pelo governo. Então mesmo sem questionar a sua descrição sobre a realidade concreta de Cuba, eu não tenho sobre ela, e especialmente sobre o governo cubano, o mesmo julgamento que você; eu acho o projeto comunista equivocado e opressivo mesmo que através dele se atinjam certos objetivos.
Os maiores problemas que eu vejo em Cuba são políticas determinadas pelo próprio governo e que não têm a ver diretamente com o bloqueio americano…
Existem indicações fortes de que isso talvez de fato aconteça. Vamos ver então o que acontecerá! Mas eu não posso ser a favor de um regime que para começar não dá a seus cidadãos liberdade total para entrar e sair de seu próprio país. Vamos ver se em ocorrendo de o bloqueio ser terminado, se as políticas cubanas explicadas como sendo necessárias como decorrência do bloqueio permanecerão.
Quanto a Cuba ocupar um lugar de destaque no cenário internacional, isso parece mais provável que ocorra (como vem ocorrendo nas últimas décadas) no papel de vítima de opressão do que como pequena nação deixada livre para viver sua vida em paz. Seus cidadãos porém provavelmente preferem viver suas vidas em paz. :-)
Eliane, seu comentário é muito grande então não vou responder a tudo.
Não, demonstra apenas senso crítico. Se estamos tentando capturar a essência do que é um ser humano temos que fazer esse tipo de pergunta. Aliás, eu usei este argumento justamente para exemplificar um caso em que seria extremamente problemático concluir pelo “não”.
Ir prum campo de concentração ou ter câncer também “enriquece a experiência humana” e nem por isso buscamos essas experiências. Uma coisa é aceitar um filho que inesperadamente tem síndrome de Down como sendo ainda assim seu filho e um ser humano e ter forças para cuidar dele com carinho e dignidade. Outra é dizer que passar por essa experiência é uma beleza. Não é.
Ironicamente, eu não me neguei a fazer primeira comunhão, por uma série de motivos, incluindo achar que era um ritual inofensivo que não fazia mal a ninguém e iria deixar as pessoas felizes. Infelizmente, as conseqüências nefastas das crenças religiosas foram se tornando cada vez mais óbvias e inegáveis ao longo dos anos, e hoje é claro para mim que tudo isso é o oposto de inofensivo. A quantidade de intolerância, violência e infelicidade que deriva da religião é completamente inaceitável.
“Cuja única bíblia são meras fórmulas químicas”?? Isso é de um obscurantismo tão grande que fica difícil até responder. Para começar, os (bons) médicos não seguem nenhuma autoridade eclesiástica ou livro sagrado, eles seguem o que efetivamente funciona no melhor do seu conhecimento. Em segundo lugar, sinto muito ser eu a informar, mas nós somos pilhas ambulantes de produtos químicos, e o sucesso da medicina moderna em tratar doenças usando “meras fórmulas químicas” alcançou um grau de sucesso que comparado com tudo o que veio antes não tem como ser descrito como menos do que miraculoso. Dizer que as pessoas morrem ou se tornam doentes crônicos “nas mãos de médicos” é ridículo. Não que não ocorra, mas as pessoas ficam naturalmente doentes e morrem desde que existe mundo e dizer que os médicos sejam perversos ou inúteis por não conseguirem salvar todo mundo é inacreditável. Compare isso com quantas pessoas são curadas por exorcismos ou operações espirituais.
Eu não sei qual foi a *sua* experiência com drogas, mas pode ter certeza de que eu já vi em primeira mão as piores coisas que as drogas podem fazer com alguém, e nenhuma delas foi impedida por drogas serem ilegais. Aliás muito pelo contrário, foram imensamente, perversamente, horrivelmente agravadas.
Eu aposto que *você* fala com imenso desconhecimento sobre a questão das drogas. Os riscos associados por exemplo ao álcool são muito maiores do que os que resultam do uso da quase totalidade das drogas que são atualmente ilegais.