Pedro defende neste texto aqui que grafar “deus” sem colocar a primeira letra em maiúscula seria uma tentativa infantil de auto-afirmação. Apresenta para isso argumentos, como direi, péssimos, dizendo que os cristãos (e judeus) usariam a palavra “deus” como nome para seu deus específico, sendo portanto este uso um substantivo próprio, similar a Abraão ou Estados Unidos. Sinto muito, mas este é um truque fajuto de prestidigitação linguística. É como dizer : veja bem, um dos apelidos do meu time de futebol é “Time”, portanto a forma legítima de se referir a ele é “Time”. Então quando for feita uma referência ao *meu* time, a única grafia correta é “Time”, e não “time”. Yeah, right. Como se seu time tivesse algum status especial linguístico para quem não acredita nele. Como se por você resolver que ele tem o apelido “Time” o substantivo comum “time” deixasse de se aplicar. Como se para as outras religiões seu deus não fosse tão pagão quanto os outros são para você.
Aliás, a ironia já começa com a necessidade de fazer a ressalva “e judeus”. Mas mesmo sem ela, “cristão” já é algo por demais amplo. Certo, “deus” com maiúsculas se referiria então a uma certa entidade específica como definida por… católicos? Metodistas? Presbiterianos? Judeus? Espíritas? Existe toda uma infinidade de religiões e teologias em torno de que significado específico dar ao substantivo comum “deus”. Pedro começa a construir seu argumento dizendo que “deus” com maiúscula se referiria a uma delas, mas então esbarra imediatamente com o fato de que diversos grupos com concepções diversas e incompatíveis do objeto ao qual estamos nos referindo reivindicam simultaneamente o uso de maíuscula como se referindo ao *seu* significado particular. Então ele prossegue mesmo assim, não parecendo perceber (ou ignorando solenemente) que um requisito para algo ser substantivo próprio é precisamente a especificidade. Não dá para dizer : ok, o correto e obrigatório é grafar “Time” porque existem aqui duzentos e cinco times de futebol diferentes que acham que são o “Time” e é preciso usar maiúsculas para corretamente indicar que estamos nos referindo a algum deles. Isso não só não faz sentido lingüisticamente, como cria confusão e “ruído comunicativo” ao invés de esclarecer qualquer coisa. Os muçulmanos em geral também usam maiúscula quando usam a palavra “deus” para denotarem especificamente seu deus em português. Eles podem com igual legitimidade dizer que esté é um dos “nomes” do seu deus. Mas se “deus” com maiúscula vai significar o deus de qualquer religião monoteísta, então não vejo qualquer motivo linguístico para usar maiúscula. Mas claro, eu não me surpreendo que para o Pedro faça total sentido que só um certo número de seitas tenha autorização para usar apropriadamente “deus” com maiúsculas (esteja ou não o islamismo entre elas).
Haveria mérito num argumento com essa estrutura caso alguém insistisse em grafar “Alá” ou “Jeová” sem usar maiúsculas. Esses são de fato nomes usados em contextos específicos para dar nomes a interpretações mais restritas e suficientemente específicas da palavra “deus”. Mas “deus” genericamente é um substantivo comum perfeitamente legítimo da língua portuguesa e *mesmo que* se aceite o “argumento” de que um dos “nomes” do deus católico é “deus” com maiúscula, isso não eliminaria o fato de que o substantivo comum continua se aplicando. Note-se que “Abraão” de fato se refere a uma pessoa específica, “Estados Unidos” de fato de refere a um país específico. Não existe confusão sobre o objeto referenciado quando tais palavras são usadas. São casos absolutamente claros e inequívocos de substantivos próprios na língua portuguesa. Já “deus” com maiúscula pode se referir a toda uma ambígua coleção de entidades, e não vejo qualquer motivação linguística ou metodológica para assim grafar. O único motivo para fazê-lo, e para melindrar-se com isso, retroracionalizações à parte, isso sim me parece ironicamente ser essencialmente um problema de auto-afirmação. Do tipo “olha só como meu deus é o único verdadeiro, ele começa com maiúscula!”.
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Parabéns Sérgio, você continua demonstrando o quanto você precisa se afirmar.
Presumindo que você diga que não possuo argumentos ou então que ele são, como você diz, péssimos (como você costuma fazer), faço-lhe apenas duas perguntas: desde quando se começou a grafar Deus sem a maiúscula? Quando alguém quer se referir a Deus em um texto, como é que se faria para evitar que Ele fosse confundido com outros ‘deuses’?
Por fim, não custa lembrar a Gramática: Napoleão Mendes de Almeida prescreve que sempre se grafa Deus com inicial maiúscula, todos seus sinônimos usados no monoteísmo e também todos os atributos particularmente a Ele atribuídos: o Criador, o Onipotente etc.
Ou seja, você pode até continuar se afirmando por aí, mas vai estar escrevendo errado.
Cordialmente
Odinei
Sérgio,
Eu havia perguntado desde quando se iniciou o uso da grafia de Deus sem a maiúscula. Não sei a resposta, mas parece que é um fenômeno recente.
De todo modo, ninguém ao se referir a Deus diz “Deus católico” ou “Deus dos católicos”, até porque a limitação imposta pelo adjetivo que você sugere modifica essencialmente o sentido da palavra. Ninguém diz numa discussão entre várias denominações cristãs, por exemplo, que o Deus católico é outro que o Deus da Assembléia de Deus (!), e isto tem um motivo simples: deus, assim sem a grafia maiúscula, é outra coisa que Deus.
Quando nos referimos ao deus único das grandes tradições monoteístas, sempre nos referimos a Ele como Deus, porque se usarmos deus estaremos nos referindo a outro objeto e que você afirma ser o mesmo Deus, mas de um ponto de vista filosófico.
Acho o debate muito estimulante. Por um tempo grafei “Deus” com minúscula, mas depois comecei a escrever uma série sobre a Bíblia e coloquei o homem em maiúscula. Quando você fala sobre algum personagem, mesmo que de ficção, você usa a maiúscula, tipo Wolverine (ficção) ou Beijoqueiro (vida real). A maiúscula se justifica, mesmo que você tenha que específicar de qual entidade você está se referindo.
Falou, falou, mas fugiu do principal, que seria a prova de coerëncia sua grafar Apolo, Zeus ou até mesmo Tupã, tudo em minúsculas. Os católicos não acreditam nestes deuses, mas grafam seus nomes em maiúsculos. Vamos lá, vá até o fim, seja coerente.
Sérgio,
Certo, então escrever Deus com inicial maiúscula é coisa recente?
Se o próprio conceito de Deus para os monoteístas elimina qualquer outra possibilidade lógica de outros deuses, para que grafar deus, se essa palavra somente faz sentido quando significar Deus?
A sua ilustração com times de futebol é irrelevante. Cada time de futebol tem um nome próprio, motivo pelo qual não se chama nenhum dele de Time. Assim era com os politeístas, que tinham vários deuses, todos com seus nomes próprios com inicial maiúscula.
Agora, Deus com maiúscula só há um, o dos monoteístas, e justamente para não confundi-Lo com outros deuses é que se grafa com a inicial maiúscula.
Por fim, a auto-afirmação não é dos católicos, pois o uso consagrado da língua, conforme já demonstrei, é usar a inicial maiúscula. Você, ao contrário, precisa demonstrar em seus textos que você é ateu, grafando ‘deus’ e não Deus como todos fazem, inclusive muitos ateus como você.
Concordo que também seja possível grafar “deus” em minúscula se referindo a “Deus”. :P O exemplo do cachorro deixou isso muito claro.
Mas não acredito que a origem da grafia maiúscula de “Deus” seja uma auto-afirmação enfastiada por parte dos crentes, como você parece sugerir (observando e deduzindo a motivação da justificativa do Pedro, acredito eu). Acho que a razão pra “Deus” ser grafado em maiúscula deve ter se dado pelas conseqüências da tradução do termo hebraico pro grego e depois pro latim (e, por meio desse, pro português). Acontece que a tradução do termo hebraico pro grego foi dada com uma palavra genérica (“theos”, a mesma palavra que podia se referir a qualquer deus), até o momento em que a maiúscula vem “nominalizar!” o termo pra ele não ser confundido com um sentido genérico. Essa nominalização de um termo a princípio genérico reflete o uso da palavra no contexto da mentalidade monoteísta original: deus meeesmo, pra um judeu, depois de muita birra com Baal, era só um, por definição. Poderia haver alternativas à ambigüidade (como chamar o deus em questão de “Jeová”), mas o tal contexto original mostrou ter prevalecido. Aí é a nominalização do termo em uso que resolve a ambigüidade. Com interesse próprio? Claro. Toda solução lingüística atende a necessidades reais, a interesses mesmo. Mas ainda é “pura lingüística”.
Outros dois fatores devem entrar no meio, de alguma forma: 1) no século XVIII (e acho que XIX também), em inglês, um monte de palavra vinha em maiúscula, como forma de tratamento mesmo. Pra gramática normativa hoje, “Deus” deve ter inspirar qualquer “nome majestático” (como o “plural majestático”) que também por isso teve motivo pra ficar maiúsculo mesmo; 2) o grande problema mesmo da questão se dá no diálogo de diferentes culturas e crenças. Judeus chamando seu Deus simplesmente de “Deus” não tem motivo pra ser incoerente, mas a partir do momento em que o Cristianismo se difunde pra muitas culturas, e que, enfim, a modernidade faz as coisas conviverem de forma menos sequazes em uma sociedade, discussões como essa, que em algum momento anterior podiam ser pacíficas, começam a pipocar.
No fim, eu não problematizo nada: nem o “deus” no sentido genérico atribuído ao “Deus”, e nem o “Deus” mesmo, porque penso que seja possível falar em “Deus” sem ser mal entendido. A especificidade do “deus protestante”, “deus católico”, etc., é questão de escopo, ulterior à abrangência de “Deus”, que ainda funciona também!
Sérgio, sua argumentação é coerente. Mas receio que ela substime a importância do contexto histórico e cultural na formação da linguagem. Sua escrita não é produto apenas de uma razão abstrata, mas de muitas influências que, queiramos ou não, deixaram marcas na formação das palavras e na maneira de grafá-las.
Gonçalves
Pessoalmente acredito que a palavra “Deus” (com maiúscula) é a mais adequada para referir-se ao conceito de “ser supremo/ fundamento último da realidade”, presente nos mais variados contextos religiosos/filosóficos… Creio que tal ferramenta linguística torna mais eficaz a comunicação de conteúdos como ” em algumas formas de politeísmo – como no grego – há um deus supremo (ex: Zeus), mas não um Deus supremo, como ocorre com o Brama inefável e ininteligível da religião hindu”, ou ainda, “o essencial não é tanto saber se Deus existe, mas se ele é pessoal”.
Creio ser um caso similar ao que ocorre com outros substantivos comuns como Rei, Estado, Universo, etc, cuja grafia com maiúscula é mais conveniente em alguns casos… Agora, quanto ao fato de que alguns ateus escrevem “deus” referindo-se à Deus, querendo com isso “reafirmar” sua opção não-religiosa, ou mesmo fazer uma provocação aos escrúpulos religiosos dos crentes, parece-me ser coisa tão evidente quanto o fato de que os crentes vêem o uso da maiúscula como forma de homenagem à entidade suprema que adoram (como o comprova a utilização da maiúscula também nos pronomes que referem-se à Deus).
Talvez nos dois casos tenhamos questões de auto-afirmação – “problemáticas” apenas quando confrontadas…
Bruno
Sérgio,
Você disse que ninguém é obrigado a usar ‘deus’ e que você assim usa porque acha mais apropriado e legítimo. Você confessa seu gosto e confessa que o uso da maiúscula não é incorreto.
Eu me dou por satisfeito
Cordialmente
É impressão minha ou o Odinei se deu por satisfeito, depois de longuíssimos comentários, com o que o Sergio já disse no post, antes de qualquer comentário surgir?
Será que só eu entendi de primeira que a “auto-afirmação” envolvida no post do Sèrgio se referia à pretensa obrigatoriedade do uso de maiúscula, defendida pelo PSC? E não a uma suposta “incorreção” em usar maiúscula?
Eu prefiro usar maiúscula em algumas ocasiões e minúscula em outras. Para mim é possível haver confusão tanto usando como não usando. Portanto, deixo-me guiar pelo contexto, e que o deus da semântica me ajude.
Vinícius,
Não. Não me dei por satisfeito somente com o que o Sérgio disse no post, mas antes e essencialmente porque houve uma declaração clara dele de que o uso reflete antes uma questão de gosto. Gosto não se discute, se afirma. :-)
Você é obcecado com religião em ateuzinho, quando você vai dormir você faz um sinal da cruz escondidinho, bem ‘minúsculo’ para ninguém ver não é mesmo!
Você é a caricatura do ateu minusculo
É sempre assim: quando se trata de religião, mais cedo ou mais tarde sempre aparece um joão.
Vergonhoso para uma mente que se considera equilibrada racionalmente é insinuar que só os religiosos é que ficam transtornados com questionamentos. O Sérgio, por exemplo, nunca ficou transtornado. Ele só fica um pouquinho nervoso quando atacam sua crença.
Para Sérgio, é uma idiotice um grupo de pessoas que organizam suas vidas em torno da religião que semanalmente realizam rituais bizarros. Sei. E o que não seria bizarro? Talvez um grupo de pessoas que organizam suas vidas em torno de um clube, que semanalmente realizam discussões sobre futebol, ou politica, ou economia. Isso sim é um proveitoso ritual que certamente nos levará a caminhos diferentes. Imagina discutir qual o time merece ganhar ou se a comissão de ética do senado cumprirá seu papel, ou quanto devo economizar para comprar aquele iate. Ou quem sabe criar um blogue para mostrar o quanto detesto as religiões. Ah…isso sim deve ser levado a sério.
Meus Caros,
Na verdade não sou leitor frequente desse blog. Leio mais o blog de um amigo meu em que há um link para “o indivíduo”. Gosto bastante dos textos do Pedro e nem tanto dos do Sérgio. Estou me pronunciando pois acredito que o que joão atos falou parece ser bem razoável. E tendo a concordar com a sua impressão.
Pelo pouco que vi, entendo que você, Sérgio, é fascinado mesmo por religião. Mais até do que os chamados religiosos. Não vejo mal nisso. Você vê?
Sabe, Sérgio, o que acontece é que: como você sempre tem a palavra final, você acaba se convencendo de estar certo. Saiba que isso é comum. Veja que esse teu sentimento de estar correto, muitas vezes vem mais de você ter levado o debate à exaustão do que por ter apresentado argumentos bons.
Fica um abraço,
André Luiz
Mas você comeria fezes se o Richard Dawkins mandasse né?
Estou achando que esses comentários de religiosos por aqui são infiltrados. São ateus querendo ridicularizar a tchurminha. Só pode.
As pessoas vêm querer criticar o Sérgio, divagar sobre as motivações do Sérgio, sobre as intenções do Sérgio, sobre os fetiches do Sérgio, e não param um minuto pra discutir idéias. É uma troca da idéia por uma psicologia maliciosa que não leva a lugar nenhum: uma vergonha pra qualquer um que espere aprendizagem numa discussão.
Da coisa geral, percebo que as pessoas muitas vezes trocam a objetividade de uma crítica à religião por puro relativismo, em muito apoiadas na idéia de que a religião se define sobre a margem inexplicável da realidade. Ou seja: a religião está no âmbito da experiência inexplicável, e qualquer crítica à religião – mesmo que dizendo respeito à parte prática e presumivelmente explicável dela – é um despropósito diante do irônico relativismo que torna tudo tão mais inexplicável quanto gostaria de ser explicável. Aí o foco sai da crítica (que é invalidada por uma petição de relativismo) pra ir pra motivação da crítica: por que Sérgio fez essa crítica? As hipóteses giram geralmente em torno de motivos ironicamente paralelos às próprias críticas que ele faz à religião: de que ele é tão ou mais obcecado por religião quanto aqueles que ele critica, de que ele é tão ou mais dogmático, tão ou mais influenciado por autoridades, etc., e que não só ele mas tudo é assim, etc.
Digo isso sendo obviamente um crente. Minha idéia de como explicitar a posição da religião eu já conversei com o Sérgio.
A revelação não é contrária à razão, nem falsa de modo algum. Me parece que a impossibilidade pressuposta pelos ateus de que não é possível que haja Deus, e que ele seja onipotente, cria um lapso de compreensão que impede verem certos aspectos da religião como sendo verdadeiros e racionais. Se esta pressuposição limita a possibilidade de conhecimento, não são os religiosos que sapateiam, pois não há contradições. Já os ateus, vendo em tudo apenas um objeto a ser conhecido,ou melhor, crendo que podem conhecer o universo como objeto, se deixam limitar por essa mesma crença.
Os religiosos, pelo menos os católicos, jamais negaram a validade do conhecimento em qualquer campo, diga-se de passagem.
Sérgio, seu comentário que começa com:
“se voce tiver que escolher entre o que as autoridades religiosas proclamaram que é verdadeiro e bom ou o que seu melhor julgamento diz que é verdadeiro e bom, você é incentivado, instado, encorajado e pra ser 100% claro doutrinariamente obrigado a escolher o que as autoridades religiosas disseram. E quem não fizer isso está em estado de conflito com a religião e com deus. E dependendo do grau de intolerância, será hostilizado, possivelmente punido, e em casos extremos fisicamente destruído pelo grupo social religioso no qual está inserido”.
ajuda a explicar fatos como o Setembro Negro, o massacre covarde de uma caravana de colonos – mulheres, idosos e crianças inclusive – perpetrado por um grupo de mórmons nos EUA do século XIX. Há um bom filme sobre isto: September Dawn (http://en.wikipedia.org/wiki/September_Dawn).
Infelizmente, são bastante raros filmes desse tipo, que através da exposição de fatos históricos evidenciam aonde pode chegar o fervor religioso.
“Não, pois meu sistema de crenças não se baseia na submisão à autoridade”.
Er..obviamente que não. Aliás, a história dos sistemas de crenças dos ateus nos mostra isso muito bem. No entanto, o pobre sistema de crenças antiautoridade seguido por Sérgio é muito contraditório, a não ser que não cumpra uma norma sequer prescrita nas leis do Estado.
Er.. sua cabeça não adere a nenhuma argumentação de Richard Dawkins ou Nick Gisburne? Tá bom. Mas não sei qual a diferença notória, se tratando de argumentos a priori, entre Dawkins ou Gisburne pretender convencer alguém de que está certo do Papa. Eu posso seguramente confiar em evidências que se construiram ao longo dos 2000 anos, e quantos anos demorou Dawkins ou Gisburne construir suas bases filosóficas? Como eles podem explicar a realidade de sua existência, sem revoltas contra a religião ou Deus? A hipocrisia dos ateus é impressionante. Pelo menos, admito a minha intolerância contra o ateismo.
Os ateus estão realmente se revoltando.. de novo.
Li alguns dos argumentos acima, e deixo aqui a minha opinião!! Deus ou deus, são palavras, não é verdade? a palavra, a linguagem humana foi criada por nós humanos, não é verdade? os significados das coisas que se veem e das que não se veem foram criados por quem? os números, as teorias, as religiões… Sou estudante de Psicologia, acho interessante que inventemos e descobrimos “coisas”, conceitos, significados e significantes, estamos participando… Mas infinitas “coisas” que nomeamos, debatemos, “inventamos”, já existiam antes de nós! que diferença faz escrever Deus ou deus…
Faz diferença gramatical para começar. Da mesma forma, você pode perguntar : que diferença faz escrever “andré” ao invés de “André”? Existem motivos fortes da se escrever de forma padronizada, motivos linguísticos e de clareza e de organização. Mas além desses existem fortes motivos sociais e psicológicos. E, neste caso, ideológicos. Então sim, faz bastante diferença escrever deus com minúscula ou maiúscula. No caso geral, mesmo quando isso não muda em o objeto ao qual estamos nos refererindo, comunica muito sobre o que estamos dizendo sobre ele. Mas nesse caso é até mesmo uma discussão sobre a qual objeto estamos nos referindo.
A diferença entre grafar “Deus” e “deus” está primordialmente na clareza do discurso.
Eu posso concordar com o que você disse se você estiver defendendo que escrever com maiúscula torna MENOS claro.
Saudações,
Sergio
O que parece escapar ao Odinei e (quase inevitavelmente, dada sua fé) à maior parte dos religiosos em geral e católicos em particular é que um argumento não é ótimo ou péssimo porque eu, ou o Pedro, ou o papa, ou Napoleão disseram que ele é ótimo ou péssimo, e sim por causa de sua estrutura, associada ao nosso melhor julgamento sobre como a realidade de fato funciona. Mas claro, para os religiosos a verdade não pode ser realmente conhecida por intelecção individual e sim apenas por revelação e portanto o argumento último é sempre o de autoridade. Novamente, este é um dos aspectos mais perversos da religião institucionalizada.
Além disso, evidentemente se formos a qualquer dicionário o uso de “deus” começando com minúscula como substantivo comum é perfeitamente previsto e incontroverso. Ele apenas tem um sentido mais amplo e genérico do que o reivindicado pelo “deus” iniciado por maiúscula dos católicos. Portanto, mesmo que se aceite que a referência a deus com maiúscula seja *permissível* em bom português (seja pelo – a meu ver totalmente artificial – argumento de que “deus” é o nome dado por certas seitas ao seu deus, seja por simples tradição e convenção), isso em nenhum momento elimina o uso mais amplo do substantivo comum deus para se referir à mesma entidade desde um ponto de vista mais filosófico e, coloquemos assim, apartidário.
Sobre como fazer para ao se referir a um deus específico em um texto evitar que ele seja confundido com outros deuses, é uma pergunta legítima para a qual existem várias respostas simples. Uma possibilidade óbvia é dizer por exemplo “o deus católico”, quando se quiser referir especificamente a ele.
Mas uma opção que certamente *não* funciona, como apontado em meu texto e religiosamente ignorado pelo Odinei, é simplesmente colocar uma maiúscula no começo, dada a ampla diversidade de coisas às quais isso pode se referir. A meu ver isso não cumpre qualquer função lingüística, como forma de expressão cria apenas confusão, e tem propósito primordialmente – o que é mesmo muito irônico – de auto-afirmação.
Sobre quando se “iniciou” o uso da grafia de “deus” sem a maiúscula, provavelmente a pergunta oposta faz mais sentido. A palavra e o conceito de deus existem de forma completamente independente do conceito específico de deus cristão / católico. Isso não é um “modernismo” ou algum tipo de ideologização da língua, é um uso perfeitamente canônico e razoável da palavra “deus”. Muito pelo contrário, insistir que a única forma “correta” de escrever deus é com maiúscula no caso de nos referirmos ao deus de qualquer uma das religiões que tratam a palavra “deus” como nome próprio, isso sim é ideologizar a língua. Se os católicos querem afirmar que um dos nomes de seu “deus” é “deus” com maiúscula, parabéns, usem com maiúscula, mas isso não elimina o fato de que no panteão das crenças religiosas humanas continua sendo *um* deus. No caso em que existe uma palavra separada para designar deuses específicos, como “Alá”, essa duplicidade desaparece e deixa de ser razoável escrever de ambos os jeitos. Mas não no caso da palavra “deus”, que independentemente do uso feito pelos católicos, é também um substantivo comum.
E sim, as pessoas se referem ao deus dos católicos como o deus dos católicos; apenas não o fazem rotineiramente quando inseridas numa cultura em isso é desnecessário por ser este o deus, digamos, padrão. Mas o mundo não é só o Brasil nem só o ocidente. Em vastas regiões do mundo se a palavra “deus” for mencionada, não haverá de forma alguma a suposição automática de que se trate do deus católico, ou mesmo de que exista apenas um. A palavra “deus” com a grafia minúscula tem uma acepção mais ampla que engloba o deus dos católicos. Ele é uma instância de deus, assim como Flamengo é uma instância de time de futebol. Seria ridículo os torcedores do Flamengo argumentarem que está gramaticalmente errado referir-se ao time do Flamengo como “time” ao invés de “Time”. Se eles quiserem fazê-lo, parabéns, mas ninguém está obrigado a seguir essa convenção, dado que por ser “o Time”, mesmo que isso fosse isento de qualquer ambigüidade, não deixa de ser “um time”. E não, não se trata de outro objeto, assim como uma cadeira não deixa de ser uma cadeira porque eu observo que ela é um exemplo de peça de mobília.
O fato de haver um reconhecido uso tradicional com maiúscula ao referir-se ao deus de certas seitas em português com a intenção de dar uma acepção mais restrita à palavra apenas confirma que tal uso é admissível, não que seja ortograficamente obrigatório.
Eu não disse que a maiúscula seja errada, e tradicionalmente ela de fato pretende restringir o significado da palavra. Meu ponto é apenas que também é perfeitamente legítimo referir-se ao deus cristão como “deus” sem qualquer incorretude ortográfica ou de outra ordem. O fato de existir um “personagem” chamado “deus” não elimina o fato de que ele é um deus. Da mesma forma, se eu decidir dar ao meu cachorro o nome de “cachorro”, não se torna então incorreto chamá-lo de cachorro; isso no máximo torna correto (embora confuso) chamá-lo de Cachorro.
Aliás, claramente a base da motivação para insistir no uso da maiúscula, ao contrário do que o Pedro afirma, *não* é que o nome do deus católico seja “deus”. Se fosse só isso não haveria qualquer motivo para usar maiúsculas também em pronomes e outras referências ao deus católico, como costumeiramente fazem. É obviamente uma questão de ordem religiosa e não lingüística; é precisamente uma questão de auto-afirmação, de dizer através da grafia “meu deus é especial”, não de transmitir qualquer informação adicional sobre a qual deus estamos nos referindo.
Er, eu não “fugi” de nada, eu falei explicitamente desse ponto, embora aparentemente isso lhe tenha escapado. Eu disse claramente que não faz qualquer sentido grafar os nomes de todos esses deuses com minúsculas, e expliquei exatamente porque o caso é outro : esses nomes, ao contrário da palavra “deus”, não são também substantivos comuns. São apenas nomes próprios, usados exatamente para denotar deuses específicos. Se os católicos resolveram que seu deus tem entre outros nomes a palavra “deus” (argumento que eu acho forçadíssimo, mas vá la que seja), isso no máximo torna legítimo chamá-lo de “deus” com maiúscula, mas não invalida de nenhuma forma o uso anterior do substantivo comum “deus”.
Aliás, se os católicos forem eles mesmos levar este argumento a sério, deveriam grafar com maiúscula a palavra “deus” quando se referindo ao deus de qualquer religião que resolva que este é um dos nomes de seu deus. E obviamente não o fazem, dado que o ponto de usar maiúscula na verdade *não é* reconhecer ortograficamente o fato de que se trata de um nome próprio e sim afirmar o status especial de um deus em particular.
Não, eu não disse que usar maiúscula em “deus” é recente. Eu disse que não usar não é.
E eu não disse que não faz sentido para os monoteístas grafar “deus” com maiúscula, ou que isso esteja errado. O que eu disse que é que se você não é monoteísta e para você o deus católico é tão verdadeiro quanto Apolo ou Tupã, então não há qualquer obrigatoriedade ideológica em fazê-lo. E certamente não há nenhuma ortográfica.
Sobre o exemplo dos times de futebol ser irrelevante por “cada um ter um nome próprio”, ora, grande parte dos deuses *têm* um nome próprio. E aí nesse caso a maiúscula é não só apropriada como ortograficamente necessária.
Dizer “só há um, o dos monoteístas” chega a ser engraçado, porque existe toda uma multiplicidade de deuses diferentes definidos por religiões monoteístas, e eles são incompatíveis entre si. Mas eu não estou argumentando que seja ortograficamente incorreto grafar “deus” com maiúscula para indicar essa acepção, mesmo que ela claramente não indique um único deus. Estou apenas dizendo que ela não invalida o uso com minúscula, da mesma forma que não é incorreto chamar um táxi de táxi porque ele ocorre de ser uma Parati.
Você não “demonstrou” que o uso consagrado é com maiúsculas, você apenas afirmou. Mas você não precisa demonstrar nada, em nenhum momento discordei que isso seja de fato uma forma comum e perfeitamente tradicional de grafar “deus”. Meu ponto não é sobre a incorretude dessa forma, e sim sobre a corretude de outra forma. E o argumento de que “todo mundo está fazendo de um certo jeito, então este é o único jeito correto” é absolutamente terrível, e infelizmente muito usado por pessoas religiosas quando começam argumentar sobre o que é o “certo”. Não surpreendente, visto que “certo” e “ortodoxia seja qual for” se confundem em religião.
Finalmente, ninguém é *obrigado* a usar minúscula, seja ou não ateu. Eu uso porque acho linguisticamente mais apropriado (não vejo qualquer motivo ortográfico legítimo para o uso da maiúscula) e porque acho que colocar com maiúscula só confunde dada a multiplicidade de seitas que reivindicam tal privilégio.
Oi Leonardo,
Interessante o seu comentário!
Comento que os motivos históricos para a origem de algo não são necessariamente os que preservam essa tradição em momentos posteriores.
Além disso, como afirmei em outro comentário, eles vão além disso ao usarem maiúsculas em qualquer referência a seu deus, até mesmo através de pronomes. Isso tira muito da força deste argumento que você acabou de apresentar, pelo menos como justificando plenamente essa tradição. Dizer que “ah, a maiúscula é porque se trata de nome próprio, é *só* uma questão ortográfica” não se sustenta.
Agora, note que mesmo que esse argumento fosse 100% aceito, como já observei e você concorda, isso em nenhum momento tornaria inválido o uso anterior da palavra “deus” como substantivo comum para referir-se à mesma entidade. O excesso de melindre com esse uso por parte de católicos evidencia a necessidade de policiar qualquer “desafio” à reverência obrigatória a seu deus.
Saudações,
Sergio
Oi Gonçalves,
Concordo, por isso não vejo sentido em criar caso com quem resolve grafar “deus” com maiúsculas, ou com quem resolve usar maiúsculas em pronomes que se referem a ele. É um uso tradicional e consagrado da língua. Que usem.
Mas da mesma forma grafar com minúscula também é um uso perfeitamente correto e ortodoxo da língua, e os próprios católicos o empregam ao se referirem a deuses de outras religiões. Repito o que já disse diversas vezes : o fato de que “deus” com maiúscula têm uma interpretação mais ou menos canônica em poruguês que é mais restrita do que “deus” com minúsculas não torna em nenhum momento ortograficamente incorreto o uso de “deus” com minúscula para referir-se à mesma entidade, da mesma forma que não há problema em referir-se à instância de pessoa “Pedro” usando a palavra “pessoa”.
Claro, dizer “eu não acredito em deus” teria um significado diferente de dizer “eu não acredito em deus” usando maiúsculas na palavra “deus”, mas isso não torna a primeira frase ortograficamente incorreta. Por vezes o que se quer dizer é uma coisa, por vezes outra. E quando há ambigüidade, mesmo assim não surge qualquer obrigatoriedade lingüística no uso de maiúscula. Inclusive, eu acho essa convenção confusa, dada a diversidade de seitas que reivindicam tal privilégio. Em sendo necessário ser mais específico, faz mais sentido para mim dizer algo como “eu não acredito no deus católico”.
Saudações,
Sergio
Oi Bruno,
Seu comentário me faz refletir ainda mais claramente que existem aqui várias questões separadas sendo discutidas em alguns momentos como se fossem a mesma. Vou tentar desembaraçá-las para ficar mais explícito.
Questão 1. É ortograficamente correto em português escrever “deus” com inicial minúscula para se referir ao deus católico?
Minha resposta : obviamente sim, por motivos abundantamente expostos.
Ou, refraseando a pergunta : existe algum problema ortográfico em se usar “deus” com inicial minúscula para se referir ao deus católico, como nas frases “o deus católico é geralmente retratado como uma figura masculina” ou “eu não acredito que o deus católico exista de fato” ?
Minha resposta : absolutamente não.
Questão 2. É ortograficamente correto em português escrever “deus” com inicial maiúscula para se referir ao deus católico?
Minha resposta : sim, isso é uma convenção suficientemente comum e aceita para ser perfeitamente correto.
Observe-se porém que o fato de ser ortograficamente *correto* é muito diferente de ser ortograficamente *obrigatório*.
Questão 3. Existe uma afirmação de *identidade* ao se escolher escrever “deus” com inicial maiúscula?
Minha resposta : Não necessariamente. Pode-se estar simplesmente seguindo uma convenção comum sem qualquer mensagem ou conteúdo ideológico nisso.
Questão 4. Existe uma afirmação de *identidade* ao se escolher escrever “deus” com inicial minúscula?
Minha resposta : De novo, não necessariamente. Isso talvez dê um pouco mais de *informação* sobre a identidade do autor, posto que um católico (por exemplo) muito mais provavelmente escreveria com maiúscula. Mas não há necessariamente uma intenção deliberada de afirmar essa identidade.
Questão 5. Existe algum “problema” no caso de se escrever “deus” com inicial maiúscula explicitamente como afirmação da própria identidade?
Minha resposta : Eu não vejo qualquer problema. É como assinar uma carta “Dr. João da Silva”. Isso é uma afirmação intencional da própria identidade como doutor. Ou como usar um solidéu. Isso é uma afirmação intencional da sua identidade como judeu. Ou como pendurar um crucifixo na parede. Isso é uma afirmação intencional da sua identidade como cristão. Ou como usar uma camisa do Flamengo. Ou sacudir a bandeira brasileira. Etc, Etc. E daí?
Isso só se torna um “problema” se alguém resolver ir pro lado de “sua identidade me ofende”. Aí é questão de refletir se o “problema” nesse caso está no sujeito que ousou ter uma identidade e expressar isso ou na intolerância de quem resolveu que essa identidade não é aceitável.
Questão 6. Existe algum “problema” no caso de se escrever “deus” com inicial minúscula explicitamente como afirmação da própria identidade?
Minha resposta : Novamente, eu não vejo qualquer problema. Vide acima.
Questão 7. Existe algum problema em querer exigir que outros grupos que não compartilham das suas crenças (no limite que toda a sociedade) sigam as mesmas convenções que você desenvolveu para expressá-las?
Minha resposta : Evidentemente existe! E é aí que surge o tal “problema” com a auto-afirmação : quando você quer expressar a SUA identidade dizendo aos OUTROS como agir.
Que, aliás, é uma das grandes especialidades dos religiosos em geral, mas transbordantemente dos católicos em particular.
Odinei,
Certo, eu “confesso” que grafo assim porque acho mais apropriado para meus escritos mas que não acho que por causa disso essa seja a única forma aceitável de fazer as coisas. :-)
Saudações,
Sergio
Oi Vinicius,
Sim, aparentemente o caso do Odinei é o que você descreve. :-) Acho que parte da questão é que ele supôs que eu estaria implicitamente defendendo que minha forma de grafar deus seria *a* “correta”, ou seja, que eu estaria assumindo posição diametralmente oposta ao Pedro, algo que considerando o título do texto não seria uma expectativa absurda.
Naturalmente que uma leitura literal do meu texto sem supor entrelinhas que lá não estão e que depois foram explicitamente negadas conduz à mensagem que você aponta.
Eu pessoalmente acho que “deus” com maiúscula mais confunde do que esclarece, mas como já exaustivamente repetido não estou nem remotamente sugerindo que essa grafia seria ortograficamente errada ou que por algum outro motivo seria reprovável, inclusive quando e se explicitamente usada como instrumento para afirmar a identidade de quem escreve.
Aliás, por mim, se os católicos quiserem cercar a palavra “deus” de florzinhas toda vez em que a escreverem, parabéns. Apenas não venham me dizer que é incorreto e infantil não fazê-lo.
Saudações,
Sergio
Er, não houve de minha parte nem remotamente uma declaração de que a *corretude* de grafar deus com minúsculas seja uma questão de “gosto”. Escrever “abraão” com minúsculas não “reflete uma questão de gosto” – isso está simplesmente errado. Já escrever “deus” com minúsculas, mesmo se referindo explicitamente ao deus dos católicos, é perfeitamente admissível ortograficamente. O que eu defendi foi que as duas grafias são admissíveis. E passei então a apresentar argumentos defendendo essa posição, não simplesmente a “afirmei”. Se você não se deu por satisfeito com esses argumentos, é livre para escolher ou não buscar refutá-los, mas no momento eles permanecem perfeitamente irrespondidos.
E mais do que isso, mesmo defendendo que as duas grafias são ortograficamente admissíveis, eu *não* reduzi a escolha entre as duas a uma mera questão de gosto. Na minha opinião pessoal a grafia com maiúsculas é confusa e deve ser evitada. Além de que ela *claramente* tem conteúdo ideológico, não sendo portanto apenas uma questão de “gosto” e sim também uma afirmação deliberada de identidade. O que em si eu não acho nem um pouco “problemático”, aliás. Para mim o problema é querer ditar aos outros que seja inadmissível usarem grafias perfeitamente corretas sob o ponto de vista lingüístico porque isso viola a *sua* ideologia religiosa.
Ok, procedamos à desconstrução deste comentário.
Em primeiro lugar, observo como que os comentários reais e concretos vindos de religiosos freqüentemente excedem qualquer coisa que minha imaginação poderia criar com objetivos de exagero ou caricatura. Eu dizer que as opiniões deles são na verdade X e Y e Z apesar de todos os seus lindos discursos ficaria quase inverossímil não fosse a reação deles quando instados a se explicarem.
Note-se que este comentário exemplifica claramente o *real* motivo de tanto melindre com a questão da maiúscula. Não tem absolutamente nada a ver com ortografia. Tem a ver com querer estabelecer Orwellianamente através do controle da língua a primazia de uma certa ideologia. Tem a ver com promover a introjeção involuntária de certos valores como “o deus X tem um lugar especial e distinto na ordem natural das coisas”. Então o autor do comentário faz, muito reveladoramente, um paralelo explícito entre o deus com minúsculas e o valor de um tal deus ou de quem o grafa assim. E ironicamente, é precisamente esse o motivo de tanta importância ser dada à forma de escrever : porque o propósito não é convencer com argumentos, ou por estar do lado da verdade, e sim prevalecer através de intimidação e truques psicológicos.
Aliás, eu não canso de me admirar com a “acusação” de demonstrar “excesso” de interesse em religião. Em primeiro lugar, quando os religiosos resolvem que vão começar a mandar na minha vida ao invés de apenas na deles, que vão interferir com liberdades civis, com currículos escolares e com a sanidade psicológica de grandes grupos de pessoas, sim, é claro que isso é importante. Agora, é patético pessoas que organizam sua vida em torno de religião, que semanalmente realizam rituais bizarros em grupo e que ficam visivelmente transtornadas quando têm suas crenças questionadas virem então “acusar” outros de estarem “obcecados” com religião. Olhem para si mesmos para começar.
Esse tipo de comentário do João é realmente vergonhoso.
Geralmente mais cedo do que mais tarde. Até rimou. :-)
Mas isso não é por acidente; o problema é intrínseco à forma como os movimentos religiosos se estruturam, isto é, baseados em dogmas. Isso cria um problema fundamental, que é : se voce tiver que escolher entre o que as autoridades religiosas proclamaram que é verdadeiro e bom ou o que seu melhor julgamento diz que é verdadeiro e bom, você é incentivado, instado, encorajado e pra ser 100% claro doutrinariamente obrigado a escolher o que as autoridades religiosas disseram. E quem não fizer isso está em estado de conflito com a religião e com deus. E dependendo do grau de intolerância, será hostilizado, possivelmente punido, e em casos extremos fisicamente destruído pelo grupo social religioso no qual está inserido.
Novamente, tal grau de hostilidade ser considerado aceitável pelos religiosos não é surpreendente, dado que se cultiva explicita e deliberadamente a idéia de que aqueles não submetem seu julgamento ao da autoridade religiosa estão literalmente do lado do mal. Então na prática ousar afirmar a legitimidade do seu próprio julgamento, muito mais do que o erros de ser por incompetência moralmente fraco ou ignorante da doutrina, este é o maior pecado possível de quase todas as religiões. Seu julgamento deve ser usado apenas para criar explicações, retroracionalizações e justificativas para sustentar a corretude do que foi afirmado pelas autoridades religiosas. Isso é o que torna tão exaustivo tentar argumentar sobre o mérito de certas questões com religiosos. A conclusão é explicitamente um axioma que eles previamente aceitaram que não têm liberdade para questionar sem se badearem para o lado do mal, portanto nenhum argumento do mundo poderá fazê-los mudar de idéia, e resistir psicologicamente às tentativas de fazê-los questionar certas idéias é uma demonstração de retidão moral e espiritual. Apesar disso, não é inútil se submeter a esse processo exaustivo, porque ele explicita precisamente que as conclusões são axiomas, algo que poderia ficar bem menos óbvio caso certas crenças não fossem questionadas. É, digamos, um serviço de utilidade pública. :-)
Agora, do ponto de vista dos religiosos seria mais honesto simplesmente admitir : não precisa fazer sentido, eu estou defendendo isso porque é o que o papa falou, e o que a minha congregação espera que eu faça. Ao que dá vontade de responder : se o papa se jogasse debaixo de um caminhão, voce ia atrás? Se o seu grupo social exigisse que você ostensivamente perseguisse e hostilizasse todas as pessoas de uma certa nacionalidade / etnia / crença / comportamento sexual você obedeceria? E infelizmente a óbvia e triste resposta em uma grande fração dos casos é que claramente sim.
De certa forma, pode ser compreendido como alentador que uma boa parte dos religiosos não esteja preparado para admitir isso abertamente.
Eu não sei se devo atribuir esse tipo de comentário a burrice ou a desonestidade intelectual. Possivelmente aos dois. Chega a ser embaraçoso eu ter que explicar que se eu digo que os religiosos freqüentemente têm um certo tipo de reação isso não constitui uma afirmação nem de que *só* eles tenham, nem de que *todos* eles tenham. Tentar resolver argumentos desse tipo saindo pela tangente de “todo” ou “nenhum” é fugir da questão. Se eu digo “existe uma tendência de pessoas saírem feridas se você dispara tiros conta uma multidão”, uma resposta razoável não é “o quê, você está dizendo que é logicamente impossível disparar contra uma multidão e ninguém sair ferido?”. Claro que não é isso que estou dizendo, e essa é uma resposta tola.
Mas mais do que tola, é desonesta, pois é uma interpretação tão evidentemente esdrúxula do que foi dito que só pode ter como propósito buscar evitar uma discussão séria do ponto que foi levantado, provavelmente porque existe a intenção de insistir no comportamento de disparar tiros contra multidões, e não é conveniente que os problemas com isso sejam explicitamente debatidos.
Agora, embora em geral sempre haja malucos de ambos os lados de qualquer discussão (ser um idiota não é impedimento lógico para estar certo), a postura dos religiosos é *em geral* patentemente mais agressiva do que a dos que os criticam. O que é duplamente irônico, dada sua fantástica e inacreditável reivindicação de superioridade moral supostamente baseada entre outras coisas em tolerância e fraternidade.
Claro, organizar sua vida em torno de um clube, ou de qualquer outra coisa, isso pode ser interpretado como igualmente bizarro. A diferença é que os torcedores do Flamengo não buscam impor a toda a sociedade que compartilhe da sua bizarrice.
Mas esse nem era meu ponto original, e sim que é completamente incoerente para alguém com esse tipo de comportamento vir acusar outros de estarem “excessivamente” preocupados com religião. Ora bolas, se você fundamenta suas crenças mais profundas em religião e organiza uma parte importante da sua vida em torno disso, se você chega ao extremo de querer impor suas crenças aos outros, como vai então criticar alguém por achar que o assunto merece discussão? Isso sim não dá para levar a sério.
Mas nenhum argumento que eu possa dar sobre a natureza perversa dos movimentos religiosos é mais revelador do que a atitude demonstrada quando se escreve questionando a santidade das suas idéias. Não fosse isso, movimentos religiosos facilmente se confundiriam com outros fenômenos sócio-psicológico-culturais como acreditar em astrologia, ou em em telepatia, ou que sejamos regularmente visitados por alienígenas. Mas os movimentos religiosos são diferentes em sua afirmação explícita da inferioridade moral e espiritual de quaisquer outros grupos, algo que rotineiramente ocorre de forma militantemente agressiva e violentamente intolerante.
Agora, é claro que ter uma ideologia dogmática defendida fanaticamente e que se pretende militantemente impor por bem ou por mal a toda a sociedade não é privilégios dos religiosos. Algo similar não raramente ocorre também com movimentos políticos, por exemplo com comunistas. Aliás, tentar argumentar com um comunista de carteirinha é uma experiência psicológica e intelectual bastante similar a tentar argumentar com um católico de carteirinha.
Bem, religião de fato me fascina no sentido em que eu acho incrível que pessoas que por outros critérios podem ser consideradas inteligentes, informadas e razoáveis, quando se trata de religião, perdem não só seu senso crítico como sua civilidade.
Mas meu principal motivo para me importar com o assunto não é nem esse, e sim o fato de que tais de pessoas de fato buscam, sim, militantemente, impor sua ideologia ao resto da sociedade, por todos os meios ao seu dispor, inclusive a coerção direta. Isso é evidentemente relevante e não quero ficar sentado apaticamente diante dessa ameaça muito real à minha liberdade e a uma estrutura social fundada em respeitar certos limites à interferência da sociedade na vida individual. Então a denúncia da perversidade dos movimentos religiosos é, pelo menos para mim, relevante primordialmente por considerações libertárias, que me são muito caras. O grau de interferência que os movimentos religiosos se sentem autorizados a exercer (e em muitos países do mundo com sucesso) sobre escolhar que deveriam ser prerrogativa e privilégio individual é absolutamente inaceitável.
Isso fica menos óbvio quando seu poder não é suficiente para ser viável impor à força o que de outra forma não teriam qualquer escrúpulo em impor à força. Mas o grau de hostilidade demonstrado quando têm suas crenças confrontadas trai a natureza intolerante e opressora de sua atitude, e é um preocupante presságio do que ocorreria caso não fossem freados pela presente organização política da sociedade em que se inserem.
Isso é um comentário muito revelador vindo de alguém apresentou exatamente zero argumentos, enquanto apoiava alguém que apresentou zero argumentos.
Não, pois meu sistema de crenças não se baseia na submisão à autoridade.
Você, por outro lado, seria obrigado pelo seu sistema crenças a fazê-lo caso o papa decretasse que essa é a nova forma de rezar a missa.
É meio demais mesmo. Será possível que não existem figuras menos caricaturais para tomar a posição religiosa? O próprio Pedro costumava defender a posição católica de uma forma bem mais ponderada e buscando construir civilizadamente argumentos sólidos baseado em lógica e razão. Porém, de uns tempos para cá ele deu pra ficar nessas coisas superficiais como chamar Dawkins de “burrão”, que é só uma bobagem que não dá pra levar a sério. Uma pena, dado que ele obviamente tem a capacidade de levantar questões filosóficas e metodológicas reais com os argumentos de quem critica religião. Essa própria questão de deus com maiúscula versus deus com minúscula é bem mais interessante lingüisticamente do que ele se deu ao trabalho de discutir, mas ele parou em argumentos primários e gastou metade do (curto) post simplesmente ridicularizando a posição que pretendia criticar. Mas acho que o problema já comeca pela escolha do tópico; ficar se melindrando com a forma como ateus grafam deus é overdose.
Saudações,
Sergio
Existe uma certa dissonância cognitiva intrínseca à tentativa de buscar colocar o pensamento religioso como simultaneamente verdadeiro *e* baseado num ato de fé.
Se o critério primordial é ser correto e verdadeiro então não deveria requerer fé, apenas lógica e obervação, e evidências em contrário deveriam levar ao questionamento da ortodoxia.
Por outro lado, se o critério primordial é ser baseado na “revelação” ou na intuição mística, então buscar uma aparência de coerência e lógica é meramente um exercício de retórica, visto que não terá qualquer impacto sobre as conclusões. Mas nesse caso é admitidamente uma mitologia e uma historinha.
Os religiosos então sapateiam entre esses dois discursos incompatíveis, querendo ser simultaneamente imunes a argumentos por terem crenças baseadas em fé *mas* pretendendo dizer coisas concretas sobre a realidade de como o universo de fato funciona.
Só que não dá pra ter os dois ao mesmo tempo. Ou estamos buscando a verdade seja ela qual for (e nesse caso somos forçados adaptar e questionar continuamente nosso sistema de crenças diante de novas observações) ou supomos já saber misticamente a verdade desde o princípio (e nesse caso o problema se torna apenas inventar explicações que contextualizem nossas observações dentro daquilo que decidimos desde que não será questionado).
Para mim, a escolha entre religião e não religião é fundamentalmente uma escolha entre o conforto de certezas absolutas fictícias e o desconforto de verdades provisórias e parciais.
Não é surpreendeente que muitos escolham a religião.
Esta frase é uma ode à falta de senso crítico. Como assim a revelação não é “falsa de modo algum”? Toda “revelação” é então automaticamente verdadeira? Além de isso ser obviamente temerário, como conciliar essa afirmação com o fato de que pessoas diferentes e religiões diferentes se dizem recipientes de “revelações” completamente contraditórias entre si?
Sobre a revelação ser ou não “contrária” à razão, evidentemente depende da “revelação”. Caso me seja “revelado” que “dois mais dois são cinco”, isso é sim contrário à razão. Não há absolutamente nada que impeça que uma “revelação” seja contrária à razão. Exceto, claro, a suposição de que “revelações” nunca são falsas, que é evidentemente delirante.
Sobre a tal “impossibilidade da existência de deus” supostamente pressuposta pelos ateus, isso é absolutamente falso. O argumento da quase totalidade dos ateus não é de que deus seja impossível e sim de que não há evidências de que ele exista. Podemos fazer todo tipo de afirmações arbitrárias do tipo “existe um tigre debaixo da sua cama” e embora isso não seja logicamente impossivel, não há qualquer motivo para acreditar que seja verdade.
O resto do comentário nem sequer faz sentido. É um aglomerado de palavras em busca desesperada de um significado.
Oi Roger,
Não vi este filme, mas pelos comentários que já li sobre ele não tenho certeza de que seja o melhor exemplo dos perigos da intolerância religiosa. Além de aparentemente ser excessivamente caricatural (novamente, não vi o filme, estou falando isso com base nas críticas), ele parece poder ser mais ou menos facilmente descartado como retratando um episódio anômalo causado por um fanatismo não representativo nem da atitude da média dos religiosos e nem da doutrina mórmon.
Muito mais sérias me parecem ser as atitudes que não podem ser descartadas como desviantes ou anômalas e representam sim explicitamente a ortodoxia doutrinária prescrita aos seguidores de grandes e expressivos movimentos religiosos. Existem ainda hoje grandes partes do mundo nas quais não são somente vigilantes alucinados que assassinam pessoas percebidas como pecadoras (embora isso também ocorra), e sim governos teocráticos que o fazem oficialmente por motivos declaradamente teológicos, e com completa concordância e apoio dos religiosos ortodoxos. Experimente ser abertamente homossexual no Irã para ver o que acontece. Experimente escrever no jornal que deus não existe na Arábia Saudita. Experimente sair na rua com uma camiseta com um desenho do rosto de Maomé na Síria.
Agora, esse grau de intolerância não acidental não é de forma alguma privilégio dos muçulmanos. As posições defendidas explicitamente pelos católicos ortodoxos são absolutamente tão intolerantes quanto essas. Há abundantes evidências de que a única coisa que os impede de impor coercitivamente seus dogmas a toda a sociedade é a insuficiência de poder politico.
Saudações,
Sergio
É impressionante como se eu digo “deus com minúsculas é ortograficamente correto” aparece alguém para achar que eu disse que deus com maiúsculas é errado. Se eu digo que “não é conveniente abandonar a razão ao construir um sistema de crenças” aparece alguém para achar que eu disse que a razão é a única dimensão aceitável de um sistema de crenças.
Agora neste comentário, em eu tendo dito que meu sistema de crenças não se baseia na submissão à autoridade, aparece alguém com a leitura esdrúxula de que eu teria defendido um “sistema de crenças anti-autoridade” no qual supostamente toda e qualquer autoridade deveria ser automaticamente objeto de oposição incondicional e irrestrita. Evidentemente isso não tem nada a ver com o que eu disse. As coisas não precisam ser ou proibidas ou obrigatórias. Aliás, esse tipo de raciocínio me lembra uma descrição sucinta do que é uma mentalidade totalitária – é uma que anseia por classificar tudo em duas categorias : proibido ou obrigatório.
Sobre eu não “aderir” a nenhuma argumentação construída por outros, novamente, isso absolutamente e evidentemente não foi o que eu disse. Concordo com muitas coisas que Dawkins diz, apenas o motivo pelo qual eu concordo não é *porque* foi o Dawkins que disse, ou porque ele seja meu “líder”. Não me sinto de nehuma forma obrigado a concordar com nada do que ele diga. Ao contrário dos católicos, que são doutrinariamente obrigados a acreditar em absolutamente qualquer coisa que o papa resolva oficialmente decretar como verdade.
Além disso, evidentemente as idéias de Dawkins não foram criadas do zero no fundo do quintal, são apenas a mais recente manifestação de pensamentos e reflexões que ironicamente começaram há bem mais de dois mil anos. A rejeição da idéia de deus com bases filosóficas assim como a crítica aos movimentos religiosos é bem anterior ao cristianismo. O pensamento ateu já fazia parte da história humana e do debate intelectual bem antes dos eventos históricos fundadores do cristianismo.
Adicionalmente, dizer que “eu posso seguramente confiar em evidências que se construíram ao longe de 2000 anos” demontra uma abissal falta de senso crítico. Então agora o valor de uma idéia é medido pela sua… antigüidade? Além de intrinsecamente precário, como é possível os religiosos apresentarem esse tipo de argumento sem pararem por 5 segundos para pensar que existem outras tradições milenares incompatíveis com as suas? Se “evidências de 2000 anos” são incontroversas, que tal então se converter ao hinduísmo, que é ainda mais antigo? Ou ao judaísmo? Qual dessas tradições milenares tem “evidências” mais “seguras”? O fato de que uma tribo de índios no interior do Xingu trata apendicite com oferendas para Tupã há mais de mil anos não quer dizer que isso funcione.
E sim, Dawkins critica acidamente a religião, de forma explícita, aberta e inequívoca, e não faz qualquer tentativa de disfarçar este fato. Não consigo determinar onde haveria qualquer hipocrisia ou contradição nisso.
E apontar que a militância de pessoas como Dawkins é motivada pela existência de movimentos religiosos é tão “problemático” quanto apontar que não haveria motivo para militância anticomunista se não houvesse comunistas.
Acho que as pessoas se acostumam a fazer grupinhos na internet e a brigar com os antagonistas da identidade desses grupinhos, aí chegam aqui querendo tratar o Sérgio como um ateu que merece ser vencido. De novo: pegam o sujeito ao invés da mínima maturidade de se ater simplesmente às idéias, que é o que deveria importar sempre.