Há algumas semanas Pedro escreveu um texto entitulado “A diferença entre crentes e ateus” (agora disponível aqui) no qual em princípio pretende buscar compreender ou pelo menos descrever, num exercício de empatia, a posição dos ateus não como vistos pelos crentes, mas desde o ponto de vista dos próprios ateus. O texto demonstra uma incompreensão embaraçosa da posição de quem não é crente. Diante disso, achei que seria didático e esclarecedor fazer o exercício de descrever “a nível de ateu” o que de fato penso sobre certos assuntos, inclusive o que eu de fato penso sobre o que os crentes pensam.
Para começar, observo que já de saída o Pedro supõe que haja muito mais unidade ideológica e de crenças entre os ateus do que realmente há. Com poucas exceções, que em geral surgem como subconjuntos de sistemas mais amplos de pensamento, o ateísmo raramente surge como uma instituição organizada com dogmas ou qualquer tipo de ortodoxia. Quem não acredita em deus em geral não acredita e pronto, individualmente. As pessoas que acreditam em digamos Papai Noel talvez tenham alguma coisa em comum. As que não acreditam costumam simplesmente não pensar nisso, assim como os católicos não ficam em geral gastando seu tempo se reunindo para refutar a existência de Shiva. Evidentemente caso fosse contra a lei não acreditar em Papai Noel ou se pessoas começassem a me insultar por eu não acreditar em Papai Noel talvez eu gastasse mais tempo discutindo Papai Noel. Mas mesmo nesse caso Papai Noel em si mesmo permanece rigorosamente inexistente e irrelevante; são as pessoas falando de Papai Noel que se tornaram um assunto.
Mas voltemos às afirmações específicas que Pedro faz. Ele começa por afirmar :
Ambos dirão que apenas se submetem à verdade; ambos dirão que seguem suas consciências; ambos dirão, mais ainda, que o que os diferencia do outro lado é o estar certo, o ter razão.
De fato, os religiosos parecem em geral dizer e acreditar exatamente nisso (que o que os diferencia do outro lado é estar com a razão). Mas claramente uma grande parte dos ateus – especialmente os que têm uma posição mais científica – dificilmente concordariam que os que os distingue dos religiosos seria “o estar certo, o ter razão”. Afinal, “estar certo” é algo a que não temos acesso direto, e repetidamente descobrimos que estávamos errados quando tudo parecia indicar que estávamos certos. Os próprios ateus discordam de todas as formas possíveis sobre qual o significado, origem e propósito da existência humana e do universo. Alguns por incontornável necessidade lógica estarão certos enquanto outros errados. (Aliás, assim como os religiosos.) Discordam inclusive sobre a possibilidade de responder certas perguntas.
Então eu diria que o que distingue a mim pessoalmente de um religioso padrão não é tanto o “estar certo” quanto POR QUE eu acho que estou certo. Eu não aceito argumentos de autoridade, tradição ou revelação como “provas” do que seja verdadeiro. E não acho que a fé seja uma boa base para um sistema de crenças. Portanto para mim o que me distingue de um crente padrão não é eu “estar certo” tanto quanto o que eu considero um argumento aceitável para alguém defender que está certo. Eu não acreditar em deus é uma posição circunstancial, não metodológica ou a priori. Caso ele descesse do céu e fizesse milagres na minha frente eu teria que repensar a idéia. Caso alguém definisse deus de uma forma que fizesse sentido e apresentasse evidências de que ele existe eu teria que repensar a idéia. Agora, enquanto isso não acontece, sugiro que é bem mais acreditável que ele seja um personagem mitológico.
não se deve esquecer que uns considerarão os outros a praga da humanidade
Isso está comicamente longe de descrever a posição seja do religioso médio, seja do ateu médio. Se formos seguir a tradição de algumas religiões, elas *de fato* oficialmente instam seus fiéis a considerarem todos os pagãos como pecadores, indignos e merecedores de punição eterna, mas felizmente grandes massas de religiosos não levam isso a sério. E uma grande massa entre os ateus acham religião equivalente a acreditar em Papai Noel : delirante mas inofensivo ou até mesmo positivo por fazer as pessoas mais felizes.
Mas qual será o fundamento subjetivo de sua diferença? Haverá uma atitude fundamental que distinga um grupo do outro?
Para *mim*, pessoalmente, a questão já está colocada da forma errada. Como eu disse antes, há muito mais unidade ideológica entre crentes do que entre não crentes. Se eu tivesse que buscar algo para distinguir os dois grupos, eu sinto vontade de dizer (porque é isso que *eu* pessoalmente sinto que me distingue) que para mim seria o que é aceito como critério de verdade, como eu disse acima. Mas que se note, isso é uma descrição caricatural, porque evidentemente há entre os ateus aqueles que apesar de não serem “crentes” no sentido proposto pelo Pedro, acreditam em todo tipo de disparates alucinados como astrologia, mágica ou espíritos. E até mesmo para não acreditar em deus há todos os tipos de motivos, desde “o governo mandou” até “isso é chique”. Não existe realmente unidade de atitude fundamental entre os ateus. Então não há como responder seriamente a esta pergunta.
Talvez pudéssemos recolocar a pergunta como : “Qual é a atitude fundamental que caracteriza os crentes?”. E mesmo essa, dada a diversidade do grupo, seria difícil de responder de forma não caricatural. Eu pessoalmente tendo a responder que é o triunfo da intensa necessidade instintiva de que a vida faça sentido e tenha um propósito sobre a percepção racional de que ela não faz e não tem. Mas isso sou eu. E além disso o complemento não é verdade; muitos não crentes sucumbem à mesma necessidade instintiva, apenas projetam sua necessidade psicológica de serem cosmicamente relevantes em outros tipos de fantasias.
diante da complexidade do mundo, o crente pressente a existência de uma inteligência transcendental, ao passo que, para o ateu, esse pressentimento é um passo indevido, uma projeção de quem observa o mundo.
Até aí, concordo plenamente. “Pressentir” coisas sem ir lá testá-las não é base para um sistema de crenças sobre como o universo funciona. Mas até mesmo sobre isso não é claro para mim que haja concordância generalizada entre os ateus.
O crente, ao perceber algo mais vasto que sua própria inteligência, julga tratar-se da obra de outra inteligência; o ateu, ao perceber algo mais vasto que sua própria inteligência, julga que o domínio dessa vastidão virá com o tempo. Parece que as duas atitudes refletem duas posições a respeito de uma possível ciência universal.
Discordo absolutamente. Tanto pessoalmente, quanto que isso remotamente descreva a posição da massa dos ateus, que freqüentemente dizem algo nas linhas de “Eu não sei, desconfio que você também não sabe, e sei lá se algum dia saberemos.” Certamente não descreve a *minha* posição.
Aliás, achar que o “domínio dessa vastidão virá com o tempo” é uma posição que não só não é representativa dos ateus como nem ao menos está com sintonia com o sentimento atual da comunidade científica. Algumas das descobertas mais importantes do século 20 tiveram a ver com se determinar a impossibilidade de conhecer certas coisas. Note, não digo nem a impossibilidade prática; digo a impossibilidade mesmo. Isso foi um grande golpe para muitos cientistas que acreditavam que a ciência poderia um dia saber ou explicar tudo. O próprio Einstein por exemplo nunca ficou muito feliz com o indeterminismo embutido na mecânica quântica e sempre considerou que isso não poderia representar como o universo realmente funciona, e tinha que ser sim um artefato da nossa ignorância sobre a realidade. O entendimento moderno é que ele estava equivocado sobre isso. Existem vários outros exemplos de importantíssimos resultados científicos obtidos modernamente sobre os limites – mesmo em tese – do conhecimento humano.
De um lado, o crente pergunta ao ateu: “E quando ficar evidente que a ciência universal é impossível, você passará a crer?”
Curiosamente, nunca nenhum crente colocou essa questão para mim, e duvido que a maior parte dos crentes se identificaria com essa pergunta. Alem disso, o fato de que a ciência universal é impossível já ficou – ironicamente e para grande surpresa da maior parte dos cientistas – cientificamente claro ao longo do século 20. Em particular para mim, é perfeitamente evidente que a ciência universal é impossivel e eu sigo não vendo qualquer motivo para diante disso acreditar em deus. Além disso, eu acho que *se* por hipótese houvesse uma ciência universal e se ela deixasse claro que a vida não faz qualquer sentido (como na minha opinião a nossa ciência parcial já indica fortemente), isso só aumentaria a necessidade emocional de irracionalmente acreditar em algo que dê magicamente sentido à vida. Acreditar em deus não é um ato de razão, é uma forma capenga de lidar com o desconhecido e com a falta de sentido. Como, aliás, essa própria pergunta parece indicar de forma embaraçosamente reveladora.
E o ateu pergunta: “E se a ciência universal acontecer, você deixará de crer?”
Ora bolas, se a ciência universal fosse atingida, ela nos informaria se deus existe ou não. Colocar qualquer possibilidade que não seja “eu acreditaria no que ela dissesse” demonstra precisamente a diferença de atitude entre crentes e ateus. Ou pelo menos entre mim e as pessoas que acreditam em coisas com base nas suas necessidades emocionais e não no que tudo indica que seja verdade.
É um tanto irresistível observar que, dita assim, a posição atéia parece se basear não num prometeanismo voluntarista, mas num prometeanismo inevitável: a transcendência não será mais necessária porque conquistá-la é só uma questão de tempo.
Eu não vejo por que motivo a tal inatingível “ciência universal” tornaria a transcendência “desnecessária”; talvez logicamente desnecessária, mas isso ela já é. O fato de que não podemos conhecer certas coisas é algo para ser aceito, não para ser “consertado” com “transcendência”. E a – diga-se de passagem, legítima – necessidade de transcendência espiritual é primordialmente psicológica, não lógica ou racional. Mas buscá-la projetando suas necessidades emocionais na estrutura da realidade e não em sua interpretação e significado é uma acochambração equivocada. A maioria absoluta das pessoas quando se aventura a falar da origem do universo não está realmente preocupada com de onde o universo *de fato* veio, e sim com qual o sentido de suas vidas.
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http://breviario.org/relances/2009/07/22/a-diferenca-pela-semelhanca-como-converter-o-ateismo-em-uma-crenca/
Vem cá Sérgio, você só publica neste blog ultimamente em resposta a um texto do Pedro! Porque você não faz como no começo do Indivíduo e não publica textos sem qualquer relação com um texto prévio do Pedro?
Oi Rodrigo,
Excelente pergunta. :-D
Existem alguns motivos para isso, que foi acontecendo sem ser exatamente um plano :
1. Eu tenho uma coleção de assuntos sobre os quais quero escrever mas tempo insuficiente para escrever sobre todos eles. Aí o Pedro escreve algo que eu acho particularmente merecedor de uma resposta e aí isso acaba subindo para o topo da pilha.
2. A quantidade de ruído e atividade provenientes dos leitores chatólicos olavéticos do Pedro está atingindo níveis que afastam os leitores que querem debater seriamente os assuntos levantados pelo Pedro, ou que se interessam por outros assuntos. Quando existe realmente discordância, mesmo que seja articulada de uma forma tosca, vá lá. Mas chegou num ponto em que eu escrevo sobre praticamente qualquer coisa e um bando de loucos envia mecanicamente comentários dizendo “Oh, só um ateu farsante escreveria mesmo isso!” e paralelamente o meu filtro de spam mastiga uma batelada de mensagens anônimas com o conteúdo “Você é um pecador enviado pelo demônio! Arrependa-se enquanto é tempo!”. Isso tudo entulha o meio de campo e acaba tirando tempo e foco que poderia ser gasto com outros temas.
3. Diante dessas coisas e de várias outras, sim, de fato concordo com você! Inclusive estou considerando a possibilidade de postar coisas no oindividuo.org e não colocar link no oindividuo.com quando não for diretamente conectado com nada do que o Pedro tiver dito. Atualizem seus links e RSS feeds. :-)
Saudações,
Sergio
Excelente texto. Concordo com o Leandro quando pede mais textos não pautados pelo Pedro. Mas não acho que as duas opções (outros textos/esses textos) tenham de ser necessariamente mutuamente excludentes. :)
Oi Roger,
Com certeza, não são mutuamente excludentes! :-)
Apenas ocorreu de um deles acabar virando o único tipo que eu tenho escrito recentemente, algo que eu mesmo não acho muito bom. :-) Mas com certeza, não precisa ser oito ou oitenta.
Saudações,
Sergio
Algumas questões: 1°) falha minha, mas só depois que mandei minha mensagem é que percebi que há o “individuo.com” e o “individuo.org”. Porque a diferença?
2°) você crítica generalizações, mas você também está generalizando e fazendo caricatura dos católicos com esse seu “chatólicos olavéticos”! É aquele velho preconceito de muitos ateus que se acham superiores aos crentes em Deus, católicos ou não, como se estes não primassem pela razão!
Oi Rodrigo,
1) Motivos complexos para haver dois sites. O Pedro e eu fundamos O Indivíduo juntos há mais de 10 anos atrás (e na época, com o Álvaro junto com a gente). Originalmente fui eu que comprei o domíno oindividuo.com e levei O Indivíduo para a internet. Por anos após isso foi o Álvaro quem administrou o site. Em anos recentes, porém, o Pedro tem sido o administrador, e o maior responsável por manter O Indivíduo vivo e ativo. Porém, eu nunca deixei de escrever e de estar presente, e de uns dois anos para cá tenho escrito bem mais. Só que ao longo do tempo Pedro e eu fomos desde então desenvolvendo, como colocar, estilos cada vez mais divergentes. Exemplo padrão : ele detesta comentários, eu acho comentários essenciais. :-) Então chegou num ponto em que as diferenças estavam começando a ficar no caminho, e estávamos ficando ambos de saco cheio de não fazermos cada um as coisas exatamente como queríamos. Diante disso, como o Pedro já estava mesmo cuidando da hospedagem e da parte técnica do oindividuo.com, eu achei por bem colocar no ar oindividuo.org e administrar eu mesmo a publicação dos meus posts. Essa é a história em resumo, pulando as partes impróprias. :-)
2) Ora, exatamente para evitar generalizações estou usando o termo chatólicos olavéticos. :-) Nem todos os católicos são chatólicos, e nem todos os chatólicos são olavéticos. :-) (Porém eu tendo a achar que todos os olavéticos são chatólicos, quem tiver opinião sobre isso diga lá. :-D ) Em resumo, muito não são todas as pessoas católicas que agem como as que eu descrevi.
3) Sobre quem “prima pela razão” ser superior, bem, isso é complexo, e eu concordo que essa é uma posição que muitos ateus pretendem (a meu ver equivocadamente) defender. Eu até acho que não acreditar na existência de deus é mais racional, mas isso muito não dá conta do problema, pois que (a meu ver claramente) a razão não é suficiente para dar conta de coisas fundamentais na experiência humana. Então embora eu ache claro que não acreditar em deus seja mais racional, eu não tenho uma resposta óbvia para quem diz “e daí ?”. :-D O que não quer dizer também que eu não tenha resposta nenhuma – mas eu concordo que o problema é mais complexo do que “quem é mais racional”.
Saudacões,
Sergio
A resposta do item 3 é algo que te diferencia de boa parte dos Ateístas engajados. Como um católico tardio, o fato de não pensar que a razão seja uma ferramenta suficiente (em cientifiquês: é condição necessária mas insuficiente) para dar resposta a questões fundamentais da vida foi o que me fez largar o ateísmo.
Pois é, eu de fato não me identifico com essa posição miopicamente racionalista assumida por uma boa parte dos ateus militantes. Agora, eu *também* não acredito que o abandono da razão seja uma solução, ou mesmo desejável. Mas não existem apenas essas duas opções, e acho que é uma falsificação achar que todo defensor de idéias religiosas seja um campeão da irracionalidade, assim como acho um enorme erro autocolocar a posição atéia como efeito colateral automático de “ser racional”. Pessoalmente, minha maior crítica à religião institucionalizada não é sua irracionalidade suposta ou real e sim sua empiricamente e historicamente universal tendência à intolerância, que a meu ver decorre quase inevitavelmente da posição de buscar resolver o desconforto do desconhecido através da adoção voluntária de dogmas.
Saudacões,
Sergio
1) Papai Noel irrelevante? Primeiro, é relevante, e existe na medida em que milhares de pessoas encarnam Papai Noel no fim do ano. Ele pelo menos existe como modelo a ser seguido. Segundo, existiu sim, chamava-se São Nicolau.
2) Percepção natural da falta de sentido não existe absolutamente. Existem experiências que depois você interpreta como indicadoras da falta de sentido. Falta de sentido você não percebe
3) Tradição e autoridade são inevitáveis. Existe uma tradição do ateísmo militante, além de uma tradição científica. Os ateus militantes de hoje em dia não deixam de dar mais autoridade às interpretações que Dawkins, Dennett, etc fazem do que é religião e do que acreditar do que a outros.
4) A atitude em relação a Papai Noel é sugestiva. Parece que você dá uma passada de olhos rápida e desatenta e prefere declarar “não existe, não faz sentido”, e escolher falar dos que acreditam, afetar superioridade e julgar os vários crentes, em vez de buscar o que está por trás dessas experiências. Eu, particularmente, prefiro tentar a última opção.
Filosoficamente? Cosmologicamente? Cientificamente? Sim, totalmente irrelevante.
Como fenômeno social e cultural é claro que ele é relevante. Mas isso foi precisamente o que eu disse sobre deus. Ele se torna relevante apenas pelo fato de tantos acreditarem nele e em torno disso construírem todo tipo de instituições, ideologias e sistemas de crenças.
Agora, dizer diante disso que ele “existe” evidentemente não pode ser levado a sério. A idéia de Papai Noel certamente existe. O Papai Noel não. Não confundamos coisas com idéias. As coisas não passam a existir só porque as concebemos, não interessa com quanta intensidade emocional o façamos. Uma idéia não se torna verdadeira só por ser popular.
Você não pode estar seriamente defendendo que São Nicolau voava por aí num trenó puxado por renas e colocando presentes em chaminés. É abundamentemente óbvio que é isso que eu estou dizendo que não existe, não que São Nicolau não existiu.
É óbvio que não se pode perceber diretamente a falta de sentido; ela é percebida pela sua ausência. Mas na falta de evidências convincentes de que haja um sentido, é perfeitamente razoável concluir que não haja, assim como é perfeitamente razoável concluir que não há um tigre invisível me seguindo a todos os lugares que vou, embora isso também não possa ser “percebido” diretamente.
Simetricamente, eu também não posso “perceber naturalmente” que átomos existam ou que ocorra fusão nuclear no interior do sol, e no entanto existem ótimos motivos para aceitar que isso seja verdade. Alias, diria eu, *não* aceitar isso sem dispor de excelentes argumentos é que é muito pouco razoável.
Eu não estou numa cruzada cega e infantil contra “qualquer” tradição e contra “qualquer” autoridade. Eu acho que a polícia deve ter mesmo o poder de prender bandidos, e acho que se você quiser ir à missa no domingo deve ser deixado em paz para fazê-lo. Agora, eu também defendo que existem limites além dos quais eu não reconheço a autoridade da sociedade de interferir na vida pessoal de cada um, e a religião em geral parece ter sérios problemas com esses limites.
Evidentemente existem pessoas seguindo cegamente Dawkins assim como existem pessoas seguindo cegamente o reverendo Moon. A diferença é que o reverendo Moon *incentiva* que as pessoas o façam, enquanto que Dawkins critica explicitamente isso e incentiva exatamente o oposto. E eu certamente não estou defendendo que nenhum ateu siga a ortodoxia Dawkiniana. Estou defendo que cada um pense por si mesmo. Algo que a religião em geral explicitamente combate.
É irônico você dizer isso comentando um artigo no qual eu precisamente discuto o que esta por trás dessas experiências ao invés de ficar argumentando sobre se deus existe ou não.
Obrigado pela resposta! Concordo que o problema é mais complexo do que “quem é mais racional” , mas na minha opinião acreditar em Deus é mais racional!
Oi Rodrigo,
Como você pensam muitos outros. :-) A divergência de opinião é saudável. Ruim é a intolerância ao desvio da ortodoxia.
Aliás, esse é o maior problema que eu tenho com as grandes religiões organizadas, e não qualquer argumento sobre não ser racional.
Saudações,
Sergio
Lembro bem do individuo.com original. Lia com bastante atenção, mormente, os escritos
de Marcelo Tostes, que, aliás, adoraria saber por onde ele anda.
Engraçado você falar em olavéticos (eu mesmo sou um, mas sem achar que sou um chato). Sempre achei que todos do individuo.com original eram ex-alunos do filósofo, inclusive você.
Sabe Sérgio, sou um protocatólico. Acredite, deixei de ser ateu, por conta de uma série de – como dizes, “revelações” – que não cabem aqui detalhar. Escolhi o catolicismo por convicções de ordem moral, e trato, no entanto, essa escolha como algo bem individual.
Lendo seus escritos e lendo os de Pedro, eu me convenço cada vez mais que esse debate é um poço sem fundo. Vi algo parecido na minha gradução, quando debatiam a relação macro/micro na ação humana. Responda, depois de tanto tempo, não dá vontade de “guardar as armas” e esquecer?
Oi Manoel,
Pois é, o oindividuo.com original, nos anos em que era administrado pelo Álvaro, tinha formato e estilo bem diversos do atual!
Ainda é possível ter uma idéia de como era visitando os arquivos importados pelo Pedro. Estão capengas, com figuras faltando, e outros detalhes que naturalmente foram ficando desfigurados ao longo dos anos. Mas isso é esperado, afinal os arquivos antigos são o backup do backup do backup de algo que já passeou por servidores ao redor do mundo e que foi criado primordialmente pelo Álvaro e não pelo Pedro numa época em que tudo era não só feito manualmente como sem qualquer indexação. :-) Aliás, inclusive por isso, ver os arquivos continua sendo uma experiência bem diferente de experimentar como funcionava à época… Para quem não viveu em primeira mão, isso data de quando o conceito de “blog” nem sequer existia ainda. Era tudo completamente artesanal; cada página era feita à mão, ao contrário de hoje, em que o que aparece para o leitor é gerado de forma uniforme a padronizada a partir de uma base de dados.
Sobre olavéticos, não, eu nunca fui aluno do Olavo. Tive contato direto e indireto com ele de diversas formas, mas nunca na posição de aluno. Infelizmente existe uma tendência dos apreciadores dos escritos do Olavo a se tornarem fãs acríticos de qualquer coisa que ele diga. Se e quando isso acontece, eu diria que surgiu um olavético.
Da mesma forma que quando se dá a transição de alguém que segue uma tradição religiosa em sua vida pessoal por motivos de ordem emocional e social para alguém que transforma isso numa ideologia com valor de verdade, temos aí um católico que se transformou num chatólico. A religião pode cumprir uma função psicológica relevante na mente de muitas pessoas, mas levá-la a sério demais como descritiva de como o mundo concretamente funciona leva a todo o tipo de bobagens.
Sobre “guardar as armas”, bem, o problema é que muitos religiosos ativamente buscam controlar o que é permissível e socialmente aceito hoje com base em suas delirantes interpretações de escritos mitológicos da idade do bronze. Se *eles* querem fazer felizes da vida isso em suas vidas pessoais, boa sorte, mas quando existe a pretensão de transformar isso em regra para todos, ou de aterrorizar a maior quantidade de pessoas possível a histericamente fazerem o mesmo com grande custo de sofrimento e intolerância, aí realmente isso me incomoda muito e ficar sentado passivamente assistindo não me agrada nem um pouco. Religião é disparadamente uma das maiores causas de infelicidade e opressão no mundo.
Saudações,
Sergio
Prezado Sérgio,
Você já ouviu falar ou leu alguma coisa de um pensador calvinista sino-americano chamado Vincent Cheung? Ele tem sido divulgado aqui no Brasil pelo pessoal do monergismo.com e a meu ver apresenta alguns temas interessantes para reflexão. Permita-me sugerir duas leituras dele: Questões Últimas (pode ser acessado aqui http://www.monergismo.com/textos/livros/questoes_ultimas_livro_cheung.pdf) e Confrontações Pressuposicionalistas (pode ser acessado aqui http://www.monergismo.com/textos/livros/confrontacoes_press_cheung.pdf ). Foram escritos no intuito de oferecer subsídios intelectuais aos crentes mas acho que os ateus também podem aproveitar. Felicidades!
Oi Edmund,
Não tinha ouvido falar não!
Saudações,
Sergio
Sérgio,
Eu só conhecia a página do Pedro. Foi muito bom encontrar este contraponto pois tenho aprendido bastante aqui também. Por favor, mantenha esta página. Obrigado e felicidades!
Oi Edmund,
Agradeço o comentário!
Eu queria era ter mais tempo para escrever. :-)
Saudações,
Sergio
O link para Questões Últimas não ficou legal… Permita-me postá-lo novamente: http://www.monergismo.com/textos/livros/questoes_ultimas_livro_cheung.pdf . Acho que agora vai. Um abraço!
Uai, meu comentário foi censurado mesmo? Você pode dizer que acha mais racional não acreditar em Deus! Porém, quando eu digo que acho mais racional acreditar em Deus você não publica o meu comentário! É mais honesto o Pedro que detesta os comentários! Afinal você só publica quem pensa como você!
Oi Rodrigo,
Er, não, seu comentário não foi censurado.
Não que eu tenha qualquer problema em não publicar comentários absurdos além de um certo limite, mas não era o caso do seu.
Porém eu nem sempre tenho tempo para olhar e/ou responder a todos os comentários no exato momento em que chegam. Escrever aqui é não é a única coisa na minha lista de atividades. :-)
Em resumo, sugiro não concluir tão rapidamente que você foi “censurado”. Existem vários motivos não ideológicos para um comentário não ser publicado, ou para não ser publicado imediatamente.
Aliás, esse tipo de reacão é precisamente um dos motivos porque o Pedro detesta abrir para comentários. :-)
Finalmente, observo que dizer que eu só publico comentários de quem concorda comigo é superlativamente indefensável após um exame superficial que seja dos comentários que eu regularmente publico.
Saudações,
Sergio
Bom, errar é humano e perdoar é cristão! Como meu comentário demorou a ser publicado e o do Fernando Carneiro chegou a ser publicado após o meu comentário, eu pensei que tinha sido censurado! Mas deixo aqui registrado o meu público de desculpas!
Rodrigo,
Bem, cristianismo à parte, concordo que nem tudo que se percebe como erro deve ser tratado com a intolerância implacável da ira dos justos. Aliás, a maioria não deve. :-)
Enfim, nem sempre eu publico os comentários na ordem em que chegam, e dada a quantidade de comentários, nem sempre tenho oportunidade de examinar em tempo hábil mesmo os que eu em princípio gostaria de não só publicar como responder… :-)
Saudações,
Sergio
Há cientistas ateus (Max Tegmark e Leonard Susskind são os nomes que lembro agora) que propõem que nossa realidade é apenas uma entre infinitas (ou praticamente infinitas) realidades formando um Multiverso ou Landscape de todas as possibilidades lógicas (exceto, claro, a possibilidade de Deus existir). Se todas as realidades logicamente possíveis existem, então numa delas Papai Noel é real, voa num trenó e entrega presentes no mundo inteiro em uma noite. Em outra realidade, o coelhinho da Páscoa, o monstro de espaguete voador e o dragão invisível na garagem (copyright Carl Sagan, O Mundo Assombrado pelos Demônios) devem ser reais.
“You hard-shelled materialists were all balanced on the very edge of belief – of belief in almost anything.” (“The Miracle of Moon Crescent”, G. K. Chesterton)
Peraí, você está dizendo que Papai Noel é “logicamente possível”. Isso é uma afirmação e tanto. Não há como conceber Papai Noel com as propriedades usualmente atribuídas a ele de nenhuma forma que não viole dúzias de leis físicas e de lógica. No mínimo um universo no qual Papai Noel existisse teria que ser radicalmente diferente deste. Não é “logicamente possível” simplesmente inserir Papai Noel num universo como o nosso.
Seria diferente você dizer “Oh, em alguma realidade existe um planeta igual à Terra mas no qual não o comunismo soviético não colapsou”. Isso apenas não aconteceu, mas não viola qualquer lei da lógica ou da física. Agora, dizer algo como “existe alguma realidade na qual 2 e 2 são 5″ nem sequer faz sentido.
Agora, mesmo que aceitássemos acriticamente o seu argumento, estamos naturalmente falando DESTA realidade, não de outras inacessíveis. Numa realidade na qual Papai Noel de fato existisse, haveria evidências e conseqüências disso, que absolutamente não são registradas no universo em presentemente que nos encontramos.
Saudações,
Sergio
Caro Sérgio,
Concordo que a existência de Papai Noel nesta realidade, com as leis físicas conhecidas, é algo extremamente improvável (e, definitivamente, ele não existe em nosso planeta). Mas não há nada que fira a lógica na proposição “existe Papai Noel”. Gostaria que vc me demonstrasse, usando apenas a lógica, sem considerações de leis físicas válidas em nosso mundo, mas tendo em vista que todas as leis físicas imagináveis e logicamente consistentes são realizadas em realidades paralelas à nossa, que a existência de Papai Noel é uma contradição, como dizer que 2+2=5. Veja, multilocação, mover-se mais rápido que a luz, violar a conservação da energia, a lei da inércia, etc. são limites físicos, não limites lógicos.
Caro Ewerton,
As contradições lógicas surgem naturalmente a partir do momento em que Papai Noel é um personagem mitológico e não uma tentativa científica de descrever um fenômeno com possibilidade concreta de ser real. Então veja, qualidades completamente contraditórias e logicamente inconciliáveis são agrupadas e associadas ao mesmo personagem, tornando-o irrealizável não apenas na prática, mas mesmo em teoria. É fácil referir-se à afirmação “existe Papai Noel” como se houvesse uma definição precisa do que se está falando. Mas a verdade é que essa definição nem sequer existe; existem fragmentos mitológicos confusos, incompletos e por vezes autocontraditórios de propriedades que algo deveria ter para poder ser chamado de Papai Noel, e que não podem ser todos simultaneamente atendidos, nem em teoria. Então o problema de estarmos falando de algo inconsistente precede a sua improbabilidade ou o fato de que teríamos que mudar todas as leis da física para torná-lo possível; nem sequer existe uma definição coerente satisfatível do que algo precisaria ser para podermos afirmar “ok, aqui está Papai Noel”. Então para começar precisamos definir melhor do que estamos falando.
Mas digamos que então tentemos restringir a uma versão específica e bastante restrita do mito e digamos algo como por exemplo “Tá, ok, vamos dizer que Papai Noel é um velhinho humano que voa num trenó e distribui presentes para todas as crianças do mundo na noite de natal.” e ficar por aí. Deixemos pra lá como ele se veste, qual a sua origem, onde ele mora, etc. Ora, o que estamos dizendo aqui já envolve diversas impossibilidades físicas segundo o nosso conhecimento de como o universo funciona. Então é um dado (com o qual você concorda) que teríamos que alterá-las de tal forma para acomodar Papai Noel que daí já se torna extremamente improvável (mesmo teoricamente) que ele exista neste universo. Isso sem falar que adicionalmente não há qualquer evidência concreta a favor. Então neste universo, nada feito. Ou seja, teríamos que necessariamente pensar um conjunto diferente de leis da física.
Agora, note, não estamos realmente falando de “todas as leis físicas imagináveis e logicamente consistentes”. Estamos falando de todas as leis físicas que além disso *também* acomodem a impressão que temos da realidade como a conhecemos. Senão não vale! Que expliquem não só Papei Noel mas também todo o resto, a existência de seres humanos, e que expliquem o que estamos fazendo de errado para não sermos todos capazes de voar por aí num trenó. Isso *talvez* seja logicamente impossível. Talvez não dê para conciliar mesmo essa descrição genérica de Papai Noel com todo o resto. Mesmo tentando à força criar leis ad hoc dizendo “exceto o Papai Noel”, isso pode ser impossível de fechar logicamente.
Note, não confundamos aqui nomes com coisas. Não vale dizer “oh, se chamarmos uma bola de golfe de Papai Noel então Papai Noel existe”. Estamos falando de algo com certas propriedades em relação com o resto do mundo. Se mudarmos as leis da física de forma que seja possivel viajar à velocidade de luz, e fizermos isso para conceber um outro universo no qual o que chamamos de Papai Noel *neste* universo seja possível *naquele*, então muito possivelmente ele não seria Papai Noel *naquele* universo, dado que aquele universo seria completamente diferente diante de uma torrente de efeitos colaterais e, por exemplo, talvez qualquer um pudesse sair por aí voando de trenó na noite de natal. Seria preciso conceber um universo no qual o resto fosse consistente com o que observamos neste para a comparaçao fazer sentido. E então especular que leis da física poderiam explicar isso e Papai Noel ao mesmo tempo. Mas espere, isso é o que a ciência já faz!
Mas ok, suponhamos que seja possivel conceber um conjunto de leis físicas suficientemente consistente com o universo como o observamos para que seja verossímil que representem as leis do nosso universo e que ao mesmo tempo admitam a existência de Papai Noel. Mesmo assim, não é verdadeiro o argumento de que existirem “infinitas realidades” implicaria em que sequer todas as realidades logicamente possíveis seriam de fato realizadas. Mesmo que estivéssemos falando de algo trivial que não apresentasse qualquer dificuldade lógica e não violasse qualquer lei da física no nosso universo como “em algum momento houve em algum lugar no universo um cubo de plutônio com um quilômetro de lado com precisão de um milímetro”, não há qualquer obrigatoriedade lógica de que, mesmo havendo infinitas realidades, isso ocorresse de fato em alguma delas. Aliás, continuaria sendo extremamente improvável, MESMO considerando um número infinito de universos infinitos. O infinito é um conceito mais sutil do que possa parecer a princípio. É perfeitamente possível, e na verdade fácil, construir conjuntos infinitos nos quais nunca se observa nenhuma instância de objeto com determinadas propriedades.
Em resumo, dado o mito confuso e incongruente de Papai Noel como existe, não dá pra realizar todos os seus aspectos sem contradições. Mas mesmo que nos ativermos a uma versão logicamente consistente do mito, continua parecendo para mim *extremamemente* (as in : not gonna happen) improvável que qualquer universo, com quaisquer leis físicas imagináveis, que ao mesmo tempo seja também consistente com o que observamos sobre este universo, admita a existência de qualquer realização suficientemente próxima de algo reconhecível como Papai Noel.
Adicionalmente eu acho ridículo e danoso dizer a crianças que Papai Noel existe, mas isso é outra história. :-)
Saudações,
Sergio
Caro Sérgio,
Você está corretíssimo ao afirmar que é necessário, antes de tudo, definir o que é “Papai Noel”. De fato, existem diversas versões contraditórias do que seja “Papai Noel”, ou seja, histórias distintas, propriedades distintas, e incompatíveis, que se amalgamaram em diferentes culturas. Se queremos ser consistentes, precisamos de uma definição que exclua todas as contradições, ou de múltiplas definições distintas e não-contraditórias. A versão (ou versões) não-contraditórias podem, então, existir em algum dos infinitos Universos que realizam todas as possibilidades lógicas de existência.
Por exemplo, o Papai Noel pode ser, numa definição autoconsistente, um indivíduo humano, em um planeta habitado por seres humanos, que na noite de Natal entrega presentes a todas as crianças do globo. Existe, do ponto de vista lógico, um Universo capaz de reproduzir tal ente? Eu digo que é possível. E provo.
Consideremos que em um Universo exista um supercomputador capaz de efetuar um número de 10^10^10^10^10^10 operações por segundo e com 10^10^10^10^10^10 bytes de memória. Tal supercomputador possui poder computacional suficiente para simular o nosso Universo (e muitos outros). Suponhamos que o programador deste supercomputador decida emular o nosso Universo com todos os detalhes: leis físicas, etc., exceto por um único indivíduo de uma espécie em tudo semelhante à nossa, ao qual este programador confere “poderes” extraordinários, ou seja, a capacidade de fazer aquilo que Papai Noel, conforme definido anteriormente, faz. Existe alguma falha lógica neste argumento?
Você diz que uma série infinita não implica na realização de todas as possibilidades, e é verdade. Mas estamos definindo aqui a série infinita como sendo o conjunto de todas as realidades concebíveis logicamente consistentes. Você precisa mostrar que, dada a definição desta série, é impossível que exista Papai Noel (como defini acima) nela, ou seja, que “Papai Noel” é uma antinomia. O infinito aqui é dos mais vastos…
Ewerton,
Ok, quanto à questão de que é preciso definir melhor Papai Noel para eliminar inconsistências lógicas intrínsecas, já concordamos.
Quanto ao argumento que você dá em seguida, existem, sim falhas nele. Vou me concentrar em uma em particular : você está supondo que seria uma “realidade concebível” um universo no qual existessem leis ad hoc referentes ao Papai Noel. Mas quando os físicos imaginam que possa haver uma infinidade de realidades paralelas, continuam sendo dentro de um arcabouço teórico mais amplo na qual nao existe espaço para situações desse tipo.
Mas tudo bem, esqueçamos os físicos e pensemos sem preconceitos. Pensemos em todos os universos logicamente possíveis, esquecendo o que a física especula que sejam universos razoáveis. Bem, *nesse* caso, se vamos aceitar leis ad hoc como uma “realidade concebível”, então axiomaticamente, por definição, é claro que num tal universo Papai Noel seria possível. Mas aí não vale, isso é completamente tautológico. É equivalente a dizer (embora de uma forma um pouco mais convoluta) “num universo no qual o Papai Noel é possivel, ele é possível”. Sempre podemos provar qualquer coisa se estivermos dispostos a transformá-la em axioma. Mas isso dificilmente é um argumento suficiente a favor de que uma afirmação seja verdadeira considerando apenas o que já sabemos.
Então seria preciso primeiro definir melhor o que estamos dispostos a aceitar como “universos concebíveis”. Se estamos dispostos a aceitar como “universo concebível” um universo deus ex machina no qual “todas as leis são iguais às deste, com a exceção de que existe uma entidade chamada Papai Noel à qual as regras não se aplicam”, então é claro que nesse universo o Papai Noel pode existir sem problemas lógicos. Mas bolas, isso para mim não é exatamente um “universo concebível” no sentido científico. Certamente é concebível logicamente, mas não me parece que tenha nada a ver com o que os físicos têm a dizer sobre múltiplas realidades, que é como essa questão foi introduzida.
O infinito de possibilidades que os físicos cogitam continua não abrangendo qualquer coisa logicamente concebível, aliás, muito longe disso. Então quando começamos a falar de *todas* as coisas logicamente concebíveis, não estamos mais falando de física, e sim de metafísica. O que não é um problema, mas se for este o caso, não me parece uma proposição particularmente elucidativa ou interessante afirmar que “se propusermos um universo no qual por axioma X é possível, então X é possível”. Certo, isso é verdade. Mas e daí? Bem mais interessante ou relevante seria especular sobre uma definição de Papai Noel que não exigisse que sua existência fosse promulgada por decreto, em todo o resto à sua volta funcionando da forma como observamos. Só que o conceito de Papai Noel é tão transbordantemente absurdo e incompatível com tudo o que sabemos que isso não me parece possível.
Em resumo, se a questão for “Ah, alguns físicos cogitam um infinito de realidades paralelas, seria então verossímil imaginar que Papai Noel possa existir em alguma delas?”, para mim a resposta é que não.
E se a questão for “Bem, nesse caso, é possível conceber logicamente um universo exatamente igual ao nosso mas no qual exista uma entidade às quais as leis da física que se aplicam a todo o resto não se estendam a ela e que tenha propriedades que atendam a uma definição reconhecível de Papai Noel?” Nesse caso, a resposta é sim, mas note que isso se aplicaria trivialmente a qualquer coisa que não fosse logicamente autocontraditória, e portanto não diz absolutamente nada sobre Papai Noel.
Saudações,
Sergio
http://cartesianofinito.blogspot.com/2009/09/ateismo-para-principiantes.html
“Você não pode estar seriamente defendendo que São Nicolau voava por aí num trenó puxado por renas e colocando presentes em chaminés. É abundamentemente óbvio que é isso que eu estou dizendo que não existe, não que São Nicolau não existiu.”
Não, não disse que São Nicolau voava em trenós, mas consta que ele distribuia dinheiro a necessitados por suas chaminés. Nem toda característica do mito é falsa, e nem toda é verdadeira. Não foi isso que eu disse. Mas, como ocorre com Deus, algumas ações que não são dele são atribuidas a ele, e algumas que são realmente dele são atribuídas a ele. Cabe procurar saber quais.
“É óbvio que não se pode perceber diretamente a falta de sentido; ela é percebida pela sua ausência. Mas na falta de evidências convincentes de que haja um sentido, é perfeitamente razoável concluir que não haja, assim como é perfeitamente razoável concluir que não há um tigre invisível me seguindo a todos os lugares que vou, embora isso também não possa ser “percebido” diretamente.”
Não se percebe nem a presença de sentido nem a falta de sentido. Esse era o meu ponto. Eu acho que o problema com o ateísmo é o que ocorre com São Nicolau. Suponha um crime. O ateu diria que é melhor não fazer nada, não investigar, porque não dá para ter certeza, nem de que foi um crime. Realmente, não dá. Mas outro resolve investigar, chega a suspeitos, e arruma uma confissão. Nem a confissão dá certeza, o sujeito pode estar protegendo alguem, ou querendo se gabar de ter matado alguem. Aí temos a incerteza de um corroborada por acontecimentos subsequentes, e o ateu diz “como não podemos ter certeza absoluta, é razoável acreditar que não houve crime, foi um acidente”. O ateu troca o engano possível, ou provável, pelo engano real de que não houve nada. O crente não tem uma experiencia do sentido. Ele tem várias experiências que ele considera que não podem se reduzir à ação do acaso ou qualquer outra coisa.
“Agora, eu também defendo que existem limites além dos quais eu não reconheço a autoridade da sociedade de interferir na vida pessoal de cada um, e a religião em geral parece ter sérios problemas com esses limites.”
Quando Dawkins e outros se dizem contra a autoridade dos pais de ensinar sua religião a seus filhos, em uma época em que o Estado cada vez mais interfere na vida das pessoas, o problema é a religião?
Eu sei que não pode ter sido isso que você disse (que São Nicolau concretamente voava em trenós). Porém, é isso que eu estou dizendo que é falso : as características absurdas do mito. Não estou dizendo que São Nicolau não existiu e sim, só para começar, que ele não existe mais.
E eu neguei isso quando? Isto é, que algo não precisa necessariamente ser 100% verdadeiro ou 100% falso? É claro que pode. Agora, isso não quer dizer que não existam afirmações essencialmente falsas como “O Pelé é presidente do Brasil.” Argumentar coisas como “Ah, mas ele de fato é brasileiro!” tornando a afirmação mais verossímil do que “O Pato Donald é presidente do Brasil.” não elimina o fato de que a afirmação é essencialmente falsa.
Isso não descreve o comportamento de um ateu genérico nem mesmo de forma caricatural. Para começar, como eu já observei diversas vezes, é falacioso falar em “os ateus” como se houvesse algum tipo de unidade ideológica ou de pensamento metafísico entre eles. Aliás, esse era um dos pontos principais do meu texto. Mas falando em termos de números isso não tem absolutamente nenhuma relação com o que uma grande parte dos ateus pensa; aliás em geral está mais para o contrário, pelo menos para os ateus mais cientificistas, que tendem a acreditar que não devemos ignorar evidências concretas apenas para favorecer motivações emocionais e/ou expectativas preexistentes.
Falando por mim, que de fato sou ateu, o que eu fiz no caso de São Nicolau, como no de deus e no de outros sistemas mitológicos de crenças inacreditáveis, foi sim, “investigar o crime” e não encontrar absolutamente qualquer evidência de que ele tenha ocorrido como descrito. A denúncia de crime foi levada 100% a sério, mas ao se buscar provas ou mesmo uma descrição coerente do crime, nada foi encontrado. Então não se trata de duvidar da veracidade de qualquer coisa independentemente das evidências, e sim precisamente o oposto, de acreditar nas coisas proporcionalmente às evidências.
O crente é que troca o desconforto da incerteza diante do desconhecido e da verdade apenas parcialmente cogniscível mas real pelo conforto do “conhecimento” de “verdades” absolutas para as quais não há qualquer fundamento sólido.
A realidade não é determinada pelo que queremos que seja verdade, ou pelo que nos deixa confortáveis. As experiências “não podem” se reduzir à ação do acaso apenas porque isso nos incomoda. Não há nenhum problema lógico com seqüências de eventos se reduzirem à ação do acaso. Pessoas morrem todos os dias por puro azar, sem que isso envolva qualquer significado transcendente. Claro, acreditar que sua vida tem um “sentido” externo a ele talvez deixe o crente mais feliz, mas isso não quer dizer que ele esteja certo quanto à realidade das coisas.
Repito o que já disse diversas vezes : o ateísmo, ao contrário por exemplo do catolicismo, é uma posição assumida uma grande fração das vezes individualmente, sem referência a dogmas, figuras de autoridade, ou sistemas ideológicos externos.
Ou seja, eu não sou “seguidor” ou apóstolo de Richard Dawkins ou de qualquer outro ateu famoso, e não me sinto nem remotamente obrigado a concordar ou a defender qualquer coisa que ele tenha dito.
Agora, sobre os pais abusarem da sua autoridade para ensinarem coisas absurdas, neuróticas e nocivas sobre como o universo funciona, eu de fato concordo com Dawkins que isso é revoltante. PORÉM, eu discordo de Dawkins sobre que isso deveria ser proibido. Se não forem os pais a determinaram a que idéias crianças serão expostas, será quem? O governo? Comitês? O diretor da escola? Não, ninguém tem autoridade moral maior do que os próprios pais para cumprir essa tarefa, e mesmo que desaprovemos como alguns a cumprem, não cabe a nós invervir senão em casos escandalosamente extremos, e eu não acho que isso qualifique, por mais que me incomode. Da mesma forma, eu também sou contra a politica advogada (e em alguns casos efetivada) em certos países europeus de se proibir o uso da burca. Eu acho isso tão equivocado quanto obrigar o seu uso.
Eu concordo com Dawkins que religião faz mal às pessoas, mas não acho que seja razoável querer então ditar aos pais que idéias podem ensinar a seus filhos e como, ou proibir práticas religiosas. Da mesma forma, eu acho que comunismo é uma idéia absurda, mas sou completamente contra torná-la ilegal, ou querer proibir que pais ensinem a seus filhos que devem ser comunistas.
Então, em resumo, eu de fato não concordo com Dawkins quanto a isso, por mais que eu fique extremamente desconfotável em ver crianças sendo ensinadas a adorarem figuras mitológicas como se fossem reais e a adotarem como uma das bases sagradas de seu sistema de referência ética e intelectual uma coletânea caótica de folclore com origens que alcançam a idade do bronze.
Naoli &Nemlerei
Mas… tenho pena de você. Ateísmo é muito irracional.
[]‘s
Para alguém que anuncia com maiúsculas “Não li e Nem lerei”, ou seja, que anuncia que está colocando as mãos nos ouvidos e gritando “la la la la”, você me parece incongruentemente preocupado com racionalidade. Ninguém tem qualquer obrigação de ler nada do que eu escrevo, naturalmente, mas dizer que não vai ler mas mesmo assim ter uma opinião é anunciar embaraçosamente sua própria opinião preferencial pelo preconceito desinformado.
Se você tem pena sem nem ter lido, eu tenho centenas de vezes mais pena de você, pois que eu de fato li e conheço detalhadamente a doutrina cristã. Aliás, com certeza mais do que a maior parte dos “cristãos”. E esta sim, é *completamente* irracional. Novamente, não que este seja seu grande ou maior problema.
[...] religião Reparemos neste conjunto de proposições que respiguei aqui e que dizem respeito a este outro artigo: Eu não acreditar em deus é uma posição circunstancial, não metodológica ou a priori. Caso [...]
Aqui vai um link para um texto respondendo ao meu texto original : http://espectivas.wordpress.com/2009/10/19/o-empirismo-ateista-na-corda-bamba/
Texto aliás fraco e confuso que fala em coisas como “filosofia quântica”.
O “argumento” de abertura do texto é falar que
Ora, o fato de que o universo é misterioso ou “milagroso” não é nem de longe evidência de que isso seja causado por um “deus”, muito menos por algum deus específico segundo descrito por alguma religião. Isso é um total non sequitur, e dizer em geral que porque acontecem coisas que não compreendemos “então deus existe”, isso sim é intelectualmente embaraçoso.
Não é verdade. “Evidências” de que algo seja verdade não precisam ser medições num laboratório. Podem ser provas abstratas ou argumentos metafísicos. Mas na falta de tanto evidências “sensíveis” quanto de suporte lógico, realmente se torna exclusivamente uma questão de fé – ou seja, de acreditar porque emocionalmente se quer que algo seja verdade e não porque haja qualquer motivo objetivo para isso. O que é humano e diria eu posivelmente até necessário em algumas circunstâncias, mas não venham me dizer que é uma posição racional.
Isso é uma afirmação absurda tanto sobre mecânica quântica como sobre o que eu escrevi. Em primeiro lugar, a mecânica quântica não refuta o determinismo *lógico*. Em segundo lugar, o indeterminismo no mundo físico não implica em qualquer explicação mística, não mais do que a física clássica. E eu mesmo neste texto e em outros discuto e sublinho abertamente a questão do indeterminismo físico.
O cientista, ateu ou não, ao fazer ciência “crê” com base tanto em argumentos lógicos como em observações. Mas não com base em tradição, autoridade, revelação ou desejos emocionais de eternidade ou relevância cósmica. Esse é a diferença entre ciência e misticismo obscurantista. Agora, apresentar a importância da observação da realidade como significando que um cientista deve se basear apenas “em seus sentidos” e no que pode experimentar diretamente é ridículo e falso. Assim com é dizer que a observação da realidade está obsoleta na ciência moderna.
Por favor, vai defender agora que os religiosos classicos que têm a mente abertíssima e são eles ao contrário dos cientistas modernos que estão abertos a novas idéias? Isso é patentemente falso.
Isso é literalmente uma bobagem total, tanto do ponto de vista de observação concreta da realidade (uma grande fração dos cientistas modernos é composta por ateus) quanto como argumento teórico (a ciência física moderna não está nem remotamente perto de deixar de ser “empírica”).
Essa afirmação está em total descompasso com a realidade. Só para começar, grande parte dos cientistas que desenvolveram e desenvolvem a mecânica quântica eram e são ateus.
O fato de que o que *parece* que é muitas vezes não é realmente não é nenhuma novidade, especialmente para cientistas, e de qualquer forma esse fato não é necessário para questionar a validade lógica do empirismo. O conhecimento do mundo ser necessariamente incompleto já seria suficiente para isso. Diante disso podemos escolher acreditar em coisas aleatórias que satisfazem nosso ego, nossas inseguranças e/ou nossos desejos emocionais ou podemos buscar hipóteses e teorias que, sem qualquer justificativa lógica, parecem apesar disso descrever a realidade de forma suficientemente útil. A primeira atitude é a mística, a segunda é a científica. E a segunda é infinitamente mais aberta para o mundo e apresenta muito menos “mundividência antropocêntrica” do que a primeira.
Bom, Sérgio, só falta você refutar ou, ao menos, comentar, sobre este texto:
http://refutatio.wordpress.com/2009/10/17/36/
Fico no aguardo.
Veja alguns comentários sobre isso aqui : ../../../../.././2010/05/27/ainda-ateismo/
[...] Enfim, a resposta em questão se refere ao meu texto Ateísmo Para Principiantes. [...]
[...] Enfim, a resposta em questão se refere ao meu texto Ateísmo Para Principiantes. [...]
é uma m mesmo……subam as favelas, conheçam os mendigos, criem, não copiem. Abraços SAUDOSOS daqueles tempos para os maiores intelectuais cariocas dos nossos tempos…..CAMBRALHA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Para quem não compreendeu o comentário acima sugiro a leitura do último artigo do número zero do Indivíduo original :
../../../../.././wp-content/uploads/2010/01/1997.11.19-O-Individuo-Numero-Zero-Scanned-with-OCR-Low-Res.pdf
ah, fui irônico…att!