Liberals, Liberais e Libertários

December 3rd, 2009 by Sergio de Biasi

Em sendo a liberdade algo genericamente aceito como em princípio uma boa causa pela qual se lutar, não é supreendente que uma vasta gama de  movimentos políticos, ideologicos e filosóficos com fundamentos e objetivos completamente diversos se definam como defendendo a “liberdade” diante de algum tipo de interferência ou opressão. Então temos desde a teologia da libertação até o liberalismo clássico de Adam Smith, todos defendendo liberdades de algum tipo.

Isso se torna particularmente relevante para aqueles que como eu se identificam genericamente com a causa libertária, posto que existe uma grande variedade de movimentos que se identificam como tal. Vamos aqui discutir então brevemente alguns desses termos e como especificamente “libertário” se encaixa nisso.

Vou começar por colocar minha visão pessoal sobre o assunto. Para mim, quando digo que sou libertário, estou querendo dizer que defendo a idéia genérica de que cada um deve ser em princípio deixado em paz pela sociedade para viver sua própria vida como quiser. Note-se que essa idéia em si mesma, embora modernamente gozando de grande aceitação, é historicamente revolucionária, tanto em termos filosóficos como políticos. Concepções anteriores da condição humana, aliás dominantes em grandes frações do mundo durante grande parte da história humana (inclusive hoje) defendem princípios básicos completamente diferentes e mesmo opostos. Por exemplo, para alguns o homem existe para servir aos outros. Sua função primária é cumprir seu papel na sociedade, e é legítimo exigir dele qualquer esforço – mesmo ceder sua própria vida – nessa direção. Para outros, o homem existe para servir a deus, e novamente, qualquer sacrifício pode dele ser legitimamente exigido no sentido de satisfazer o que se entenda como sendo a vontade de deus.

Para mim, porém, o ser humano individual deve ser tratado mais ou menos como um país em si mesmo e tem certas prerrogativas fundamentais que não devem em princípio serem usurpadas pela sociedade. A discussão de quais exatamente são essas prerrogativas é menos importante a meu ver do que o fundamento de que cada um deve ser em princípio e como regra geral ser deixado em paz pela sociedade para viver sua vida como achar melhor.

Por que “em princípio” e não  “sempre”? Bem, porque a concessão de liberdade irrestrita de ação a um ser humano evidentemente conflita com o exercício da liberdade por aqueles aqueles à sua volta. Então a minha “liberdade” de incendiar a casa do meu vizinho caso eu não goste das opiniões dele não deve ser protegida, aliás muito pelo contrário. Portanto embora o princípio básico seja o de que cada um deve ser deixado em paz para viver como quiser, é preciso que seja deixado em paz não apenas pelo sistema politico, mas também por seus vizinhos, por pessoas aleatórias, e por outros segmentos da sociedade organizada. E para que isso seja atingido, é ironicamente necessário restringir a liberdade de ação de todos esses agentes.

É de como administrar essa exceção – esse essencial conflito de nossa liberdade com a dos outros – que surge uma boa parte das divergências políticas, ideológicas e filosóficas mesmo entre aqueles que concordam com a idéia básica de que o indivíduo deve ser deixado livre para viver sua vida como bem entender. Assim sendo, o problema se torna não exatamente de “como garantir liberdade irrestrita para todos”, algo logicamente impossível para começar, mas sim de “qual sistema político maximiza a liberdade individual”?

E então desde o começo esbarramos em mais problemas. Antes mesmo de discutir como atingir certos propósitos, é problemático decidir o que exatamente estamos tentando atingir. Quando dizemos “maximiza a liberdade individual”, estamos falando de quê? Afinal, estamos nos referindo a grandes grupos de pessoas, de distribuições de liberdade individual. Estaremos falando da liberdade média? Ou talvez do somatório da liberdade conjunta? Ou quem sabe de maximizar a todo custo a menor quantidade de liberdade que aceitaremos que um ser humano tenha? Ou conversamente, de maximizar a maior liberdade teoricamente possível para pessoas individualmente no sistema?

Uma vertente particularmente perversa é : estamos buscando, por uma questão de  “justiça”, equalizar as liberdades, isto é, que elas sejam o mais idênticas que for possível para todos. Apesar de poder parecer conter um certo mérito à primeira vista, ele desmorona imediatamente quando percebemos que tal objetivo pode ser facilmente atingido simplesmente retirando todas as liberdades de todos, ou alternativamente cerceando as liberdades dos mais livres até que fiquem iguais às dos menos livres, algo que vai diretamente e completamente contra o princípio original de que o que estamos tentando atingir é preservar a maior quantidade possível de liberdades para cada pessoa. Ou seja, coloco aqui já um princípio genérico sobre formas que considero aceitáveis de resolver essa questão : podemos discutir sobre qual distribuição de liberdades é melhor, ou como atingi-la, mas extinguir liberdades com o único propósito de equalizá-las sem que isso aumente a liberdade de mais ninguém não tem meu apoio.

O que nos retorna ao ponto fundamental : quando é então afinal de contas justificável retirar liberdades de alguém? Existem duas correntes clássicas de pensamento sobre isso. Uma diz que isso só é aceitável quando o exercício de tais liberdades forem ativamente e ostensivamente prevenir outros de exercerem suas próprias liberdades. E aí evidentemente é preciso todo um julgamento sobre custo e benefício, mas o princípio básico seria de que só devemos restringir a liberdade de alguém nos casos em que isso for necessário para proteger a liberdade de outros.

Uma visão alternativa é a de que e aceitável retirar liberdades de alguém não apenas para proteger as liberdades de outros, mas também para criar liberdades que os outros não teriam de outra forma. A idéia é de que já que se estamos tentanto por exemplo maximizar o somatório da liberdade total, então se retirar 10% da liberdade de 5 pessoas for causar um aumento de 30% na liberdade de 50 pessoas, então isso deve ser feito, mesmo que estas 5 pessoas estivessem simplesmente cuidando de suas vidas e não estivessem interferindo diretamente com a liberdade de ninguém.

Minha visão é de que este último raciocínio pode ser perigosíssimo e levou historicamente a todo o tipo de aberrações. Genericamente eu olho com extrema desconfiança e hesitação para a noção de que a sociedade tenha o direito nos engajar à força em quaisquer projetos voltados para o bem comum. Não interessa quão lindos e bem intencionados tais projetos sejam, quando a interferência na nossa independência de escolha ultrapassa um certo limiar, isso é totalitarismo puro e simples. Infelizmente, para proteger a nossa liberdade individual, eu concordo que certas estruturas precisam de fato ser criadas para preencher o vácuo de poder, e eu não acho que a inexistência total de coerção por instituições mais ou menos centralizadas seja viável. Porém, repito, a primordial função e justificativa para tais instituições é garantir que gângsters não assumam eles mesmos esse papel e imponham então uma organização social que desconsidere as liberdades que quero ver preservadas.

Dito isso, consideremos os nomes dados a algumas linhas de pensamento comuns sobre esses assuntos.

Comecemos com “liberal”. Esta palavra tem, em português, uma interpretação padrão diferente da que ocorre no inglês.

Em inglês, quando se fala em “liberal”, isso pode ser entendido de duas formas basicamente opostas : “social liberalism” ou “classical liberalism”. O que já nos leva imediatamente de volta à discussão original sobre como o termo “liberdade” pode ser entendido de formas completamente diferentes. Após a revolução iluminista do século 18, e com um foco tanto do entendimento filosófico do universo quanto das estruturas politicas crescentemente concentrado no  homem, a idéia de preservação das liberdades individuais começou a ganhar cada vez mais importância. Porém, rapidamente surgiu uma discordância sobre como tais liberdades devem ser entendidas e preservadas. Dois caminhos não exatamente opostos mas certamente divergente de pensamento surgiram.

Um deles, o do liberalismo classico, é o de que os esforços na defesa das liberdades individuais devem se concentrar em protegê-la de interferências indevidas. Isso é um tipo de “liberdade negativa” no sentido de que o que deve ser garantido não é que qualquer um terá de fato acesso a qualquer tipo de liberdade, e sim que não será deliberadamente impedido de exercê-la pela sociedade. Os Estados Unidos, ao contrário de quase todas as outras nações modernas do mundo, foram originalmente fundados em princípios que vão mais ou menos nessa direção. Em um de seus mais importantes documentos fundadores, é reconhecida a importância de garantir ao ser humano individual a liberdade de “buscar a felicidade” (algo mais ou menos universalmente aceito atualmente mas revolucionário com relação às concepções de mundo previamente dominantes). Note-se porém o cuidado deliberado de garantir o direito à busca da felicidade, não o “direito” de efetivamente obtê-la, algo que os defensores deste entendimento de liberdade tendem a considerar absurdo, inviável e até mesmo opressivo. Este é o entendimento padrão da palavra “liberal” no contexto de ideologias e movimentos políticos no Brasil.

Já o entendimento alternativo de liberdade vai precisamente nesta direção. Para o liberalismo social, certas liberdades devem ser defendidas de forma “positiva” ou “afirmativa”. Isto é, não é suficiente que se previna que a sociedade interfira coercitivamente com certas liberdades individuais. O raciocínio é de que é inútil ter “em princípio” por exemplo o direito de ir e vir se não se têm de fato o poder de exercê-lo porque o custo dos pedágios é altíssimo. Que é ridículo ter o direito à preservação da própria vida se o custo dos serviços médicos mais fundamentais é completamente inacessível para grande parte da população. A idéia é que embora ninguém esteja entrando na sua casa e atentando ativamente contra sua integridade física, se a sociedade se organiza de uma forma tal que um copo d’agua custe mil dólares, estamos efetivamente negando a uma grande parcela da população o direito à vida. Nos Estados Unidos essa é a conotação automaticamente associada à palavra “liberal” quando usada sem maiores explicações.

Eu, pessoalmente, acredito que levar qualquer uma das duas posições ao extremo NÃO maximiza a liberdade de ação do ser humano individual, que é o que eu realmente gostaria que se buscasse. Segundo o liberalismo clássico (mas note, não segundo por exemplo o anarco-capitalismo), pode ser perfeitamente legítimo por exemplo coercitivamente cobrar impostos para financiar um sistema de polícia que impeça que você seja assassinado ao sair na rua. Estamos falando aqui de destruir certas liberdade para proteger outras liberdades, e até aí estou de acordo. Adicionalmente, concordo plenamente com o liberalismo clássico na posição de que não é aceitável confiscar 50% do salário de todos para prover a todo e cada ser humano o direito, digamos, de viajar para qualquer lugar do mundo que desejar (que seria o caso de destruir certas liberdades para criar outras liberdades).

Consideremos agora outro tipos de liberdade, por exemplo o de acesso à educação e ao conhecimento, ou a alimentação suficiente para não morrer de fome, ou a uma operação de emergência para apendicite aguda. Caso alguém não tenha recursos para estudar, ou para comprar comida, ou para ir ao médico, e esse seja o único impedimento para fazê-lo, isso não é diretamente devido à ação coercitiva de ninguém. No modelo mais ortodoxamente clássico, portanto, que pena, que azar, não é responsabilidade que possa ser legitimamente imposta à sociedade, então eu lamento, mas permaneça ignorante, sem alimentação, ou morra de apendicite. É o que efetivamente se está dizendo.

Eu pessoalmente acho que é necessário haver um equilíbrio entre as duas posições. Devem existir certas proteções para que a interferência da sociedade na minha vida não seja opressiva, e isso é absolutamente fundamental e prioritário. Então se for necessário confiscar 50% do salário de todos para financiar com sucesso o combate à fome, então infelizmente deveremos concluir que não há recursos suficientes para combater a fome com sucesso. Mas se 1% do salário de todos for suficiente para prevenir, digamos, que grandes parcelas da população não possam sequer aprender a ler, então aí eu já acho que o somatório do benefício atingido e tão absolutamente enorme que me parece ser razoável que se aja coercitivamente para retirar um certo grau de liberdade tendo em vista criar outras muito maiores. Mas note-se, desde que se trate de liberdades absolutamente fundamentais, que a relação entre custo e benefício seja exponencialmente favorável, e – talvez o mais importante – que o somatório dessas expoliações voltadas para criar liberdades para outros jamais ultrapasse um certo limiar além do qual inevitavelmente criam um estado totalitário mesmo que produzam os benefícios pretendidos.

Se nos entusiasmamos demais com o liberalismo clássico, protegeremos o indivíduo de interferências excessivas do governo, e talvez até mesmo de ações ilegitimamente coercitivas por outros membros da sociedade, mas deixamos basicamente as portas abertas para todo tipo de vácuo concreto de liberdades ocorrer sem que seja diretamente “culpa” de ninguém em particular, liberdades que facilmente teríamos recursos para criar e garantir e que maximizariam amplamente a liberdade total da sociedade. Não fazê-lo seria motivado apenas por ortodoxia ideológica. Por outro lado, se nos entusiasmamos demais com o liberalismo social, corremos o risco – ou melhor, a certeza – de entrar numa inflação desncontrolada de criação de “direitos” e liberdades que só podem ser garantidos cassando outras liberdades; então mesmo no caso – duvidoso – de que todas essas tais “liberdades” sejam de fato criadas com sucesso, o custo inevitável é o governo se meter opressivamente em todos os aspectos de nossas vidas.

O problema com defender certas liberdades “afirmativamente” é que isso garantidamente resulta na restrição a um certo conjunto de outras liberdades. Isso é feito  supostamente com a justificativa de assegurar outras e com isso maximizar a liberdade total, mas essa conseqüência é incerta, largamente imensurável, e quase sempre profundamente discutível. Eu tendo portanto  a simpatizar bem mais com a visão do liberalismo clássico, e a acreditar que somente certas liberdades absolutamente fundamentais devem ser preservadas ativamente pelo governo. Porém, eu não acredito que esse conjunto de liberdades tão fundamentais que são meritórias de defesa mais ou menos ativa seja completamente vazio. Então, em resumo, eu não me identifico plenamente com nenhuma das duas posições em sua forma mais ortodoxa.

O que nos leva aos libertários. Como disse previamente, eu sou a favor mesmo é de seja lá qual estratégia efetivamente maximizar as liberdades individuais efetivamente disponíveis e exercíveis. Eu não quero ser oprimido nem pelo governo nem pelos meus vizinhos. Mas eu também não quero que gigantescas liberdades potenciais sejam negadas a grandes massas exclusivamente para preservar ao máximo logicamente possível a liberdade de uma fração da sociedade. Mas isso sou eu. Infelizmente, não existe nem de longe uma unidade ideológica entre os libertários, e um significado padrão que se possa oferecer ao termo. Existe todo um espectro de pessoas se chamando “libertárias”, desde os anarco-capitalistas até alguns cujas teses incluem a abolição total da propriedade privada (!). Então de certa forma é muito pouco explicativo alguém se dizer “libertário”.

No Brasil, ainda existe uma divulgação muito pobre das idéias libertárias em todas as suas manifestações e vertentes. O pensamento liberal clássico tem já há um bom tempo um grande número de divulgadores e defensores, assim como o pensamento liberal social. Já o pensamento libertário tem poucos seguidores, defensores e divulgadores. Isso é ilustrado pelo fato de que nem sequer existe um termo suficientemente padrão para dar nome ao pensamento libertário; os termos libertarianismo e libertarismo são os candidatos mais óbvios mas nenhum dos dois possui no Brasil grande penetração, seja na cultura, seja na política.

Uma parte do problema que impede uma maior divulgação da posição libertária é precisamente a mencionada ambigüidade sobre o que ela seria para começar. Uma das maiores inspirações para o pensamento libertário, Ayn Rand, é ao mesmo tempo uma das que mais severamente denunciou aqueles que nos Estados Unidos resolveram tomar para si a bandeira da causa libertária. Mas mesmo estando carregada de confusão e discórdia, a posição libertária goza de substancial importância na cultura americana, uma importância que mesmo minoritária, é decididamente relevante, e provavelmente maior do que em qualquer outro país do mundo.

Ironicamente, um dos fatores que prejudica uma maior sistematização do pensamento libertário é que um de seus fundamentos é dar enorme valor à independência de julgamento, opinião e consciência individuais. Isso faz com que seus proponentes sejam naturalmente repelidos por qualquer sugestão de estabelecer uma ortodoxia ideológica, e acaba prejudicando a divulgação e defesa das idéias que de fato são comuns. Como em vários outros contextos, defender militantemente o pensamento crítico é uma proposta problemática.

17 Responses to “Liberals, Liberais e Libertários”

  1. Fabio Marton says:

    Eu apenas acho que você está aceitando uma definição positiva de liberdade, e a própria aceitação desse tipo de conceito, da liberdade enquanto potencial, acaba desviando a atenção de opressões bem mais óbvias. É assim que as pessoas têm tanta raiva de empresários mas se esquecem que quem tem a polícia, quem pode prender, bater e matar é o governo.

    O fato é que simplesmente não existe sociedade onde um copo d’água custe mil dólares – isso só é possível se há um estado garantindo o monopólio de alguém, ou esse alguém está atacando fisciamente a concorrência, o que é crime. Ou ainda se a água é tão rara que custe efetivamente isso – distribuí-la pelo governo seria então como evitar que alguém vendesse sua casa pela água e ao invés disso fosse forçado a morrer de sede – foi o que aconteceu na União Soviética.

    Liberdade positiva é no mínimo confuso. Parece um conceito moleque mimado de liberdade – “liberdade de viajar com dinheiro alheio”, “liberdade de fazer um filme que ninguém quer ver”, “liberdade de ter educação de graça”, “liberdade de viver sem trabalhar”, “liberdade de ter guelras e viver no oceno”, “liberdade de pular do Empire State e sair voando”. No fundo, não é liberdade, é a exigência que façam algo por você.

    Não quer dizer que não devamos pagar a escola para os pobres, ou criar albergues para os mendigos. Ainda que eu sempre prefira que isso seja caridade privada, o nome disso é esse mesmo: caridade, não liberdade. Eu não tenho a “liberdade” de exigir que você me sustente através do governo mais que tenho a “liberdade” de exigir que você me sustente colocando um cano de revólver na sua testa.

    • Oi Fabio,

      Sim, após colocar um monte de ressalvas, estou explicitamente aceitando que a definição positiva de liberdade possa em alguns restritos casos ser razoável. Mas note, eu entendo e inclusive discuti as potencialmente terriveis conseqüências e complicações desse conceito. É mais ou menos como se eu dissesse assim : matar pessoas é péssimo e em princípio errado, mas existem casos em que matar pessoas é não só aceitável como correto e desejável, como no caso de um psicopata com um rifle cometendo um massacre. Mas isso são exceções, e no caso geral, promover liberdades de formar afirmativa leva a besteiras, é pernicioso deve ser evitado. Apenas não acho que isso seja verdade em toda e qualquer circunstância. Como eu disse no texto, embora eu ache que a prioridade e o foco deva ser nas liberdades negativas, eu não acredito que negar completamente o conceito de liberdades positivas seja o que efetivamente maximize a liberdade das pessoas, que é o que eu de fato gostaria que acontecesse.

      Não existem sociedades em que um copo d’água custe mil dólares mas existem em que uma operação de apendicite custa. Aliás, a nossa. E aí, devemos deixar as pessoas morrerem de apendicite no meio da rua? “Quem mandou ser burro e não fazer seguro?” Daí não decorre que todo e qualquer procedimento cirúrgico seja um “direito” de todos. E se para pagar para as pessoas não morrerem de apendicite for necessário confiscar 50% do meu salário, então sinto muito, nesse caso estou dizendo sim que se deixem as pessoas morrer de apendicite no meio da rua. Mas é precisamente isso que se está dizendo ao se negarem liberdades positivas. As pessoas menos dadas à racionalidade e que se concentram no discurso choraminguento de que “OH MAS ELE VAI MORRER DE APENDICITE NO MEIO DA RUA” tendem a se esquecer de que prover tais “liberdades” tem um custo, e que se o custo fica alto demais, derrota o propósito da coisa. Não quero ser escravo nem escravizar os outros para garantir que pessoas não vão morrer de apendicite no meio da rua. Mas só que há casos em que as coisas não são assim; há casos em que com um pouco de planejamento e um mínimo de coerção é possível expandir MUITO as liberdades das pessoas de forma afirmativa. Se for possível impedir que as pessoas morram de apendicite no meio da rua confiscando 0,1% do salário de todos, a coisa muda de figura. Estamos libertando as pessoas de morrerem de apendicite, algo que mesmo não sendo originalmente culpa de ninguém, era ruim. Mas reipto, isso tem que ser MUITO bem pensando e controlado e é preciso haver limites SÉRIOS ao total de encargos que se aceita impor às pessoas para defender qualquer tipo de liberdade, seja positiva ou negativa.

      Além disso, note, poderíamos por exemplo decidir que para proteger as pessoas de serem assaltadas vamos estabelecer toque de recolher em todas as cidades todos os dias. Isso provavelmente reduziria o crime, e é uma liberdade negativa. Mas está sendo defendida de uma forma idiota que retira mais liberdades do que fornece, e é injustificável. ESSE é o principal critério para julgar a conveniência de uma política coercitiva, na minha opinião.

      Sobre liberdade positiva ser o conceito de “exigir que os outros façam algo por você”, como se você fosse um parasita, eu não colocaria exatamente assim, a começar do fato de que a coerção de colaborar se aplica a TODOS, inclusive a você. Além disso, preservar suas liberdades negativas TAMBÉM exige que outros “façam algo por você”. O dinheiro da população é confiscado para pagar os policiais que impedem que você seja assaltado. Você e os outros são tão coagidos a involutariamente ajudar a sociedade a preservar suas liberdades negativas quanto as positivas. Estendendo seus exemplos, eu poderia querer a “liberdade de não ser assaltado no meio da rua”. Eu de fato quero, e para isso ocorrer de fato a sociedade é coagida a prover os recursos necessárias, e você não parece ter qualquer problema com isso.

      Note que os anarco-capitalistas de fato compram esse argumento e acham que a sociedade não tem o direito de impor a você contribuir mesmo para preserver a maior parte das liberdades negativas (para os mais radicais, todas). Cabe a você voluntariamente contratar um serviço de polícia, ou de bombeiros, ou de justiça, se quiser um.

      Sobre chamar pagar escola para os pobres de liberdade ou caridade, bem, eu diria que voluntariamente dar dinheiro para uma escola para pobres é um ato de caridade que visa aumentar a liberdade dos pobres com relação à ignorância. Novamente, eu não acho que exista contradição em falar libertar alguém da ignorância, da doença, ou da fome mais do que em libertar do crime, da opressão ou da violência.

      Agora, claro que se deixa de ser voluntário e vamos fazer alguém contribuir à força, então deixa de ser caridade, claro, mas nem por isso deixa de promover a liberdade de alguém. A “liberdade” que está sendo defendida quando impostos são usados para alimentar pobres não é a dos pobres te achacarem, e sim a de eles se alimentarem. E eu NÃO acho que isso possa (talvez em alguns restritos casos) ser justificado porque eles tenham o “direito” de se alimentarem mesmo que com isso eu seja reduzido à escravidão. O que eu acho é que em certos casos a liberdade produzida positivamente por coerção é tão infinitamente maior que a destruída que a proposta pode fazer sentido.

      Agora, o revólver na testa não é realmente a questão, eles está aí em ambos os casos, sejam as liberdade coercitivamente promovidas negativas ou positivas. Atos do governo são sempre atos de coerção, tornados possíveis e eficazes através da ameaça do revólver na testa para quem não obedecer. Não são recomendações ou sugestões. Então se você concorda que sejam cobrados impostos para assegurar, digamos, segurança pública, ou o sistema judicial, você está sim dizendo que exige que os outros sejam forçados a contribuir para garantir a *SUA* segurança quando anda na rua. Você está dizendo que tem o direito de através do governo colocar um revólver na testa do seu vizinho e dizer “ajude a pagar pela polícia”. E naturalmente ele não estará fazendo isso por “caridade”. Se você acha que não tem essa liberdade, ótimo, sua posição vai na direção do anarco-capitalismo. Mas aí deixa de ser uma questão de liberdades positivas versus negativas.

      Saudações,
      Sergio

      • Fabio Marton says:

        Qual é o critério que faz 0,1% de corvéia ser aceitável e 50% ser inaceitável? Por que eu posso trabalhar um dia por ano para as outras pessoas mas não um mês ou metade do ano? Qual raciocínio determina o que é um “bom ou mau negócio” de se expandir a “liberdade” destruindo liberdade? Quem determina? Democraticamente? Mas democraticamente se decide que cobrar 50% dos 49% mais “ricos” é um grande negócio para dar “liberdade” aos 51% mais pobres. Além disso, você acredita mesmo que seria possível se manter uma estrutura de assistência social incluindo a (caríssima) saúde “gratuita” com 0,1% de impostos?

        O que ocorre com a segurança e judiciário versus prover bens mínimos é que segurança é condição em se garantir uma ordem onde se esteja livre de coerção privada, enquanto prover bens mínimos não tem relação com evitar uma opressão. Eu posso ter um sério problema em ter apendicite e não poder pagar, mas isso não é uma questão de liberdade – se você entende assim, está falando que eu virei um autômato porque tenho problemas. Se eu pensar que haver necessidade me torna menos livre, liberdade simplesmente não existe.

        Ainda acho que a ideia liberdade que você defende está mal-definida. Aparentemente, tudo pode ser “liberdade” – o que não é? Eu poderia falar em “liberdade de ter uma TV”, “liberdade de tomar cerveja à noite”, “liberadade de não ter gripe”. Você pode até mesmo clamar por um totalitarismo com um conceito de liberdade assim: “liberdade dos genes ruins”, “liberdade da presença judeus”, “liberdade de uma cultura decadente”, “liberdade do modo de produção capitalista”.

        E, mesmo em questões de caridade, evitar que uma pessoa morra por ficar sem cirurgia, não é porque a sociedade deva prover algo que o estado deva. Os Estados Unidos passaram séculos sem um sistema de saúde gratuita – e ninguém agonizava na rua de uma doença por “não poder pagar”. Quando você retira essas redes compulsórias de caridade, as pessoas se veem na obrigação de ajudar umas às outras – é incomparavelmente mais alto o valor que os americanos despendem em caridade que os europeus.

        • Qual é o critério que faz 0,1% de corvéia ser aceitável e 50% ser inaceitável? Por que eu posso trabalhar um dia por ano para as outras pessoas mas não um mês ou metade do ano?

          Como eu discuti no texto, pra mim é uma questão de custo versus benéfício somada a uma consideracao do custo total. Tratar as coisas como absolutamente certas ou erradas sem considerar o contexto quase sempre leva a besteiras. E onde está o ponto de equilíbrio é decidido como todas as outras disposições legais que nos afetam, com uma mistura de democracia com compromissos pólíticos. E evidentemente 0,1% e 50% são exemplos, não valores absolutos. E se o valor que se considera necessário para financiar a saúde implica em impostos escorchantes, então sinto muito mas vamos cobrar somente o que não for escorchante e fizer o que der pra fazer com o dinheiro, não o contrário.

          Note, esse mesmo argumento que você está dando poderia ser aplicado a vários outros contextos – que critério vamos usar para dizer que 0,1% dos homicídios são aceitáveis? Ou dos atos de agressão física? Ou de destruição da propriedade? Ou de restrição da liberdade de ir e vir? Ou de restrição da liberdade de expressão? Etc? E no entanto todas essas exceções são não só aceitaveis como essenciais. Coisas como legítima defesa e não ser razoável gritar histericamente “fogo” no meio de uma sessão de cinema precisam ser incluídas no sistema. Continuam sendo exceções, e é minha conviccão que devem mesmo ser exceções, mas se entusiasmar e dizer “não, matar é errado SEMPRE” leva a besteiras.

          O que ocorre com a segurança e judiciário versus prover bens mínimos é que segurança é condição em se garantir uma ordem onde se esteja livre de coerção privada, enquanto prover bens mínimos não tem relação com evitar uma opressão.

          Eu sei. Eu elaborei esse ponto explícita e detalhadamente.

          Eu posso ter um sério problema em ter apendicite e não poder pagar, mas isso não é uma questão de liberdade – se você entende assim, está falando que eu virei um autômato porque tenho problemas. Se eu pensar que haver necessidade me torna menos livre, liberdade simplesmente não existe.

          Ué, é claro que haver necessidade te torna menos livre. Eu seria mais livre se não precisasse respirar. Apenas isso não é culpa de ninguém, e nesse caso nem pode ser realisticamente modificado. Mas por outro lado eu também me torno menos livre se não tenho recursos para comprar óculos e ver direito. Não ver direito me torna menos livre. Mas isso, apensar de continuar não sendo culpa de ninguém, pode ser consertado. Agora veja, é óbvio que confiscar dinheiro dos outros para comprar óculos para mim, embora aumente a minha liberdade, diminui a dos outros. Então em princípio e como regra geral essa é uma proposição duvidosa que eu não tenho o direito de impor aos outros. Só que existem casos em que o que pode ser atingido com o esforço conjunto tem um benefício tão absolutamente alto comparado com o custo, que aí eu já começo a achar justificável. Mas são exceções.

          Aliás, para mim o problema MESMO não é se os recursos estão sendo usados para defender liberdades negativas ou positivas, e sim o impacto total das imposições do governo na minha vida, seja qual lindo objetivo esteja sendo buscado.

          Ainda acho que a ideia liberdade que você defende está mal-definida.

          Está muito bem definida, eu me dei ao trabalho de discutir exaustivamente a diferença entre liberdades positivas e negativas. Se você não gosta de chamar as positivas de liberdade, ok, mas esse é um conceito padrão e aceito que eu não inventei.

          Os Estados Unidos passaram séculos sem um sistema de saúde gratuita – e ninguém agonizava na rua de uma doença por “não poder pagar”.

          Isso é simplesmente falso, e continua a ser falso. Sim, agonizavam e agonizam por não poderem pagar. Isso é trivialmente óbvio : MUITAS pessoas morrem porque não podem pagar pelo tratamento médico de que precisam. Agora, isso nunca será possível eliminar completamente, dado que alguns dos procedimentos necessários – um transplante de fígado, digamos – são caríssimos. Não há recursos para “consertar” isso completamente mesmo que todos nos dediquemos voluntariamente a cuidar dos doentes. E de qualquer forma, esperar que a sociedade elimine toda a incerteza e infortúnio da terra é infantil e irreal. Então para começar é uma questão de QUANTAS pessoas vamos deixar morrer por não poderem pagar pelo seu tratamento médico. O ponto de calibragem correto é algum lugar entre ZERO, nenhum serviço de saúde financiado pelo governo através de impostos, e INSANO, no qual o governo gasta bilhões que não tem para financiar servicos de saúde e então sai confiscando escravizantemente recursos de todos para tapar o buraco. Os anarco-capitalistas acham que é zero mesmo. Eu não acho. Existe aí no meio um ponto ótimo no qual uma quantidade moderada de recursos pode ser usada para impedir que pessoas morram de apendicite no meio da rua sem que com isso metade do meu salário seja confiscado pelo governo. E quando digo “impedir” naturalmente quero dizer na prática, e não teoricamente, deixando aos caprichos da caridade espontânea. Poderíamos usar esse mesmo argumento para a polícia : oh, seria muito melhor não haver polícia e esperar que as pessoas espontaneamente se organizassem para defendem os oprimidos. Ou que se juntassem para contratar segurança para todos. Tá, e quando não o fizerem? Deixamos bandidos saquearem tudo?

          Agora veja, enquanto você diz que os EUA são o campeão de “caridade”, e em termos de total de doações financeiras voluntárias são mesmo, a prática de simplesmente recusar pacientes em situações de emergência em hospitais por não poderem demonstrar capacidade de pagar estava se tornando tão universal que sim, as pessoas estavam começando a literalmente morrer de apendicite no meio da rua. Então o governo americano aprovou em 1986 uma lei dizendo que os hospitais não podem simplesmente mandar embora alguém que esteja morrendo de apendicite – ou numa emergência que ameace a vida de forma geral. Agora, isso é uma solução quebrada, porque na prática resulta em forçar o HOSPITAL a arcar com o custo. Os resultados previsíveis foram uma mistura de falências de hospitais com aumento de custos de serviços médicos – e portanto dos custos de seguro de saúde – associada a uma QUEDA do número de hospitais que sequer oferecem serviços de emergência (óbvio!), apesar de a demanda por tais serviços só ter subido. Ou seja, essa é uma solução totalmente quebrada. Ou essa lei não deveria existir e pronto, vamos deixar as pessoas com apendicite morrerem no meio da rua mesmo, ou é preciso usar dinheiro de impostos para financiar isso, senão estaremos quebrando os hospitais.

  2. Ana Beatriz says:

    Oi Sérgio,
    achei interessante o seu texto pois é diferente dos dois extremos que conheço – esquerdistas que querem que o Estado controle todos os aspectos da vida da pessoa e distribua da maneira que achar adequada o fruto do trabalho dos outros, e pessoas de direita que acham que o Estado deve fornecer polícia e nada mais.
    Não sei se é paranóia minha, mas acho que não é só a América Latina que está ameaçada pelo comunismo. Viajei à Europa ano passado e fiquei na casa de amigos que moram lá e voltei meio assustada com o que vi. Apenas os impostos retidos na fonte representam 40% do salário; as pessoas fazem acordos com os chefes para serem despedidas, pois durante dois anos o salário desemprego é integral – muita gente trabalha um ano e deposi “tira férias ” de dois; na Áustria, toda criança recebe 400 euros de mesada do governo até os 21 anos de idade; na França, o governo paga parte do aluguel de quem não pode pagar, então vários jovens se juntam para sair da casa dos pais e viver às custas dos impostos dos outros. Patrimônio, é impossível de acumular pois o governo taxa as heranças ainda mais do que aqui.
    Não entendo nada de economia, mas acho que tal situação não se sustentará por muito tempo, as contas simplesmente não vão fechar.
    Entretanto, acho que os liberais também devem se preocupar com solidariedade social, pois o medo do desamparo leva as pessoas a se agarrarem à ideologia socialista. É muito difícil ter amor à liberdade (que, claro, é um bem supremo) se a pessoa tem fome e dor nos dentes.
    Bom texto!
    Ana Beatriz

    • Oi Ana,

      Eu acho absolutamente insuportável a situação na qual a Europa chegou e os Estados Unidos estão infelizmente indo na mesma direção. O Brasil, com todos os seus problemas e falhas óbvios, é inacreditavelmente um dos países em que existe mais liberdade individual no mundo. Os Estados Unidos ainda ganham nesse quesito, mas também estão piorando muito. Eu diria que existe uma tendência não exatamente ao comunismo mas ao totalitarismo em seus divesos matizes no mundo inteiro. Muitos países no Oriente Médio por exemplo não podem ser chamados de comunistas mas são evidentemente totalitários. Mas na Europa, sim, o socialismo atingiu niveis inacreditaveis. Particularmente perverso na minha opinião é o absurdamente alto imposto sobre patrimônio, que é muito mais ideológico do que motivado por qualquer consideração séria de política econômica.

      Agora, assim como eu não vejo problema intrínseco em alguém ter 10 bilhões de dólares (algo que repugna os comunistas), eu também não vejo QUALQUER problema intrínseco no governo dar dois anos de seguro desemprego (algo que repugna os liberais clássicos) DESDE QUE que não se confisque para isso 50% do meu salário. Se for possível prover tais benefícios sem impor grandes custos ao resto da sociedade, ótimo. O problema é quando essas políticas “filantrópicas” para garantir “direitos” só podem funcionar através do recrutamento compulsório de grandes frações dos recursos e do trabalho de todos. Esse é o real problema. Claro, faz sentido nem criar tais “direitos” se não estiver claro como financiá-los e a conseqüência inevitável for aumentar os impostos. Mas é isto que se deve REALMENTE tentar evitar : a cassação das liberdades individuais, seja qual for a justificativa. Agora veja – concentrar-se em combater o uso dos recursos do governo para criar liberdades positivas não impede que o governo comece a inventar todo o tipo de liberdades negativas que “precisam” ser coercitivamente preservadas. Oh, os terroristas vão atacar; os espiões comunistas estão aí, o Irã vai ter bombas atômicas e portanto… portanto nós, o governo, temos licença para oprimir você, para histericamente e descontroladamente confiscar seu dinheiro, sua privacidade, sua liberdade. Bolas, nesse caso o governo está se unindo aos agentes que me oprimem. Eu quero um sistema político que maximize as liberdade individuais de todos os tipos. Isso é um complexo equilíbrio entre a minha liberdade e a dos outros, mas eu não acho que nem liberais clássicos nem os socialistas estejam sequer tentando ir nessa direção.

      Agora, o mais triste mesmo é enquanto nos revoltamos com esse grau de cassação de liberdade observar a quantidade de pessoas que ficariam (e já ficam) extremamente felizes e confortáveis com simplesmente o governo lhes dizer o que fazer, o que pensar, o que dizer, como viver…

      Saudações,
      Sergio

  3. gonçalves says:

    Sérgio, olá!

    Acho que a fragilidade do indivíduo em certas ocasiões – lembro seu exemplo da operação de apendicite – é uma justificativa menos razoável para a onipresença das políticas assistenciais de governo se, nesta discussão toda, lembrarmos de formas naturais de associação, a começar pelas famílias. Considero a família o primeiro colchão para amortecer esses revéses da vida. Vêm, depois, os amigos e grupos próximos – o pessoal do trabalho, do bairro, da igreja etc. Na verdade, estamos desaprendendo a ajudar, e muito disso se deve à idéia de que, enfim, é confortável deixar a tarefa toda para o Estado.

    Abs.,

    Gonçalves

    • Oi Gonçalves,

      Sim, concordo que isso de pensar “o estado proverá” realmente tem efeitos deletérios sobre a consciência. Mas por outro lado morrer de apendicite porque não houve sorte de encontrar uma alma caridosa para ajudar também não me parece razoável. É preciso encontrar um equilíbrio entre as duas posições. Como disse e repito, eu sou a favor do sistema político que maximizar a liberdade TOTAL das pessoas, desde não morrer tolamente de apendicite de um lado até não ter toda a sua renda confiscada pelo governo do outro.

      Saudações,
      Sergio

  4. O grande ponto do liberalismo é que, na situação na qual não há seguro-desemprego ou saúde gratuita, menos gente fica desempregada e diminuirão os problemas de saúde. Isso por dois motivos principais: o primeiro é destruir os incentivos nefastos que a intervenção cria: 1) pune a condição desejável (quem tem emprego e quem tem saúde – em termos relativos, isto é, usa em média menos serviços de saúde – paga mais do que ganha) e premia a condição indesejável (desempregados e doentes ganham às custas dos demais). 2) Por não ter à sua disposição a informação de lucros e prejuízos, e por não ter de ser eficiente para continuar operando (renda independe da qualidade do serviço), o serviço estatal é quase sempre incorrigivelmente ineficiente, gastando muito mais para prover muito menos do que ocorreria no mercado.

    Claro, pode ser que o Estado gaste muito muito muito mais com saúde do que a própria população gastaria e, menos com toda sua ineficiência, ainda assim provê mais serviços de saúde do que seriam providos no livre mercado. Ex: se o Estado gastar atualmente 90% dos impostos para construir estádios do futebol, é bem provável que, sob o livre mercado, menos estádios seriam construídos; a oferta seria proporcional à demanda. As pessoas teriam menos estádios, mas poderiam atender a demandas que antes não supridas (pois tudo ia para a produção inútil de estádios de futebol).

    • Oi Joel,

      Um ponto que eu vejo sendo pouco levantado é que mesmo para proteger as nossas liberdades negativas a quantidade de recursos que o estado deve estar autorizado a confiscar precisa ter um limite. Eu vejo uma enorme ênfase entre certos liberais mais radicalmente laissez-faire em insistir de um lado que o estado não deve se meter a garantir qualquer tipo de liberdade positiva usando quaisquer quantidades de recursos mas por outro lado uma concordância praticamente automática de que no caso das liberdades negativas, tudo bem. Só que as liberdades negativas se prestam ao mesmo tipo de inflação de direitos artificiais que as positivas. E aí no final das contas, a título de me proteger de ser oprimido por terroristas ou bandidos quem acaba me oprimindo mesmo é o governo. O mesmo ocorre com as liberdades positivas; a título de me proteger de ser oprimido por fome ou desemprego ou doença quem acaba me oprimindo mesmo é o governo.

      Tomando seu exemplo, suponhamos por exemplo que o estado resolva que ao invés de pagar seguro desemprego (algo que muitos liberais clássicos em princípio duvidam que seja um bom uso do dinheiro público), vamos então ao invés disso gastar esse dinheiro para tornar o sistema de justiça civil e garantia de contratos mais eficiente, transparente e ágil (algo que me parece quase qualquer liberal clássico – excetuem-se anarco-capitalistas – vai concordar que é em princípio um uso legítimo do dinheiro público). Suponha então que se conclua que o bom mesmo é que qualquer um tenha acesso simples e direto ao sistema de justiça, e que os processos terminem em no máximo um mês ao invés de em 10 anos. Todos objetivos em princípio razoáveis. Suponhamos então que se conclua que o custo de fazer isso implica em aumentar os impostos para 50%. Suponhamos (para efeito de argumento) que isso não seja uma avaliação corrupta e errada, que seja isso mesmo. Isso é razoável? Deve ser feito?

      A questão é que sempre se ganha de um lado e se perde do outro. É preciso haver uma análise de custo versus benefício. Os anarco-capitalistas defendem então que não cabe a ninguém que não eu mesmo decidir isso, e que eu devo escolher como investir meus recursos, seja para garantir minhas liberdades positivas, seja as negativas. Infelizmente me parece que isso não realmente funcione, no sentido de que não é o que maximiza minha liberdade total, que é o que eu gostaria de ver maximizado.

      Em resumo, como eu disse antes, eu simpatizo muito mais com a defesa das liberdades negativas do que com a das positivas, mas eu não acho um tabu defender as positivas e em certos casos acho possivelmente até apropriado. O que não se pode perder de vista para mim é o objetivo final – deixar as pessoas tão livres quanto for possível para viverem suas vidas como escolherem, considerando um compromisso ótimo entre os objetivos contraditórios de todos nós querendo exercer nossas liberdades ao mesmo tempo, seja uns contra os outros, seja todos contra os limites da realidade prática.

      Saudações,
      Sergio

  5. Claudio says:

    Quase irretocável seu texto, Sérgio.

  6. [...] Liberals, Liberais e Libertários [...]

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