Fluxograma para decidir quando mandar alguém pra cadeia.
Estava eu pensando sobre o fluxograma acima (encontrado aqui) e minhas reflexões foram na seguinte direção : o que o brasileiro está tentando com todas as suas forças fazer, em todas as circunstâncias e sobre todos os assuntos, é chegar no “então deixa pra lá”.
No caso acima, por exemplo, me parece que o sujeito decidinte se vê na caixa “houve uma agressão” e então instantaneamente surge a questão em sua mente “qual o caminho mais curto para eu poder deixar isso pra lá”? Se a forma mais simples e rápida de eventualmente chegar no “ok, agora posso esquecer o assunto” for passar pelo “cadeia nele”, então cadeia nele… e agora posso deixar isso pra lá.
Note-se que o sujeito ser culpado ou inocente, a noção de certo ou errado, a melhora da sociedade, princípios filosóficos do significado da existência, tudo isso nem sequer entra na equação. O princípio máximo é : qual o curso de ação que mais rapidamente vai fazer com que parem de me encher o saco?
Isso é algo estereotipicamente brasileiro, e provavemente um dos elementos fundadores da nossa cultura e da nossa identidade. Não que não haja racismo, ou classismo, ou questões sociais, ou pensamentos sobre moralidade, ética, e transcendência. Ou grandes objetivos a serem atingidos no mundo das idéias abstratas. Ah, mas concretamente agir com base nisso é muito exaustivo. Não sejamos chatos. Que tal simplesmente deixar pra lá?
Aliás, quando as pessoas por aqui nos EUA começam a me perguntar sobre o Brasil, eu freqüentemente respondo que se eu tivesse que citar uma característica que mais resume a personalidade do brasileiro é não levar absolutamente nada a sério demais. Ou mesmo muito a sério. Ou mesmo a sério.
Claro, existem exceções, cada pessoa é diferente, etc, mas como povo e como sociedade vai mesmo nessa direção.
Isso tem vantagens e desvantagens.
No caso considerado acima, por exemplo, o resultado é o seguinte. Nos EUA, são assassinadas anualmente aproximadamente 16000 pessoas por ano. Aproximadamente 60% desses assassinatos são “solucionados” de alguma forma, por exemplo com a prisão do assassino. (Note-se que já de saída isso nos leva a uma reflexão sobre quão frágil é a ordem social e quanto ela depende de as pessoas voluntariamente não agirem psicopaticamente se mesmo nos EUA a chance de matar alguém e não acontecer rigorosamente nada com você é da ordem de 40%.) Já no Brasil, são assassinadas aproximadamente… er, 50000 pessoas por ano. São mais de 500 mil pessoas assassinadas de 1996 a 2008. (Aliás, isso também nos leva a uma reflexão sobre quão fora de controle está a situação de segurança no Brasil. Como comparação, durante toda a GUERRA do Vietnam, que durou de 1959 a 1975, na qual havia vietcongs com fuzis e metralhadoras atirando nos americanos… morreram 60 mil soldados americanos.) Mas voltemos ao tópico presente : que se faz sobre isso? Quantos desses crimes terminam com alguém preso, ou pelo menos com algum tipo de resolução que não seja… dar de ombros? Em São Paulo, provavelmente uma das menos brasileiras localidades em nosso país, a polícia se esforcou, se esforçou, e conseguiu nos últimos 10 anos aumentar o índice de solução de homicídios para 48%. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, provavelmente um dos locais mais estereotipicamente brasileiros do mundo a polícia resolve… 4% dos casos. Er, quatro por cento? Deixa pra lá, né?
Mas antes que nos apressemos em crucificar incondicionalmente essa característica do brasileiro, observemos : as conseqüências dessa atitude têm também o seu reverso. Em termos de conflitos armados abertos, por exemplo, temos um dos currículos menos sangrentos da história do mundo, e mesmo quando fomos governados por regime militar matamos num período de 20 anos o que a polícia americana, num estado democrático, em tempos de paz, mata em um ano!
Inclusive, voltemos um pouco no tempo. Nosso país ficou independente de seu país colonizador sem qualquer guerra com tudo sendo resolvido em família. Os escravos foram libertados sem que isso tenha sido o resultado de qualquer conflito armado. Depois a república foi proclamada novamente sem que um único tiro fosse disparado. Etc, etc. Até mesmo o governo militar retirou-se sem qualquer insurreição e simplesmente passou o poder adiante para os civis. Compare-se com eventos similares na história de quase qualquer outro país. Isso quer dizer que não temos epiódios sangrentos em nossa história? Não, até temos, como a guerra do Paraguai, na qual aparentemente a maior causa de mortalidade foi cólera. Mas nunca tivemos nenhuma grande guerra civil, e nossas revoluções, tanto as bem quanto mal sucedidas, em geral envolvem uma meia dúzia de pessoas realmente fazendo alguma coisa.
E não para por aí; no Brasil é possível em geral violar repetidamente e ostensivamente todo tipo de leis e as regras sem que nada realmente ocorra. Por um lado é mais humano, e de uma forma tortuosa cria mais autonomia de decisão individual. Por outro lado, o oposto também vale – se alguém numa posição de autoridade resolver implicar com você, as leis e regras não servirão para protegê-lo, e não adianta argumentar que é inconstitucional ou ilegal ou completamente arbitrário porque farão assim mesmo. E os outros na maior parte dos casos vão simplesmente deixar pra lá.
Então em terra brasilis somos todos meio Zen, acidentalmente semi-libertários, e involuntariamente tolerantes. Mas não exatamente por princípio ou com qualquer coerência, e sim muito mais porque seria muito exaustivo e chato tomar uma atitude. Note-se, não é nem exatamente só uma questão de preguiça; é algo mais profundo. É mais um tipo de ennui tropical com a idéia de fazer de fato alguma coisa sobre qualquer coisa. Daí não é que o governo por vezes não esteja até tentando ser totalitário, seja no caso de uma ditadura de pseudo-direita, seja no caso do criptocomunismo lulático. Mas em ambos os casos acaba prevalecendo o sentimento geral de que bom mesmo é deixar pra lá.
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“O princípio máximo é : qual o curso de ação que mais rapidamente vai fazer com que parem de me encher o saco?”
Basicamente é isso :-)
E, de fato, tem muitos lados negativos mas também aqueles positivos mencionados por você que tornam as profecias de que o Brasil se tornará um terror totalitário menos prováveis. Se eu não me engano, li um texto de um preso do regime militar que relatava que presos e carcereiros, algumas vezes, conviviam harmoniosamente, inclusive com troca de favores entre si.
eu trocaria por ”não levar as coisas sérias a sério”
Bem, de fato me parece uma proposição defensável dizer que o brasileiro leva as coisas não sérias bem mais a sério do que as sérias. :-)
Ah, Sérgio, deixa isso pra lá.
Hehe. :-)
Eu tenho minhas brasilidades mas em muitas coisas eu não sou um brasileiro lá muito típico :-)
[...] Libertarianismo Zen [...]