Um dos comentários feitos ao meu texto sobre cripto-totalitarismo foi este aqui.
Ao ler a história relatada no link, eu me lembrei mais uma vez de como uma das lições mais vívidas que tirei do episódio original da distribuição do número zero de “O Individuo” em 1997 foi precisamente uma grande, grande surpresa sobre como eu estava enganado acerca de quanta liberdade de expressão era concretamente reconhecida e aceita como prerrogativa legítima e inalienável por uma instituição como a PUC-Rio. Esse tipo de surpresa se repete em escalas maiores e menores em todo tipo de contexto, e por vezes nos pega completamente desprevenidos, especialmente quando o discurso vigente é nominalmente de liberdade de idéias.
Só que mesmo quando não existe um órgão ou uma política oficial com o objetivo de censurar o pensamento, é absolutamente impressionante como a liberdade de expressão é pouquíssimo respeitada na maior parte das circunstâncias reais, ironicamente e tristemente em particular nas instituições acadêmicas, as quais ao invés de cumprirem a função de auxiliar e incentivar as pessoas a acordarem para a existência de possibilidades divergentes quase sempre buscam histericamente impedir as pessoas de fazê-lo. A maioria das pessoas cultiva a ilusão de que essa liberdade seja muito maior do que realmente é porque raramente toma o palanque para dizer publicamente qualquer coisa remotamente discordante do que é considerado ideologicamente aceitável. O sentimento mais ou menos geral é de que dispõem dessa prerrogativa em príncípio.
Essa fantasia tende a se esfacelar fragorosamente no momento em que se tenta de fato exercer esse tipo de liberdade, porém. As “autoridades” de plantão repentinamente se revelam muito pouco hesitantes em fisicamente confiscar, censurar, proibir, destruir ou de outras formas impedir a distribuição e divulgação de quaisquer materiais que questionem as posições ideológicas “corretas”, mesmo quando tal distribuição e divulgação é realizada de forma absolutamente pacífica e atendo-se ao nível das idéias e do debate. Cria-se então uma situação surreal na qual a liberdade de pensamento existe “em teoria” e como parte do discurso social, mas na hora da verdade com freqüência se verifica que isso só vale para o que não ofende nem incomoda ninguém. Afinal, quem insiste em falar o que obviamente ofende e incomoda só pode estar de má fé e não vamos tolerar isso, certo?
Ora, liberdade apenas para concordar é evidentemente um oxímoro, e o conceito de liberdade de pensamento e expressão adquire sua relevância precisamente quando aplicado a idéias consideradas revoltantes, erradas, heréticas ou ofensivas. Ele se aplica por excelência exatamente àquilo que preferíamos que não fosse dito. E para quem questiona seu valor, uma folheada nos livros de história revela abundantes exemplos do que acontece quando se começa a caminhar na direção de aceitar que se proíbam as pessoas de pensarem e se expressarem de forma divergente ou estranha à ortodoxia.
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Muito bom e atual o seu blog, Sérgio. Admito que fiquei surpreso com a sua referência ao meu relato de adolescência, principalmente porque você analisa o fenômeno com muito mais sofisticação conceitual, o que confere uma dimensão analítica ampla a fenômenos do dia-a-dia.
Continuarei lendo o seu “Indivíduo”. Um abraço, então!
Pois é, sua experiência na escola é a de muitos outros cujo único crime foi ser iconoclasta. Eu achei relevante mencionar, inclusive porque no mais das vezes, é como você descreve : “A repressão seguia em frente enquanto nós fomos silenciados, e ninguém ficou nem sabendo do caso.”
Eu me lembro de quando eu estava na escola um amigo meu uma vez escreveu com giz no quadro negro após a aula algo nas linhas de : “Não se iludam, isto aqui é uma prisão!”. Pois bem, um inspetor viu aquilo, chamou o coordenador para ver, foram catar quem tinha escrito, enfim, no final além de ter que ouvir sermões cujo conteúdo era “isso aqui *não* é uma prisão, nós prezamos profundamente a sua liberdade” (!) o meu amigo foi suspenso (!) por três dias. A ironia (ou esquizofrenia mesmo) aparentemente lhes escapou.
Infelizmente esse tipo de reação absolutamente surreal freqüentemente evolui para a norma em sistemas nos quais não existe uma preocupação explícita e deliberada em preservar certas liberdades.
Exemplo canônico : experimente tentar dizer publicamente que não existe liberdade de expressão em sendo cidadão cubano ou chinês e estando fisicamente presente em solo pátrio…
Saudações,
Sergio
massa essa historia
Em suma, estamos proibidos nem mais de dizer a verdade mas, antes, de sermos honestos e sinceros.
Embora vivamos a mais maldita de todas as eras confrontadas pela humanidade aproveitável — a era da opinião, esta mesma opinião precisa ser permitida para ser validada ou vice-versa. Só não me perguntem por quem. É um método fantástico de domínio pois une megalíticas facilidade e eficácia: parece ser uma tendência natural humana “ter” e expressar opiniões e, ao mesmo tempo e como uma luva para a estratégia, muito mais de 99% dos humanos não tem inteligência suficiente para ter opiniões próprias.
Mas a mentira não auxilia ninguém, nem mesmo a vítima da verdade.
Eu não tenho certeza de que a frustrante raridade de opiniões próprias e independentes seja apenas ou mesmo primodialmente conseqüência de falta de inteligência. Eu acho que existe também aí uma questão psicológica e emocional fortíssima, derivada dentre outros fatores de pressões sociais, de incapacidade de introspecção, de insegurança, de problemas com a própria identidade… aí o que a maior parte das pessoas acaba fazendo mesmo é usar opiniões prêt-a-porter, como uma camiseta comprada na liquidação. Os mais chiques usam opiniões de grife. :-)
Saudações,
Sergio