O Indivíduo » Prostituição ../../../../. Porque só o indivíduo tem consciência Tue, 02 Aug 2011 04:56:23 +0000 en hourly 1 http://wordpress.org/?v=3.1.3 Reflexões Sobre A Prostituição Em Tempos Modernos ../../../.././2007/07/30/reflexoes-sobre-a-prostituicao-em-tempos-modernos/ ../../../.././2007/07/30/reflexoes-sobre-a-prostituicao-em-tempos-modernos/#comments Mon, 30 Jul 2007 08:19:03 +0000 Sergio de Biasi http://oindividuo.com/?p=472 soliciting_discreetly

Hoje fiquei pensando sobre como a poligamia nas sociedades islâmicas deve ter um efeito colateral não intencional : necessariamente, haverá homens que nunca terão esposas. Mais do que isso, o número de homens sem esposas será sempre superior ao de mulheres sem maridos, e será tão maior quanto mais polígama for a sociedade. Considerando além disso a atitude dominante nas sociedade islâmicas sobre sexo fora do casamento, não é de admirar que as mulheres sejam proibidas de saírem sozinhas na rua, tenham que usar roupas que escondam suas formas, e que em tais países as pessoas estejam dispostas a se explodirem em nome de Alá esperando com isso irem parar num paraíso cheio de virgens. Eu, pessoalmente, não vejo nada de terrivelmente errado com a poligamia (supondo que os envolvidos a aceitem voluntariamente e construtivamente), mas há de se convir que se ela for somente masculina (que é mesmo a que biologicamente faz mais sentido), isso contém em si as sementes de uma tensão social constante.

Aí eu pensei que uma forma de compensar (parcialmente) isso seria haver umas poucas mulheres que prestassem à sociedade o serviço público de transarem com os homens que ficassem sem esposas/parceiras. Só que tais mulheres já existem em todas as sociedades – são as prostitutas. Então eu comecei a pensar sobre o papel que elas têm nas sociedades cristãs, e acabei por concluir que elas prestam um excelente e muito saudável serviço à comunidade.

Porém, apesar disso, a prostituição é quase sempre cercada de um estigma negativo. Mas pensemos com cuidado. Uma prostituta faz mal a alguém? Não, ela presta um serviço ardentemente desejado por seus clientes. O argumento normalmente utilizado é que esse serviço seria degradante para a própria prostituta, que é colocada como vítima. A construção dessa descrição da prostituta como “vítima” geralmente se dá por duas vias : 1. prostituir-se seria intrinsecamente degradante e 2. para muitas mulheres, a prostituição seria imposta, e não voluntária.

Comecemos pelo segundo ítem. Impor uma profissão a qualquer pessoa já é ilegal. Um trabalhador rural, por exemplo, que seja contra a sua vontade mantido em sua profissão ou ligado a um empregador específico, seja sob ameaças, por contatos abusivos, por falta de meios de escapar, por não poder pagar dívidas ou por qualquer outro motivo, terá pleno apoio da lei e das instituições em quase todas as sociedades modernas. Não que o trabalho escravo tenha desaparecido completamente da face da terra, mas o que o caracteriza – e à sua ilegalidade – não é a natureza da atividade exercida e sim a relacão entre prestador de serviços e empregador. Querer tornar prostituição ilegal porque existem gigolôs ou bordéis abusivos é como querer tornar colher cana ilegal porque existem pessoas enganando ou forçando bóias-frias a realizarem o que constitui na concepção moderna trabalho escravo. E, adicionalmente, não seria justificado tornar ilegal o exercício autônomo dessa atividade (pelo menos nesse aspecto a lei brasileira é coerente). Pelo contrário, é exatamente a ilegalidade da profissão que permite que exista a exploração, escravização e tráfico de prostitutas. Uma prostituta, ao contrário de um trabalhador rural, não tem a quem recorrer quando ameaçada, pois se recorrer ao estado, apenas acrescentará mais uma entidade à lista daqueles que a vitimizam. A forma mais óbvia e simples de proteger as prostitutas de trabalharem sob ameaças ou coação seria simplesmente a descriminalização da atividade. Isso imediatante faria com que as prostitutas pudessem de fato serem ajudadas (ao invés de perseguidas) pela sociedade, e adicionalmente baixaria os preços dos serviços (pelo aumento da concorrência e diminuição do risco), diminuindo cada vez mais o incentivo para que se voltasse para essa área quem se sentisse muito agredido com isso.

O que nos leva ao primeiro ítem. Quão degradante é prostituir-se? Para começar, é evidente que mulheres diferentes reagirão de forma diferente. Cada pessoa tem uma personalidade e uma vocação. Mas no caso geral, o que é mais degradante, dar prazer a um estranho ou ser forçado a aceitar que um editor mexa aleatoriamente em um texto que você escreveu? Fazer sexo sem sentir prazer ou entregar para os clientes um programa de computador que você sabe que não funciona porque seu chefe mandou? Ser tocada intimamente por alguém que você não ama ou passar noites acordado estudando assuntos que você considera irrelevantes para poder ganhar um título ou passar num concurso? Fazer sexo por dinheiro é mais degradante do que ir ao dentista? Ao ginecologista? Do que passar fome no meio da rua e ver seus sonhos se desmancharem? Do que trabalhar como um cavalo e ganhar um salário mínimo? Do que ser garçonete? (Essa é respondida diretamente por *muitas* prostitutas com um ressonante “não”!) Mais ainda, pergunto : é mais degradante casar-se com um homem de quem você não realmente gosta para ter uma vida financeiramente segura ou cobrar abertamente de homens para prestar os serviços de que eles biológica e psicologicamente precisam? Especialmente nesse último caso, acho a segunda opção bem menos degradante para os dois lados. Além disso, assim como no caso por exemplo de homossexualismo, se eu escolho voluntariamente fazer coisas que outros acham degradantes para mim, isso é problema meu. Se outros quiserem me “ajudar”, me dar opções, fazer discursos ou qualquer outra coisa que não envolva coação, é escolha deles. Mas me forçar a seguir as escolhas que fariam no meu lugar é nada menos que totalitário e opressor.

Me parece que a humanidade, nos tempos modernos, cada vez menos consegue lidar com a questão de sexo de uma forma positiva e construtiva. Metade da sociedade trata sexo de forma cada vez mais despersonalizada e niilista, enquanto que a outra metade o trata de forma fóbica e hipócrita. Onde estão as pessoas que enxergam sexo como algo que envolve sim, sentimentos, compromisso e responsabilidade mas que ao mesmo tempo o vêem de forma natural e construtiva?

Sexo não é apenas sobre orgasmo. Se fosse, masturbação seria suficente e os homens não gastariam tanto tempo, dinheiro, esforço, saúde, paciência, dignidade e reputação cavando – muitas vezes desesperadamente – uma parceira sexual. Especialmente na sociedade ocidental moderna, sexo evidentemente também não é apenas sobre ver mulheres nuas – isso é trivialmente fácil, e novamente, claramente não é a questão. Desnecessário dizer que sexo também não é somente sobre ter filhos, ou ninguém veria qualquer sentido em fazer sexo quando filhos não pudessem ser um resultado, enquanto que evidentemente a maioria das pessoas toma extremo cuidado para que filhos não sejam um resultado. Etc, etc. O papel do sexo na psique humana é muito mais complexo do que tudo isso. Tem a ver com afetividade, com afirmação da identidade, com relações de poder, com necessidade de aceitação, com tantas coisas tão fundamentais que é difícil imaginar um ser humano mal resolvido sexualmente que leve uma vida plena e feliz. Grande parte dos psicanalistas do mundo provavelmente ficaria sem emprego se as pessoas pudessem simplesmente fazer as pazes com suas necessidades sexuais.

O que nos leva de volta à prostituição. As prostitutas não existem por acaso. Elas prestam um serviço que satisfaz necessidades profundíssimas e muito poderosas na psique humana. Desde que trabalhem voluntariamente, qual o problema? Por que uma atividade se tornaria *mais* degradante pelo fato de que alguém está extraindo prazer dela? O cliente acho que ninguém discute que está, mas é ainda mais fantástico ver os ultra-moralistas de plantão criticarem as próprias prostitutas por se entregarem à “luxúria”. É um discurso completamente esquizofrênico, e incompatível com sua suposta vitimização. Como se um boxeador (ou qualquer atleta realmente competitivo) não levasse seu corpo até os limites. Como se um guarda penitenciário não fosse submetido a intenso estresse psicológico. Como se um bombeiro ou policial não corresse risco de vida. Isso me parece altamente sintomático daquela lógica repressora masoquista de que se alguém está se divertindo, então algo está errado.

Acho que chegamos a um ponto de desenvolvimento social e cultural em que antigas leis tribais concebidas há milhares de anos não são mais uma base adequada para o nosso sistema de moral. Talvez em algum momento histórico tenha feito sentido enxergar a prostituição como perniciosa; não sei dizer. Mas hoje, me parece que isso não faz mais qualquer sentido. Diria ainda mais – a aceitação e a normalização dessa atividade vêm potencialmente a contribuir para amenizar vários dos desequilíbrios da sociedade moderna.

Enumeremos aqui algumas das forma como esse efeito positivo poderia ocorrer. Comecemos por alguns benefícios mais diretamente ligados à descriminalização para então prosseguir a outros associados a uma prestação mais ampla e disseminada do serviço de prostituição.

- Proteção das prostitutas contra abusos. A partir do momento em que prostituição não fosse mais criminalizada, e sim legalmente uma atividade profissional como qualquer outra – como babá, dançarina ou psicóloga – o problema de uma mulher ser “forçada” à prostituição diminuiria sensivelmente. Da mesma forma, seria possível organizar as condições de trabalho das que decidissem oferecer seus serviços através de uma agência ou agente. Só seria prostituta quem escolhesse, e em condições mais seguras de trabalho.

- Desmonte de estruturas mafiosas. Como toda atividade criminosa na qual tanto cliente quanto prestador de serviço estão interessados na transação (outro exemplo típico é o tráfico de drogas), a prostituição é notoriamente complicada de combater, e gera toda uma estrutura de poder paralelo (já que não é possível contar com a lei para garantir segurança e contratos). Isso deixaria de fazer sentido e passaria a funcionar como qualquer outro mercado de prestação de serviços.

- Queda dos preços, juntamente com melhora da qualidade e disponibilidade dos serviços. Sem a necessidade de altas taxas de lucro para compensar o risco associado à ilegalidade, assim como com o aumento da concorrência devido à possibilidade de se oferecer e anunciar abertamente os serviços (se bem que em lugares como o Brasil isso já é uma realidade na prática), é natural esperar-se uma queda de preços dos serviços prestados, juntamente com um aumento da qualidade, sem necessariamente uma correspondente diminuição da remuneração, já que de fato o custo de oferecer o serviço diminuiria, além de que a demanda aumentaria.

- Controle de doença sexualmente transmissíveis. Talvez contra-intuitivamente, isso provavelmente resultaria em um controle muito melhor da propagação de doenças sexualmente transmissíveis. Enquanto as pessoas recorrerem a parceiras aleatórias, que desconhecem e que não querem conhecer, premidas primariamente pela necessidade de satisfazer seus impulsos sexuais em situações muitas vezes absolutamente insensatas, é claro que haverá uma taxa muito maior de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Ironicamente, é muito mais fácil controlar e regular esse tipo de problema quando se trata de uma profissional do que num encontro aleatório. Em tempos modernos, nos quais testes clínicos são baratos e imediatos, é possível facilmente acompanhar o estado de saúde de uma profissional. Já o mesmo não pode ser dito de alguém encontrado aleatoriamente. Adicionalmente, uma profissional em geral terá muitíssimo maior conhecimento e determinação em detectar doenças e precaver-se de contaminação do que uma pessoa aleatória.

- Diminuição do número de estupros. Esta é auto-explicativa. Claro que em grande parte das vezes o estupro é um ato de poder e agressão, não primariamente sexual, etc, mas mesmo assim – existem sim pessoas por aí desesperadas e/ou revoltadas por causa de sexo e um acesso mais universal e menos estigmatizado a esse tipo de serviço mitigaria o problema. Além disso, uma profissional de sexo não é o mesmo que uma namorada; ela poderia no caso geral com muito mais competência (por conhecimento e por estar sendo paga) satisfazer / desarmar de forma controlada os impulsos que desviassem do trivial simples.

- Controle de natalidade. Estamos chegando em uma época em que a humanidade simplesmente não pode continuar se reproduzindo nas taxas que historicamente manteve. Porém, nossa necessidade biológica e psicológica de sexo não se alterou em nada devido a essa conjuntura. Por imbecil que possa soar, uma quantidade substancial das pessoas ainda têm filhos não porque queira ter uma família mas sim como conseqüência colateral da concretização de seus impulsos sexuais. Seria bastante conveniente que tais pessoas suprissem suas necessidades sexuais sem superpovoar o mundo. Nos casos em que tal desejo sexual poderia ser expresso por qualquer pessoa ao invés de por uma parceira específica, uma profissional provavelmente realizará um controle de natalidade muito superior a uma mulher aleatória.

- Casamentos mais estáveis e fortalecimento da família. Existem muitos homens que aceitam ingressar num casamento ou iniciar uma família como forma de garantir uma parceira sexual. Eles não estão necessariamente entusiamadíssimos de vontade de terem filhos com aquela mulher, ou de partilhar uma vida com ela, mas sentem uma necessidade insufocável de terem uma parceira sexual. Nesses casos, a melhor forma de resolver o assunto não é se casar e ter filhos, e sim ter uma parceira sexual. O homens que seriam chantageados a terem uma família como forma de terem acesso a sexo provavelmente estarão mais bem servidos por uma profissional. Por outro lado, as famílias que de fato se formarem provavelmente estarão mais fortemente fundamentadas em interesses comuns, inclusive sexuais. E um homem não precisará desesperar-se em casar com “alguém” (gerando um casamento provavelmente frustrado que terminará em divórcio) por falta de uma parceira sexual. Poderá esperar com muito mais calma por uma parceira com a qual realmente haja uma relação de complementação mútua.

- Homens mais felizes. Existe uma quantidade substancial de homens em nossa sociedade que têm que passar extensos períodos lidando com a (em muitos casos extrema) frustração de não terem atendidas suas instintivas, naturais e saudáveis necessidades sexuais. Sejam quais forem os motivos para essa situação, ela gera uma grande quantidade de infelicidade, que transborda também para a sociedade ao redor.

- Mulheres mais gentis. Nossa sociedade atual pulou de uma situação na qual as mulheres tinham pouca independência política, social e sexual para uma situação diametralmente oposta na qual (especialmente nos EUA) elas têm efetivamente uma quantidade de liberdade superior à dos homens. Por exemplo, se uma mulher chama um homem para sair e ele não está interessado, a resolução normal é ele dizer que não está interessado e a vida continuar normalmente. Já se um homem chama uma mulher para sair e ela não está interessada, por ser que ocorra o mesmo, mas também pode ser que ocorra qualquer coisa desde uma (injustificável, ridícula, hipócrita, neurótica) reação de indignação, uma (cruel) reação de escárnio até, dependendo do contexto, um processo por assédio sexual ou por stalking. Isso tudo tem a ver com uma reação exagerada a uma prévia situação de opressão, mas também com um desequilíbrio entre os comportamentos sexuais femininos e masculinos que ficou muito mais evidente após a “revolução” sexual das décadas de 60/70 após a qual as pessoas se sentiram muito mais livres para perseguir relacionamentos sexuais precedendo ou mesmo sem pensar em casamento. Em nossa sociedade atual, uma mulher normal que deseje sexo (não estou falando necessariamente de relacionamentos) precisa apenas andar até o clube da esquina e esperar. Ja um homem que deseje sexo passa por um processo infinitamente mais desgastante. Diante disso, grande parte dos homens está disposto a aceitar *muita* besteira de uma mulher que seja (ou mesmo que poderia ser) sua parceira sexual. Isso corrompe o caráter de grande parte das mulheres, que se sente numa situação de poder, e abusa desse poder ao invés de agir com dignidade e respeito. Essa atitude se tornaria insustentável num contexto em que o acesso ao sexo fosse trivial. Mulheres antipáticas e rudes seriam simplesmente ignoradas.

- Homens mais sinceros e afetivos. Uma reclamação razoavelmente comum que se ouve no meio feminino é de que “os homens só estão interessados em sexo”. Ora, se eles tiverem acesso simples, seguro e garantido à satisfação de seus impulsos sexuais instintivos, buscarão relacionamentos não profissionais com outras mulheres primordialmente por motivos mais afetivos, como companheirismo e amizade, não apenas para conseguir sexo, ao qual já têm acesso fácil. Isso me parece ser altamente benéfico para ambos os lados.

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