O Indivíduo » Liberalismo ../../../../. Porque só o indivíduo tem consciência Tue, 02 Aug 2011 04:56:23 +0000 en hourly 1 http://wordpress.org/?v=3.1.3 Liberals, Liberais e Libertários ../../../.././2009/12/03/liberals-liberais-e-libertarios/ ../../../.././2009/12/03/liberals-liberais-e-libertarios/#comments Thu, 03 Dec 2009 22:44:54 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1427 Em sendo a liberdade algo genericamente aceito como em princípio uma boa causa pela qual se lutar, não é supreendente que uma vasta gama de  movimentos políticos, ideologicos e filosóficos com fundamentos e objetivos completamente diversos se definam como defendendo a “liberdade” diante de algum tipo de interferência ou opressão. Então temos desde a teologia da libertação até o liberalismo clássico de Adam Smith, todos defendendo liberdades de algum tipo.

Isso se torna particularmente relevante para aqueles que como eu se identificam genericamente com a causa libertária, posto que existe uma grande variedade de movimentos que se identificam como tal. Vamos aqui discutir então brevemente alguns desses termos e como especificamente “libertário” se encaixa nisso.

Vou começar por colocar minha visão pessoal sobre o assunto. Para mim, quando digo que sou libertário, estou querendo dizer que defendo a idéia genérica de que cada um deve ser em princípio deixado em paz pela sociedade para viver sua própria vida como quiser. Note-se que essa idéia em si mesma, embora modernamente gozando de grande aceitação, é historicamente revolucionária, tanto em termos filosóficos como políticos. Concepções anteriores da condição humana, aliás dominantes em grandes frações do mundo durante grande parte da história humana (inclusive hoje) defendem princípios básicos completamente diferentes e mesmo opostos. Por exemplo, para alguns o homem existe para servir aos outros. Sua função primária é cumprir seu papel na sociedade, e é legítimo exigir dele qualquer esforço – mesmo ceder sua própria vida – nessa direção. Para outros, o homem existe para servir a deus, e novamente, qualquer sacrifício pode dele ser legitimamente exigido no sentido de satisfazer o que se entenda como sendo a vontade de deus.

Para mim, porém, o ser humano individual deve ser tratado mais ou menos como um país em si mesmo e tem certas prerrogativas fundamentais que não devem em princípio serem usurpadas pela sociedade. A discussão de quais exatamente são essas prerrogativas é menos importante a meu ver do que o fundamento de que cada um deve ser em princípio e como regra geral ser deixado em paz pela sociedade para viver sua vida como achar melhor.

Por que “em princípio” e não  “sempre”? Bem, porque a concessão de liberdade irrestrita de ação a um ser humano evidentemente conflita com o exercício da liberdade por aqueles aqueles à sua volta. Então a minha “liberdade” de incendiar a casa do meu vizinho caso eu não goste das opiniões dele não deve ser protegida, aliás muito pelo contrário. Portanto embora o princípio básico seja o de que cada um deve ser deixado em paz para viver como quiser, é preciso que seja deixado em paz não apenas pelo sistema politico, mas também por seus vizinhos, por pessoas aleatórias, e por outros segmentos da sociedade organizada. E para que isso seja atingido, é ironicamente necessário restringir a liberdade de ação de todos esses agentes.

É de como administrar essa exceção – esse essencial conflito de nossa liberdade com a dos outros – que surge uma boa parte das divergências políticas, ideológicas e filosóficas mesmo entre aqueles que concordam com a idéia básica de que o indivíduo deve ser deixado livre para viver sua vida como bem entender. Assim sendo, o problema se torna não exatamente de “como garantir liberdade irrestrita para todos”, algo logicamente impossível para começar, mas sim de “qual sistema político maximiza a liberdade individual”?

E então desde o começo esbarramos em mais problemas. Antes mesmo de discutir como atingir certos propósitos, é problemático decidir o que exatamente estamos tentando atingir. Quando dizemos “maximiza a liberdade individual”, estamos falando de quê? Afinal, estamos nos referindo a grandes grupos de pessoas, de distribuições de liberdade individual. Estaremos falando da liberdade média? Ou talvez do somatório da liberdade conjunta? Ou quem sabe de maximizar a todo custo a menor quantidade de liberdade que aceitaremos que um ser humano tenha? Ou conversamente, de maximizar a maior liberdade teoricamente possível para pessoas individualmente no sistema?

Uma vertente particularmente perversa é : estamos buscando, por uma questão de  “justiça”, equalizar as liberdades, isto é, que elas sejam o mais idênticas que for possível para todos. Apesar de poder parecer conter um certo mérito à primeira vista, ele desmorona imediatamente quando percebemos que tal objetivo pode ser facilmente atingido simplesmente retirando todas as liberdades de todos, ou alternativamente cerceando as liberdades dos mais livres até que fiquem iguais às dos menos livres, algo que vai diretamente e completamente contra o princípio original de que o que estamos tentando atingir é preservar a maior quantidade possível de liberdades para cada pessoa. Ou seja, coloco aqui já um princípio genérico sobre formas que considero aceitáveis de resolver essa questão : podemos discutir sobre qual distribuição de liberdades é melhor, ou como atingi-la, mas extinguir liberdades com o único propósito de equalizá-las sem que isso aumente a liberdade de mais ninguém não tem meu apoio.

O que nos retorna ao ponto fundamental : quando é então afinal de contas justificável retirar liberdades de alguém? Existem duas correntes clássicas de pensamento sobre isso. Uma diz que isso só é aceitável quando o exercício de tais liberdades forem ativamente e ostensivamente prevenir outros de exercerem suas próprias liberdades. E aí evidentemente é preciso todo um julgamento sobre custo e benefício, mas o princípio básico seria de que só devemos restringir a liberdade de alguém nos casos em que isso for necessário para proteger a liberdade de outros.

Uma visão alternativa é a de que e aceitável retirar liberdades de alguém não apenas para proteger as liberdades de outros, mas também para criar liberdades que os outros não teriam de outra forma. A idéia é de que já que se estamos tentanto por exemplo maximizar o somatório da liberdade total, então se retirar 10% da liberdade de 5 pessoas for causar um aumento de 30% na liberdade de 50 pessoas, então isso deve ser feito, mesmo que estas 5 pessoas estivessem simplesmente cuidando de suas vidas e não estivessem interferindo diretamente com a liberdade de ninguém.

Minha visão é de que este último raciocínio pode ser perigosíssimo e levou historicamente a todo o tipo de aberrações. Genericamente eu olho com extrema desconfiança e hesitação para a noção de que a sociedade tenha o direito nos engajar à força em quaisquer projetos voltados para o bem comum. Não interessa quão lindos e bem intencionados tais projetos sejam, quando a interferência na nossa independência de escolha ultrapassa um certo limiar, isso é totalitarismo puro e simples. Infelizmente, para proteger a nossa liberdade individual, eu concordo que certas estruturas precisam de fato ser criadas para preencher o vácuo de poder, e eu não acho que a inexistência total de coerção por instituições mais ou menos centralizadas seja viável. Porém, repito, a primordial função e justificativa para tais instituições é garantir que gângsters não assumam eles mesmos esse papel e imponham então uma organização social que desconsidere as liberdades que quero ver preservadas.

Dito isso, consideremos os nomes dados a algumas linhas de pensamento comuns sobre esses assuntos.

Comecemos com “liberal”. Esta palavra tem, em português, uma interpretação padrão diferente da que ocorre no inglês.

Em inglês, quando se fala em “liberal”, isso pode ser entendido de duas formas basicamente opostas : “social liberalism” ou “classical liberalism”. O que já nos leva imediatamente de volta à discussão original sobre como o termo “liberdade” pode ser entendido de formas completamente diferentes. Após a revolução iluminista do século 18, e com um foco tanto do entendimento filosófico do universo quanto das estruturas politicas crescentemente concentrado no  homem, a idéia de preservação das liberdades individuais começou a ganhar cada vez mais importância. Porém, rapidamente surgiu uma discordância sobre como tais liberdades devem ser entendidas e preservadas. Dois caminhos não exatamente opostos mas certamente divergente de pensamento surgiram.

Um deles, o do liberalismo classico, é o de que os esforços na defesa das liberdades individuais devem se concentrar em protegê-la de interferências indevidas. Isso é um tipo de “liberdade negativa” no sentido de que o que deve ser garantido não é que qualquer um terá de fato acesso a qualquer tipo de liberdade, e sim que não será deliberadamente impedido de exercê-la pela sociedade. Os Estados Unidos, ao contrário de quase todas as outras nações modernas do mundo, foram originalmente fundados em princípios que vão mais ou menos nessa direção. Em um de seus mais importantes documentos fundadores, é reconhecida a importância de garantir ao ser humano individual a liberdade de “buscar a felicidade” (algo mais ou menos universalmente aceito atualmente mas revolucionário com relação às concepções de mundo previamente dominantes). Note-se porém o cuidado deliberado de garantir o direito à busca da felicidade, não o “direito” de efetivamente obtê-la, algo que os defensores deste entendimento de liberdade tendem a considerar absurdo, inviável e até mesmo opressivo. Este é o entendimento padrão da palavra “liberal” no contexto de ideologias e movimentos políticos no Brasil.

Já o entendimento alternativo de liberdade vai precisamente nesta direção. Para o liberalismo social, certas liberdades devem ser defendidas de forma “positiva” ou “afirmativa”. Isto é, não é suficiente que se previna que a sociedade interfira coercitivamente com certas liberdades individuais. O raciocínio é de que é inútil ter “em princípio” por exemplo o direito de ir e vir se não se têm de fato o poder de exercê-lo porque o custo dos pedágios é altíssimo. Que é ridículo ter o direito à preservação da própria vida se o custo dos serviços médicos mais fundamentais é completamente inacessível para grande parte da população. A idéia é que embora ninguém esteja entrando na sua casa e atentando ativamente contra sua integridade física, se a sociedade se organiza de uma forma tal que um copo d’agua custe mil dólares, estamos efetivamente negando a uma grande parcela da população o direito à vida. Nos Estados Unidos essa é a conotação automaticamente associada à palavra “liberal” quando usada sem maiores explicações.

Eu, pessoalmente, acredito que levar qualquer uma das duas posições ao extremo NÃO maximiza a liberdade de ação do ser humano individual, que é o que eu realmente gostaria que se buscasse. Segundo o liberalismo clássico (mas note, não segundo por exemplo o anarco-capitalismo), pode ser perfeitamente legítimo por exemplo coercitivamente cobrar impostos para financiar um sistema de polícia que impeça que você seja assassinado ao sair na rua. Estamos falando aqui de destruir certas liberdade para proteger outras liberdades, e até aí estou de acordo. Adicionalmente, concordo plenamente com o liberalismo clássico na posição de que não é aceitável confiscar 50% do salário de todos para prover a todo e cada ser humano o direito, digamos, de viajar para qualquer lugar do mundo que desejar (que seria o caso de destruir certas liberdades para criar outras liberdades).

Consideremos agora outro tipos de liberdade, por exemplo o de acesso à educação e ao conhecimento, ou a alimentação suficiente para não morrer de fome, ou a uma operação de emergência para apendicite aguda. Caso alguém não tenha recursos para estudar, ou para comprar comida, ou para ir ao médico, e esse seja o único impedimento para fazê-lo, isso não é diretamente devido à ação coercitiva de ninguém. No modelo mais ortodoxamente clássico, portanto, que pena, que azar, não é responsabilidade que possa ser legitimamente imposta à sociedade, então eu lamento, mas permaneça ignorante, sem alimentação, ou morra de apendicite. É o que efetivamente se está dizendo.

Eu pessoalmente acho que é necessário haver um equilíbrio entre as duas posições. Devem existir certas proteções para que a interferência da sociedade na minha vida não seja opressiva, e isso é absolutamente fundamental e prioritário. Então se for necessário confiscar 50% do salário de todos para financiar com sucesso o combate à fome, então infelizmente deveremos concluir que não há recursos suficientes para combater a fome com sucesso. Mas se 1% do salário de todos for suficiente para prevenir, digamos, que grandes parcelas da população não possam sequer aprender a ler, então aí eu já acho que o somatório do benefício atingido e tão absolutamente enorme que me parece ser razoável que se aja coercitivamente para retirar um certo grau de liberdade tendo em vista criar outras muito maiores. Mas note-se, desde que se trate de liberdades absolutamente fundamentais, que a relação entre custo e benefício seja exponencialmente favorável, e – talvez o mais importante – que o somatório dessas expoliações voltadas para criar liberdades para outros jamais ultrapasse um certo limiar além do qual inevitavelmente criam um estado totalitário mesmo que produzam os benefícios pretendidos.

Se nos entusiasmamos demais com o liberalismo clássico, protegeremos o indivíduo de interferências excessivas do governo, e talvez até mesmo de ações ilegitimamente coercitivas por outros membros da sociedade, mas deixamos basicamente as portas abertas para todo tipo de vácuo concreto de liberdades ocorrer sem que seja diretamente “culpa” de ninguém em particular, liberdades que facilmente teríamos recursos para criar e garantir e que maximizariam amplamente a liberdade total da sociedade. Não fazê-lo seria motivado apenas por ortodoxia ideológica. Por outro lado, se nos entusiasmamos demais com o liberalismo social, corremos o risco – ou melhor, a certeza – de entrar numa inflação desncontrolada de criação de “direitos” e liberdades que só podem ser garantidos cassando outras liberdades; então mesmo no caso – duvidoso – de que todas essas tais “liberdades” sejam de fato criadas com sucesso, o custo inevitável é o governo se meter opressivamente em todos os aspectos de nossas vidas.

O problema com defender certas liberdades “afirmativamente” é que isso garantidamente resulta na restrição a um certo conjunto de outras liberdades. Isso é feito  supostamente com a justificativa de assegurar outras e com isso maximizar a liberdade total, mas essa conseqüência é incerta, largamente imensurável, e quase sempre profundamente discutível. Eu tendo portanto  a simpatizar bem mais com a visão do liberalismo clássico, e a acreditar que somente certas liberdades absolutamente fundamentais devem ser preservadas ativamente pelo governo. Porém, eu não acredito que esse conjunto de liberdades tão fundamentais que são meritórias de defesa mais ou menos ativa seja completamente vazio. Então, em resumo, eu não me identifico plenamente com nenhuma das duas posições em sua forma mais ortodoxa.

O que nos leva aos libertários. Como disse previamente, eu sou a favor mesmo é de seja lá qual estratégia efetivamente maximizar as liberdades individuais efetivamente disponíveis e exercíveis. Eu não quero ser oprimido nem pelo governo nem pelos meus vizinhos. Mas eu também não quero que gigantescas liberdades potenciais sejam negadas a grandes massas exclusivamente para preservar ao máximo logicamente possível a liberdade de uma fração da sociedade. Mas isso sou eu. Infelizmente, não existe nem de longe uma unidade ideológica entre os libertários, e um significado padrão que se possa oferecer ao termo. Existe todo um espectro de pessoas se chamando “libertárias”, desde os anarco-capitalistas até alguns cujas teses incluem a abolição total da propriedade privada (!). Então de certa forma é muito pouco explicativo alguém se dizer “libertário”.

No Brasil, ainda existe uma divulgação muito pobre das idéias libertárias em todas as suas manifestações e vertentes. O pensamento liberal clássico tem já há um bom tempo um grande número de divulgadores e defensores, assim como o pensamento liberal social. Já o pensamento libertário tem poucos seguidores, defensores e divulgadores. Isso é ilustrado pelo fato de que nem sequer existe um termo suficientemente padrão para dar nome ao pensamento libertário; os termos libertarianismo e libertarismo são os candidatos mais óbvios mas nenhum dos dois possui no Brasil grande penetração, seja na cultura, seja na política.

Uma parte do problema que impede uma maior divulgação da posição libertária é precisamente a mencionada ambigüidade sobre o que ela seria para começar. Uma das maiores inspirações para o pensamento libertário, Ayn Rand, é ao mesmo tempo uma das que mais severamente denunciou aqueles que nos Estados Unidos resolveram tomar para si a bandeira da causa libertária. Mas mesmo estando carregada de confusão e discórdia, a posição libertária goza de substancial importância na cultura americana, uma importância que mesmo minoritária, é decididamente relevante, e provavelmente maior do que em qualquer outro país do mundo.

Ironicamente, um dos fatores que prejudica uma maior sistematização do pensamento libertário é que um de seus fundamentos é dar enorme valor à independência de julgamento, opinião e consciência individuais. Isso faz com que seus proponentes sejam naturalmente repelidos por qualquer sugestão de estabelecer uma ortodoxia ideológica, e acaba prejudicando a divulgação e defesa das idéias que de fato são comuns. Como em vários outros contextos, defender militantemente o pensamento crítico é uma proposta problemática.

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