O Indivíduo » Libertarianismo ../../../../. Porque só o indivíduo tem consciência Tue, 02 Aug 2011 04:56:23 +0000 en hourly 1 http://wordpress.org/?v=3.1.3 Bem Vindo ao Deserto do Real ../../../.././2010/10/23/bem-vindo-ao-deserto-do-real/ ../../../.././2010/10/23/bem-vindo-ao-deserto-do-real/#comments Sat, 23 Oct 2010 15:51:32 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=2295

Escolhendo a pílula vermelha

What is “real”? How do you define “real”?
–Morpheus

Eu me lembro de quando estava tendo exatamente esta conversa com um cristão amigo meu e ele em algum momento disse : “Ok, mas afinal de contas, o que há de tão especial assim com a verdade?” E foi excelente ele ter sido capaz de colocar a questão de forma tão clara, porque se levada a sério, essa não é uma pergunta lá muito fácil de responder. Eu pessoalmente acho que abrir mão do critério de verdade como requisito fundamental para adotar um sistema de crenças leva a todo tipo de distorções e absurdos, tanto intelectuais quanto éticos, mas de fato é perfeitamente possível tomar – e diria eu, tomar *racionalmente* – essa decisão a partir do momento em que olhamos para a existência humana como algo que absolutamente não (nem de longe!) se resume à racionalidade.

You’ve felt it your entire life, that there’s something wrong with the world. You don’t know what it is, but it’s there, like a splinter in your mind, driving you mad.
–Morpheus

Inclusive eu acho muito mais saudável a posição de adotar sistemas de crenças religiosas com a plena consciência de que não se está com isso em busca da verdade do que a posição mais comum de defender fanaticamente que as crenças religiosas corresponderiam, sim à realidade concreta das coisas. Quanto mais se vai por esse caminho (de querer justificar crenças religiosas como *verdadeiras* ao invés de como confortáveis, convenientes ou úteis) mais bobagens se seguem. Agora, a autocrítica dual a essa é igualmente dolorosa e igualmente incomum : assim como é uma ilusão total querer justificar as crenças religiosas como *verdadeiras*, é uma ilusão total querer justificar não adotá-las apenas com base na “racionalidade”. Note-se, se alguém vem dizer que “é preciso acreditar apenas no que é lógico” e quando questionado sobre “mas afinal de contas por que mesmo?” responde “ora, porque é a única coisa lógica a fazer!”, é duro admitir, mas essa pessoa está sendo tão circular quanto alguém que diz “é preciso acreditar na Bíblia!” e quando questionado sobre “mas por que?” responde “ora, porque está na Bíblia”.

I’m trying to free your mind, Neo. But I can only show you the door. You’re the one that has to walk through it.
–Morpheus

Claro, uma resposta um pouco menos circular seria “Porque assim temos mais chances de acreditar no que é concretamente verdade”. E é precisamente neste ponto que surge o comentário do meu amigo : “Ok, mas afinal de contas, o que há de tão especial assim com a verdade?” E de fato, embora a lógica seja o caminho mais garantido para chegar ao que é verdade, escolher diante disso só acreditar no que é lógico continua dependendo da premissa de estamos de fato tentando chegar à verdade custe o que custar. Só que nossas necessidades mais importante e profundas são completamente ilógicas e injustificáveis para começar; esse fato só não é mais berrantemente óbvio porque existe um onipresente consenso social em aceitá-las como naturais e obviamente dispensadas de explicação, mas a rigor não há qualquer motivo racional ou lógico para viver e não morrer, para crescer e multiplicar, para interagir com outros seres humanos, para proteger sua própria integridade física, ou em resumo para fazer qualquer coisa. Quem não percebe isso, que não se dá conta disso, que não consegue aceitar isso está se auto-enganando em grande escala, sendo ou não religioso.

I didn’t say it would be easy, Neo. I just said it would be the truth.
–Morpheus

A questão toda é piorada pelo fato de que nossos irracionais, ilógicos e em última análise injustificáveis (e por vezes inconstantes, incompreensíveis, contraditórios e por vezes mesmo insondáveis e inacessíveis) instintos, sentimentos e impulsos são apesar disso tudo insufocavelmente e sufocantemente REAIS. Podemos diante disso aceitar que nossas motivações são completamente arbitrárias e abrir mão da ilusão de que sequer faça sentido falar em agir apenas racionalmente (isso seria buscar… o quê?) … ou podemos construir uma fantasia totalmente irracional (religiosa ou não) sobre por que nossos queridos preconceitos e fantasias são na verdade maravilhosamente bem fundamentados… e então agir “racionalmente” dentro do paradigma dessa fantasia. Em qualquer caso, a lógica permanece o melhor guia em termos de estimar o que é real. A questão é que “o que é real” absolutamente não é a única coisa que importa, aliás longe disso. O mundo real é árido e vazio de significado, e profundamente insatisfatório como residência de nossa psique.

Welcome to the desert of the real.
–Morpheus

Então vivemos todos uma escolha fundamental em nossas vidas (muito bem ilustrada na questão red pill versus blue pill) que é a seguinte : vamos escolher aceitar a verdade de que universo funciona como nossa mente racional implacavelmente nos informa que seja mais provável (ou mesmo certo) que seja de fato a realidade das coisas, ou vamos ao invés disso deliberadamente escolher defender crenças e valores que psicologicamente nos tragam conforto, paz e segurança mas que a rigor nosso julgamento racional indica que provavelmente (ou certamente) não correspondam à verdade?

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Mas talvez eu esteja já começando longe demais no argumento. A rigor temos também a opção de não questionar coisa alguma e simplesmente acreditarmos em paradas aleatórias. Inclusive me parece que essa seja a opção da maior parte da humanidade. Mas veja, quando você escolhe acreditar em uma idéia que você ouviu por aí, essa idéia não brotou do chão espontaneamente. Ela foi criada por alguém, e com grandes chances não foi criada por acaso. Existiria a possibilidade de que essa idéia tenha sido criada para te manipular? Mas que grande surpresa! Claro que existe. Pessoas dispostas a acreditar fortemente em idéias sem saberem muito claramente por que estão escolhendo acreditar naquilo são trivialmente, facilmente manipuláveis.

Seja como for, a maior parte das pessoas simplesmente escolhe a pílula azul por default, não porque tenha consciente e deliberadamente refletido sobre o assunto, mas porque nunca sequer chegou a perceber que existe uma escolha. O ser humano médio morre sem ter nunca ter enxergado a prisão cultural e intelectual na qual nasce, sem nunca ter percebido o quanto várias de suas crenças mais arraigadas são completamente arbitrárias e não têm qualquer relação com a verdade, o quanto querer ardentemente que uma coisa seja verdade e ela de fato ser são duas proposições completamente desconectadas.

Like everyone else you were born into bondage. Into a prison that you cannot taste or see or touch. A prison for your mind.
–Morpheus

Infelizmente os mecanismos sociais de controle que buscam manter o ser humano médio nessa prisão são enormes, onipresentes e fortíssimos. Experimente defender opiniões pouco usuais de qualquer tipo em praticamente qualquer grupo social e isso fica instantaneametne óbvio.

Mas existem mecanismos de controle mais deliberados e mais organizados do que a necessidade atávica de impor (e buscar) conformidade manifestada a nível de interações sociais espontâneas. Um deles é o sistema educacional, que da forma como modernamente constituído na maior parte das vezes, parece ter como diretiva mais importante punir, sufocar, destruir, impedir o pensamento criativo crítico independente.

Mas por mais que seja opressivo, o sistema educacional é algo de que a maior parte das pessoas se liberta (pelo menos materialmente) em algum momento. Um outro exemplo muitíssimo mais invasivo e que de fato pretende explicitamente fazer parte de todas as esferas da existência humana é religião. A religião como usualmente organizada é um sistema de impor conformidade que é particularmente perverso e danoso à psique. Sua malignidade deriva precisamente de sua determinação explícita e deliberada em exigir que o ser humano individual abra mão de seu julgamento independente, e mais ainda do que isso, em seu combate vociferante e cáustico a quem tem a audácia de não fazê-lo. O pior pecado imaginável em quase qualquer religião é não se submeter. A principal função e propósito da religião institucionalizada não está em nenhum lugar fora de si mesma, e sim em parasiticamente se auto-perpetuar, usando seres humanos como incautos hospedeiros.

Não que religião seja o único sistema de controle social; diversas ideologias ao redor do mundo cumprem a mesma função, criando sistemas que quanto mais totalitários vão ficando, mais vão se intrometendo em cada mínimo detalhe de nossas vidas. E quanto mais alguém mergulha numa dessas ideologias, em geral mais dependente delas vai ficando, e mais complexo fica dizer que aquilo é tudo um grande delírio, porque é precisamente a natureza dessas ideologias incentivar o ser humano não a ser forte e independente e íntegro e sim fraco e submisso e dependente. E isso não é por acaso – o sucesso dessas ideologias se deve em grande parte precisamente a isso.

But when you’re inside, you look around, what do you see? Businessmen, teachers, lawyers, carpenters. The very minds of the people we are trying to save. But until we do, these people are still a part of that system and that makes them our enemy. You have to understand, most of these people are not ready to be unplugged. And many of them are so inured, so hopelessly dependent on the system, that they will fight to protect it.
–Morpheus

Mas como eu disse no começo, nenhum desses sistemas explícitos porém é realmente necessário para aprisionar pessoas dentro de suas próprias mentes. Aliás, eu diria até que ao se tornarem explícitos, esses sistemas de controle tornam imediatamente claro que existiria uma escolha – desafiar o sistema – mesmo que se tente a todo custo fazer tal escolha soar impensável por repetido condicionamento. E na verdade no final das contas todos esses sistemas – explícitos ou não – dependem crucialmente de que introjetemos seus mecanismos de controle para funcionarem. Esses sistemas todos estimulam os nossos preconceitos e a nossa ignorância como forma de mais facilmente nos manipularem. Mas preconceitos e ignorância – ora, isso é algo que não precisamos de nenhum sistema externo de controle para cultivarmos nós mesmos. E de fato o fazemos em grande escala e espontaneamente, aprisionando a nós mesmos como reféns da nossa burrice, da nossa ignorância, do nosso medo, das nossas neuroses, sem a necessidade de qualquer sistema opressivo externo para ajudar.

Então ao final quem realmente realmente se aprisiona é você mesmo. Não que não haja limitações objetivas para o que podemos atingir e fazer e pensar e realizar, mas as limitações que a realidade física e a sociedade ao redor *concretamente* impõem em geral empalicedem diante das limitações que (muitas vezes incentivados por perversos sistemas externos de controle, mas ainda assim nós) impomos a nós mesmos.

What are you waiting for? You’re faster than this. Don’t think you are, know you are. Come on. Stop trying to hit me and hit me.
–Morpheus

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Prioridades Libertárias No Brasil ../../../.././2010/02/20/prioridades-libertarias-no-brasil/ ../../../.././2010/02/20/prioridades-libertarias-no-brasil/#comments Sat, 20 Feb 2010 20:19:24 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1902 Recentemente o Pedro escreveu um texto comentando que falta ao movimento liberal no Brasil escolher algumas causas concretas, alguns ítens de ação política objetiva em torno do qual o movimento possa se organizar mais efetivamente e ter algum impacto na sociedade que vá além do (constrangedor não-impacto) produzido por websites, palestras e publicações.

Até aí, eu concordo completamente e entusiasticamente. É preciso começar a falar de propostas concretas ao invés de abstratas sobre como agir, e é preciso persegui-las no mundo real, e não somente no mundo abstrato do debate retórico. Ficar fazendo lobby de ideais genéricos sem defender propostas objetivas e concretas para o Brasil hoje gera como principal resultado um (não muito grande) grupo de pessoas dizendo umas pras outras “é isso mesmo!” e celebrando fraternalmente a sua irrelevância enquanto tudo prossegue exatamente como antes.

Ao invés disso, ou em adição a isso, é preciso fundar partidos, é preciso ocupar cargos públicos, e preciso escrever leis e lutar para que sejam aprovadas, enfim, é preciso de fato fazer alguma coisa que tenha alguma chance de mudar alguma coisa. Não que isso seja fácil ou agradável; falar em ocupar cargos públicos é como dizer que alguém tem que ir lá na fossa desentupir o esgoto. Mas o sistema não vai se consertar sozinho, e ficarmos *todos* sentados olhando e concordando que alguém deveria fazer alguma coisa não vai resolver nada. Alguém tem que se dispor a ir lá de fato concretamente fazer alguma coisa, e essas pessoas, pensem bem, terão que vir do nosso meio, terão que ser pessoas entre nós mesmos, e não inexistentes pessoas míticas que tocadas pela nossa retórica resolverão tomar uma atitude.

Em seu texto, Pedro fala em “movimento liberal”, mas acho que isso se aplica ainda mais fortemente ao incipiente movimento libertário no Brasil (o qual aliás me interessa bem mais do que o movimento liberal), ao qual ainda mais fortemente faltam bandeiras e planos concretos em torno dos quais sedimentar o movimento e nos quais focalizar os esforços.

Então vejamos quais são, resumidamente, os três ítens que Pedro elege para colocar como possíveis boas escolhas de ítens prioritários numa agenda concebida para se afastar de uma situação “em que a defesa do liberalismo não passa de um passatempo burguês relativamente inconseqüente” :

  • A instituição obrigatória da discriminação entre preço e imposto em todas as notas fiscais, em todas as instâncias.
  • A abolição de toda e qualquer propaganda estatal, inclusive de empresas estatais.
  • Uma emenda constitucional que fale, à americana, em probable cause

Para em seguida se por a esclarecer que “Aristóteles explica na Retórica que o entimema é o mais poderoso recurso persuasivo.” E depois não entende por que “posturas liberais não encontram mais interesse no Brasil”.

Pois esse é exatamente um dos motivos por que o projeto libertário falha repetidamente em despertar maior interesse. Porque aqueles que no Brasil mais fortemente podemos identificar como expoentes do pensamento liberal / libertário vezes demais produzem propostas como essas, de ficar listando preços em notas fiscais e então se põem a falar de Aristóteles. Não é surpreendente que diante disso o sujeito ali da esquina resolva votar no Lula.  Listar imposto na nota fiscal? Isso sim é ficar no mundo das idéias bonitinhas sem qualquer conseqüência prática. As verdadeiras batalhas, que valem a pena, não estão sendo lutadas, pelo menos não pelos que pretensamente representam o pensamento libertário.

Então sim, eu concordo que é preciso ter propostas práticas, mas isso de tornar obrigatório listar o imposto na nota fiscal é precisamente um exemplo de medida retórico-tecnocrática com apelo popular inexistente e impacto prático provavelmente zero. Além disso, mutíssimo ironicamente implica em custos operacionais para ser implementada e resulta em ainda mais regulamentação sobre como alguém deve emitir uma nota fiscal. Note-se, sempre que se cria a obrigatoriedade de as coisas serem feitas de um certo jeito por mandado estatal, existe o implícito “senão nós vamos aí te pegar”. Não que talvez não pudesse em tese haver um certo aumento do grau de conscientização geral sobre a carga tributária com a adoção dessa medida, mas como bandeira e causa prioritária de um movimento liberal / libertário? Isso tem absolutamente todas as características do “passatempo burguês relativamente inconseqüente” que Pedro caracteriza como preâmbulo para propor causas mais concretas, relevantes e que tenham – como ele muito corretamente coloca – alguma chance de mobilizar a platéia.

Agora, imagine você, como porta-voz de um partido liberal / libertário, colocado num debate público junto a outros movimentos políticos. Pede-se então ao representante do PV que coloque uma das causas caras e centrais ao seu partido e ele responde “acabar com a criminalização  da maconha“. Pede-se ao sujeito do PSTU que faça o mesmo e ele diz “estatizar todos os bancos“. Pede-se então o sujeito do PSDB e ele diz “implementar o parlamentarismo“. São todas propostas de grande relevância, com sérias conseqüências, que esses partidos efetivamente defendem de forma muito concreta na esfera da ação política e que definem parte de uma identidade forte e clara. Evidentemente nenhum desses objetivos será magicamente atingido amanhã, ou talvez nunca, mas são propostas concretas para um determinado futuro para o Brasil, e quem se identificar com essa direção genérica certamente entenderá que na impossibilidade prática  de mudar tudo do dia pra noite os partidos defenderão então medidas parciais e intermediárias visando chegar no objetivo proposto. Bem, então pergunta-se o mesmo a você… e você responde “obrigar que todas as notas fiscais discriminem o imposto”? Essa é uma medida simultaneamente de pouquíssimas conseqüências práticas diretas, que em si mesma não muda absolutamente nada, não diz quase nada sobre sua identidade (ou melhor, diz todas as coisas erradas sobre ela) e adicionalmente com apelo popular zero.

A segunda proposta também apresenta sérios problemas. Seu maior mérito, percebido pelo Diogo mas aparentemente não percebido pelo próprio Pedro, não tem absolutamente nada a ver com prevenir falcatruas. Tem sim a ver com o fato de que a propaganda estatal conflita *diretamente* com o livre exercício da liberdade de expressão. Esse é mais um clássico exemplo de cripto-totalitarismo, de uma forma similar (como apontado pelo Diogo) à concessão de subsídios. Ora, como é que o governo impede a *mim* de falar dando dinheiro para veículos de comunicação aleatórios? Pois então observe para começar que o governo é atualmente um dos maiores anunciantes no mercado. As redes de televisão aberta, os jornais, as rádios, as revistas – todos vivem primordialmente da receita de anúncios. Você acha *mesmo* que isso não influencia quais tipos de conteúdo os veículos de comunicação estarão dispostos, ou mesmo capacitados, a veicular?

Porém, importante que o ponto da propaganda estatal seja, o Pedro aplica a ele a lógica binária das soluções mágicas : “Vamos proibir tudo”. Ora bolas, isso significa então que o governo não pode divulgar datas de campanhas de vacinação? Ou datas de eleições? Ou informar o público sobre mudanças importantes na legislação? Aliás, nem sequer é verdade a premissa básica do ponto do Pedro, que “governo não concorre”. O sistema de metrô, sob administração estatal que esteja num certo lugar, certamente concorre com outros meios de transporte de massa, como ônibus, que estarão possivelmente sob administração privada. A Petrobrás, como franquia de postos de gasolina, certamente concorre com as outras. E pode certamente ser a decisão perfeitamente ótima e estratégica, financeira – e até logisticamente! – correta anunciar esses serviços, sem haver qualquer falcatrua ou desperdício ocorrendo, aliás muito pelo contrário, pode ser precisamente a forma de administrar tais empreendimentos que gere mais retorno financeiro e portanto menos use recursos públicos do contribuinte no final das contas. Claro, pode-se questionar se o governo deveria estar administrando certas coisas para começar, mas esta é outra questão completamente separada.

Agora, evidentemente que o abuso da propaganda estatal no Brasil atingiu as raias do surreal, mas o que é preciso fazer é regulamentar o que é e o que não é uso aceitável dessa propaganda. Instâncias de deslavada autopromoção política produzida e veiculada com o dinheiro público para divulgar “realizações” de certas administrações são ridiculamente injustificáveis, assim como o são campanhas de lavagem cerebral aleatória para promover causas ideológicas caras à administração corrente. Mas “vamos proibir tudo” é uma solução não só fora da realidade como indesejável. (Aliás, mais genericamente, “vamos proibir tudo” raramente é uma solução desejável; até para matar pessoas tem exceções importantíssimas. É muito frustrante que os liberais / libertários ao quererem se opor aos radicalismos maniqueístas dos esquerdofrênicos freqüentemente o façam adotando a mesma visão distopicamente bipolar, apenas com sinal trocado.)

Finalmente, tem a terceira proposta. E aí, mais uma vez, eu concordo com o Diogo. O problema aqui não é realmente com a constituição ou com as leis. Inclusive de forma genérica a nossa constituição, na seção de direitos individuais, já dá considerável respaldo para leis e regulamentos mais específicos nesse sentido, se acharmos importante lutar por eles. O que uma emenda constitucional acrescentaria a isso? Aliás, não que a constituição brasileira precise *crescer* mais ainda; eu acho que quaisquer propostas de emenda constitucional no Brasil coerentes com a proposta liberal / libertária provavelmente deveriam ser na direcao de *eliminar*, não de acrescentar. Mas voltando à questão de “probable cause” : o problema atual da relação da polícia com a sociedade não deriva primordialmente da inadequação do aparato jurídico e sim com a completa falência das instituições, uma falência que tem como uma de suas maiores causas a insana e altamente lucrativa criminalização da produção, distribuição, venda e uso de drogas. Se você quer melhorar a relação da polícia com a sociedade, que tal começar não colocando tanto a polícia quanto a sociedade na insustentável posição de que a maior parte das pessoas é forçada pelo governo a financiar diretamente o crime organizado para poder exercer sua liberdade individual de escolha de fumar ou cheirar o que bem entender? Isso sim talvez fizesse alguma diferença.

O que nos leva já a uma proposta que essa sim, tem enormes conseqüências práticas, com ramificações imensas que muito transcendem a liberdade individual, é uma bandeira política concreta, clara e de grande interesse, relevância e apelo popular, e completamente consistente com os objetivos libertários : é preciso acabar com essa insanidade de proibir o uso recreativo de entorpecentes. Inclusive eu acho que por diversos motivos, não só ideológicos como práticos, o Brasil deveria lutar pela reversão dessas políticas também no foro internacional. Mas internamente, a ilegalidade das drogas é disparadamente um dos maiores fatores desestabilizantes das instituições, da segurança pública, e da normalidade civil. Este sim é um dos problemas que está destruindo o nosso pais e a nossa sociedade e se intrometendo em todas as áreas, possivelmente até mais do que alta carga tributária. No meu julgamento, a segurança pública fora de controle desempenha hoje no Brasil papel similar à que a hiperinflação ocupou nos anos pré-Plano Real.

Outra causa com menos apelo dramático mas absolutamente fundamental e com imensas conseqüências prática é agilizar e facilitar a abertura de empresas, assim como diminuir enormemente os encargos financeiros ou de outros tipos incidentes sobre elas. Abrir uma empresa deveria ser algo similar a abrir uma conta num banco. Qualquer um deveria poder fazer sem grandes complicações, e sem aberrações corporativistas na qual você pode ser forçado a listar ou mesmo contratar um administrador e um contador para ter permissão de operar uma banca de jornais. Mas novamente, e é aí que eu acho que está a maior força do texto do Pedro, é preciso ter propostas concretas e objetivas sobre como de fato então deverá ser o sistema, que leis precisam ser mudadas, lutar para efetivamente mudá-las, etc. Falar sobre isso genericamente e no campo das idéias lindas e parar por aí não resolve. Especialmente para quem está articulando partidos políticos, é preciso ter propostas explícitas e reais para defender.

E se formos falar realmente sério em termos libertários, precisamos em algum momento falar da questão da educação pública. Ela absolutamente, ostensivamente, exageradamente não pode ser administrada sob o império sufocante do MEC nos moldes em que é feito atualmente. O governo tinha que ter muito, mas MUITO menos influência e poder oficial sobre currículos obrigatórios, calendário escolar, livros texto e mais um monte de outros assuntos. Mas essas são causas extremamente complexas e que dificilmente se conseguirá algo revolucionário a curto ou médio prazo. Isso não quer dizer que não seja importante listar propostas *concretas* sobre o que eventualmente se pretende atingir nessa direção, tanto para saber onde estamos indo quanto para estabelecer uma identidade. E não quer dizer também que não se possa dar pequenos passos não tão revolucionários, como propor algum tipo de forma de certificaçao alternativa de que você está conseguindo como cidadão independente garantir que seus filhos estão atendendo aos ditamos da ementa mequiana para aqueles que não quiserem se submeter ao sistema mequiano de ensino.

Existem também muitas outras causas que fazem sentido num programa libertário, como o fim do voto obrigatório, mas que assim como a questão do alistamento militar, não constituem realmente um grande problema na prática, nem causarão nenhuma grande revolução social se adotadas. Então em princípio deveriam até estar na agenda, mas gastar excesso de esforço com elas seria mais uma escolha ideológica de sabedoria duvidosa

Seja como for, minha impressão é que continua inexistindo, vinda dos libertários mesmos, tanto uma base estratégica coerente e uma identidade forte quanto uma agenda de propostas políticas objetivas e relevantes pelas quais valha a pena concretamente lutar para avançar a causa libertária no Brasil.

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Definições Políticas ../../../.././2010/01/03/definicoes-politicas/ ../../../.././2010/01/03/definicoes-politicas/#comments Sun, 03 Jan 2010 17:06:38 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1751 Recentemente o Mosca Azul publicou um curto texto intitulado “Definições Políticas” que tem um trecho muito bem sacado que diz assim :

O Estado é um mal necessário, isso significa que funcionam como remédios: há contra-indicação. O liberal procura tomar o que for mais eficiente, com o mínimo de efeitos colaterais, se for o caso. Onde se verifica que o corpo (social) pode reagir sozinho, a intervenção deve cessar imediatamente.

A social-democracia é a doutrina hipocondríaca, quer tratar resfriado à base de quimioterapia – só se difere do socialismo, pois este acredita que os anticorpos são o câncer. Os social-democratas mais razoáveis entendem que medicações devem ser melhor dosadas, pois reconhecem outros riscos e altos custos inerentes a elas, mas sempre haverá de bater neles o coração de Dr. Frankenstein.

O anarco-capitalismo, por sua vez, decidiu tomar caldo de galinha para acabar com doenças incuráveis. Não fazem a menor diferença até o momento em que resolvem que caldo de galinha é bom para tudo, aí enchem o saco.

A idéia é boa e dá vontade de expandir. Fiquei então pensando em como acrescentar mais umas linhas à metáfora. Então lá vai.

A alemanha nazista é um sujeito que passou a noite inteira bebendo, acordou com uma ressaca do caramba, e então foi engambelado por um charlatão que achava que a solução radical era amputar parte do cérebro e costurar novas pernas e braços ao corpo. Decididamente Frankensteiniano. Os vizinhos se levantaram com tochas para linchar o monstro.

Já os comunistas soviéticos passaram décadas tentando curar resfriado com uma mistura de antibióticos e esteróides anabolizantes, um dia perceberam que como seu resultado seu cabelo estava caindo, estavam pesando 150 quilos e tinham manchas esquisitas na testa, e resolveram experimentar um pouco de caldo de galinha. Estavam tão desacostumados que tiveram choque anafilático, entraram em convulsão, perderam 50 quilos e agora resolveram recorrer à homeopatia. A qual se não faz bem pelo menos não faz mal. Quer dizer, isso oficialmente. Na hora H se dá uma tossezinha eles bem que tomam lá seus antibióticos pra garganta deixar de ser besta.

Os comunistas chineses também passaram décadas na base de doses maciças de antibióticos e esteróides anabolizantes, também perceberam que estavam ficando meio carecas e gordos, e resolveram recorrer à lipoaspiração para remover a gordura extra. Meio que funcionou, mas não sem efeitos colaterais, e começaram a cogitar se bom mesmo não era comer direito. Resolveram ver qual era a do caldo de galinha, mas foram mais cuidadosos e tomaram só um pouquinho e só no domingo. Mas aí viram que era excelente e decidiram tomar caldo de galinha todo dia injetado na veia com uma seringa. E sem abandonar os antibióticos e esteróides anabolizantes. Deu “certo” no mesmo sentido em que frangos criados amontoados um sobre os outros banhados em antibióticos crescem mais rápido, ficam maiores e tudo com um custo menor. Se fazer isso com frangos já dá em algumas besteiras, aplicar o mesmo sistema a pessoas pode não ser a idéia mais saudável do mundo. Mas que tem funcionado, isso tem. A China é hoje a terceira maior economia do mundo.

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Aliás, vou fazer uns comentarios adicionais aqui. Eu divido o meu escritório com uma chinesa vinda diretamente da República Popular da China. Um dia eu perguntei a ela se ela não sentiu um grande contraste em termos de liberdade ao vir para os EUA e coisa e tal. Ela respondeu que não, que esse negócio de repressão era exagerado na imprensa ocidental. Que lá ela tinha liberdade de viver a vida dela em paz. Aí eu perguntei “Tá, mas se você for na praça discursar contra o governo não vai acontecer nada?” e ela disse “Ah, isso é claro que não pode, mas por que eu iria querer fazer isso?”. :-) Então vocês vejam, sintomático, sintomático… as pessoas introjetam essas coisas. Experiência semelhante eu tive quando perguntei para uma russa vinda da Sibéria se ela se sentiu mais livre depois da queda do regime comunista. Ela disse que não, que pelo contrário, antes ela sabia que sempre poderia contar com aluguel subsidiado e coisa e tal e não precisava ter medo do futuro. Mas agora se ela não achasse formas de ganhar dinheiro suficiente estaria em maus lençóis. Então eu perguntei sobre liberdade de expressar publicamente opiniões políticas e coisa e tal e ela teve a mesma reação da chinesa : “Expressar publicamente opiniões políticas? Por que eu quereria fazer isso?”

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Cripto-totalitarismo ../../../.././2009/12/16/cripto-totalitarismo/ ../../../.././2009/12/16/cripto-totalitarismo/#comments Wed, 16 Dec 2009 14:02:57 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1432 IMG_9186 (cropped)

Placa de trânsito nos EUA
Segunda feira, 6 da tarde, quero descarregar meu caminhão.
Posso estacionar aqui?

cript(o)-
[Do grego kryptós]
1.=’escondido’, ‘oculto’, ‘obscuro’.

Quando somos oprimidos por um sistema que nos impõe regras cristalinamente draconicanas como “está imposto toque de recolher, quem for encontrado fora de sua residência após as 6 da tarde será sumariamente executado”, fica claro (1) que algo opressivo está ocorrendo para começar e (2) como articular de que opressão gostaríamos de nos libertar.

As pessoas porém não gostam muito de serem oprimidas, e tendem a reagir. Tudo bem, sistemas totalitários são baseados na força e não precisam realmente de justificativas, mas mesmo que estejamos no comando de um sistema convictamente e desavergonhadamente totalitário, existem formas mais fáceis e mais difíceis de fazer as coisas, e bem, nem que seja por motivos puramente pragmáticos, é em geral conveniente fazer da forma mais fácil. Afinal de contas, mesmo que não haja escrúpulos em usar de coerção, continua custando recursos. Enfim, balas e soldados custam dinheiro. E se não estamos num sistema desavergonhadamente totalitário, por mais fortes motivos ainda precisamos de usar subterfúgios quando queremos assim mesmo adotar políticas opressivas.

Assim sendo, uma das providências mais fundamentais que todos os sistemas com tendências totalitárias buscam tomar é transformar a percepção da opressão de forma que ela passe despercebida ou pareça justificada. Isso pode ocorrer de muitas formas, desde sugestões sutis e subliminares, até a mais descarada manipulação da linguagem, como repetir ad nauseam slogans do tipo “Liberdade é Servidão” ou resolver chamar empregos sem carteira assinada de trabalho escravo. Outro exemplo de como pode ocorrer é inundando o imaginário popular com a noção de que os atos opressivos são na verdade absolutamente essenciais e inevitáveis para prevenir alguma grande catástrofe, repelir algum inimigo perigosíssimo, ou atingir algum objetivo promovido como tão fantasticamente belo e auto-evidentemente desejável que o próprio ato que questionar os meios usados para atingi-lo é suspeito. Uma outra forma, particularmente eficaz e cruel, é promover a introjeção, pelo grupo oprimido, da sua identidade como inferior, e merecedor de opressão. Os oprimidos, carregados de culpa e eviscerados de sua auto-estima, passam a acreditar que são mesmo uma droga e assim docilmente ou mesmo avidamente aceitam a opressão, chegando em certos casos mesmo a idolatrar e idealizar seus opressores.

Mas existem outras formas de implementar políticas extremamente opressivas que são especialmente úteis em regimes políticos nos quais não se pode ser escancaradamente totalitário. Essas se baseiam em alterar a percepção do ato opressivo não através de propaganda ou atuando no campo da retórica como nos casos acima, mas através de uma reformulação do ato em si mesmo, dando a ele uma forma oculta e críptica. A estas formas chamarei de cripto-totalitarismo. Elas consistem em promover políticas que têm exatamente (ou até piores) efeitos que a opressão direta, mas que são sentidos de forma indireta e convoluta, e que mesmo quando se percebe que algum tipo de opressão está ocorrendo, pode não ser imediatamente óbvio a quem responsabilizar ou o que precisa ser mudado. Adicionalmente, pela sua própria natureza, tal estratégia minimiza a necessidade de dispender esforços num discurso que mascare a natureza opressiva do ato. Pelo contrário, tal discurso em geral é até contraproducente posto que o truque de prestidigitação consiste precisamente em a opressão ocorrer de uma forma tão obscura que passe desapercebida; melhor não chamar a atenção para que o ato sequer possa ser interpretado como opressivo. Tentar justificá-lo somente levantará a questão de sequer haver algo que precise ser justificado.

Uma forma de cripto-totalitarismo é tomar medidas cujas conseqüências lógicas inevitáveis são opressivas mas não são imediatamente óbvias.

Um exemplo clássico é o seguinte. Todo governo historicamente relevante até hoje se financiou direta ou indiretamente através do confisco de recursos dos seus governados / súditos sob a forma de impostos. Suponhamos que um governo supostamente democrático / representativo queira confiscar uma porção ainda maior dos recursos da população sob sua influência / autoridade, mas que a receptividade a isso seja (compreensivelmente) baixa ou inexistente. Suponhamos que mesmo que o tal governo pudesse aprovar uma medida desse tipo, não deseje passar pelo desgaste político e de popularidade em fazê-lo. O que historicamente muitos governos fazem nesse caso? Ora, é fácil. Imprimem mais dinheiro. Note, para que isso sequer seja possível, é necessário já termos chegado num estágio de sofisticação (ou diriam alguns desvirtuação) da economia tal que 1) as transações econômicas não sejam mais realizadas utilizando diretamente commodities de valor mais ou menos universal e 2) a emissão de dinheiro nem sequer em tese esteja limitada, lastreada ou associada a algum tipo de recurso ou realidade tangível. Satisfeitos esses requisitos, e estando o governo diretamente no controle da emissão de moeda corrente, ele pode então financiar o próprio déficit literalmente imprimindo mais dinheiro. Porém, como qualquer um com noções básicas de economia já teve oportunidade de apreciar, isso inevitavelmente resulta na depreciação do valor do dinheiro, significando que na prática este é simplesmente um método convoluto… de o governo transferir para si uma fração de todos os recursos que estiverem investidos (concreta ou virtualmente) naquela moeda. Hoje em dia  esse tipo de situação é tão universalmente reconhecida como problemática que é praticamente um consenso ser essencial retirar do governo a prerrogativa de emitir quantidades ilimitadas de moeda correnta (e para isso existem diversas soluções, uma delas sendo a criação de um banco central “independente”). Note-se que o confisco realizado pela emissão descontrolada de moeda é tão real quanto digamos um aumento de imposto sobre a renda; apenas ele é mais sutil, e também mais perverso na medida em que ocorre sem a possibilidade de resistência.

Esse método porém é tão desgastado que não pode mais realmente ser chamado de cripto-totalitarismo, dado não ser mais de forma alguma obscuro. Mas ele ilustra o princípio : tomar medidas nas quais aparentemente nenhum direito está sendo cassado, nada está sendo confiscado, ninguém está sendo roubado… e no entanto na prática é exatamente isso que está acontecendo.

Outro exemplo clássico, mas que por algum motivo até hoje não tem suas conseqüências tão universalmente enxergadas por todos quanto o prévio (embora já seja claramente discutido a nível por exemplo da WTO), é a concessão de “subsídios” para “estimular” ou “proteger” certas atividades na economia. Novamente, a princípio parece que se está “dando” algo, então como isso pode ser opressivo? Ora, o governo não tem uma máquina de gerar recursos magicamente do nada, então todo ato – e gasto – do governo é na verdade um uso do poder coercitivo para nos forçar a fazer algo. Por vezes isso pode ser justificado; mas nunca devemos nos esquecer de que é o que está acontecendo. Então quando o governo subsidia, digamos, os plantadores de cana-de-açúcar através de descontos nos impostos, e então subseqüentemente a produção de álcool, e finalmente a venda de álcool combustível, talvez a maior parte das pessoas não sinta que está sendo oprimida ou coagida a fazer nada. Agora imagine se ao invés disso o governo dissesse : quem comprar carro a gasolina receberá uma multa toda vez que encher o tanque. E aliás, quando não encher também. A única forma de resgatar parte do valor dessa multa é comprando álcool. Aí já não pareceria tão lindo, né? Só que isso é precisamente o que está acontecendo, apenas de uma forma convoluta. Subsídios são uma forma de tortuosa de multar quem não consumir certos produtos ou serviços.

Mas essa é apenas uma das modalidades de cripto-totalitarismo. Uma outra via muito eficaz consiste em escrever leis ininteligíveis, obscuras e confusas, criar infinitos níveis administrativos e jurisdições, e cultivar tal profusão de regras que no final das contas ninguém sabe exatamente o que é prescrito e mandado pela autoridade vigente. Isso tem múltiplas conseqüências perversas. Uma das piores é provavelmente permitir – em geral intencionalmente! – uma inaceitável elasticidade no uso de arbítrio da autoridade vigente sobre como aplicar a lei. Paralemente, mesmo quando não há abuso desse arbítrio, outra conseqüência é criar – novamente, em geral intencionalmente! – uma constante insegurança do cidadão comum quanto a estar numa posição legalmente segura e sustentável. Isso é extremamente opressivo, posto que dessa incógnita vulnerabilidade evidentemente deriva uma onipresente e contínua hesitação em criticar ou questionar o governo ou as autoridades vigentes. De forma geral, não haver regras absolutamente claras, públicas e suficientemente simples sobre o que é ou não permitido é profundamente danoso às instituições.

Uma outra forma de cripto-totalitarismo que complementa as regras do jogo serem incompreensíveis é criar leis e regras claramente fora da realidade que teoricamente se aplicam a todos, mas que proíbem ou penalizam atividades tão amplamente disseminadas, exercidas e aceitas pela sociedade em geral que é ridiculo esperar que sejam seguidas.  Considere leis como “é ilegal disponibilizar música com copyright na internet sob a pena de pagar cem mil dólares de indenização” ou “é proibido dirigir a mais de 100 km por hora nesta auto-estrada com 1000km de comprimento sob pena de ter sua carteira de motorista confiscada” ou “e proibido fumar certas plantas sob pena de ir pra cadeia”. Claro que é completamente impossível, absurdo e indesejável de fato aplicar e fazer universalmente valerem leis como essas. E olhe que eu não estou inventando; são leis reais. Existem, e são universalmente desrespeitadas, e nada acontece, e ainda bem que nada acontece, ou teríamos que mandar literalmente todo mundo pra cadeia. E antes que alguém diga que outras leis mais razoáveis também são desrespeitadas, esse desrespeito está longe de ser universal ou aceito. Não seria absurdo nem impensável mandar todos os homicidas ou estupradores para a cadeia. Por outro lado seria totalmente inacreditável mandar para a cadeia todos aqueles que fumam maconha. Então coloco aqui outro princípio básico : assim como no caso das leis ininteligíveis, leis cujo destino óbvio é serem universalmente desrespeitadas são profundamente danosas às instituições. São danosas porque por um lado criam uma ambigüidade sobre a legitimidade das instituições, mas também porque novamente, criam – não raro de propósito – oportunidades para exercício inaceitavelmente elástico de arbítrio da autoridade vigente. Se estamos todos acima do limite de velocidade, a polícia pode em princípio parar qualquer carro a qualquer momento. E multá-lo. Mesmo que o motivo real seja não ter ido com a sua cara. Postulo aqui que é indesejável que o estado tenha o poder de fato de multá-lo por não ir com a sua cara. Se somos todos criminosos em potencial, quem é que vai ser besta de criticar o governo?

Concluo observando que uma das várias definições interessantes de totalitarismo é a seguinte : um estado totalitário é aquele no qual tudo que não é obrigatório é proibido. Quando um estado está tentando ser totalitário mas por diversos freios sociais e politicos não pode abertamente sê-lo, ele freqüentemente usa de cripto-totalitarismo para subrepticiamente criar tanto quanto possivel essa situação de fato mesmo que não de direito. Existe algo profundamente errado acontecendo quando um cidadão que quer obedecer a lei não tem certeza de se está conseguindo. Existe algo profundamente errado quando não temos certeza do que é proibido e do que é permitido. Existe algo profundamente errado quando passamos a hesitar em fazer qualquer coisa que não seja obrigatória por medo de que ela seja proibida.

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Libertarianismo Zen ../../../.././2009/12/15/libertarianismo-zen/ ../../../.././2009/12/15/libertarianismo-zen/#comments Tue, 15 Dec 2009 05:10:32 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1579 fluxograma_punicao

Fluxograma para decidir quando mandar alguém pra cadeia.

Estava eu pensando sobre o fluxograma acima (encontrado aqui) e minhas reflexões foram na seguinte direção : o que o brasileiro está tentando com todas as suas forças fazer, em todas as circunstâncias e sobre todos os assuntos, é chegar no “então deixa pra lá”.

No caso acima, por exemplo, me parece que o sujeito decidinte se vê na caixa “houve uma agressão” e então instantaneamente surge a questão em sua mente “qual o caminho mais curto para eu poder deixar isso pra lá”? Se a forma mais simples e rápida de eventualmente chegar no “ok, agora posso esquecer o assunto” for passar pelo “cadeia nele”, então cadeia nele… e agora posso deixar isso pra lá.

Note-se que o sujeito ser culpado ou inocente, a noção de certo ou errado, a melhora da sociedade, princípios filosóficos do significado da existência, tudo isso nem sequer entra na equação. O princípio máximo é : qual o curso de ação que mais rapidamente vai fazer com que parem de me encher o saco?

Isso é algo estereotipicamente brasileiro, e provavemente um dos elementos fundadores da nossa cultura e da nossa identidade. Não que não haja racismo, ou classismo, ou questões sociais, ou pensamentos sobre moralidade, ética, e transcendência. Ou grandes objetivos a serem atingidos no mundo das idéias abstratas. Ah, mas concretamente agir com base nisso é muito exaustivo. Não sejamos chatos. Que tal simplesmente deixar pra lá?

Aliás, quando as pessoas por aqui nos EUA começam a me perguntar sobre o Brasil, eu freqüentemente respondo que se eu tivesse que citar uma característica que mais resume a personalidade do brasileiro é não levar absolutamente nada a sério demais. Ou mesmo muito a sério. Ou mesmo a sério.

Claro, existem exceções, cada pessoa é diferente, etc, mas como povo e como sociedade vai mesmo nessa direção.

Isso tem vantagens e desvantagens.

No caso considerado acima, por exemplo, o resultado é o seguinte. Nos EUA, são assassinadas anualmente aproximadamente 16000 pessoas por ano. Aproximadamente 60% desses assassinatos são “solucionados” de alguma forma, por exemplo com a prisão do assassino. (Note-se que já de saída isso nos leva a uma reflexão sobre quão frágil é a ordem social e quanto ela depende de as pessoas voluntariamente não agirem psicopaticamente se mesmo nos EUA a chance de matar alguém e não acontecer rigorosamente nada com você é da ordem de 40%.) Já no Brasil, são assassinadas aproximadamente… er, 50000 pessoas por ano. São mais de 500 mil pessoas assassinadas de 1996 a 2008. (Aliás, isso também nos leva a uma reflexão sobre quão fora de controle está a situação de segurança no Brasil. Como comparação, durante toda a GUERRA do Vietnam, que durou de 1959 a 1975, na qual havia vietcongs com fuzis e metralhadoras atirando nos americanos… morreram 60 mil soldados americanos.) Mas voltemos ao tópico presente : que se faz sobre isso? Quantos desses crimes terminam com alguém preso, ou pelo menos com algum tipo de resolução que não seja… dar de ombros? Em São Paulo, provavelmente uma das menos brasileiras localidades em nosso país, a polícia se esforcou, se esforçou, e conseguiu nos últimos 10 anos aumentar o índice de solução de homicídios para 48%. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, provavelmente um dos locais mais estereotipicamente brasileiros do mundo a polícia resolve… 4% dos casos. Er, quatro por cento? Deixa pra lá, né?

Mas antes que nos apressemos em crucificar incondicionalmente essa característica do brasileiro, observemos : as conseqüências dessa atitude têm também o seu reverso. Em termos de conflitos armados abertos, por exemplo, temos um dos currículos menos sangrentos da história do mundo, e mesmo quando fomos governados por regime militar matamos num período de 20 anos o que a polícia americana, num estado democrático, em tempos de paz, mata em um ano!

Inclusive, voltemos um pouco no tempo. Nosso país ficou independente de seu país colonizador sem qualquer guerra com tudo sendo resolvido em família. Os escravos foram libertados sem que isso tenha sido o resultado de qualquer conflito armado. Depois a república foi proclamada novamente sem que um único tiro fosse disparado.  Etc, etc. Até mesmo o governo militar retirou-se sem qualquer insurreição e simplesmente passou o poder adiante para os civis. Compare-se com eventos similares na história de quase qualquer outro país. Isso quer dizer que não temos epiódios sangrentos em nossa história? Não, até temos, como a guerra do Paraguai, na qual aparentemente a maior causa de mortalidade foi cólera. Mas nunca tivemos nenhuma grande guerra civil, e nossas revoluções, tanto as bem quanto mal sucedidas, em geral envolvem uma meia dúzia de pessoas realmente fazendo alguma coisa.

E não para por aí; no Brasil é possível em geral violar repetidamente e ostensivamente todo tipo de leis e as regras sem que nada realmente ocorra. Por um lado é mais humano, e de uma forma tortuosa cria mais autonomia de decisão individual. Por outro lado, o oposto também vale – se alguém numa posição de autoridade resolver implicar com você, as leis e regras não servirão para protegê-lo, e não adianta argumentar que é inconstitucional ou ilegal ou completamente arbitrário porque farão assim mesmo. E os outros na maior parte dos casos vão simplesmente deixar pra lá.

Então em terra brasilis somos todos meio Zen, acidentalmente semi-libertários, e involuntariamente tolerantes. Mas não exatamente por princípio ou com qualquer coerência, e sim muito mais porque seria muito exaustivo e chato tomar uma atitude. Note-se, não é nem exatamente só uma questão de preguiça; é algo mais profundo. É mais um tipo de ennui tropical com a idéia de fazer de fato alguma coisa sobre qualquer coisa. Daí não é que o governo por vezes não esteja até tentando ser totalitário, seja no caso de uma ditadura de pseudo-direita, seja no caso do criptocomunismo lulático. Mas em ambos os casos acaba prevalecendo o sentimento geral de que bom mesmo é deixar pra lá.

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Educação Compulsória e Totalitarismo ../../../.././2009/12/06/educacao-compulsoria-e-totalitarismo/ ../../../.././2009/12/06/educacao-compulsoria-e-totalitarismo/#comments Sun, 06 Dec 2009 18:00:06 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1462 Os homens nascem ignorantes, não incapazes de pensar. O que os torna incapazes de pensar é a educação.
Bertand Russell

Pedro escreveu recentemente um texto falando sobre o fetiche que existe com educação no Brasil (agora disponível aqui). Eu concordo plenamente com o que ele escreveu, e diria que este na verdade é um mal compartilhado pela maior parte das sociedades ocidentais modernas.  Aceita-se como natural, bom e até desejável a obrigatoriedade, repito, a obrigatoriedade coercitivamente imposta por lei, de todos os “cidadãos” de um país passarem grande parte de dez anos ou mais de suas vidas prestando expediente forçado para ouvir idéias selecionadas pelo governo como convenientes para sua “formação”.

E não apenas isso; não é suficiente (embora isso em si já seria opressivo) ser forçado a demonstrar proficiência no conhecimento de tais idéias, algo que poderia ser facilmente aferido com uma série de exames. E que cada um aprendesse como quisesse, onde quisesse, e com quem quisesse. E prestasse os exames com a idade que quisesse. Não, não, não. Quem se pergunta por que tal solução óbvia não é adotada evidentemente não compreendeu o verdadeiro objetivo do sistema todo. É preciso passar pelo processo. O primordial objetivo da educação compulsória não é ensinar coisa alguma. É destruir a independência de pensamento, é cultivar, instilar e estimular subserviência à autoridade até ela desabrochar em toda a sua glória, é tornar tão doloroso o exercício do senso crítico que se adquira por trauma o instinto quase fóbico de evitá-lo a todo custo. Quando finalmente se consegue atingir esses objetivos, então se dá um diploma ao sujeito e se diz “formamos um cidadão”.

O sistema educacional público americano moderno é uma completa aberração e emprestou várias de suas características de um plano declarado de doutrinação e controle social em massa concebido originalmente na Prússia do século 19. O excelente The War On Kids documenta como atualmente existe formalmente e na prática menos respeito às liberdades civis numa escola pública do que numa prisão.

O sistema brasileiro pode não ser tão grotescamente opressivo, mas é igualmente delirante. Ele é usado para tudo menos para ensinar. Ele é encarado como instrumento de assistência social, como creche, até mesmo como ferramenta de segurança pública ao deixar menores desocupados fora das ruas. Historicamente, no Brasil e em grande parte das outras democracias ocidentais (inclusive nos EUA), um dos maiores objetivos que se pretende declaradamente atingir ao se expandir o currículo obrigatório básico é… retirar artificialmente mão de obra qualificada para fora do mercado de trabalho visando diminuir o desemprego e aumentar os salários! Note-se, isso não são “denúncias” ou teorias conspiratórias. Todos esses motivos são explicitamente discutidos por legisladores e membros do poder executivo ao determinarem política educacional.

Ora, isso já seria inaceitável num sistema de educação que visasse preservar tão somente o “direito” à educação, a possibilidade de acesso à educação. Já seria intolerável num programa cujo financiamento é compulsoriamente sustentando por todos nós, e sobre o qual não temos qualquer controle. Mas a barreira final é ultrapassada quando se aceita bizarramente tornar tal “direito” à educação um que deve ser “exercido” de forma compulsória. Isso é totalitarismo puro e simples, e me parece que deveria ser uma das prioridades de qualquer programa seriamente libertário lutar pela total reversão das políticas públicas que literalmente prevêem o encarceramento de toda a nossa juventude por mais de 10 anos de suas vidas.

Agora, vejamos, quais são as ilusões mesmo assim cultivadas por aqueles que defendem que algum mérito efetivamente educacional se possa salvar de toda essa farsa?

A principal ilusão é de que alguém esteja aprendendo alguma coisa. Mas como se pode verificar conversando com qualquer adulto normal, absolutamente ninguém retém os profundos “conhecimentos” que supostamente são terapeuticamente infundidos nos seus cérebros quando adolescentes. Pergunte a alguém que não seguiu carreira relacionada com química qual a diferença entre um éter e um éster e a resposta provavelmente será um bocejo ou um soco na cara. Pergunte a alguém que não seguiu carreira relacionada com línguas em que século viveu Machado de Assis. Aliás, experimente tentar fazer alguém escolhido no meio da rua confessar em que circunstâncias ocorre crase em português. Com enorme probabilidade a vítima não conseguirá fazê-lo para salvar a própria vida. O sistema educacional é uma falha escandalosamente absoluta. Mas é muito mais grave do que uma monumental perda de tempo para todos os envolvidos, como se isso já não fosse suficientemente sério. É um estrupro mental e moral, e deliberado. Educação compulsória não tem absolutamente nada a ver com ensinar coisa alguma. Educação compulsória na escala e nos moldes atualmente aceitos é nada menos que escravização em massa.

Outro objetivo pretensamente atingido é o de produzir magicamente uma elite intelectual sob demanda. Só que educação não é mágica. Nem todos têm vocação ou competência para serem elite intelectual. E embora possa haver mérito em buscar não desperdiçar a competência daqueles que de fato a têm, não é possível produzi-la artificialmente. Se perguntarmos a um atleta olímpico como ele conseguiu uma medalha de ouro, ele provavelmente responderá que treinou arduamente horas por dia durante muitos anos. Não segue daí que se forçarmos todo mundo a treinar arduamente por anos transformaremos todos em atletas olímpicos. Talvez até revelemos acidentalmente alguns mais, ao enorme custo de produzir uma massa de pessoas desfuncionais que não conseguem entender por que não conseguem correr 100 metros em 10 segundos. É impossivel produzir cientistas em massa usando educação forçada. (Aliás, também é impossivel fazê-lo subornando pessoas aleatórias. No máximo produziremos pessoas que ficarão bastante felizes em serem pagas para encenarem uma farsa.)

Quando Richard Feynman, físico americano ganhador do prêmio nobel, foi convidado a fazer um discurso de despedida após visitar a UFRJ durante alguns meses, ele (causando considerável consternação) declarou que infelizmente o ambiente que ele observara tinha sido universalmente o de pessoas profundamente imbuídas da convicção de que a academia consistia em seguir certos procedimentos e protocolos ao invés de produzir certos resultados. Que havia salas de aula, havia professores, havia alunos, havia cursos, havia seminários, havia títulos, havia publicações. Só não havia mesmo era produção de conhecimento. Que todos pareciam estar participando de um grande ritual coletivo de imitar o que universidades de verdade faziam mas sem entender direito o propósito de tais ações, quais os motivos para elas, e quais resultados elas deveriam produzir. Que era como ver um aparelho de rádio, ficar maravilhado com ele, e então buscar imitá-lo construindo uma réplica de isopor pintado e então não entender por que ele não funciona. Isso foi há décadas. Até hoje, o Brasil, uma das maiores potências econômicas do planeta, não consegue ter sequer UMA de suas universidades na lista das melhores DUZENTAS do mundo! Com toda a sua pompa e circunstância, o Brasil permanece essencialmente um zero à esquerda academicamente falando. Que perca para a França ou a Suíça, vá lá. Mas a Índia, a China, a Coréia do Sul têm universidades entre as primeiras cinqüenta! Eles conseguiram produzir o que nós não conseguimos. Talvez ser efetivamente (ao invés de imaginariamente) colonizado pela Inglaterra ou pelos EUA seja bom no final das contas. Nesse ritmo o Iraque terá uma universidade figurando entre as melhores duzentas do mundo antes do Brasil.

Mais um objetivo pretensamente atingido com educação compulsória é “elevar o nível cultural” do cidadão médio, o que na concepção dos burocratas a cargo do assunto se materializa na proposta esquizofrenicamente alucinada de torná-lo enciclopedicamente competente em assuntos que vão desde dinastias do Egito antigo até calcular determinantes de matrizes, mesmo que seu eventual objetivo na vida seja ser caixa de supermercado. Mesmo quando se torna clara a falha do objetivo de produzir pessoas efetivamente cultas, alguns ainda insistem na idéia de que pelo menos se conseguirá despertar algum tipo de apreciação pela cultura. Apreciação pela cultura? Por favor. Isso é comicamente fadado a um retumbante fracasso, e aliás ainda bem, porque a caricatura padronizada (e muitas vezes factualmente errada) que é forçada goela abaixo dos “alunos” na esperança doentia de produzir um saboroso patê em seus fígados tumorosamente gordos é tudo o que “cultura” não é. O que de fato se produz é confusão, na maior parte dos casos seguida de absoluto desprezo pela verdadeira sofisticação cultural, quase universalmente como resultado desse processo percebida como mera competência na repetição autista de fórmulas sem sentido completamente desconectadas da realidade. Que é o que geralmente se exige e premia nos alunos de uma escola. E infelizmente vezes demais em níveis mais altos de educação. Mesmo quando os assuntos abordados incidentalmente coincidem com as inclinações naturais de algum aluno, eles são explorados de forma arbitrária, caótica e fragmentada, sem qualquer liberdade para exploração independente, e sob um regime de força que destruiria o mais espontâneo dos interesses. É como imaginar que para “despertar” o interesse das pessoas por sexo uma boa estratégia seria coagi-las sob ameaças a transar com pessoas que elas não escolheram enquanto você assiste e então dar notas para sua performance. E depois reclamar das que não tiveram boas notas que não se “empenharam” o suficiente.

Ainda mais um objetivo pretensamente atingido como parte de um plano acadêmico que começa com educação compulsória é catapultar o país para indústrias e mercados de alta tecnologia. Ao invés disso o que produzimos no final de um longo processo são pessoas com doutorado fazendo concurso para gari.  Ora, o (pequeno) mercado para pessoas com doutorado no Brasil é completamente fabricado. Ele se resume à atividade essencialmente subsidiada pelo governo de… produzir mais pessoas com doutorado. Note-se, eu digo isso com a infinita tristeza de quem vê imenso valor na pesquisa básica, e de quem acredita que não se deve deixar o talento de pessoas genuinamente competentes para fazer um doutorado ser desperdiçado. Mas a forma de não desperdiçá-lo não é forçá-las por anos a subempregos e rituais arcanos até se concluir que sofreram o suficiente para ganhar uma licença para submeterem outras vítimas ao mesmo processo. O problema real não é não haver um número suficiente de pessoas com doutorado. Isso talvez fosse o problema se houvesse uma demanda insatisfeta, uma variedade de posições clamando por pessoas com doutorado, posições que só alguém com um doutorado estaria capacitado a ocupar, como projetar microprocessadores de última geração ou desenvolver novos antibióticos, e não houvesse pessoas em número suficiente para ocupá-las.  Mas se fosse esse o problema, a solução simultaneamente simples e benéfica para o país seria a mesma que os Estados Unidos adotam – recrutar as pessoas capazes onde quer que estejam no mundo e trazê-las para ocupar tais posições. Isso não ocorre porque tais posições não realmente existem no Brasil e então formamos doutores incompreensivelmente esperando que por eles existirem automaticamente se porão a gerar alta tecnologia trabalhando para empresas inexistentes. Se queremos empresas de alta tecnologia precisamos primeiro e antes de mais nada parar de atrapalhar, que é geralmente a primeira e mais importante providência que um governo pode tomar. Ao invés disso tornamos algo em princípio tão logisticamente simples como abrir uma sorveteria um inferno burocrático e crivado de encargos suficientes para fazer qualquer um pensar trezentas vezes antes de correr o risco.

E ao gerar doutores varrendo a rua, essa política faz pior do que desperdiçar recursos; ele desvirtua o próprio sistema acadêmico. Uma superoferta de doutores causa uma mistura de superprodução de publicações inúteis com subempregos dentro da própria academia. E isso tudo acaba por distorcer perversamente também o entendimento da academia pelo resto da sociedade. A noção de “democratização” da educação através da educação compulsória é uma das maiores causas da destruição da percepção da atividade acadêmica como algo desafiante, nobre e meritório no imaginário comum. Historicamente grandes cientistas e grandes sábios sempre ocuparam um lugar de honra em todas as sociedades. Mais amplamente do que isso, quando alguém realiza algo percebido como difícil e que exija uma enorme convergência de competência e esforço, nossa tendência natural é admiração e respeito. Sentimos isso por atletas olímpicos, sentimos isso por grandes artistas. Sentimos isso por quem salva uma criança de um incêndio. Ser cientista porém é no imaginário popular algo cada vez mais alienígena e cada vez menos despertador de admiração. Pelo contrário, existe (em particular no Brasil) o sentimento de que quem segue esta carreira não foi competente o suficiente para conseguir um emprego de verdade. Talvez porque grande parte do tempo, pelo menos no Brasil, o emprego não seja mesmo de verdade. O real emprego é participar de uma farsa na qual se dança em torno da fogueira fazendo rituais bizantinos na tentativa de que sejam suficientemente do agrado dos burocratas de plantão para que nos agraciem magicamente com mais verbas. E a esperança dos burocratas de plantão é de que os rituais bizantinos que escolhem financiar agradem suficientemente os deuses da prosperidade científica para que nos tornemos magicamente uma grande potência tecnológica.

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Existe ainda um ponto adicional que quero levantar sobre o ensino básico compulsório.

Não raro quando desesperados diante das evidências da completa falha do sistema de educação compulsória em ter qualquer mérito acadêmico, seus defensores começam então a apelar para dizer que mesmo que o benefício acadêmico seja nulo ou mesmo negativo, existem outros motivos para mantê-lo que não seja mera e aberta doutrinação. E então vem outro dos grandes truísmos sobre educação compulsória. Que ela é importante, não, essencial para o processo de SOCIALIZAÇÃO dos seres humanos em formação. Socialização. Ora, se há um contexto mais artificialmente inadequado à socialização do que a escola, eu desconheço. Trata-se de um ambiente no qual você é na maior parte do tempo proibido e punido por tentar se socializar, ou mesmo por dizer abertamente o que pensa, onde mesmo nos momentos em que a socialização é permitida ela é altamente regulada, no qual você não escolhe livremente com quem você está se socializando, ou quando, ou como, e aliás no qual a estratégia de socialização a você imposta é tão antinatural quanto “Você vai encontrar todo dia às 7 da manhã APENAS com as mesmas dúzias de pessoas precisamente da mesma idade para sentar em silêncio enquanto é forçado a ouvir longos monólogos sobre assuntos que não escolheu. No meio do expediente talvez tenha 30 minutos para falar com quem quiser, mas se tentar beijar alguém, ou discutir com alguém, ou mesmo ir até a esquina tomar um sorvete com alguém, será imediatamente impedido.” Não, não, não. Como experiência socializante, a escola é profundamente quebrada. Conviver somente com sua família seria provavelmente superior, embora MUITO dificilmente essa seria a escolha da esmagadora maioria das pessoas, que ao invés disso preferiria dez mil vezes ir à sua praça, ou clube, ou praia, ou parque, ou igreja e fazer amigos ou perseguir outros interesses pessoais. Inclusive descobrir seu próprio ponto de equilíbrio saudável entre socialização e introspecção, que é algo muito particular e pessoal, não parece muito favorecido por experiências cotidianas forçadas de socialização compulsória.

Claro, para que essa atividade de socialização extra-escolar fosse possível, talvez se fizesse necessária a supervisão de adultos. Mas se é essa a função que os “professores” estão cumprindo, então que seja, e que se deixem as crianças em paz,  e livres para interagir. Se as escolas existem para socializar as crianças, então abandonemos todo esse sistema fascista que impede a socialização e concentremo-nos em construir um ambiente no qual as crianças sejam deixadas livres para explorar de forma suficientemente segura suas possibilidades sociais. E intelectuais. E culturais. E empresariais.

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Liberals, Liberais e Libertários ../../../.././2009/12/03/liberals-liberais-e-libertarios/ ../../../.././2009/12/03/liberals-liberais-e-libertarios/#comments Thu, 03 Dec 2009 22:44:54 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=1427 Em sendo a liberdade algo genericamente aceito como em princípio uma boa causa pela qual se lutar, não é supreendente que uma vasta gama de  movimentos políticos, ideologicos e filosóficos com fundamentos e objetivos completamente diversos se definam como defendendo a “liberdade” diante de algum tipo de interferência ou opressão. Então temos desde a teologia da libertação até o liberalismo clássico de Adam Smith, todos defendendo liberdades de algum tipo.

Isso se torna particularmente relevante para aqueles que como eu se identificam genericamente com a causa libertária, posto que existe uma grande variedade de movimentos que se identificam como tal. Vamos aqui discutir então brevemente alguns desses termos e como especificamente “libertário” se encaixa nisso.

Vou começar por colocar minha visão pessoal sobre o assunto. Para mim, quando digo que sou libertário, estou querendo dizer que defendo a idéia genérica de que cada um deve ser em princípio deixado em paz pela sociedade para viver sua própria vida como quiser. Note-se que essa idéia em si mesma, embora modernamente gozando de grande aceitação, é historicamente revolucionária, tanto em termos filosóficos como políticos. Concepções anteriores da condição humana, aliás dominantes em grandes frações do mundo durante grande parte da história humana (inclusive hoje) defendem princípios básicos completamente diferentes e mesmo opostos. Por exemplo, para alguns o homem existe para servir aos outros. Sua função primária é cumprir seu papel na sociedade, e é legítimo exigir dele qualquer esforço – mesmo ceder sua própria vida – nessa direção. Para outros, o homem existe para servir a deus, e novamente, qualquer sacrifício pode dele ser legitimamente exigido no sentido de satisfazer o que se entenda como sendo a vontade de deus.

Para mim, porém, o ser humano individual deve ser tratado mais ou menos como um país em si mesmo e tem certas prerrogativas fundamentais que não devem em princípio serem usurpadas pela sociedade. A discussão de quais exatamente são essas prerrogativas é menos importante a meu ver do que o fundamento de que cada um deve ser em princípio e como regra geral ser deixado em paz pela sociedade para viver sua vida como achar melhor.

Por que “em princípio” e não  “sempre”? Bem, porque a concessão de liberdade irrestrita de ação a um ser humano evidentemente conflita com o exercício da liberdade por aqueles aqueles à sua volta. Então a minha “liberdade” de incendiar a casa do meu vizinho caso eu não goste das opiniões dele não deve ser protegida, aliás muito pelo contrário. Portanto embora o princípio básico seja o de que cada um deve ser deixado em paz para viver como quiser, é preciso que seja deixado em paz não apenas pelo sistema politico, mas também por seus vizinhos, por pessoas aleatórias, e por outros segmentos da sociedade organizada. E para que isso seja atingido, é ironicamente necessário restringir a liberdade de ação de todos esses agentes.

É de como administrar essa exceção – esse essencial conflito de nossa liberdade com a dos outros – que surge uma boa parte das divergências políticas, ideológicas e filosóficas mesmo entre aqueles que concordam com a idéia básica de que o indivíduo deve ser deixado livre para viver sua vida como bem entender. Assim sendo, o problema se torna não exatamente de “como garantir liberdade irrestrita para todos”, algo logicamente impossível para começar, mas sim de “qual sistema político maximiza a liberdade individual”?

E então desde o começo esbarramos em mais problemas. Antes mesmo de discutir como atingir certos propósitos, é problemático decidir o que exatamente estamos tentando atingir. Quando dizemos “maximiza a liberdade individual”, estamos falando de quê? Afinal, estamos nos referindo a grandes grupos de pessoas, de distribuições de liberdade individual. Estaremos falando da liberdade média? Ou talvez do somatório da liberdade conjunta? Ou quem sabe de maximizar a todo custo a menor quantidade de liberdade que aceitaremos que um ser humano tenha? Ou conversamente, de maximizar a maior liberdade teoricamente possível para pessoas individualmente no sistema?

Uma vertente particularmente perversa é : estamos buscando, por uma questão de  “justiça”, equalizar as liberdades, isto é, que elas sejam o mais idênticas que for possível para todos. Apesar de poder parecer conter um certo mérito à primeira vista, ele desmorona imediatamente quando percebemos que tal objetivo pode ser facilmente atingido simplesmente retirando todas as liberdades de todos, ou alternativamente cerceando as liberdades dos mais livres até que fiquem iguais às dos menos livres, algo que vai diretamente e completamente contra o princípio original de que o que estamos tentando atingir é preservar a maior quantidade possível de liberdades para cada pessoa. Ou seja, coloco aqui já um princípio genérico sobre formas que considero aceitáveis de resolver essa questão : podemos discutir sobre qual distribuição de liberdades é melhor, ou como atingi-la, mas extinguir liberdades com o único propósito de equalizá-las sem que isso aumente a liberdade de mais ninguém não tem meu apoio.

O que nos retorna ao ponto fundamental : quando é então afinal de contas justificável retirar liberdades de alguém? Existem duas correntes clássicas de pensamento sobre isso. Uma diz que isso só é aceitável quando o exercício de tais liberdades forem ativamente e ostensivamente prevenir outros de exercerem suas próprias liberdades. E aí evidentemente é preciso todo um julgamento sobre custo e benefício, mas o princípio básico seria de que só devemos restringir a liberdade de alguém nos casos em que isso for necessário para proteger a liberdade de outros.

Uma visão alternativa é a de que e aceitável retirar liberdades de alguém não apenas para proteger as liberdades de outros, mas também para criar liberdades que os outros não teriam de outra forma. A idéia é de que já que se estamos tentanto por exemplo maximizar o somatório da liberdade total, então se retirar 10% da liberdade de 5 pessoas for causar um aumento de 30% na liberdade de 50 pessoas, então isso deve ser feito, mesmo que estas 5 pessoas estivessem simplesmente cuidando de suas vidas e não estivessem interferindo diretamente com a liberdade de ninguém.

Minha visão é de que este último raciocínio pode ser perigosíssimo e levou historicamente a todo o tipo de aberrações. Genericamente eu olho com extrema desconfiança e hesitação para a noção de que a sociedade tenha o direito nos engajar à força em quaisquer projetos voltados para o bem comum. Não interessa quão lindos e bem intencionados tais projetos sejam, quando a interferência na nossa independência de escolha ultrapassa um certo limiar, isso é totalitarismo puro e simples. Infelizmente, para proteger a nossa liberdade individual, eu concordo que certas estruturas precisam de fato ser criadas para preencher o vácuo de poder, e eu não acho que a inexistência total de coerção por instituições mais ou menos centralizadas seja viável. Porém, repito, a primordial função e justificativa para tais instituições é garantir que gângsters não assumam eles mesmos esse papel e imponham então uma organização social que desconsidere as liberdades que quero ver preservadas.

Dito isso, consideremos os nomes dados a algumas linhas de pensamento comuns sobre esses assuntos.

Comecemos com “liberal”. Esta palavra tem, em português, uma interpretação padrão diferente da que ocorre no inglês.

Em inglês, quando se fala em “liberal”, isso pode ser entendido de duas formas basicamente opostas : “social liberalism” ou “classical liberalism”. O que já nos leva imediatamente de volta à discussão original sobre como o termo “liberdade” pode ser entendido de formas completamente diferentes. Após a revolução iluminista do século 18, e com um foco tanto do entendimento filosófico do universo quanto das estruturas politicas crescentemente concentrado no  homem, a idéia de preservação das liberdades individuais começou a ganhar cada vez mais importância. Porém, rapidamente surgiu uma discordância sobre como tais liberdades devem ser entendidas e preservadas. Dois caminhos não exatamente opostos mas certamente divergente de pensamento surgiram.

Um deles, o do liberalismo classico, é o de que os esforços na defesa das liberdades individuais devem se concentrar em protegê-la de interferências indevidas. Isso é um tipo de “liberdade negativa” no sentido de que o que deve ser garantido não é que qualquer um terá de fato acesso a qualquer tipo de liberdade, e sim que não será deliberadamente impedido de exercê-la pela sociedade. Os Estados Unidos, ao contrário de quase todas as outras nações modernas do mundo, foram originalmente fundados em princípios que vão mais ou menos nessa direção. Em um de seus mais importantes documentos fundadores, é reconhecida a importância de garantir ao ser humano individual a liberdade de “buscar a felicidade” (algo mais ou menos universalmente aceito atualmente mas revolucionário com relação às concepções de mundo previamente dominantes). Note-se porém o cuidado deliberado de garantir o direito à busca da felicidade, não o “direito” de efetivamente obtê-la, algo que os defensores deste entendimento de liberdade tendem a considerar absurdo, inviável e até mesmo opressivo. Este é o entendimento padrão da palavra “liberal” no contexto de ideologias e movimentos políticos no Brasil.

Já o entendimento alternativo de liberdade vai precisamente nesta direção. Para o liberalismo social, certas liberdades devem ser defendidas de forma “positiva” ou “afirmativa”. Isto é, não é suficiente que se previna que a sociedade interfira coercitivamente com certas liberdades individuais. O raciocínio é de que é inútil ter “em princípio” por exemplo o direito de ir e vir se não se têm de fato o poder de exercê-lo porque o custo dos pedágios é altíssimo. Que é ridículo ter o direito à preservação da própria vida se o custo dos serviços médicos mais fundamentais é completamente inacessível para grande parte da população. A idéia é que embora ninguém esteja entrando na sua casa e atentando ativamente contra sua integridade física, se a sociedade se organiza de uma forma tal que um copo d’agua custe mil dólares, estamos efetivamente negando a uma grande parcela da população o direito à vida. Nos Estados Unidos essa é a conotação automaticamente associada à palavra “liberal” quando usada sem maiores explicações.

Eu, pessoalmente, acredito que levar qualquer uma das duas posições ao extremo NÃO maximiza a liberdade de ação do ser humano individual, que é o que eu realmente gostaria que se buscasse. Segundo o liberalismo clássico (mas note, não segundo por exemplo o anarco-capitalismo), pode ser perfeitamente legítimo por exemplo coercitivamente cobrar impostos para financiar um sistema de polícia que impeça que você seja assassinado ao sair na rua. Estamos falando aqui de destruir certas liberdade para proteger outras liberdades, e até aí estou de acordo. Adicionalmente, concordo plenamente com o liberalismo clássico na posição de que não é aceitável confiscar 50% do salário de todos para prover a todo e cada ser humano o direito, digamos, de viajar para qualquer lugar do mundo que desejar (que seria o caso de destruir certas liberdades para criar outras liberdades).

Consideremos agora outro tipos de liberdade, por exemplo o de acesso à educação e ao conhecimento, ou a alimentação suficiente para não morrer de fome, ou a uma operação de emergência para apendicite aguda. Caso alguém não tenha recursos para estudar, ou para comprar comida, ou para ir ao médico, e esse seja o único impedimento para fazê-lo, isso não é diretamente devido à ação coercitiva de ninguém. No modelo mais ortodoxamente clássico, portanto, que pena, que azar, não é responsabilidade que possa ser legitimamente imposta à sociedade, então eu lamento, mas permaneça ignorante, sem alimentação, ou morra de apendicite. É o que efetivamente se está dizendo.

Eu pessoalmente acho que é necessário haver um equilíbrio entre as duas posições. Devem existir certas proteções para que a interferência da sociedade na minha vida não seja opressiva, e isso é absolutamente fundamental e prioritário. Então se for necessário confiscar 50% do salário de todos para financiar com sucesso o combate à fome, então infelizmente deveremos concluir que não há recursos suficientes para combater a fome com sucesso. Mas se 1% do salário de todos for suficiente para prevenir, digamos, que grandes parcelas da população não possam sequer aprender a ler, então aí eu já acho que o somatório do benefício atingido e tão absolutamente enorme que me parece ser razoável que se aja coercitivamente para retirar um certo grau de liberdade tendo em vista criar outras muito maiores. Mas note-se, desde que se trate de liberdades absolutamente fundamentais, que a relação entre custo e benefício seja exponencialmente favorável, e – talvez o mais importante – que o somatório dessas expoliações voltadas para criar liberdades para outros jamais ultrapasse um certo limiar além do qual inevitavelmente criam um estado totalitário mesmo que produzam os benefícios pretendidos.

Se nos entusiasmamos demais com o liberalismo clássico, protegeremos o indivíduo de interferências excessivas do governo, e talvez até mesmo de ações ilegitimamente coercitivas por outros membros da sociedade, mas deixamos basicamente as portas abertas para todo tipo de vácuo concreto de liberdades ocorrer sem que seja diretamente “culpa” de ninguém em particular, liberdades que facilmente teríamos recursos para criar e garantir e que maximizariam amplamente a liberdade total da sociedade. Não fazê-lo seria motivado apenas por ortodoxia ideológica. Por outro lado, se nos entusiasmamos demais com o liberalismo social, corremos o risco – ou melhor, a certeza – de entrar numa inflação desncontrolada de criação de “direitos” e liberdades que só podem ser garantidos cassando outras liberdades; então mesmo no caso – duvidoso – de que todas essas tais “liberdades” sejam de fato criadas com sucesso, o custo inevitável é o governo se meter opressivamente em todos os aspectos de nossas vidas.

O problema com defender certas liberdades “afirmativamente” é que isso garantidamente resulta na restrição a um certo conjunto de outras liberdades. Isso é feito  supostamente com a justificativa de assegurar outras e com isso maximizar a liberdade total, mas essa conseqüência é incerta, largamente imensurável, e quase sempre profundamente discutível. Eu tendo portanto  a simpatizar bem mais com a visão do liberalismo clássico, e a acreditar que somente certas liberdades absolutamente fundamentais devem ser preservadas ativamente pelo governo. Porém, eu não acredito que esse conjunto de liberdades tão fundamentais que são meritórias de defesa mais ou menos ativa seja completamente vazio. Então, em resumo, eu não me identifico plenamente com nenhuma das duas posições em sua forma mais ortodoxa.

O que nos leva aos libertários. Como disse previamente, eu sou a favor mesmo é de seja lá qual estratégia efetivamente maximizar as liberdades individuais efetivamente disponíveis e exercíveis. Eu não quero ser oprimido nem pelo governo nem pelos meus vizinhos. Mas eu também não quero que gigantescas liberdades potenciais sejam negadas a grandes massas exclusivamente para preservar ao máximo logicamente possível a liberdade de uma fração da sociedade. Mas isso sou eu. Infelizmente, não existe nem de longe uma unidade ideológica entre os libertários, e um significado padrão que se possa oferecer ao termo. Existe todo um espectro de pessoas se chamando “libertárias”, desde os anarco-capitalistas até alguns cujas teses incluem a abolição total da propriedade privada (!). Então de certa forma é muito pouco explicativo alguém se dizer “libertário”.

No Brasil, ainda existe uma divulgação muito pobre das idéias libertárias em todas as suas manifestações e vertentes. O pensamento liberal clássico tem já há um bom tempo um grande número de divulgadores e defensores, assim como o pensamento liberal social. Já o pensamento libertário tem poucos seguidores, defensores e divulgadores. Isso é ilustrado pelo fato de que nem sequer existe um termo suficientemente padrão para dar nome ao pensamento libertário; os termos libertarianismo e libertarismo são os candidatos mais óbvios mas nenhum dos dois possui no Brasil grande penetração, seja na cultura, seja na política.

Uma parte do problema que impede uma maior divulgação da posição libertária é precisamente a mencionada ambigüidade sobre o que ela seria para começar. Uma das maiores inspirações para o pensamento libertário, Ayn Rand, é ao mesmo tempo uma das que mais severamente denunciou aqueles que nos Estados Unidos resolveram tomar para si a bandeira da causa libertária. Mas mesmo estando carregada de confusão e discórdia, a posição libertária goza de substancial importância na cultura americana, uma importância que mesmo minoritária, é decididamente relevante, e provavelmente maior do que em qualquer outro país do mundo.

Ironicamente, um dos fatores que prejudica uma maior sistematização do pensamento libertário é que um de seus fundamentos é dar enorme valor à independência de julgamento, opinião e consciência individuais. Isso faz com que seus proponentes sejam naturalmente repelidos por qualquer sugestão de estabelecer uma ortodoxia ideológica, e acaba prejudicando a divulgação e defesa das idéias que de fato são comuns. Como em vários outros contextos, defender militantemente o pensamento crítico é uma proposta problemática.

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Literatura Libertária ../../../.././2009/03/27/literatura-libertaria/ ../../../.././2009/03/27/literatura-libertaria/#comments Fri, 27 Mar 2009 08:09:48 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=355 Decepcionantemente, a mensagem libertária não tem um alcance maior e nunca parece ganhar momento suficiente porque ela não é assim tão cara a grande parte das pessoas. Uma parte substancial das pessoas quer mesmo é alguém que lhes diga o que fazer. Estas infelizmente talvez estejam além de qualquer salvação. Existe porém uma fração considerável de pessoas que fica satisfeita em ter um certo número de liberdades respeitadas mas não percebe plenamente o quanto foi e é continuamente necessário resistir às forças que continuamente querem regular suas vidas até o limite do quanto elas permitirem. Infelizmente, porém, falar sobre isso em termos de princípios fundamentais e abstratos tende a despertar muito pouca identificação da parte do leitor, e acabar se tornando monótono e frio.

Diante disso, um dos recursos mais usados para buscar levar os leitores a refletirem mais profundamente sobre as conseqüências que certas idologias têm se levadas às suas últimas conseqüências é a descrição de distopias nas quais certas visões de mundo prevaleceram. Ao mostrar como seria o mundo então, e que conseqüências isso tem sobre os personagens, as situações se tornam bem mais reais e bem mais difíceis de ignorar como não dizendo respeito a cada um de nós.

Sugiro aqui portanto algumas obras que eu considero importantes e interessantes nesse gênero, e que provavelmente serão mais eficazes do que quaisquer discursos sobre direitos individuais para despertar em alguém a coceira do pensamento libertário.

Nineteen Eighty-Four

Brave New World

Anthem

A Canticle for Leibowitz

Fahrenheit 451

Harrison Bergeron

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Delícias do Anarco-Capitalismo ../../../.././2009/03/17/delicias-do-anarco-capitalismo/ ../../../.././2009/03/17/delicias-do-anarco-capitalismo/#comments Tue, 17 Mar 2009 17:02:04 +0000 Sergio de Biasi ../../../.././?p=299 600px-anarchy-symbol

Não me entendam mal, eu sou libertarian e coisa e tal, mas assim como não dá para chegar na Lua subindo em árvores, não dá para preservar os direitos individuais abolindo todas as entidades que poderiam garanti-los.

Senão vejamos, partamos do fundamento do que considero o espírito libertário : o ser humano individual deve ter garantidas certas liberdades e certas seguranças pessoais, mesmo contra a vontade ou até mesmo interesses reais ou imaginados do resto da sociedade. Não interessa por exemplo se meus rins poderiam salvar a vida do presidente; ninguém pode me forçar a doá-los contra a minha vontade. A integridade do meu corpo físico, a liberdade de expressar idéias, a preservação da propriedade contra apropriação indevida são, entre outros, princípios que gostaria de ver defendidos.

Mas aí começamos já desde a fonte a esbarrar em problemas. Para isso funcionar em sociedade, precisamos de alguma forma concordar sobre *quais* princípios serão defendidos. E mais do que isso, defendidos por *quem*?

Suponhamos que meu vizinho resolva sem qualquer provocação atacar-me violentamente buscando tomar minha vida. Parece razoável considerar que para evitá-lo eu possa, se necessário, tomar sua vida, mesmo contra a idéia de que a vida deve ser em princípio preservada, e que não me torno, por assim dizer, socialmente indesejável por fazê-lo. Isso leva a todo o tipo de discussão sobre que direitos devem prevalecer sobre quais, e em que circunstâncias, etc. E infelizmente, não existe uma resposta “certa” para o sistema de direitos e garantias mais correto. Além disso, muito provavelmente haverá discordância generalizada entre pessoas com um mínimo de independência crítica já sobre quais sistemas são remotamente bons, quanto mais sobre qual seria o ideal.

Isso acaba por nos criar o seguinte problema. Defender coercitivamente qualquer formulação específica do conceito de liberdade individual vai contra o conceito de liberdade individual.

Para resolver essas questões, certas correntes resolvem que portanto a solução é basicamente não forçar coercitivamente de forma universal qualquer formulação específica do conceito de liberdade individual. Deixemos os indivíduos sozinhos, cada um livre para cuidar do que é seu.

Evidentemente se pararmos por aí isso não vai funcionar, porque nada impedirá que parasitas desajustados sem qualquer escrúpulo quanto às liberdades individuais dos outros imediatamente se unam para saquear e pilhar o resto da sociedade. A única forma de evitar que isso aconteça é aquele que mais ou menos concordam sobre a desejabilidade de certas garantias fundamentais se unam então para fazer valer tais idéias. Só que dificilmente é realista, desejável (ou sequer possível) que uma sociedade moderna se construa em torno da idéia de que teremos professores universitários de dia que são vigilantes à noite.

Para encurtar o argumento, a essência da tese dos anarco-capitalistas é que coisas como a segurança pessoal, a propriedade privada e os contratos seriam eventualmente garantidos por seguradoras (e seus respectivos serviços por exemplo de segurança e arbitragem) que cobrariam pelo serviço.

Bem, para começar, eu vejo grande similaridade entre isso e o que já ocorre. Os governos são hiperinfladas instituições precisamente deste tipo. Após uma sucessão de reviravoltas retóricas e semânticas, chegamos a uma situação na qual efetivamente pagamos a grandes instituições às quais não temos a menor chance de individualmente nos opormos para nos protegerem dos outros. É de uma ingenuidade muito grande imaginar que tais instituições colocarão meu bem estar acima de seus interesses, ou que a “perda de credibilidade” ou de negócios espontaneamente fará com que elas se comportem de forma a preservar a minha liberdade. Pelo contrário, a pura e irrefreada motivação de maximizar o lucro me parece que definitivamente não só não está logicamente atrelada à maximização da minha liberdade, como pode em muitos casos ir diretamente contra ela.

Eu não disputaria que o sistema de justiça tal como implementado na maior parte dos países é notoriamente caro, vagaroso, arbitrário, politizado e cheio de vários outros tipos de problemas. Diante disso, mesmo sem mudarmos completamente a estrutura política, a arbitragem, um dos pontos do programa anarco-capitalista, parece uma possibilidade que poderia ou até deveria ser mais explorada. Ou não? Bem, em países como os Estados Unidos isso tem sido uma prática crescente, freqüentemente para surpresa de quem diante de uma disputa descobre que assinou um contrato no qual, nas letras miúdas, abriu mão de seu direito de reclamar uma solução na justiça e ao invés disso se submeterá obrigatoriamente a arbitragem sem possibilidade de recurso. Maravilhosamente anarco-capitalista? Bem, o resultado prático parece ser mais na direção de dar as empresas o direito de colocar como um dos termos do contrato “as leis pertinentes não serão aplicadas”. O que aliás de fato *é* maravilhosamente anarco-capitalista. Principalmente para o lado mais poderoso do contrato, que pode simplesmente impor a sua vontade, e danem-se as garantias individuais à liberdade, propriedade, etc.

Apesar disso tem sido porém quase um mantra entre certas correntes ultra-laissez-faire que a busca do lucro individual à la Ayn Rand dentro de um sistema de livre mercado automaticamente cria um sistema que naturalmente converge para o ponto ótimo da função utilidade coletiva para todos.

Infelizmente, quando indivíduos egoístas se põem a comandar grandes empreendimentos sem qualquer tipo de freio, o que ocorre é exatamente o oposto. Pateticamente e ridiculamente, não exatamente porque os “patrões expoliadores” criem uma oligarquia burguesa que oprime o proletariado. Pelo menos não num estado moderno. O que ocorre é que as pessoas colocadas em tais posições simplesmente roubam a maior quantidade possível de dinheiro e saem correndo. A crise americana atual, que assume proporções desastrosas, não foi conseqüência dos bancos agirem, para proveito próprio, contra os interesses da sociedade. Pelo contrário, os bancos agiram radicalmente contra seus próprios interesses, e alguns dos maiores bancos americanos quebraram, estão quebrando, ou estão moribundos. Enquanto isso executivos e traders foram rindo pra casa com literalmente bilhões de dólares. O que foi que deu errado? O que deu errado – e isso foi um erro até mesmo dos próprios capitalistas investidores – foi a idéia de que se deixarmos a economia nas mãos de um bando de egoístas amorais, tudo magicamente vai dar certo no final porque se eles administrarem mal o dinheiro perderão os investidores. Ora, me parece que isso não importa muito de você já levou mais dinheiro pra casa do que poderá gastar em dez vidas. É a isso que o rational self-interest descontrolado concretamente nos leva. Para que o interesse individual racional em obter lucro pessoal não supere todas as outras considerações, é preciso que haja algum desincentivo, alguma conseqüência para quem agir como um psicopata.

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Illegal Pants ../../../.././2007/06/18/illegal-pants/ ../../../.././2007/06/18/illegal-pants/#comments Mon, 18 Jun 2007 07:34:09 +0000 Sergio de Biasi http://oindividuo.com/?p=429 news_about_illegal_pants

Aqui em NY existe uma coisa que não há na Rio – e tanto quanto eu saiba em nenhum lugar do Brasil. Existem jornais de considerável circulação (embora nem sempre reputação), lidos por boa parte da população, que são totalmente gratuitos, alguns deles díários. Eles são amplamente distribuídos, normalmente em esquinas e estações de metrô. Essa introdução tem por objetivo apenas contextualizar a fonte da notícia acima – um desses jornais, o “AM New York”, que se não me engano é entre os diários o de maior circulação em Manhattan.

Mas vamos à notícia – na verdade apenas uma breve nota, publicada esta semana. Em si mesma, ela é quase irrelevante, mas como parte de um fenômeno muito mais abrangente, é irritantemente sintomática. Vocês vejam só, a minha opinião pessoal sobre essa moda recente (de se usar calças que propositalmente expõem a roupa de baixo) é de que isso é vulgar, esteticamente feio, e socialmente ridículo.

Dito isso, eu continuo achando que é problema de cada um se vestir como bem entender. Certamente não é assunto para o governo se meter. Que isso não seja abundantemente óbvio é uma das infinitas manifestações da péssima idéia de que seja adequado usar o poder de coação do governo para tornar obrigatório algum sistema específico de valores. E essa idéia é em si mesma uma das conseqüências da noção de que seja razoável uma pessoa ou um grupo impor seus valores ao resto da sociedade. Alguns desses grupos intuem que isso seria opressivo e ruim, então se saem com a desculpa de que estão na verdade defendendo valores “absolutos”, e/ou que estão “protegendo” as pessoas de si mesmas, de conseqüências ruins (objetivas ou imaginadas) de seus próprios atos. Outros se apegam ao argumento de que estão apenas tornando oficial a vontade da maioria (como se ser oprimido pela “maioria” fosse mais reconfortante ou justo). Finalmente, existem os que por arrogância ou sinceridade admitem que estão impondo seus valores e dizem que é isso mesmo, e que quem não gostar pode ir embora.

Eu poderia agora desfiar alguns argumentos libertários sobre a elevada importância da autonomia individual. Mas não vou fazê-lo. Porque o pior mesmo é que em grande parte dos casos isso nem sequer chega a um nível tão elevado. Muitas e muitas vezes, não se trata sequer de uma batalha de sistemas de valores, ou de convicções filosóficas, ou de ideologias, ou de plataformas políticas. Com lamentável freqüência, trata-se apenas de medo do diferente, de rejeição automática do divergente, de repressão instintiva a assuntos com os quais não se quer ter que lidar. Especialmente com relação a sexo, grandes quantidades de americanos são muito neuróticos. Então não se trata de “o governo deveria proibir tudo o que eu acho errado”, que já seria inaceitavelmente totalitário. É mais na linha “o governo deveria proibir tudo de que eu não gosto”, atitude com relação a qual fica difícil fazer comentários construtivos.

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Start Challenging This Corporate Slave State ../../../.././2006/11/26/start-challenging-this-corporate-slave-state/ ../../../.././2006/11/26/start-challenging-this-corporate-slave-state/#comments Sun, 26 Nov 2006 17:26:12 +0000 Sergio de Biasi http://oindividuo2.wordpress.com/?p=62 Para quem não sabe, Alex Jones tem um programa de rádio com uma audiência razoável aqui nos EUA. Ele não é exatamente mainstream, mas tem conseguido cada vez mais atenção. A última vez em que ele teve algum destaque na grande mídia foi quando o ator Charlie Sheen declarou durante uma estrevista no programa dele que a histórica oficial sobre o que aconteceu em 11 de setembro de 2001 era absolutamente inacreditável e que como cidadão americano ele exigia uma investigação decente e respostas para uma quantidade preocupante de perguntas que ficaram no ar.

Alex Jones é freqüentemente chamado de comunista e subversivo pela direita e de conservador e fascista pela esquerda, o que pra mim é um ótimo sinal de que ele não está discursando segundo categorias ideológicas pré-fabricadas e sim realmente pensando alguma coisa. Ele tem um site independente na internet chamado Infowars, “because there is a war on for your mind”. Ele acerta na mosca no fato de que a verdadeira guerra está sendo travada nas nossas mentes, e que se acreditarmos acriticamente nessas besteiradas todas com que o establishment nos bombardeia, estamos perdidos.

Enfim, essa introdução é para contextualizar melhor quem é o sujeito fazendo esse discurso espetacular no vídeo que se segue abaixo. Não podemos deixar o planeta Terra virar um campo de concentração gigante.

http://video.google.com/videoplay?docid=-7027763073373936991#

 

 

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O Totalitarismo Vem Aí ../../../.././2006/11/25/o-totalitarismo-vem-ai/ ../../../.././2006/11/25/o-totalitarismo-vem-ai/#comments Sun, 26 Nov 2006 03:52:33 +0000 Sergio de Biasi http://oindividuo2.wordpress.com/?p=64 Sinceramente, é de desanimar. Vejam esta notícia :

Mr Blair’s strategy is to create “a new, more explicit contract between the State and citizen”

Tony Blair is keen to base new policies on his idea of linking rights and responsibilities, using a range of new contracts between citizens and the State.

Mr Blair’s strategy is to create “a new, more explicit contract between the State and citizen on agreed public outcomes”, according to Cabinet Office papers reported in the Guardian today.

Examples could include making parents agree to support their child’s education by ensuring good behaviour and that homework is completed on time.

Primeiro, eles cobram impostos ABSURDOS para sustentar um sistema ABSURDO de educação, saúde, assistência social que você não escolheu e nem quer. Agora, eles querem forçar você a seguir ordens arbitrárias do governo para poder usufruir dos “benefícios” que eles dão, interferindo diretamente em todos os aspectos da sua vida. Note que em alguns casos, usufruir dos “benefícios” sequer é opcional, como no caso de as crianças irem à escola. Aí eles têm o descaramento de dizer que isso é um avanço no sentido de tornar mais claro o “contrato” entre o governo e o público. “Contrato”? Contrato é um acordo voluntário e opcional entre partes livres para recusá-lo. Se é mesmo um contrato, eu acho ótimo – então eu não pago impostos e eles não me prestam qualquer “serviço”. Estaria muito bom para mim.

Só que mais uma vez estamos no reino da novilíngua, em que paz significa guerra, liberdade significa escravidão, e contrato significa aceitação incondicional de “direitos” e “deveres” que você não escolheu. É literalmente algo assim: você tem o “direito” de ser obrigado a mandar seus filhos para a escola que o governo mandar, por quanto tempo o governo determinar, para aprender as coisas que o governo escolher, e em “troca” você tem o dever de obrigar seu filho a não questionar o sistema escolar. Ah, e evidentemente você tem que pagar pela coisa toda. Tente anunciar que não vai mais pagar impostos para ver o que acontece. Aliás, para assalariados isso nem sequer é possível.

É como se eu fosse um senhor de engenho e reunisse meus escravos para dizer: “Resolvi tornar nosso contrato mais explícito. A partir de agora vocês têm que trabalhar 12 horas por dia e não tentar fugir, e eu lhes dou comida suficiente para vocês não morrerem.” Até soa como uma “troca”. Deixa sequer de parecer quando se explicita “senão eu te bato até você morrer”. Isso é uma troca tanto quanto sua “negociação” com um assaltante: me deixe vivo e eu te dou minha carteira. É essa a diferença entre um emprego e a escravidão, entre uma transação comercial e um assalto : a liberdade de escolher. Tente ver se funciona dizer para o senhor de engenho: que tal você me deixar em paz e eu me viro para achar a minha comida?

O totalitarismo vem aí, e com força total, e no mundo inteiro. E um bando de alienados aplaude entusiasticamente a cada novo “direito” criado pelo governo. Como reverter isso? Como escapar disso?

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