O Indivíduo ../. Porque só o indivíduo tem consciência Tue, 02 Aug 2011 04:56:23 +0000 en hourly 1 http://wordpress.org/?v=3.1.3 Desconstruindo O Poder Masculino .././2011/07/30/desconstruindo-o-poder-masculino/ .././2011/07/30/desconstruindo-o-poder-masculino/#comments Sat, 30 Jul 2011 22:35:09 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2396
Grande parte do movimento feminista se baseia na percepção de que dado que historicamente em um grande número de contextos se espera ou se esperou das mulheres que assumissem uma identidade limitada, oprimida e em alguns casos degradante – uma afirmação com a qual concordo imediatamente – daí podemos concluir que (1) isso seria deliberadamente arquitetado pelos homens e (2) a sociedade como um todo estaria estruturada – sob o comando dos homens, como observado em (1) – não apenas para oprimir as mulheres mas para no processo tornar o papel social do homem algo muito mais conveniente, agradável e condutor ao crescimento e à realização pessoal.

Ambas as afirmações (1) e (2) são absurdamente falsas, como basicamente qualquer homem adulto teve de aprender da forma mais desagradável possível.

Note-se que as afirmações (1) e (2), marteladas por décadas de propaganda como obviedades infalíveis, falsas que sejam foram introjetadas pela maior parte de nós de forma tão profunda que requerem uma considerável dose de pensamento crítico divergente, honestidade  e coragem para serem sequer questionadas. E enquanto isso, nutre-se na mulher média uma raiva difusa que recai sobre todos os homens, uma tensão similar à que se vê em outros contextos devida a grandes ressentimentos raciais, religiosos ou nacionalistas, e que é particularmente perversa justamente por ser coletiva – não adianta argumentar “mas peraí, eu nao fiz nada”. Você é culpado por default, simplesmente por pertencer ao grupo hostilizado. Resta aos homens desculparem-se eternamente por sê-lo. Não que isso seja suficiente, afinal sua perversidade é intrínseca; o máximo que os homens podem almejar é serem tolerados.

Mas reexaminemos as afirmações (1) e (2). Em particular, quão poderosos são realmente os homens? O quanto eles realmente controlam tudo sozinhos? Claro que isso depende de época histórica, e varia de sociedade para sociedade, mas examinemos uma sociedade ocidental moderna há digamos uns 30 ou 40 anos atrás. De fato, é fácil argumentar – diria eu observar – que nesse contexto – como em muitos outros – os homens exibem um poder muito grande sobre as mulheres. Isso é claro ao ponto de não requerer grandes elaborações. Os homens em geral são quem tem uma carreira profissional, trazem dinheiro para casa, ocupam a maior parte dos cargos politicos, jurídicos, acadêmicos, médicos, etc, etc. Então por um lado parece tentador afirmar que nessas circunstâncias a sociedade é determinada pela vontade dos homens.

Prossigamos porém olhando mais detidamente a situação. Certo, os homens têm um grande poder sobre as mulheres. Mas quanto poder neste mesmo contexto as mulheres têm sobre os homens? O quanto da vida de um homem é determinado por considerações sobre como melhor se adequar – para colocar brandamente – a vontades, desejos e ao bem estar do sexo oposto? Pergunte a qualquer homem e ele provavelmente não terá muita hesitação quanto à natureza da resposta.

Essa porém ainda não é, a meu ver, a pergunta certa. Ela implicita e intrinsicamente já compra essa fajuta oposição antagônica entre homens e mulheres. Coloquemos a questão de uma forma um pouco diferente. Certo, em muitos contextos as mulheres podem – justificadamente – argumentar que não têm adequadamente garantida a sua liberdade para expressarem livremente sua identidade, sua sexualidade, para perseguirem seus sonhos, para dizerem o que pensam, para crescerem como seres humanos. Que não é dado a elas suficiente poder sobre si mesmas. Então eu pergunto : e aos homens por acaso é?

Ah, claro, a tentação é dizer que sim. Olhe para um arquétipo qualquer de poder masculino – um general digamos. Ele dá ordens para centenas de homens.

Então pensemos. Qual é o tipo de poder que realmente importa para o nosso crescimento e realização pessoal? É o poder sobre os outros? Ou é o poder sobre si mesmo? Homem ou mulher, pense seriamente sobre essa questão. Um absolutamente não implica no outro. Um policial, um sargento, um motorista de ônibus – todos têm grande poder sobre uma grande quantidade de pessoas, e literalmente muitas vidas estão diariamente em suas mãos. Por acaso isso traz para eles mais liberdade? Ou muito pelo contrário, traz uma responsabilidade enorme com mínima contrapartida?

E se esses exemplos – que evidentemente são os mais realistas e representam a maioria esmagadora dos homens – não servem por não serem suficientemente atraentes, consideremos então outros os mais favoráveis possíveis. Consideremos um alto executivo do setor privado, ou um presidente, ou um ganhador de prêmio nobel. Essas posições historicamente são ocupadas majoritariamente por homens, e certamente estes são “livres” certo? Bem, a não ser que estejamos falando de alguma república das bananas ou de criminosos fraudulentos, absolutamente não. Ganhar um prêmio nobel, ou presidente, ou tornar-se alto executivo do setor privado dá um trabalho absurdo, e na maior parte dos casos provavelmente estraçalha sua vida pessoal e sua liberdade de perseguir livremente paz e realizacão e completude como pessoa. A não ser no casos de seres humanos monomaniacamente motivados além de qualquer medida saudável, ou além do que a maioria de nós é capaz, é muito difícil fazer qualquer uma dessas coisas e ao mesmo tempo perseguir seus outros anseios e desejos que o libertem de ser e sentir-se um ser humano unidimensional.

E para fazer uma pergunta muito politicamente incorreta, quem você acha que no caso geral é mais livre? O presidente, o alto executivo, o ganhador de prêmio nobel… ou suas respectivas esposas?

Mas se assim é, por que os homens – muito mais do que as mulheres – historicamente sempre perseguiram essas carreiras suicidas, que os deixam insensíveis e brutalizados, que os colocam na faixa expressa para um ataque do coração? Por que, muito mais que as mulheres, escolhem os homens ignorarem seus sonhos, seus anseios, seus desejos, sua vontade de aprender violino ou estudar italiano ou escrever um livro… para literalmente se matarem sendo “bem sucedidos” CUSTE O QUE CUSTAR?

Quem acha ou especula que seria porque os homens são por natureza desajustadamente competitivos a ponto de não se importarem com o próprio bem estar, provavelmente nunca foi homem. Não, não é nada disso. Pergunte a qualquer homem. A resposta é muito simples. Os homens fazem isso porque É ISSO QUE SE ESPERA DELES. Assim como de uma mulher se espera tradicionalmente que se case com um provedor e vá para o lar cuidar da casa e dos filhos e do marido, de um homem se espera tradicionalmente que seja um provedor e adote uma família para patrocinar e então vá lá à luta e vença a qualquer custo ou morra tentando para prover segurança  e meios para esta família. Sem desculpas, sem perdão, sem choraminguelas.

E note, eu não estou com isso dizendo que essas expectativas sociais sejam internalizadas primordialmente como um senso de dever premente ou sentimento de culpa implacável (embora de fato ambos de fato façam parte do quadro). A questão é mais brutal e mais pragmática do que dilemas de consciência. Um homem que não atinja certas expectativas simplesmente não é enxergado como um candidado aceitável para companheiro e marido e terá extrema dificuldade em atrair uma parceira estável ou de qualidade. Quantos homens queriam *mesmo* ter ganho dez troféus, ou quinze promoções, ou um milhão de dólares… e quantos o fazem porque percebem ou imaginam que sem isso jamais serão percebidos como aceitáveis? Muito se fala por exemplo sobre homens em alguns contextos ganharem salários maiores do que as mulheres. Agora, experimente ser homem e *não* ganhar um salário maior que sua companheira e veja o quanto isso no caso padrão impactará quanto respeito ela terá por você. Esse é o outro lado desse tipo de estatística. Os homem são premidos a fazerem *o que for necessário* para atender a esse tipo de expectativa, e muito freqüentemente isso se dá não através da manipulação ou opressão dos outros e sim se matando de tanto trabalhar. Os homens freqüentemente escolher se auto-oprimirem para se tornarem socialmente aceitáveis, precisamente como as mulheres historicamente o fizeram.

Agora vejamos, se por um lado se pode dizer que o papel tradicional da mulher é objetificante e perverso, pelo menos ele é genericamente atingível. As expectativas que se têm sobre a mulher média são medidas em termos mais ou menos absolutos – que mantenha uma certa aparência, apresente um certo comportamento, etc. Não se espera tanto que uma mulher seja dominante socialmente ou esteja no topo de qualquer pirâmide competitiva. É possivel uma mulher ser uma “boa” esposa, atraente e satisfatória e socialmente competente segundo os padrões tradicionais, simultaneamente a todas as outras esposas do bairro também o serem. Em outras palavras, não se mede o valor de uma mulher por competência em conquistar uma posição socialmente “alfa”. Uma sala cheia de top models é uma sala cheia de top models. Já uma sala cheia de presidentes imediatamente implica uma hierarquia. Um homem precisa ser competitivo e assertivo e sob algum aspecto conquistar ascendência social se quiser ser percebido como bem sucedido, atraente e respeitável. Então se por um lado grande parte dos homens estará perfeitamente disposto a avaliar uma mulher pelo que ela é e não por qual posição social ocupa ou o que os outros pensam dela, por outro lado um homem precisa atingir objetivos que *por definição* estão acessíveis a apenas uma pequena porcentagem dos homens. Não há como *todos* serem ao mesmo tempo líderes. Os homens são colocados numa posição impossível na qual precisam competir por um número limitado de vagas para aceitabilidade social. Não é surpreendente que isso gere comportamentos agressivos e brutalizantes. Certo, é nossa bagagem genética e evolutiva, mas se por um lado isso talvez maximize a robustez dos nossos genes e coisa e tal, por outro lado causa imensa infelicidade a todos. Está na hora de questionar isso tudo, assim como se questionou o papel social tradicional da mulher – para o qual aliás também é fácil encontrar várias justificativas que se biologicamente válidas são completamente fajutas e perversas do ponto de vista existencial e humano.

Então vejamos, o fato de que o papel social tradicional e arquetipicamente esperado – exigido! – da mulher seja efetivamente opressivo e degradante não implica (1) que isso seja automaticamente uma conspiração masculina nem (2) que o papel social tradicional e arquetipicamente esperado – exigido! – do homem seja menos opressivo ou degradante. Aliás, muito pelo contrário. Historicamente, os homens estavam presos na mesmíssima arapuca que as mulheres. Seria excelente homens e mulheres poderem contar uns com os outros para ambos desafiarem certas estruturas sociais obsoletas, absurdas e deprimentes.

Ao invés disso, porém, a situação que vivemos atualmente é de que as mulheres conseguiram – e justificadamente, e ainda bem – lutar já com bastante sucesso contra esse papel tradicional que historicamente limitava suas possibilidades de se tornarem seres humanos completos e realizados. Hoje elas têm muito mais opções do que antes. Mas e quanto aos homens? Ora, os homens avançaram muito pouco em questionar tudo isso. Dos homens ainda se espera o perverso e opressor “take it like a man”.

Então se por um lado tradicionalmente não era aceitavel para uma mulher dizer “olha só, preciso que você tome conta das crianças hoje porque eu tenho uma reunião de trabalho” ou “eu quero fazer pós-graduação então vou passar o dia todo na universidade por cinco anos”, e isso foi questionado e em grande parte abandonado, por outro lado hoje continua sendo majoritariamente inaceitável para um homem dizer “meu projeto de vida é ficar em casa tricotando e vendo novela e varrendo o chão e fazendo comida para as crianças, você se vira aí para arranjar dinheiro”, ou “bolas, perdi meu emprego, não vou poder contribuir para o orçamento familiar por uns meses, falou?” Ao contrário, se você entra em alguma residência e está faltando dinheiro para comida, para quem tradicionalmente se virarão os olhares de reprovação – quando não de acusação? Para o homem, evidentemente! Se você está buscando um cônjuge para se casar, de qual parceiro tradicionalmente se espera que seja a responsabilidade de prover condições financeiras para uma união? Do homem, claro! E a qual parceiro se dá hoje a liberdade de escolher entre ficar em casa buscando exploratoriamente seu crescimento pessoal subjetivo *ou*, a seu critério, buscar uma carreira profissional pragmatica? Pra mulher, é claro!

Se você acha completamente absurdo dizer para uma mulher que se ela não restringir sua existência a uma mistura caricatural de reprodutora com empregada doméstica com com boneca inflavel então ela é incapaz, egoísta, perversa e socialmente inaceitável, eu concordo com você que é absurdo mesmo. E que isso seja absurdo é atualmente cada vez menos incontroverso. E ainda bem.

Mas nesse caso, não venha então achar razoável que digam para um homem que se ele se recusar a resumir e restringir sua existência a uma mistura caricatural de provedor com guarda-costas com dildo ambulante então ele seria incapaz, egoísta, perverso e socialmente inaceitável. E perceba que esse papel masculino tradicional é tão opressivo e despersonalizante para o homem quanto o tradicional feminino é para a mulher.

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Chantagem Emocional .././2011/06/28/chantagem-emocional/ .././2011/06/28/chantagem-emocional/#comments Tue, 28 Jun 2011 15:42:50 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2582

Sue : I suppose you don’t have any shrinks at Walkabout Creek.
Michael : No, back there if you got a problem you tell Wally. And he tells everyone in town, brings it out in the open, no more problem.

Entre os diversos experimentos altamente perturbadores sobre comportamento social que eu conheço em psicologia estão os que seguem a linha de pesquisa inicialmente explorada por Milgram na década de 60. Para quem não conhece, vale a pena ler uma descrição mais detalhada. Mas em resumo, o resultado é na direção de concluir que o ser humano médio está preparado para sem qualquer coação e sem qualquer remorso praticar os atos mais cruéis e desprezíveis desde que acredite estar seguindo intruções diretas de uma figura de autoridade.

As conseqüências para política, religião, educação, e na verdade em praticamente todas as esferas da existência humana são gigantescas.

Mas eu quero aqui me concentrar em discutir um contexto específico em que esse fenômeno se manifesta de forma a meu ver particularmente perversa, que é o do tratamento psicanalítico (e similares).

Quando um indivíduo decide buscar um terapeuta para discutir suas questões psicológicas, suas angústias existenciais, suas neuroses, seus problemas emocionais, ele se coloca em uma posição bastante vulnerável. Note-se, mesmo sem questionarmos a validade científica ou médica de psicanálise e similares, a maior parte dos pacientes se vê na mesma situação na qual nos descobrimos quando levamos o carro a um mecânico sem termos qualquer noção de como um carro funciona por dentro – que é de que em algum momento somos confrontados com ter que escolher confiar que o mecânico sabe o que está fazendo. Claro, não tomamos essa decisão cegamente – mas quase sempre também não a tomamos com base em conhecimento profundo do assunto. Usamos critérios basicamente circunstanciais para fazê-lo, usamos aparências e inferências para escolher ou não aceitar o terapeuta como uma figura legítima de autoridade sobre certos aspectos da mente humana e sobre os caminhos apropriados para atingirmos saúde mental e emocional.

A questão porém já começa do fato de que definir saúde mental e emocional é altamente problemático. Será que um psicopata perfeitamente feliz e realizado com seu comportamento deve ser classificado como num estado psiquiatricamente patológico? Ou simplesmente como um perigo objetivo aos outros? Será que alguém que decida permanecer com seu cônjuge alcoólatra devido a sentimentos de amor e fidelidade deve ser classificado como autodestrutivo e masoquista? Ou pelo contrário, como idealista e nobre? E se o cônjuge não for alcoólatra mas sofrer um acidente de carro e ficar paraplégico? Alguém que escolha voluntariamente e sem qualquer coação ficar e passar uma vida inequivocamente infeliz ao lado do cônjuge deve ser classificado como emocionalmente perturbado? E se a pessoa estiver *feliz* com essa escolha, deve então ser classificada como delirante? Alguém que *condene* essa escolha deve ser aplaudido, desprezado, ou simplesmente respeitado? Alguém que anseie ser capaz de tais atos de desprendimento deve ser considerado nobre, ingênuo, doente, ou simplesmente portador de uma personalidade?

Espero que com esses poucos exemplos – seria muito fácil construir mais – esteja claro que “saúde mental” dificilmente pode ser reduzido a “felicidade pessoal” sem esbarramos em sérios problemas.

Infelizmente, porém, existe modernamente uma tendência bastante forte de encarar saúde mental exatamente desta forma, isto é – se o sujeito é capaz de funcionar socialmente, e está feliz com seus próprios estados mentais, então como regra geral está tudo bem. Ao diagnosticar grande parte dos distúrbios emocionais e de comportamento como patológicos ou não, grande atenção é dada a como tais comportamento e estados mentais de fato afetam o bem estar – objetivo e/ou percebido – do paciente, e quaisquer determinações de patologia são em grande parte assim relativizadas. Então se eu sinto uma necessidade incontornável de lavar as mãos 10 vezes antes de sair de casa enquanto canto “parabéns pra você” mas estou perfeitamente feliz com isso e isso não prejudica em nada a minha rotina, então boa sorte para mim. Por outro lado se eu me sinto compelido a executar exatamente o mesmo ritual mas isso me causa imensa angústia e perturba minha capacidade de chegar nos meus compromissos a tempo e eu não sei administrar essa idiosincrasia como parte de uma rotina funcional, então eu tenho um problema.

Isso tudo parece muito razoável e flexível e coisa e tal e inclusive foram considerações como essas – em grande medida substituindo o temível e opressivo critério de “normalidade” – que levaram ao questionamento e eventual – bem vindo – repúdio da classificação de diversos comportamentos estatisticamente desviantes – por exemplo homossexualidade – como sendo supostamente merecedores de um diagnóstico patológico para o qual devemos desenvolver um “tratamento”. Afinal de contas, ter um QI de 140 ou ser capaz de compor sinfonias é muito mais raro do que ter tendências homossexuais e ninguém vê necessidade de encontrar “curas” para isso.

Esse paradigma porém, útil e benéfico que seja para questionar a perversa identificação entre desvio e patologia, esbarra em sérias limitações quando buscamos usá-lo como único critério para diagnóstico e tratamento. Revisitemos variações dos exemplos acima apresentados. Suponhamos que alguém procure um terapeuta e diga “Meu cônjuge sofreu um acidente de automóvel e ficou paralítico e desde então eu tenho estado muito infeliz. Essa relação não tem mais como satisfazer profundas aspirações que eu tenho para o resto da minha vida e eu não quero permanecer nela. Porém eu me sinto profundamente comprometido em ficar, me parece uma traição inaceitável simplesmente ir embora. Que devo fazer?”

Naturalmente que a maioria absoluta dos terapeutas não responderá com sugestões assertivas sobre qual caminho seguir. Ao invés disso, buscará “auxiliar” o paciente no processo de autoinvestigação de suas possibilidades, de seus desejos, de seus motivos, de suas necessidades, etc. E a expectativa – ou pelo menos o objetivo – é de que o paciente se tornará então progressivamente mais capaz de tomar por si mesmo decisões progressivamente mais centradas e mais coerentes tanto com realidades externas como internas, sejam quais forem. Parece bastante razoável.

Só que em primeiro lugar, é uma ficção total esperar ou mesmo sugerir que o terapeuta não tenha, sim, uma – forte – opinião sobre o que o paciente deveria fazer, e é uma ficção em cima dessa ficção achar que seja possível esconder essa opinião. Aliás, muito pelo contrário – ao buscar reprimir ou ocultar sua própria opinião sobre o que o paciente deveria fazer, o terapeuta passará a expressar seus sentimentos e julgamentos sobre o assunto de forma subliminar e o resultado será um “diálogo” manipulativo e farsesco, no qual os – indeléveis e indisfarçáveis – estados mentais do terapeuta permanecerão ostensivamente presentes como subtexto que contorna o senso crítico sem que jamais o paciente tenha uma oportunidade honesta de desafiá-los abertamente. Inclusive na maior parte das vezes o paciente, em busca da aprovação do terapeuta, articulará tais idéias jamais verbalizadas pelo terapeuta como sendo suas próprias, grande parte das vezes acreditando sinceramente que o sejam.

Por um lado, de fato esse fenômeno pode ser usado como “ferramenta terapêutica” para induzir pacientes a questionarem posições e estados mentais que jamais questionariam diante de um ataque direto, e a considerar idéias que parecem ameaçadores demais se apresentadas explicitamente. Por outro lado, quando induzimos qualquer um a desligar seu senso crítico e criamos uma situação na qual previsivelmente a busca de aprovação tornará o paciente vulnerável a dizer basicamente qualquer coisa, a autenticidade do processo como jornada de auto-descoberta se torna altamente questionável, e a distinção de pura e simples lavagem cerebral fica perigosamente nebulosa.

Mais muito pior e mais danoso do que ser uma ficção total que o terapeuta seja neutro é o próprio projeto – falhado que seja – de pretender ser “neutro”. Note-se, ao validar essencialmente *quaisquer* decisões que um paciente tome, desde que sejam “equilibradas”, desde que promovam o “bem-estar” do próprio paciente dentro dos limites do civilizadamente aceitável, estamos basicamente promovendo o mais profundo egoísmo. Sim, egoísmo civilizado e sofisticado e moderníssimo – mas egoísmo assim mesmo. Então se um homem diz “estou infeliz no meu casamento, vou deixar minha mulher e meus dois filhos e recomeçar minha vida sem o fardo de ter essas restrições a minha independência”, se uma filha diz “vou internar minha mãe num asilo porque está muito chato cuidar dela”, se uma esposa diz “meu marido perdeu o emprego e está muito deprimido, isso está muito incômodo, acho que vou dizer que estou saindo de casa”, todas essas proposições partem do princípio geral de que A FELICIDADE DOS OUTROS NÃO É MINHA RESPONSABILIDADE. Aceita-se a premissa de que prejudicar ativamente os outros não é civilizado, mas sair do seu caminho para proteger o bem estar dos outros já é pedir demais. Eles que cuidem de si mesmos. E o terapeuta acaba em muitas circunstâncias provendo precisamente a validação necessária para o paciente, sufocando protestos de sua própria consciência, introjetar essa atitude como saudável e positiva.

Ao que eu afirmo : essa posição é tão cheia de problemas éticos que se precisa de explicação a explicação provavelmente será inútil.

Para começar, genericamente, acreditar seriamente na idéia de que se não é sua culpa então não é seu problema demonstra sério retardamento moral.

Isso já seria perverso como ideologia adotada espontaneamente, mas ao incentivar dentro de uma relação de autoridade a noção de que seria um comportamento saudável e condutor ao equilíbrio emocional desligar-se do sentimento de que somos SIM éticamente responsáveis pela felicidade dos outros, o terapeuta dá permissão ao paciente para desconectar-se de sua humanidade, para caminhar essencialmente em direção à psicopatia, uma permissão que empiricamente – e não só nos experimentos de Milgram, mas em muitíssimo outros contextos, desde nazismo até inquisição – tem um enorme poder de transformar pessoas de outra forma decentes em robôs indiferentes diante das mais impressionantes manifestações de sofrimento humano. Então eu estar mencionando terapeutas aqui é quase acidental; é apenas a forma como isso ocorre em círculos abastados ocidentais pós-modernos. Qualquer figura de autoridade serviria potencialmente para produzir o mesmo efeito; apenas esta é uma que convencionamos aceitar como tal diante da falência da legitimidade de outras.

Agora, o tipo de terapeuta ao qual me refiro não para em advogar, por vezes até mesmo explicitamente, e com literalmente essas palavras, que “a felicidade dos outros não é sua responsabilidade”, como se fosse uma grande e profunda revelação mística. Uma à qual qualquer um vulnerável e confuso e em sofrimento muito facilmente sentirá grande tentação de se agarrar. Afinal, enxergar-se como moralmente implicado no bem estar e na felicidade de outros de fato é uma enorme responsabilidade. Só que a pergunta – originalmente e deliberadamente retórica – “por acaso sou guarda de meu irmão” é já em si mesma um triunfo de desonestidade. O grande alívio produzido por quem venha lhe dizer vindo de uma posição de autoridade que a resposta poderia ser “não, você não é” explora o medo e as fragilidades emocionais de um ser humano em sofrimento da forma mais vil. Essa arquetípica situação nos remete à cena crucial de “A Última Tentação de Cristo” em que ele, pregado na cruz, sofrendo absurdamente, e agonizante, diz “Meu pai, por que me abandonaste?”… para então ver descer do céu um anjo que diz “Você já sofreu o suficiente, já fez o seu trabalho… não precisa seguir adiante, desça da cruz, vai ficar tudo bem…” E Cristo, confuso, em choque, mas imensamente aliviado, desce da cruz e vive uma existência vazia de significado na qual assiste tudo aquilo por que lutou desmoronar em pedaços. E eventualmente, prestes a morrer de velhice, percebe que traiu a si mesmo e à sua consciência, e que o suposto anjo era o demônio (o qual evidentemente é muito mais sedutor vestido de anjo e pregando que ao fazermos o que nós é conveniente estaremos fazendo a coisa certa).

Não, o tipo de terapeuta ao qual me refiro não para em simplesmente promover essa atitude psiquicamente desestruturante na qual pessoas basicamente saudáveis são encorajadas a agirem psicopaticamente, a acreditarem que o mais fácil e conveniente e superficialmente vantajoso para elas mesmas seria o saudável e correto. Não, junto com as idéias fornecem-se alguns mecanismos mentais para justificar e sustentar essa charada, dado que qualquer pessoa normal sente um instintivo desconforto com a idéia de que a felicidade dos outros não seria sua responsabilidade. Buscar “superar” e “desconstruir” e renegar esse desconforto como simplesmente neurótico e pouco saudável é um objetivo perverso que porém infelizmente parece ser um dos grandes triunfos da “modernidade”.

E então como sustentáculo dessa perversidade promovem-se noções como a de que apelar para a empatia, os sentimentos, a humanidade dos outros seria intrinsecamente desonesto e inaceitável. Que seria no pior caso hipócrita e mentiroso, e no melhor caso possível, de extremo mau gosto e manipulativo. Que olhar para alguém e dizer “Mas você não vê o quanto está me magoando?” não só não serviria como argumento como denotaria uma tentativa do interlocutor de usar contra você os seus próprios neuróticos e indesejáveis sentimentos de responsabilidade pela felicidade alheia. “Como você ousa me fazer sentir mal por minhas ações causarem o seu sofrimento?!” O truque de prestidigitação ética é desqualificar automaticamente qualquer apelo à sua consciência como chantagem emocional.

Claro, alguém que de fato invente motivos delirantes para se sentir ofendido ou magoado pelas mais inócuas ações alheias, ou que se coloque deliberadamente em posição autovitimizante imaginada ou real, e então venha tentar usar isso como forma de instigar sentimentos injustos de culpa e responsabilidade nos outros está de fato abusando da compaixão alheia. Mas em muitos outros casos o sofrimento dos outros é real e a responsabilidade não é uma fabricação. Se você encoraja alguém, digamos, a largar seu emprego e se mudar para o Alasca para casar com você e aí quando você chega lá a pessoa diz “Ah, sinto muito, mudei de idéia, a gente se vê por aí, valeu? Vai embora e não enche o saco.”, exclamar diante disso “Peraí, isso não é razoável, você não vê a posição em que está me colocando?” não é uma reação imatura, ou manipulativa, ou inadequada, muito pelo contrário.

Além disso, embora seja perfeitamente legítimo considerarmos nossos próprios interesses como crucialmente importantes, existe aí uma medida e uma escala. Se os seus menores e mais fúteis interesses consistentemente se sobrepõem aos mais profundos e essenciais interesses alheios, sinto informar, mas você é um psicopata. A idéia de que os seus próprios interesses em quaisquer circunstâncias tenham total precedência sobre quaisquer interesses alheios torna qualquer noção de responsabilidade ética risível. Na verdade, diria eu, o fundamento mais essencial de qualquer ética que eu considere não perversa está precisamente no principio de que seu próprio bem estar *não* tem precedência sobre quaisquer outras considerações.

Então por mais que apelos à consciência e à solidariedade e à sua responsabilidade com o bem estar alheio de fato se prestem a farsas e manipulação, querer classificá-los em bloco – especialmente quando você está diretamente implicado – como “chantagem emocional”, isso sim é que é no mínimo hipócrita e no pior caso psicopático. E querer reprimir em si mesmo os próprios sentimentos espontâneos de solidariedade como neuróticos, e comprar a idéia de encarar qualquer tentativa de suscitá-los como manipulativa, tudo isso leva ao mais destrutivo egocentrismo solipsista. O qual, por outro lado, naturalmente, não só não é logicamente incompatível com a felicidade pessoal, mas mesmo que fosse, este seria um argumento meramente utilitário. Então, no final das contas, como sempre, é uma escolha. É uma escolha sobre que tipo de pessoa você quer ser, e que tipo de universo você quer ajudar a construir.

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Atração Não É Uma Escolha .././2011/05/13/atracao-nao-e-uma-escolha/ .././2011/05/13/atracao-nao-e-uma-escolha/#comments Fri, 13 May 2011 14:35:09 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2495 Blue Footed Booby Mating Dance

No vídeo acima, o pássaro menor é um macho que busca impressionar a fêmea. Ele está seguindo sua programação genética. A fêmea também. Nesta espécie, isso é feito levantando e abaixando os pés e abrindo e fechando as asas. Ao final, ele é rejeitado. Em sendo esse um resultado recorrente, seus genes desaparecerão da face da Terra. Seja lá o que ele estiver fazendo, tenderá a se tornar menos comum. É simples assim. Para nós, talvez pareça patético e arbitrário. Quão diferente porém seria a opinião de um alienígena olhando para nossos próprios rituais de acasalamento?

Evidentemente, como humanos, com todo o nosso gigantesco (sem ironias, pelo menos em comparação com um pássaro) potencial para o pensamento abstrato, queremos naturalmente acreditar que somos melhores do que isso. Que podemos tomar “decisões” menos malucas (existencialmente falando) do que escolher o parceiro com os pés mais azuis, ou no nosso caso, com os maiores peitos, os lábios mais vermelhos, ou segundo quaisquer outros atributos igualmente irrelevantes sob qualquer critério minimamente transcendente. O fato é que não podemos. Repita comigo : atração não é uma escolha. Pense sobre esta frase, leia de novo, reflita sobre ela. Pense sobre as implicações.

Atração não é uma escolha.

Claro, até certo ponto com muita determinação, obstinação e persistência temos um certo grau de controle sobre o que fazer diante disso. E de fato, é saudável conseguir pensar sobre este assunto em termos de que logicamente falando não precisamos seguir cegamente nossa programação genética. Mas se por um lado nossa programação genética nos permite um certo jogo de cintura sobre como agir, continua estando essencialmente além do nosso poder de deliberação determinar certos parâmetros fundamentais com os quais nos defrontamos quase como condições dadas, impostas a nós por processos fora do nosso controle, mesmo que tenham origem em nós mesmos. De certa forma, descobrimos quem somos não tanto por instrospecção direta quanto por convivermos 24 horas por dia conosco e termos acesso ao que ocorreu em toda uma variada gama de circunstâncias. O que achamos que nossa versão idealizada favorita de nós mesmos deveria querer não deve ser confundido com o que se formos honestos observamos que efetivamente queremos.

Blue-footed Booby dance

O problema é que o que efetivamente queremos intensamente e o que (se tivermos um mínimo de bom senso) percebemos que seria “bom” para nós por uma série de critérios diverge enormemente em grande parte das situações. E do ponto de vista científico e lógico é perfeitamente esperado que assim seja. O que é bom para a perpetuação e disseminação dos nossos genes não precisa ser o que é bom para esta gigantesca colônia de genes que chamamos de ser humano. De fato, do ponto de vista estritamente pragmático, quase sempre buscar a reprodução é um investimento enormemente deficitário de tempo, energia e de outros recursos que poderiam  ter sido empregados em prol de nossa segurança e conforto. Por que o fazemos então? Ora, fácil – aqueles que não o fazem cometem suicídio filogenético e não deixam descendentes propensos a ter comportamento similar.

E assim como o comportamento genérico de querermos autodestrutivamente espalharmos nossos genes não precisa coincidir e freqüentemente não coincide com o que melhor serviria à nossa autopreservação ou mesmo sobrevivência, o mesmo ocorre no processo de escolha dos parceiros junto aos quais concretamente implementar esse impulso. Claro, temos livre arbítrio e coisa e tal para fazermos o que quisermos ao escolhermos nossos parceiros. Mas o que vezes demais é subestimado além do limite do delirante é o quanto o que *queremos* não está lá exatamente sob o nosso controle. Aliás, em grande parte dos casos, não temos nem sequer um grau muito profundo de instrospecção sobre *o quê* de fato queremos, mesmo quando se tratam de desejos e impulsos fortíssimos. Então começamos a inventar todo tipo de explicação maravilhosamente sofisticada para dar conta do que estamos fazendo quando de fato estamos – por vezes transparentemente para quem olha de fora – simplesmente fazendo exatamente o que queremos. Apenas que não escolhemos o que queremos e nem sabemos ao certo o que é. Tal é a irônica condição do livre arbítrio humano.

Quando defrontados então com um relacionamento romântico, todas essas contradições brilham com fulgor máximo. Nós queremos coisas um do outro que não entendemos, não escolhemos e por vezes nem sequer somos capazes de perceber ou admitir ou articular. E possuir um parceiro sexual é algo que ocupa posição de importância privilegiadissimamente suprema na psique humana. Então todos os sentimentos associados a isso são muito fortes. Seria de se esperar que escolhêssemos alguém capaz de ocupar ao nosso lado a posição de amigo e companheiro e que pudéssemos fazer feliz e que nos pudesse fazer feliz. Mas na prática quando confrontados com escolher entre uma ganhadora de prêmio Nobel com extraordinária estabilidade emocional, fisicamente linda e uma maravilha na cama versus uma mulher completamente desequilibrada que nítida e previsivelmente torna tudo ao seu redor um inferno *mas* que segundo os nossos critérios genéticos automáticos de avaliação maximiza a probabilidade de sucesso em fundar novas colônias bem sucedidas para disseminação dos nossos genes… nossos instintos pularão instantânea e fervorosamente na direção da segunda opção. Note-se que nossos instintos não precisam estar certos nem mesmo sobre isso. Eles podem estar fazendo uma escolha pobre e deficiente até mesmo em termos evolutivos. Mas sem essa propensão insufocavelmente irresistivel a ignorar quaisquer outras considerações e colocar todos os nossos recursos emocionais, intelectuais e físicos a serviço de perseguir acasalamento com o parceiro detectado como suspeito – acertadamente ou não – de ser evolutivamente  favorável, nós simplesmente deixamos menos descendentes do que quem não for tão comprometido com este objetivo. Então nossos imperativos categóricos ditados geneticamente até nos deixam grande latitude sobre *como* atingir certos objetivos, mas ao mesmo tempo muito, muito pouca liberdade para escolher quais eles serão, ou mesmo para questioná-los.

 

Blue Footed Booby Mating Dance

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Homens Sensíveis .././2011/03/29/homens-sensiveis/ .././2011/03/29/homens-sensiveis/#comments Tue, 29 Mar 2011 06:00:41 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2266

Uma das reclamações femininas mais comuns sobre os homens é a de que homens seriam uns brutamontes, insensíveis, incapazes de compreenderem ou de se importarem com os seus (delas) complexos, sutis e delicados sentimentos, ao mesmo tempo em que não expressam ou demonstram o que eles mesmos sentem, agindo a maior parte do tempo como robôs autistas que só pensam em si mesmos.

E eu diria que a maior parte do tempo elas têm total razão.

Mas qual é o caminho que vai dar nisso?

Agora vejamos. Quando eu crescia como criança, e depois como pré-adolescente, e observava como platéia mas ainda não como personagem principal o drama cotidiano dos relacionamentos afetivos de casal à minha volta – e a maior parte das pessoas têm ampla oportunidade de observar pelo menos uma relação desse tipo bem de perto, a de seus pais, mas normalmente muitas mais, entre irmãos e irmãs, outros parentes, amigos, colegas, conhecidos, vizinhos -  eu pensava repetidamente (lembro-me nitidamente) : “Mas como isso é revoltante! A forma como os homens tratam as mulheres é inaceitável! Quando chegar a minha vez farei completamente diferente disso.”

Me parece bastante claro que nem todo homem pensa isso que eu pensei, mas por outro lado (e talvez isso chegue como uma supresa para algumas mulheres, ou talvez não) também me parece muito claro que vários pensam. E os homens que pensam isso, quando chegam na época em que ter um envolvimento concreto com alguém do sexo oposto começa a ser realista, freqüentemente tentam colocar seu idealismo em prática, com a expectativa não apenas de que com isso estarão fazendo a coisa certa, mas de que sua qualidade como bom e confiável companheiro será reconhecida e valorizada.

Deveria haver um curso na escola para avisá-los sobre o inesperado, traumatizante e universal resultado de tentar seguir esse caminho.

O que ocorre com regularidade milimétrica é que do ponto de vista de parceiro sexual em potencial sua tentativa de ser generoso e compreensivo é recebida não apenas com menos falta de entusiasmo do que o esperado, ou mesmo com indiferença. Não, não. Esse tipo de comportamento é recebido com ojeriza absoluta, com nojo e repulsa e, sim, desprezo.

Agora, essa reação é tão inesperada e desconectada de todas as interpretações que fazem algum sentido na mente do jovem homem em formação que na maior parte das vezes ele nem sequer consegue decodificá-la corretamente quando primeiro a encontra (ou em alguns casos mais graves, nunca). Ele tende a pensar “Por que estou sendo tratado deste jeito? Claramente estou fazendo algo errado, mas o quê? Hmm, talvez eu não esteja sendo gentil o suficiente, preciso caprichar mais!” Apenas para verificar que ao “caprichar mais”… a reação negativa se intensifica. Até que ele passa por aquele revolucionário, impressionante, poderosíssimo despertar para a maturidade masculina que é perceber – para sua enorme surpresa e pasmo – que era precisamente o seu esforço para ser gentil que estava causando sua imediata, automática e enfática inegibilidade como parceiro sexual.

O fato é que as mulheres não se sentem nem um pouco atraídas por homens que de fato são sensíveis.

Claro, é muito fácil ser “sensível” ficando todo “revoltado” (ou conversamente cínico e niilista) e tendo atitudes erráticas, incoerentes e destrutivas. Alguém que perde a calma e sai socando todo mundo e impondo sua vontade aos outros, ou que se autodestrói com comportamentos irresponsáveis de todos os tipos deve ter mesmo emoções muito fortes e poderosas, não? Deve ser um sujeito apaixonante e altamente “sensível”, afinal suas emoções sistematicamente sobrepujam de forma espetacular sua deliberação ponderada! Deve se tratar mesmo de uma uma alma indomável, que só segue suas próprias regras – é com ele que eu quero transar! Só que muito mais provavelmente se trata simplesmente de alguém sem qualquer autocontrole ou empatia e que não precisa de nenhuma emoção ou motivo espetacular para agir sociopaticamente.

Já quando um homem se aproxima de uma mulher na qual tem interesse romântico buscando sinceramente ser gentil, e compreensivo, e paciente, e amigo… ah, isso é sistematicamente interpretado como falso, manipulativo, demonstrativo não de equilíbrio mas sim de desespero, não de generosidade mas sim de carência afetiva, não de autoconfiança mas sim de baixo valor social, afinal de contas, por que é que alguém no topo da pirâmide social iria sair do seu caminho para tentar me impressionar? (E naturalmente essas patéticas expressões de “gentileza” não passam de uma tentativa ridícula de me impressionar, certo?) É a síndrome de “Eu não quero fazer parte de nenhum clube que me aceite muito facilmente como sócio.”

E se o sujeito consegue com sua persistência e tenacidade convencer sua interlocutora de que sua gentileza é sincera e espontânea, não afetada e circunstancial, isso de forma alguma melhora a situação. Ser gentil e generoso pode ser muito bem recebido como qualidade desejável no mundo teórico dos julgamentos idealizados – e freqüentemente inclusive é este o discurso feminino – mas na prática e no nível mais institivo, vezes demais escapando mesmo à introspecção da protagonista, é um fracasso total como estratégia reprodutiva.

Por outro lado, se o sujeito não demonstra qualquer tipo especial de gentileza além da civilidade formal básica e demonstra interesse suficiente apenas para estabelecer um canal de comunicação – mas deixando subentendido nas entrelinhas que apenas está fazendo isso porque é do seu interesse e não porque se sinta particularmente obrigado com coisa alguma, aliás muito pelo contrário – então isso é percebido como sendo não só respeitável e poderoso, como atraente. Já um homem espontânea e gratuitamente “bonzinho” é percebido como manipulável e fraco, possivelmente “‘útil” mas certamente não desejável.

Diante disso, é assim tão surpreendente que grande parte dos homens terminem se vendo na situação de ter que escolher fazer ou não esforços deliberados (eu não estou inventando, isso é um tema recorrente) para emular, contra sua natureza e por vezes detestando o papel, o comportamento sexualmente bem sucedido de pessoas que não raro desprezam?

As mulheres em geral se sentem infinitamente mais confortáveis em – e gravitam na direção de – relações baseadas em manipulação nas quais querem sentir que de alguma forma “seduziram” ou “conquistaram” um homem de alto valor ou status social apesar de (na sua percepção das circunstâncias) seu próprio valor ser menor ou questionável. A mulher moderna média, apesar de grande parte das vezes clamar e exigir uma relação de igual para igual (algo em que uma boa parte parte – mesmo que não universamente – dos homens modernos estará facilmente disposto a investir, e com meu apoio e aprovação) muito freqüentemente não está ainda porém psicologicamente pronta ou receptiva a uma relação desse tipo. O discurso “de igual para igual” na prática é completamente assimétrico e realizado como ganhar privilégios e opções sem a correspondente contrapartida em cumplicidade. Acaba virando ser tratada de igual para igual mas com pouquíssima ênfase ou preocupação em tratar de igual para igual. Então se alguns homens das antigas dizem “eu jamais casaria com uma mulher que ganhasse mais dinheiro do que eu” (ou que sequer ouse trabalhar), uma torrente de protestos se segue. Mas se uma mulher moderna diz “eu jamais casaria com um homem que ganhasse menos dinheiro do que eu” (ou que ouse não trabalhar), ninguém parece achar isso remotamente tão problemático. É tão difícil assim de perceber que deveriam ser dois lados da mesma moeda?

Agora, vejam, em plenos 2011, em países de primeiro mundo, um dos gêneros literários mais consumidos é… bem, seja lá que nome vamos dar ao que é publicado pela Harlequin, a maior editora do Canadá, que faz mais de meio bilhão de dólares por ano vendendo títulos como (eu não poderia ter inventado isso) :

De certa forma, ambos os lados merecem um certo crédito pela arapuca genética na qual existencialmente acordam. As mulheres sabem que se elas chegarem para praticamente qualquer homem e disserem “me come agora” ele dirá – ou pelo menos quererá dizer – “claro”. E existem fortes motivos evolutivos para que assim seja. Mas aí as mulheres acabam em grande parte medindo o grau de atração pelo nível de inesperada indeferença que um homem demonstra. Se você conseguir convencer uma mulher de que ela não conseguiu despertar absolutamente qualquer interesse de sua parte em comê-la, ou que você diria “não” por falta de interesse no caso de ela oferecer, então quase imediatamente você se torna atraente – ou pelo menos interessante – e a dita mulher começará a buscar achar formas de fazer você ficar interessado. Claro que no exato momento em que você ficar interessado, por precisamente este motivo, deixará de ser interessante. Então um dos dilemas mais enlouquecedores pelo qual todo homem precisa passar é como demonstrar interesse sem demonstrar interesse. E neste contexto, ser todo sensível é o maior turnoff do mundo. Se for muito bem expressado, ser sensível poderá até gerar interesse como parceiro para tomar conta de uma família mas muito mais dificilmente interesse do tipo “eu preciso que você me coma agora”.

Evidentemente também não é fácil para as mulheres – um homem desesperado provavelmente dirá, fingirá ou mesmo imporá (se puder) qualquer coisa para obter sexo. E a condição hormonal normal de um homem sem acesso a sexo é estar desesperado – então não é surpreendente que as mulheres tendam a sair correndo. Mas por outro lado demonstrar indiferença pode ser – e estimaria eu muito mais freqüentemente é – sintoma de sociopatia e cinismo do que de esplendoroso autocontrole, daí as mulheres acabam vezes demais se envolvendo com – e achando altamente atraentes – precisamente os piores companheiros possíveis.

Em resumo, essa situação acaba sendo problemática para ambos os lados, e é preciso um considerável esforço de introspecção a autosuperação tanto do lado masculino quanto do feminino para fugir da sua programação genética mais tosca em direção a algo um pouquinho mais construtivo.

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Palestra Inaugural do Grupo de Estudos da Escola Austríaca .././2011/03/26/palestra-inaugural-do-grupo-de-estudos-da-escola-austriaca/ .././2011/03/26/palestra-inaugural-do-grupo-de-estudos-da-escola-austriaca/#comments Sat, 26 Mar 2011 05:44:25 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2447

Reproduzo abaixo pedido de divulgação que recebi por email (boa sorte à iniciativa!).

Oi Sergio,
Tomamos conhecimento do teu blog o “O Indivíduo” que divulga idéias libertárias, liberais e similares a da Escola Austríaca.
Somos um grupo de jovens entusiastas da liberdade que começamos um Grupo de Estudos da Escola Austríaca (GEEA) aqui em São Paulo desde novembro de 2010. Já estamos com 40 pessoas e iniciando formalmente as atividades do grupo com a palestra “O que é a Escola Austríaca?”, que será ministrada pelo Hélio Beltrão, fundador do Instituto Mises Brasil.

Ela ocorrerá na terça (29/03) às 11:15, na sala G1 na FEA-USP, São Paulo – SP.

Segue também o link do post sobre a palestra no Blog do nosso grupo:
http://escola-austriaca.blogspot.com/2011/03/palestra-o-que-e-escola-austriaca.html

Se possível, gostaríamos de pedir que tu divulgasse no teu blog para que mais pessoas soubessem dessa mensagem de Liberdade.

Abraços Austríacos e Libertários,
Einstein do Nascimento
Grupo de Estudos da Escola Austríaca (GEEA)

Aproveito para linkar alguns dos textos aqui arquivados relacionados com libertarianismo, liberalismo e similares…

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The Blessed Will Not Care What Angle They Are Regarded From .././2011/03/09/the-blessed-will-not-care-what-angle-they-are-regarded-from/ .././2011/03/09/the-blessed-will-not-care-what-angle-they-are-regarded-from/#comments Wed, 09 Mar 2011 19:53:29 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2408

The blessed will not care what angle they are regarded from,
Having nothing to hide.

W.H. Auden (1948), “In Praise of Limestone
(O texto completo pode ser encontrado aqui.)

Eu não me recordo quem disse uma vez que maturidade moral é na verdade algo muito simples, e se resume ao seguinte – sua vida, suas escolhas e sua perpepção de você mesmo devem ser tais que você não teria problemas em contar o que você fez hoje de tarde ao jantar à noite com a sua família.

Simples que pareça quando colocado desse jeito, isso é dificílimo de atingir, por uma coleção de motivos.

Um dos motivos mais fortes é que existe uma pressão social absurda, opressiva e freqüentemente beirando ou mesmo atingindo o coercitivo para que nos submetamos ao usual, ao banal, ao mediano sem supresas, enfim, para agirmos de forma que não surpreenda ninguém nem os tire de suas zonas de conforto. Para grande parte das pessoas que encontramos diariamente, moralidade é não fazer nada que as deixe desconfortáveis, e se você fizer – mesmo que seja descobrir a cura do câncer – a reação será na direção genérica de “temos que fazer uma lei para proibir isso”. Infelizmente, porém, o status quo é vezes demais injusto, desumano, indesejável ou inequivocamente errado aos olhos de sua própria consciência. Então daí surge uma escolha moral fundamental – devo fazer o que eu sinto que é certo, ou devo fazer o que os outros esperam que eu faça comprando (espera-se) com isso reconfortante anuência e aceitação, mas traindo minha própria consciência?

Note-se, esse dilema não surge apenas na direção de você ser impedido de fazer o que quer. Ele não surge apenas na reacão negativa que busca reprimi-lo confontacionalmente. Ele surge também, não raro de forma muito mais poderosa e eficaz – justamente porque mais sutil – no constante reforço positivo de comportamentos desprezíveis. Afinal, o que poderia estar errado com uma atitude que gera aplausos e contentamento em todos ao seu redor, certo? A resposta é : absolutamente tudo. Assim como a verdade não é decidida por democracia, integridade ética está subordinada a ser coerente com o que VOCÊ sente que seja o correto. Fazer subservientemente o que mandaram sem questionar não o torna uma fortaleza de integridade, e sim uma ferramenta eficiente – que pode estar a serviço tanto do mais sublime progresso da humanidade quanto da mais destrutiva psicopatia. Um ser humano se torna moralmente (e, diria eu, também intelectualmente) maduro quando percebe que é possivel ele estar certo quando todo mundo acha que ele está errado mas também – e isso é muito mais difícil – quando percebe que e possivel ele estar errado quando todo mundo acha que ele está certo.

Só que se por um lado ter a humildade e o realismo autocrítico de perceber que mesmo nossas certezas mais absolutas podem estar completamente erradas é saudável e coisa e tal, , por outro isso não deve ser usado como desculpa conveniente para não termos posições nem atitudes sobre coisa alguma.

O que nos leva à seguinte frustrante dificuldade sobre o caráter das pessoas.

Aqueles que são mais destemidamente “corajosos” em irem contra as normais sociais, em desafiar o saber comum, em confrontar as regras, aqueles que são mais assertivos e proativos e não esperam pela aprovação dos outros antes de agirem, todas qualidades que no contexto certo são inestimáveis e admiráveis, estas pessoas freqüentemente o fazem por todos os motivos errados, e ou são psicopatas totais que não se importam em buscar aprovacão porque não estão nem remotamente preocupados com os outros em qualquer nível ponto, ou são psicopatas na prática – no sentido em que causam imenso mal e destruição – ao elevarem delirantemente sua consciência moral ao nível de holofote infalível e inerrante de verdade ética que precisa ser imposto a todo custo a todos mais. Inclusive eu diria que historicamente muito mais mal já foi feito em nome do bem do que em nome do mal. O psicopata que não está tentando trazer o bem a ninguém senão a si mesmo em geral se concentra em cuidar da sua vida e o mal que faz vem como efeito colateral acidental de buscar o próprio bem. Já o psicopata que acha que vai salvar a humanidade quer ela queira quer não, por quaisquer meios que se façam necessários – este é muito mais perigoso. É pouco realista coordenar um movimento político popular com a plataforma “vamos prender e torturar pessoas aleatórias porque isso me faz sentir poderoso”. Já com “vamos prender e torturar pessoas aleatórias porque essa é a única forma de impedir o colapso da civilização ocidental”, o sucesso é bem mais acessível. Ironicamente, institucionalizar a tortura de pessoas aleatórias é um risco muito maior para a civilização ocidental do que um bando de malucos tentando destruir a civilização ocidental. Se não é precisamente esse tipo de garantia e liberdade que estamos tentando garantir e proteger dos malucos, é o quê então?

Por outro lado, aqueles por “temperança” parecem ser mais conciliadores, gentis e prudentes, aqueles que em princípio aceitam o saber comum, que seguem nominalmente as regras, que são aparentemente passivos e preocupados em ficar esperando pela aprovação dos outros antes de agirem, todas características que no contexto certo são qualidades inestimáveis e admiráveis, estas pessoas também freqüentemente o fazem por todos os motivos errados, e na hora em que é preciso que tomem uma atitude, revela-se que sua prévia inação, muito mais do que derivada de qualquer idealismo ou empatia, fundamentava-se sim em inércia, conveniência e acima de tudo medo e hipocrisia. Tais personalidades podem por vezes ser até mais perigosas do que as abertamente confrontacionais, pois muito mais facilmente passam abaixo do radar do nosso julgamento como essencialmente bem intencionadas, quando na verdade sua pretensa mansidão é apenas uma máscara para uma natureza essencialmente covarde e manipulativa, como brilhantemente ilustrado no personagem Tom em Dogville.

Então ao final nos vemos navegando entre dois pólos extremos e patológicos – de um lado, aqueles que não têm certeza de nada, do outro, aqueles que têm certeza de tudo. E é difícil resistirmos nós mesmos ao apelo de nos juntarmos a um dos lados e ao invés disso convivermos com a responsabilidade duplamente herética de termos apesar das incertezas e das incompletudes uma opinião e uma personalidade. E então os melhores entre nós ficam na superfície muito parecidos com os piores, pois destes herdam tanto a audácia de pensarem por si e em si mesmos quanto o sentimento de responsabilidade inalienável em considerar seriamente as conseqüências de suas escolhas sobre os outros. O que os distingue é essa profunda sinceridade de propósito que à primeira vista pode parecer sutil e arredia a nível puramente retórico mas que fará enorme diferença nas escolhas que serão efetivamente feitas. Não se trata de coragem por coragem ou de mansidão por mansidão. O que distingue um louco destrutivo de um sujeito que mereça ser chamado de corajoso e forte, o que distingue um puxa-saco subserviente de um sujeito que mereça ser chamado de generoso e equilibrado em geral não é primordialmente o seu discurso sobre seus alegados valores e motivos mas sim as conseqüências não ditas mas muito concretas das ações reais que estão efetivamente sendo tomadas. E olhada deste ângulo, a retórica mais linda e espetacular do mundo pode rapidamente se transfigurar numa impostura insustentável.

Diante disso, uma decisão fundamental que cada um de nós precisa tomar em algum momento é, antes mesmo de se vamos ser honestos com os outros, a de se vamos ser honestos com nós mesmos quanto às consequências de nossas próprias ações. Para podermos tomar qualquer decisão moral real ao invés de sobre fantasias delirantes precisamos antes de mais nada sermos honestos com nós mesmos, quem somos, o que queremos, o que estamos buscando, o que estamos dispostos a fazer. E talvez ainda mais problemático do que quebrar publicamente essa “suspension of disbelief” sobre nossa historinha fantástica acerca de quem nós mesmos somos, muito pior que isso na maior parte dos casos pode ser ver essa impostura ser tornada insustentável para nós mesmos. E em algum ponto nessa corda bamba de buscar sustentar uma auto-imagem reconfortante mas basicamente desonesta podemos concluir que não queremos mais nada disso. E para se libertar dessa farsa, é preciso conseguir olhar para a própria fraqueza e impotência e incerteza de frente, aceitá-las sem escamoteações, e decidir o que fazer com isso. Não que isso seja fácil, muito pelo contrário. Mas a partir do momento em que escolhemos encarar de frente quem realmente somos, e a partir do momento em que escolhemos tomar decisões coerentes com isso, e a partir do momento em que abrimos mão da muleta de buscar criar em nós mesmos ou nos outros uma percepção de nós mesmos que não corresponda à realidade de como as coisas de fato são, estaremos então libertos de temer de qual ângulo seremos enxergados.

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Homem, Sexo Frágil .././2011/01/26/homem-sexo-fragil/ .././2011/01/26/homem-sexo-fragil/#comments Wed, 26 Jan 2011 13:30:21 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2353

Suicide rates (female)

 

Suicide rates (male)

Recentemente eu estava discutindo uma estatística apontando que os homens universalmente se suicidam mais do que as mulheres (um fato sociológico repetidamente observado e essencialmente incontroverso) e eu sugeri diante disso que ser homem não é tão bom assim e que ao contrário do que se possa por vezes querer fazer crer não decorre automaticamente do fato que as mulheres sofrem com questões específicas do seu gênero que os homens não sofram também com as questões específicas ao seu. E que, no balanço total, ser homem não seja lá esse passeio no parque que algumas ideologias querem pregar.

As reações que recebi ao expressar esse tipo de pensamento foram variadas, mas algumas foram tão exageradamente agressivas que despertaram meu interesse. Por que é um tabu tão grande sugerir que talvez o “poder” dos homens não seja assim tão grande? Por que é que qualquer estatística social colocando as mulheres numa posição desfavorável tende a ser automaticamente interpretada como sintoma de opressão, enquanto que as que colocam os homens como vítima ou prejudicado tendem a ser ou ignoradas ou “explicadas” como resultado de uma suposta irresponsabilidade / violência / estupidez  endêmica tipicamente masculina?

Os homens não só cometem mais suicídios como genericamente morrem mais cedo e levam vidas que por uma grande coleção de critérios são mais tensas, infelizes e perigosas do que as mulheres. A questão é : por quê? Querer dizer que é porque são uns idiotas é tão perverso quanto querer sem nem olhar as evidências afirmar que uma vítima de estupro provavelmente provocou o ataque. E se vamos olhar mais de perto, vemos que grande parte dos homens não se mata de tanto trabalhar porque ache dinheiro ou sucesso assim tão intrinsecamente importantes. Eles fazem isso porque, estatisticamente, acham que têm a obrigação e o dever de colocar o pão na mesa de suas famílias. Porque sentem-se responsáveis, como homens, por pagar as contas, e por zelar pelo bem estar material e segurança física de sua esposa e filhos, e não podem esperar encontrar uma esposa para começar se não o fizerem. Enfim, porque nisso – e em muitos outros aspectos – são prisioneiros de um gender role que não escolheram e sobre o qual não têm controle.

Agora vejamos, é absolutamente óbvio que o gender role tradicional feminino inclui uma grande coleção de aspectos opressivos. Eu não estou de nenhuma forma questionando isso. O que eu estou sim questionando é que isso implique que o gender role tradicional masculino não possa ser igualmente opressivo para um homem. Só que se por um lado nas últimas décadas houve um avanço enorme em conscientizar a todos, a começar pelas próprias mulheres, mas depois disso a sociedade em geral, de que certos aspectos do gender role tradicional feminino precisam ser questionados e em vários casos superados, não houve um despertar similar nem um movimento correspondente pelo lado masculino para se libertar dos aspectos opressivos do seu gender role tradicional.

Um dos motivos para isso ter ocorrido desta forma é que os movimentos feministas caíram na armadilha de acreditar e então bradar exaustivamente que se as muheres estão sendo vitimizadas, então deve haver um grupo opressor, e este só pode ser os homens. Ora, como se mulheres não oprimissem mulheres, e homens não oprimissem homens, e pessoas não oprimissem a si mesmas. O problema de libertar as mulheres da camisa de força de cumprir certos papéis incondicionalmente foi então em grande parte associado a lutar contra os homens e antagonizá-los. Essa atitude porém ignora completamente o fato de que, como mencionado, o papel tradicional masculino também é opressivo, e é incentivado e perpetuado com igual fervor por homens e mulheres, assim como o papel feminino. Todos perdem com essa falsa e fradulenta representação das relacões tradicionais entre homens e mulheres como sendo uma desprovida de problemas para algum dos lados. O fato histórico é que tradicionalmente se espera que ambos os sexos cumpram papéis desumanizantes e opressivos, e as mulheres, por diversos motivos, começaram a transicionar antes dos homens para uma situação mais justa e humana, algo tornado possível por enormes progressos culturais e tecnológicos (dificilmente poderíamos nos dar a esse luxo para qualquer dos sexos se nossa primeira prioridade fosse não morrer de fome no meio da selva).

O que vivemos hoje, porém, é uma situação na qual as mulheres já conseguiram ganhar uma quantidade considerável de opções que antes não estava disponível para elas, libertando-se parcialmente de seu gender role, enquanto que dos homens ainda se espera que cumpram sem reclamar basicamente os mesmos e opressivos papéis tradicionais de sempre. E quando isso é sequer mencionado, as reações freqüentemente incluem indignação revoltada. Como assim os homens ousam querer questionar seu papel tradicional? Pois têm mais é que questionar mesmo, assim como as mulheres questionaram o seu.

O fato é que por uma coleção enorme de critérios, o resultado dessa liberação assimétrica é que em muitas sociedades modernas é o homem que hoje é disparadamente o sexo frágil, o sexo menos em controle de sua própria vida e de sua própria identidade, o sexo com menos opções profissionais e afetivas, o sexo mais vitimizado por todo tipo de violência e indignidade, o sexo que é mandado para morrer em guerras e depois abandonado pela sociedade para mendigar pelas ruas. Os homens estão, nas sociedades modernas, muito mais vulneráveis do que as mulheres, e tradicionalmente um homem sequer pedir por socorro ou protecão é considerado indigno e vergonhoso. Não é surpreendente então que os homens se matem aproximadamente muito mais do que as mulheres em quase todas as sociedades. Se eu mostrasse uma estatística dizendo que as mulheres americanas (ou alguma etnia, ou classe econômica, ou qualquer outro grupo social) se matam 5 vezes mais do que os homens, isso não seria automaticamente interpretado como significativo de que alguma grande violência está sendo cometida contra este grupo? Por que é então quando se mostra uma estatística deste tipo mostrando os homens como vitimizados a reação é um dar de ombros ou mesmo querer achar uma explicaçao para culpá-los por isso? Isso equivale a mostrar uma estatística de que um determinado grupo social apresenta escolaridade muito abaixo da média geral e alguém concluir “ah, isso só pode ser porque eles são burros e preguiçosos mesmo”. Sinto muito, não é aceitável. É uma droga ser mulher e sentir uma enorme pressão para se enquadrar num gender role tradicional destrutivo e vitimizante? Sim, é, e eu apoio isso ser questionado. Mas isso não ocorre porque “os homens” conspirem para que ocorra, isso é uma estrutura perpetuada pela sociedade como um todo, e cuja perversidade de forma alguma afeta somente as mulheres. É também uma droga ser um homem num papel tradicional de homem. Ambos os sexos precisam se libertar disso, e precisam da ajuda um do outro para fazê-lo.

Dentro de uma unidade familiar padrão (que com certeza vem se alterando, mas ainda arquetípica) a quantidade de responsabilidade que um homem médio sente depositada sobre seus ombros é imensa. É sobre ele que é colocada a expectativa de fazer o que for necessário para garantir a existência de recursos materiais para a subsistência de sua família. É para ele que se voltam os olhares de reprovação e censura se não há comida na mesa. E espontaneamente, o homem médio sente fortissimamente o dever, o chamado, o imperativo de proteger objetivamente a sua família da privação e da necessidade, de pegar um porrete e suicidamente ir lá dar pauladas no urso que ronda a caverna. Claro que isso é uma forma completamente diferente de cuidar dos entes queridos comparada com trocar fraldas ou dar conforto afetivo, uma forma menos yin e mais yang, mas não venham me dizer que os homens sejam menos abnegados que as mulheres em cuidar de sua família; isso é tão capenga quanto dizer que a função yin que as mulheres exercem seria menor ou menos importante, ou que todas as mulheres espontaneamente a exerçam direito. Assim como evidentemente há homens que também não fazem sua parte direito, mas me parece extremamente injusto – e condescendente – dizer que as mulheres seriam por isso vítimas ou “mais abnegadas”. Espera-se delas que expressem sua abnegacão de uma forma diferente, mas tradicionalmente não se espera menos dos homens. Só que sim, de fato, após ir lá dar pauladas no urso e enfrentar o frio e o vento e a neve, o homem freqüentemente volta pra casa pra ser recebido como um estranho, como um veterano de guerra, como o samurai que após salvar a vila se torna indesejável por sua dureza e calosidade, as mesmas qualidades previamente indispensáveis e salvadoras quando foi necessário enfrentar uma realidade ameaçadora.

E não se deve subestimar a quantidade de solidão a que um homem típico é submetido. Se você, como mulher, acha que o homem médio não é muitíssimo mais solitário, nem recebe ordens de grandeza menos atenção do que uma mulher média, e se você acha que essas coisas não causam um impacto profundíssimo em sua felicidade, é porque você provavelmente não mede quão radicalmente diferente é a experiência social de um homem típico comparada com a de uma mulher típica. Se você está olhando desde o ponto de vista de uma mulher, você está acostumada a receber um certo nível básico de gentileza e atenção em qualquer ambiente social no qual ingresse. Talvez você suponha automaticamente que seja assim para todas as pessoas. Eu estou tentando trazer à sua atenção que absolutamente não é. A experiência que um homem típico tem entrando num bar, numa festa, numa sala de aula, enfim, em qualquer ambiente social, é *completamente*, *radicalmente*, *abissalmente* distinta da que uma mulher tem. Espera-se que *ele* tome a iniciativa, que *ele* seja interessante e divertido, que *ele* faça algo para demonstrar proativamente o seu valor, que *ele* faça as coisas acontecerem. Ninguém se sente obrigado a ser espontaneamente gentil com um homem, ou a pensar no seu bem estar, ou fica se oferecendo para fazer todo tipo de favores e dar presentes só por ele existir. Esse tipo de generosidade e afetividade básica e gratuita que dá a um ser humano a sensação de que é aceito e querido em algum nível fundamental é reservada pela sociedade a crianças e mulheres. Dos homens se espera que “take it like a man”.

Agora, querer enxergar os homens caricatural e unidimensionalmente como opressores e as mulheres como vítimas abnegadas e indefesas requer fechar os olhos para uma enorme fatia da realidade.  Como se dos homens também não se exigisse abnegação! Só para começar, os homens também cuidam *sim* de filhos, esposas e pais idosos, só que em geral se concentram em fazê-lo fornecendo recursos e segurança material. É absurdamente injusto colocar seu papel como inferior ao da mulher por isso. Também acho injusto colocar como superior, mas querer inverter as coisas e colocar como inferior é ir longe demais. Mas mesmo fora da família e na sociedade em geral, se por um lado mulheres escolhem profissões nas quais se dedicam a cuidar dos outros de uma forma afetiva e yin, os homens se dedicam a cuidar dos outros de uma forma agressiva e yang. São as mulheres que estão lá dando comida da boca dos idosos e das crianças, e isso tem sim enorme valor humano, mas enquanto isso são os homens que entram em prédios em chamas para salvar as pessoas de morrerem carbonizadas, com risco real de sua própria vida! Os homens sentem um chamado tão real e abnegado quanto as mulheres para cuidarem dos outros, só que as formas que eles encontram de fazer isso são diferentes das que as mulheres encontram. Eu acho extremamente injusto dizer que os homens não pensem nos outros, ou que eles não tenham capacidade ou vocação para abnegação. Note, reitero que em nenhum momento eu estou dizendo que o valor dos papéis que as mulheres arquetipicamente buscam (ou seja a elas imposto) tenha valor menor do que os que os homens arquetipicamente buscam (ou seja a eles imposto), mas estou sim defendendo que inverter a equação incorre no mesmo tipo de julgamento generocêntrico cego e chauvinista de que as mulheres buscam modernamente se defender. Então eu não estou defendendo que o papel – tanto em princípio quanto na prática – que as mulheres se sentem chamadas (ou coagidas) a cumprir seja fácil ou florido. Mas o dos homens também não é.

A mulher moderna média numa sociedade ocidental provavelmente não tem em geral idéia da quantidade de questões das quais ela está protegida e que o homem médio tem de lidar diariamente ao interagir com o mundo. Se ela pudesse passar qualquer período de tempo na identidade de um homem, compreenderia bem melhor várias das coisas aparentemente bizarras que os homens fazem.  A maioria dos homens não vai sair por aí dizendo isso abertamente porque os coloca numa posição muito vulnerável, mas o homem médio é muito mais solitário do que a mulher média. As mulheres estão acostumadas a receberem um certo nível básico de carinho e atenção praticamente incondicionais só por existirem. Similar ao que quase todos nós recebemos quando crianças. Mas os homens crescem e de repente descobrem que a reação social padrão, se eles não tomarem a iniciativa, tornou-se ninguém mais querer ter nada a ver com eles. A condição default do homem padrão é um isolamento atroz que só é superado com muita perseverança. E somado a isso encontram-se inundados de hormônios que gritam, berram, exigem acesso a sexo. Acho que a mulher média não tem a mais remota idéia do quanto é desagradável para um homem típico não ter acesso a sexo. Mas olhe em volta e veja os sintomas – veja do que os homens são capazes para obter acesso a sexo. Então sim, o homem moderno é basicamente um ser fadado à solidão e geneticamente assolado por uma dor medonha… a qual por outro lado essencialmente qualquer mulher do mundo tem o poder quase místico de fazer passar. Então quando achar que um homem está sendo bruto, ou caótico, ou agressivo, ou mandão… tente entender quão complexo é ser um homem, e ao mesmo tempo quão fácil é fazê-lo feliz, e quão imensamente grato ele ficará se você escolher cuidar dele usando com amor e generosidade recursos simplíssimos ao alcance de qualquer mulher do mundo. Ambos os sexos precisam tratar o outro com gentileza e estarem atentos às necessidades e aspirações que a sociedade tradicionalmente exige serem reprimidas em nome de se conformar ao seu gender role. Ambos os sexos precisam de ajuda para fazê-lo. Está na hora de os homens começarem a recebê-la também.

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Verdades Absolutas .././2010/12/01/verdades-absolutas/ .././2010/12/01/verdades-absolutas/#comments Wed, 01 Dec 2010 05:30:52 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2321 The truth is out there.
Mulder

Para qualquer pessoa que já tenha pensado seriamente sobre o assunto por mais de 30 segundos, espero que esteja abundantemente claro que a afirmação de que “não existem verdades absolutas” é completamente ridícula e indefensável e deveria provocar risos constrangidos ao acabar de ser pronunciada. Para quem não pensou sobre isso por mais de 30 segundos, aponto que essa afirmação claramente se autodestrói diante da pergunta “Ok, e essa afirmação é uma verdade absoluta ou relativa?”. Então ou existem verdades absolutas ou não existem; se elas não existem, então isso seria em si mesmo uma (inconcebível) verdade absoluta, e portanto a única alternativa logicamente viável é a de que elas existem, e com um exemplo de brinde : “Existem verdades absolutas.”

Mas ok, talvez essa verdade seja um pouco excessivamente auto-referencial e o leitor não esteja plenamente convencido de sua relevância. Precisamos de critérios e exemplos melhores para o que vamos chamar de verdade.

Com o risco de ser tautológico, eu diria que a verdade é precisamente aquilo que não varia dependendo de em quê a gente acredita.

Paremos agora para observar mais cuidadosamente por que essa afirmação, ao invés de o que pode parecer superficialmente um truísmo, contém na verdade as sementes de um conceito filosófico fundamental. Uma tautologia é, na linguagem popular (que segue a acepção usada em retórica), uma afirmação na qual reescrevemos uma outra afirmação usando diferentes palavras com o mesmo significado. Então por exemplo “o elefante preto” e “o paquiderme negro” significam a mesma coisa. (Suponhamos para efeito deste argumento que não exista ambigüidade quanto à interpretação dessas sentenças.) Então se eu digo que “existe um paquiderme negro se e somente se existe um elefante preto” eu estou dizendo algo que é patentemente verdadeiro, de fato absolutamente verdadeiro, mas por outro lado permanece de certa forma completamente vazio de conteúdo, no sentido em que não me diz nada sobre o mundo, dado que a rigor isso é apenas uma reafirmação de que “existe um elefante preto se e somente se existe um elefante preto”. Note-se que sem recorrer a nenhum conceito muito misterioso já esbarramos aqui na existência de mais afirmações sobre cuja verdade podemos ter certeza absoluta. Isso pode ser transformado em algo perfeitamente rigoroso usando lógica matemática, e se as tautologias tecnicamente não levam automaticamente a novas afirmações sobre propriedades do mundo que antes desconhecíamos, elas nos levam a novas formulações dessas propriedades. Mas talvez o leitor ainda esteja insatisfeito – se esse é o único tipo (ainda auto-referencial) de verdade absoluta que conseguimos demonstrar, será difícil ir muito longe.

Então chegamos aqui a um ponto menos óbvio que eu quero levantar. Digo acima “na linguagem popular” porque em lógica matemática uma tautologia é algo sutilmente diferente. Em lógica matemática, uma tautologia é algo que é sempre verdade não interessa de quais hipóteses você parta. Então é claro que as equivalências lógicas como descrita acima são todas exemplos de tautologias. Se eu consigo mostrar que a afirmação X é apenas uma forma de reescrever a afirmação Y, então é claro que “a afirmação X é verdade se e somente se Y é verdade” será uma (trivial) verdade absoluta.  Porém, esse não é o único tipo de tautologia possível. Se eu afirmo por exemplo que “ou existe um elefante preto ou não existe um elefante preto” isso também é uma tautologia, e uma verdade absoluta, mas não é a afirmação de uma equivalência lógica. E da mesma forma, se eu digo “se existe um elefante preto então existe um elefante” temos aqui uma implicação lógica um pouco mais sofisticada, que é também uma tautologia e uma verdade absoluta. Em outras palavras, podemos não saber absolutamente nada sobre se X é verdade ou sobre se Y é verdade mas mesmo assim sabermos que X implica Y é uma verdade absoluta.

Agora notemos que em nenhum desses casos conseguimos escapar de algum tipo de auto-referência. Coloco então que isso é mais ou menos inevitável; a não ser que assumamos algo como axioma, como verdadeiro por princípio, tudo o que seremos capaz de provar será sobre a verdade absoluta de implicações lógicas obrigatórias dadas certas suposições – às quais teremos que nos referir quando tirando conclusões. E de fato, isso é tudo o que podemos esperar provar com certeza absoluta. Então a auto-referência, ou recursão, está no centro da verdade ou mais precisamente no centro de tudo o que podemos esperar realmente conhecer com certeza. Esse é um conceito absolutamente fundamental em lógica matemática, em teoria da computação, e em filosofia : o de que as verdades que nos são objetivamente acessíveis são precisa e exatamente as que podem ser descritas recursivamente.

Mas voltemos ao conceito original. Quando eu afirmo que a conjectura X é de fato verdade, eu estou precisamente dizendo que X não depende de quais hipóteses você está partindo. Já concluímos que tais proposições de fato existem. A questão é, como identificá-las, e serão todas elas triviais? (no sentido em que sejam todas óbvias ou pelo menos demonstráveis). E meio supreendentemente, quando tentamos aprofundar formalmente este conceito, e aplicá-lo de forma mais geral a todo tipo de proposição que poderíamos fazer sobre o mundo, concluímos que há verdades que, apesar de serem absolutas – isto é, verdadeiras não interessa de quais hipóteses você parta – não é possível demonstrar que tais proposições sejam verdadeiras! E este fato pode ser formalmente demonstrado como sendo uma verdade absoluta!

Isso e outras considerações nos levam à necessidade de uma nova palavra para descrever conclusões logicamente corretas – e portanto obrigatórias, verdadeiras, e que não dependem da opinião de ninguém. Estas não são no caso geral exatamente as mesmas conclusões que podem ser obtidas apenas (“tautologicamente”, no sentido retórico) reescrevendo afirmações para obter outras, um fato que veio como enorme surpresa para lógicos e matemáticos quando primeiro demonstrado. Claro que quando podemos de fato reescrever uma afirmação para obter outra, então a necessidade de implicação lógica fica patente. Mas repito, existem casos em que a implicação lógica inexoravelmente existe mas não pode ser obtida através de dizer a mesma coisa com outras palavras! Ou seja, existem verdade que apesar de absolutas, nos são inacessíveis (no sentido em que apesar de serem verdades absolutas não podermos ter certeza absoluta de que de fato sejam verdade absoluta). Damos então a tais afirmações (i.e. que efetivamente correpondem à realidade dos fatos quer saibamos provar ou não) o nome de “válidas“.
É exatamente nesse ponto em que a força da afirmação “a verdade é precisamente aquilo que não varia dependendo de em quê a gente acredita” brilha com força total. Em primeiro lugar, isso já seria uma observação interessante mesmo que todas as verdades fossem tautológicas – afinal, nem sempre é imediatamente óbvio quando Y pode ser obtido através de reescrever X com outras palavras. Mas vai muito mais longe do que isso. O fato é que mesmo dentro de modelos perfeitamente bem determinados e explicitamente conhecidos, é impossível determinar tudo o que deveria ser necessariamente verdade dado aquilo em que acreditamos.

Uma outra forma de colocar a afirmação acima é : já que a verdade não pode depender daquilo em que acreditamos, “a verdade é aquilo em que somos logicamente forçados a acreditar quando não acreditamos em nada a priori”. Poderíamos concluir apressadamente disso que nenhuma conclusão pode ser tirada do nada, mas dessa objeção já demos conta logo no começo, isso é claramente falso. Poderíamos então concluir um pouco menos apressadamente que somente conclusões triviais podem ser tiradas do nada, tornando a frase acima bem menos interessante apesar de verdadeira, mas o fato é que isso também não é verdade. O que de fato ocorre é que existem verdades absolutas que não dependem da opinião de ninguém mas ao mesmo tempo comprovadamente não existe nenhuma forma de enumerar todas elas ou sequer de determinar com certeza, no caso geral, se uma determinada afirmação é uma delas.

Por um lado, isso pode parecer meio desanimador. Por outro lado, no final das contas, como seres humanos, nós nunca temos acesso direto ao que “realmente é” e ao invés disso temos somente acesso àquilo em que acreditamos. Então talvez o fato de que a verdade não dependa do que acreditamos seja precisamente o que nos dá alguma esperança da possibilidade de conhecermos qualquer coisa. Mais do que isso, a verdade é o que nos une a todos, em todas as nossas diferentes crenças, sentimentos, histórias e acidentes de percurso. A verdade, não a fé, a revelação, a tradição ou o instinto é o que há realmente em comum entre todos nós, entre todas as nossas consciências, entre todas as nossas individualidades. Infelizmente, determinar o que é de fato verdade é algo extraordinariamente complexo, e na maior parte dos casos, literalmente impossível. Então toda essa profunda identidade existencial subjacente que une todos os seres do universo permanece apenas latente e apenas esporadicamente pressentida enquanto nos reduzimos a brigar até a morte para defendermos nossos preconceitos preferidos. E e aí que é preciso dar dois passos para trás e transcender o que sabemos ou pensamos saber e olhar para tudo aquilo que é verdade mas nunca conseguiremos demonstrar ou conhecer. Segue sendo verdade assim mesmo, e agir como se só o que entendemos existisse é uma atitude que está segura, demonstravelmente, universalmente, garantidamente equivocada.

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O Indivíduo, 13 Anos .././2010/11/19/o-individuo-13-anos/ .././2010/11/19/o-individuo-13-anos/#comments Fri, 19 Nov 2010 15:50:56 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2317
“Dia da Consciência Negra”
(Crônica de Mário Negreiros)

Eis que hoje “O Indivíduo” faz oficialmente 13 anos de existência.

Muito, mas muito mesmo se passou desde então. Em particular, este site passou por muitas mudanças de formato, de estilo, de provedor, de público, de editores, e de autores. Mas permanece aqui, mesmo que tendo virado um clube do eu sozinho, representado hoje por ninguém mais além de eu mesmo.

Como brinde comemorativo, resgato dos meus arquivos uma das crônicas publicadas na Rádio MEC em 1997 pelo jornalista Mário Negreiros logo após a confusão que se seguiu à publicação do número zero na PUC.

Adicionalmente, listo os dez textos mais lidos ao longo do último ano, em ordem descrecente de número total de acessos  :

  1. Homens e Mulheres
  2. Educação Compulsória e Totalitarismo
  3. Citando Aristóteles
  4. O Discreto Triunfo do Pensamento Marxista
  5. Prioridades Libertárias no Brasil
  6. Definições Políticas
  7. Liberals, Liberais e Libertários
  8. Ciência versus Filosofia
  9. Brasil, uma Nação à Procura de um Destino
  10. Ainda Homens, Mulheres e Sexo

Destaco aí uma presença anual constante nas estatísticas de acesso desde sempre : o texto “Ciência versus Filosofia“, escrito em 1997 e presente no número zero.

Saudações a todos,
Sergio

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Bem Vindo ao Deserto do Real .././2010/10/23/bem-vindo-ao-deserto-do-real/ .././2010/10/23/bem-vindo-ao-deserto-do-real/#comments Sat, 23 Oct 2010 15:51:32 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2295

Escolhendo a pílula vermelha

What is “real”? How do you define “real”?
–Morpheus

Eu me lembro de quando estava tendo exatamente esta conversa com um cristão amigo meu e ele em algum momento disse : “Ok, mas afinal de contas, o que há de tão especial assim com a verdade?” E foi excelente ele ter sido capaz de colocar a questão de forma tão clara, porque se levada a sério, essa não é uma pergunta lá muito fácil de responder. Eu pessoalmente acho que abrir mão do critério de verdade como requisito fundamental para adotar um sistema de crenças leva a todo tipo de distorções e absurdos, tanto intelectuais quanto éticos, mas de fato é perfeitamente possível tomar – e diria eu, tomar *racionalmente* – essa decisão a partir do momento em que olhamos para a existência humana como algo que absolutamente não (nem de longe!) se resume à racionalidade.

You’ve felt it your entire life, that there’s something wrong with the world. You don’t know what it is, but it’s there, like a splinter in your mind, driving you mad.
–Morpheus

Inclusive eu acho muito mais saudável a posição de adotar sistemas de crenças religiosas com a plena consciência de que não se está com isso em busca da verdade do que a posição mais comum de defender fanaticamente que as crenças religiosas corresponderiam, sim à realidade concreta das coisas. Quanto mais se vai por esse caminho (de querer justificar crenças religiosas como *verdadeiras* ao invés de como confortáveis, convenientes ou úteis) mais bobagens se seguem. Agora, a autocrítica dual a essa é igualmente dolorosa e igualmente incomum : assim como é uma ilusão total querer justificar as crenças religiosas como *verdadeiras*, é uma ilusão total querer justificar não adotá-las apenas com base na “racionalidade”. Note-se, se alguém vem dizer que “é preciso acreditar apenas no que é lógico” e quando questionado sobre “mas afinal de contas por que mesmo?” responde “ora, porque é a única coisa lógica a fazer!”, é duro admitir, mas essa pessoa está sendo tão circular quanto alguém que diz “é preciso acreditar na Bíblia!” e quando questionado sobre “mas por que?” responde “ora, porque está na Bíblia”.

I’m trying to free your mind, Neo. But I can only show you the door. You’re the one that has to walk through it.
–Morpheus

Claro, uma resposta um pouco menos circular seria “Porque assim temos mais chances de acreditar no que é concretamente verdade”. E é precisamente neste ponto que surge o comentário do meu amigo : “Ok, mas afinal de contas, o que há de tão especial assim com a verdade?” E de fato, embora a lógica seja o caminho mais garantido para chegar ao que é verdade, escolher diante disso só acreditar no que é lógico continua dependendo da premissa de estamos de fato tentando chegar à verdade custe o que custar. Só que nossas necessidades mais importante e profundas são completamente ilógicas e injustificáveis para começar; esse fato só não é mais berrantemente óbvio porque existe um onipresente consenso social em aceitá-las como naturais e obviamente dispensadas de explicação, mas a rigor não há qualquer motivo racional ou lógico para viver e não morrer, para crescer e multiplicar, para interagir com outros seres humanos, para proteger sua própria integridade física, ou em resumo para fazer qualquer coisa. Quem não percebe isso, que não se dá conta disso, que não consegue aceitar isso está se auto-enganando em grande escala, sendo ou não religioso.

I didn’t say it would be easy, Neo. I just said it would be the truth.
–Morpheus

A questão toda é piorada pelo fato de que nossos irracionais, ilógicos e em última análise injustificáveis (e por vezes inconstantes, incompreensíveis, contraditórios e por vezes mesmo insondáveis e inacessíveis) instintos, sentimentos e impulsos são apesar disso tudo insufocavelmente e sufocantemente REAIS. Podemos diante disso aceitar que nossas motivações são completamente arbitrárias e abrir mão da ilusão de que sequer faça sentido falar em agir apenas racionalmente (isso seria buscar… o quê?) … ou podemos construir uma fantasia totalmente irracional (religiosa ou não) sobre por que nossos queridos preconceitos e fantasias são na verdade maravilhosamente bem fundamentados… e então agir “racionalmente” dentro do paradigma dessa fantasia. Em qualquer caso, a lógica permanece o melhor guia em termos de estimar o que é real. A questão é que “o que é real” absolutamente não é a única coisa que importa, aliás longe disso. O mundo real é árido e vazio de significado, e profundamente insatisfatório como residência de nossa psique.

Welcome to the desert of the real.
–Morpheus

Então vivemos todos uma escolha fundamental em nossas vidas (muito bem ilustrada na questão red pill versus blue pill) que é a seguinte : vamos escolher aceitar a verdade de que universo funciona como nossa mente racional implacavelmente nos informa que seja mais provável (ou mesmo certo) que seja de fato a realidade das coisas, ou vamos ao invés disso deliberadamente escolher defender crenças e valores que psicologicamente nos tragam conforto, paz e segurança mas que a rigor nosso julgamento racional indica que provavelmente (ou certamente) não correspondam à verdade?

***************

Mas talvez eu esteja já começando longe demais no argumento. A rigor temos também a opção de não questionar coisa alguma e simplesmente acreditarmos em paradas aleatórias. Inclusive me parece que essa seja a opção da maior parte da humanidade. Mas veja, quando você escolhe acreditar em uma idéia que você ouviu por aí, essa idéia não brotou do chão espontaneamente. Ela foi criada por alguém, e com grandes chances não foi criada por acaso. Existiria a possibilidade de que essa idéia tenha sido criada para te manipular? Mas que grande surpresa! Claro que existe. Pessoas dispostas a acreditar fortemente em idéias sem saberem muito claramente por que estão escolhendo acreditar naquilo são trivialmente, facilmente manipuláveis.

Seja como for, a maior parte das pessoas simplesmente escolhe a pílula azul por default, não porque tenha consciente e deliberadamente refletido sobre o assunto, mas porque nunca sequer chegou a perceber que existe uma escolha. O ser humano médio morre sem ter nunca ter enxergado a prisão cultural e intelectual na qual nasce, sem nunca ter percebido o quanto várias de suas crenças mais arraigadas são completamente arbitrárias e não têm qualquer relação com a verdade, o quanto querer ardentemente que uma coisa seja verdade e ela de fato ser são duas proposições completamente desconectadas.

Like everyone else you were born into bondage. Into a prison that you cannot taste or see or touch. A prison for your mind.
–Morpheus

Infelizmente os mecanismos sociais de controle que buscam manter o ser humano médio nessa prisão são enormes, onipresentes e fortíssimos. Experimente defender opiniões pouco usuais de qualquer tipo em praticamente qualquer grupo social e isso fica instantaneametne óbvio.

Mas existem mecanismos de controle mais deliberados e mais organizados do que a necessidade atávica de impor (e buscar) conformidade manifestada a nível de interações sociais espontâneas. Um deles é o sistema educacional, que da forma como modernamente constituído na maior parte das vezes, parece ter como diretiva mais importante punir, sufocar, destruir, impedir o pensamento criativo crítico independente.

Mas por mais que seja opressivo, o sistema educacional é algo de que a maior parte das pessoas se liberta (pelo menos materialmente) em algum momento. Um outro exemplo muitíssimo mais invasivo e que de fato pretende explicitamente fazer parte de todas as esferas da existência humana é religião. A religião como usualmente organizada é um sistema de impor conformidade que é particularmente perverso e danoso à psique. Sua malignidade deriva precisamente de sua determinação explícita e deliberada em exigir que o ser humano individual abra mão de seu julgamento independente, e mais ainda do que isso, em seu combate vociferante e cáustico a quem tem a audácia de não fazê-lo. O pior pecado imaginável em quase qualquer religião é não se submeter. A principal função e propósito da religião institucionalizada não está em nenhum lugar fora de si mesma, e sim em parasiticamente se auto-perpetuar, usando seres humanos como incautos hospedeiros.

Não que religião seja o único sistema de controle social; diversas ideologias ao redor do mundo cumprem a mesma função, criando sistemas que quanto mais totalitários vão ficando, mais vão se intrometendo em cada mínimo detalhe de nossas vidas. E quanto mais alguém mergulha numa dessas ideologias, em geral mais dependente delas vai ficando, e mais complexo fica dizer que aquilo é tudo um grande delírio, porque é precisamente a natureza dessas ideologias incentivar o ser humano não a ser forte e independente e íntegro e sim fraco e submisso e dependente. E isso não é por acaso – o sucesso dessas ideologias se deve em grande parte precisamente a isso.

But when you’re inside, you look around, what do you see? Businessmen, teachers, lawyers, carpenters. The very minds of the people we are trying to save. But until we do, these people are still a part of that system and that makes them our enemy. You have to understand, most of these people are not ready to be unplugged. And many of them are so inured, so hopelessly dependent on the system, that they will fight to protect it.
–Morpheus

Mas como eu disse no começo, nenhum desses sistemas explícitos porém é realmente necessário para aprisionar pessoas dentro de suas próprias mentes. Aliás, eu diria até que ao se tornarem explícitos, esses sistemas de controle tornam imediatamente claro que existiria uma escolha – desafiar o sistema – mesmo que se tente a todo custo fazer tal escolha soar impensável por repetido condicionamento. E na verdade no final das contas todos esses sistemas – explícitos ou não – dependem crucialmente de que introjetemos seus mecanismos de controle para funcionarem. Esses sistemas todos estimulam os nossos preconceitos e a nossa ignorância como forma de mais facilmente nos manipularem. Mas preconceitos e ignorância – ora, isso é algo que não precisamos de nenhum sistema externo de controle para cultivarmos nós mesmos. E de fato o fazemos em grande escala e espontaneamente, aprisionando a nós mesmos como reféns da nossa burrice, da nossa ignorância, do nosso medo, das nossas neuroses, sem a necessidade de qualquer sistema opressivo externo para ajudar.

Então ao final quem realmente realmente se aprisiona é você mesmo. Não que não haja limitações objetivas para o que podemos atingir e fazer e pensar e realizar, mas as limitações que a realidade física e a sociedade ao redor *concretamente* impõem em geral empalicedem diante das limitações que (muitas vezes incentivados por perversos sistemas externos de controle, mas ainda assim nós) impomos a nós mesmos.

What are you waiting for? You’re faster than this. Don’t think you are, know you are. Come on. Stop trying to hit me and hit me.
–Morpheus

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Altruísmo e Sexo .././2010/09/11/altruismo-e-sexo/ .././2010/09/11/altruismo-e-sexo/#comments Sat, 11 Sep 2010 18:38:34 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2144
Como não fazer

Os homens precisam das mulheres, precisam de muitas formas, e uma boa parte dos homens jamais se sentirá realmente feliz ou realizado sem uma parceira ao seu lado. Em particular, uma boa parte dos homens, se privados de acesso a sexo, entrará rapidamente num estado contínuo de ansiedade e insatisfação. Isso não é ideológico, e muito menos por esporte. É uma questão biológica e metabólica básica.

Apesar disso, chegamos num estágio de avanço civilizatório tal que a maioria absoluta dos homens em sociedades ocidentais modernas não está buscando satisfazer suas necessidades sexuais estuprando ou oprimindo ninguém, e sim dentro de uma relação consensual e mutuamente benéfica.  Dentro deste paradigma, qual seria o comportamento mais saudável, honesto, coerente e maduro? Ora, seria aceitar de bom grado fazer a sua justa parte do investimento, e agir de forma confiável, sensível e amiga, certo?

Infelizmente, o homem que tenta fazer isso se defronta com um dos fatos mais enlouquecedores com que o gênero masculino têm que lidar. Inundados por um contínuo discurso de pretensa insatisfação das mulheres com a falta de sensibilidade masculina, uma parte considerável dos homens resolve então buscar acomodar tão generosamente e voluntariamente e justo quanto possível as necessidades femininas… para então descobrir que essa atitude é absolutamente, catastroficamente, suicidamente mal sucedida. O complexo processo de amadurecimento pelo qual cada homem de nossa sociedade moderna tem que passar envolve observar estupefato com total incompreensão que a esmagadora maioria das mulheres não acha esse tipo de comportamento construtivo e conciliador nem remotamente atraente. A mulher típica empiricamente *não* se sente seduzida nem escolhe como parceiro quem por inclinação de personalidade e natureza de caráter seja gentil, generoso, sensível, quem genuinamente sinta afeto gratuito pelos outros. Não, de forma alguma. Aliás não só não sente atraída como se sente instintivamente repelida por este tipo de comportamento, pelo menos a nível de selecão de parceiro sexual.

Ao invés disso, a mulher média se sente automaticamente, involuntariamente, geneticamente atraída por quem demonstra comportamento socialmente dominante, quem não está nem remotamente buscando relacionar-se com os outros de igual para igual e sim de forma competitiva e hierárquica – que são precisamente os homens com disparadamente menor probabilidade de demonstrar os traços de “sensibilidade” reclamados pelo discurso feminino.

Existiria aqui algum tipo de “insinceridade” feminina? Eu diria que não. O problema é na verdade o mesmo do lado masculino. Então antes que alguém venha dizer que este seria um texto “contra” as mulheres, observo que os homens quase universalmente também são emocionalmente retardados e exibem comportamento similarmente incoerente. Um homem maduro e equilibrado que busque uma relação séria de longo prazo estará também em princípio muito melhor servido por uma mulher emocionalmente estável, generosa e gentil. E se perguntado provavelmente ele dirá que é isso mesmo que está buscando. Mas experimente colocá-lo num ambiente social para ver o que ocorre. Quase universalmente ele migrará instantaneamente em direção à loira peituda que passou duas horas alisando o cabelo ignorando todas as outras considerações. E no caminho afastará para o lado como um objeto fora de consideração a mulher que passou 10 anos cultivando uma personalidade.

A verdade é então  que os homens são em geral tão reféns de seus genes quanto as mulheres.

A perversa causa dessa situação é que nós não evoluímos ao longo de bilhões de anos para melhor servirmos a nós mesmos. Nós evoluímos para melhor servir aos nossos genes. Nossos hormônios, nossos instintos, nossos sentimentos mais primais não estão calibrados para levar a uma vida equilibrada e construtiva que melhor preserve o nosso bem estar ou mesmo o bem comum. Absolutamente não. A nível biológico nós estamos programados para buscar implacavelmente produzir a quantidade ótima de descendentes que estejam o mais bem sucedidos que for possível… em produzir descendentes que façam o mesmo. Qualquer outra consideração é secundária. Se for vantajoso genocidar metade da raça humana no processo, será feito. Se for vantajoso cometer suicídio no processo, igualmente será feito. Não existe qualquer sadismo no primeiro, assim como não existe qualquer altruísmo no segundo. Existe a implacável e matemática tentativa de maximizar a representação dos seus genes na população.

Aliás, ser altruísta de graça pode ser muito bonitinho mas é evolutivamente suicida. Ah, claro, ter um *discurso* de que altruísmo é lindo e coisa e tal é de fato uma adaptação evolutiva muito benéfica, especialmente se o portador dessa estrategia adaptativa conseguir com sucesso convencer os *outros* a serem altruístas enquanto reserva para si mesmo a prerrogativa de não o ser. E para grande parte dos homens e mulheres está tudo ok com toda essa farsa. Eles estão perfeitamente bem adaptados e confortáveis com agirem “racionalmente” para maximizarem seu sucesso reprodutivo, mesmo quando isso vai completamente contra seus interesses como organismo autônomo, contra o bem do grupo, contra o que pregam como certo, etc. É o dilema do prisioneiro elevado a milhares de gerações. Ética, bom senso ou mesmo felicidade não têm nada a ver com o assunto. A esmagadora maioria das pessoas, do alto de sua monumental capacidade para a abtração e para se achar risivelmente no controle de si mesmo, seguirá sua programação genética com precisão robótica e patética.

Neste contexto, quem *de fato* possui tendências altruístas autênticas que não sejam apenas uma estratégia social farsesca estará tragicamente mal adaptado. Isso provoca problemas muito piores do que as conseqüências diretas de tomar decisões pragmaticamente subótimas; ao ser percebido como mal adaptado será automaticamente tratado como tal e portanto inelegível (ou indesejável) para fins reprodutivos.

Diante disso, existem basicamente duas estratégias possíveis. Uma está em buscar desenvolver ao máximo a habilidade de mascarar sua identidade altruísta, tornando-se cada vez mais competente em ignorar os impulsos de sua consciência constantemente clamando por atitudes empáticas, gentis e com consideração pelos sentimentos dos outros (automaticamente e implacavelmente enxergadas por seres humanos mais normais como manipulativas, otárias, malucas, incompreensíveis, alienígenas e em todo caso muito pouco atraentes). Essa estratégia visa tornar-se mais socialmente e sexualmente aceitável para pessoas com as quais você provavelmente não teria qualquer vontade de se relacionar em primeiro lugar. “Sucesso” nesse caminho consistirá em acordar de manhã tendo passado a noite com alguém que, em última análise, você acha um idiota e que age de uma forma absurda.

A estratégia oposta é ao invés de se recusar a seguir cegamente sua consciência, recusar-se a seguir cegamente seus impulsos na direção de se associar a idiotas. A tragédia dessa situação toda é que a mesma crítica que se aplica aos outros tende a se aplicar a nós mesmos, então mesmo que sejamos genuinamente altruístas, mesmo assim nossos fantásticos genes freqüentemente nos farão sentir atração e considerar sexualmente interessantes as pessoas mais erradas possíveis em termos de maximizar a nossa felicidade pessoal. Então ao invés de resolver o problema suicida de “como faço para me tornar atraente aos olhos de pessoas idiotas que deprezo” talvez seja mais esperto dar dois passos para trás e buscar solução para o problema complementar de “como faço para sentir-me sexualmente realizado com uma pessoa que de fato seja boa para mim e com quem seja possível desenvolver uma relação mutuamente recompensadora”.

Agora note-se, tanto para homens quanto para mulheres, é preciso haver aí um grau substancial de maturidade. Nossa tendência automática na maior parte dos casos será gravitar para quem percebemos como socialmente dominante e fisicamente apto, mesmo que isso seja suicidamente subótimo em termos de nossa felicidade. Como aliás normalmente será, dado que as mesmas características que tornam alguém socialmente dominante ou fisicamente apto (e atraente num nível visceral além de qualquer consideração cognitiva superior) são em geral as que tornam alguém infernalmente insuportável numa relação a dois. Então parece altamente esperto buscar evitar essa armadilha. Só que por outro lado, nossos instintos mais basais não são opcionais e exigem satisfação. O que fazer para conciliar essas dois objetivos divergentes?

Bem, o que parece mais provável, realista e sustentável? Que seja possível seduzir um idiota e então convencê-lo a se comportar com consideração e companheirismo? Ou alternativamente, que seja possível se unir a uma pessoa companheira e altruísta e então conjuntamente um aprender a satisfazer as necessidades basais e instintivas do outro?

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Auto-estima, Compromisso, Mudança .././2010/08/19/auto-estima-compromisso-mudanca/ .././2010/08/19/auto-estima-compromisso-mudanca/#comments Thu, 19 Aug 2010 06:34:06 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2210 Auto-estima é um bicho complexo. Algumas pessoas simplesmente têm, e outras, por motivos incompreensíveis, não. É um pouco como idealismo, ou honestidade, ou inteligência. São características que até certo ponto dá para cultivar, para regar, para buscar levar a seu máximo potencial. Mas por outro lado, quando tentamos fazê-las brotar onde não estão em casa… o resultado varia do frustrante ao trágico dependendo da quantidade de esforço investido.

Tentar desenvolver uma relacão afetiva séria, sólida e estável com quem não tem auto-estima é um exercício em patologia recomendado apenas para quem quiser viver perigosamente ou testar os limites de sua própria sanidade mental. Note, não é necessariamente que quem não tem auto-estima esteja deliberadamente buscando ser mau, perverso ou cruel. O problema é que quem não acredita que mereça ser amado, quem não consegue se acreditar bom o suficiente para despertar genuíno afeto, estará sempre buscando motivos ocultos e manipulativos nos outros. Estará constantemente sofrendo da síndrome de “Não quero pertencer a nenhum clube que me aceite como sócio.” como dizia Groucho Marx. Em outras palavras, o próprio ato de ser aceito já coloca em questão o mérito e o prestigio do aceitador. “Se você é tão bom assim, o que está fazendo aqui comigo?” “Eu sou obviamente um lixo, logo se essa pessoa está comigo deve ser por algum motivo escuso ou por falta de opção.” É um jogo impossível de ganhar.

Quando encantados por outras qualidades nos envolvemos com alguém com esse tipo de questão, é fácil ser tomado da ilusão de que a falta de auto-estima seja algo circunstancial ou acidental. É fácil pensar que se apenas amarmos o suficiente, oferecermos o suficiente, dermos segurança suficiente, formos bons e gentis e companheiros o suficiente, algum trauma será sanado, alguma barreira será vencida, algum grilhão será partido. Ilusão. Tola, amarga, fútil, perigosa ilusão. Algumas das pessoas mais protegidas e capazes do mundo chafurdam num pântano de falta de auto-estima, enquanto que outras completamente desprovidas de condições, capacidade, mérito ou apoio exibem uma auto-estima refulgente e teimosamente inabalável. Uma das lições mais duras e difíceis que alguém pode ser forçado a aprender é que pode estar além do nosso poder lograr atingir que alguém deficiente em auto-estima se sinta amado.

Mas é pior do que isso. Realmente é um jogo não só impossível de ganhar, mas impossível de não perder feio. Se não manifestamos afeto ou flexibilidade, somos insensíveis e egoístas. Por outro lado, se saímos do nosso caminho para acomodar as necessidades do outro, isso não é interpretado como comprometimento, afeto ou amor. Na-na-não. Para grande surpresa do investidor, qualquer ato de comprometimento é imediatamente interpretado como uma tentativa de manipulação. Então sejam quais forem as ações escolhidas, o futuro com o qual o investidor terá que se defrontar é um só : crescente ressentimento, associado a uma incapacidade patológica de se comprometer.

“Incapacidade de se comprometer?”, talvez se surpreenda o leitor. Mas não é justamente quem tem baixa auto-estima que estará mais disposto a ceder, a se anular, a dar? Talvez contra-intuitivamente, não. Quem tem baixa auto-estima talvez ceda nominalmente em momentos de desespero, ou esteja disposto a pseudo-concordar com não-soluções destrutivas e insustentáveis. Mas muito ironicamente, ser capaz de mudar seriamente e de uma forma saudável e sustentável requer uma *alta* auto-estima. Quem tem baixa auto-estima sempre acha que está muito mais envolvido que o outro, nunca consegue acreditar que realmente é amado, e então tem um medo terrível, fóbico, instransponível de se entregar e de se comprometer. E além disso olha para si mesmo e pensa “why bother?”. Então quem tem baixa auto-estima até faz “grandes” coisas autodestrutivas na hora do desespero, mas tem uma grande dificuldade em investir consistentemente em mudanças autoconstrutivas.

Quem tem alta auto-estima pensa “Droga, estou errando, tem essa pessoa aqui que eu amo e que me ama loucamente e eu a estou magoando, preciso mudar.” Quem tem baixa auto-estima, por outro lado, pensa “Oh tem essa pessoa aqui pela qual sinto rios de paixão querendo que eu mude, mas ela evidentemente não me ama, porque afinal de contas como seria possivel alguém me amar, então como essa pessoa que obviamente não me ama tem a audácia de explorar covardemente os meus sentimentos e me pedir para mudar?”.

Quem tem alta auto-estima pensa “Bolas, não estou atingindo meus próprios padrões, isso não é aceitável, preciso mudar!” Já quem tem baixa auto-estima pensa “De que adianta sequer tentar, eu não vou conseguir mesmo.”

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Mas será que *deveríamos* mudar por causa de relações afetivas para começar? Ora, para mim a pergunta é completamente sem pé nem cabeça, e a resposta é óbvia e simples : claro que deveríamos. Nós mudamos de cidade por causa de um emprego novo, mudamos de hábitos para cuidar da saúde, mudamos nossa forma de pensar e nossas atitudes para nos tornarmos mais calmos e serenos, mudamos nossos gostos, nossa cultura, nossa identidade para deliberadamente nos tornarmos melhores ou para atingir algum objetivo pragmático ou mesmo por objetivo nenhum… então não vamos mudar por causa de uma relação afetiva… *por quê* ?

Inclusive, eu iria mais longe do que dizer que a mudança pode ser justificada. Eu diria que em qualquer circunstância realista ela é imprescindível. Quem não muda não está aprendendo nada, não está indo a lugar algum, virou prisioneiro de seus próprios preconceitos, neuroses, fobias e inseguranças, prisioneiro da sufocante ilusão de que se apenas for suficientemente prudente, nada ruim jamais irá acontecer. E isso é particularmente verdadeiro quando confrontados precisamente com a questão de sair de nós mesmos para buscar encontrar o outro.

Eu pessoalmente acho que esperar que sejamos automaticamente e exatamente o que o outro precisa é completamente irrealista e uma receita para o desastre. Partir do princípio de que “você tem que gostar de mim exatamente do jeito que eu espontaneamente sou” é uma egotrip miópica. Nós estamos continuamente mudando, e estamos continuamente fazendo grandes esforços para nos tornarmos melhores. Não faz sentido chegar numa universidade e dizer “Quero dar aula de astrofísica, eu não tenho um PhD mas eu sou um cara muito legal, você não devia tentar me mudar.” Então temos sim que abraçar a mudança quando ela for na direção de crescer, de nos tornamos melhores, de abrir novas possibilidades e caminhos antes vedados. Precisamos sim aprender a dar o que o outro precisa, a entender as necessidades do outro e a saber satisfazê-las, e mudar sim no processo.

Claro, é preciso ter matéria-prima para trabalhar, não dá pra dar certo com qualquer pessoa, e tem que haver um objetivo e um projeto comum que valha a pena. Mas não vem pronto, é construído. É um esforço compartilhado, um investimento conjunto e é preciso haver negociação e comunicação e confiança. Não dá pra esperar que tudo vá encaixar perfeitamente por total milagre e sorte.

Espero estar deixando absolutamente claro que não estou falando de se submeter ou de se anular; muito pelo contrário, estou falando precisamente de nos libertarmos dos entraves mentais e neuroses queridas que nos impedem de atingir e viver e ser o melhor que poderíamos ser. Não se trata de tomar um caminho que nos torne mais limitados e sim menos, mesmo que para isso tenhamos que sair de nossa zona de conforto.

Claro, eu apoio integralmente que se não temos condição de fazer algo sinceramente de boa vontade para agradar o outro, não devemos mesmo fazer. Mas não devemos confundir isso com “só faço o que eu quero”. Eu não vejo absolutamente nada de errado em fazer coisas por amor, em mudar por amor, em aprender a se sentir confortável com certas coisas por amor. Apenas acho que tem que ser sempre respeitando a si mesmo, nunca indo contra o que voce acha que seja crescer. Mas daí não se deve concluir que qualquer mudança feita para acomodar o outro seja malévola e opressiva.

Malcomparando : se uma carreira que é sua vocação exige que você tenha um título de pós-graduação, eu acho válido então ir fazer o curso, gastar uma fortuna e anos da sua vida, arrancar os cabelos da cabeça mas um dia chegar no ponto de dizer “ok, isso tudo me fez crescer, eu hoje tenho um PhD no assunto que eu amo”. Isso eu acho válido.

Mas se você vai pedir um emprego e seu trabalho é executar prisioneiros, ou mentir, ou enganar as pessoas e isso te deixa extremamente perturbado e você acha que aprender a não se sentir perturbado com essas coisas não é legal, então concordo, não tem que fazer mesmo, tem que ir procurar outra coisa para fazer.

Indo pro lado mais psicológico – se para ter uma boa relação você tem que superar neuroses ou fobias ou limitações difíceis de superar, e fazer um esforço, mesmo que gigante, para se tornar uma pessoa melhor e de quem você mesmo/a goste mais, eu acho isso válido e positivo. Mas se você tem que se autodestruir e quebrar coisas de que você gosta para acomodar o outro, aí é ruim.

Novamente exemplificando, lutar para perder medo de cachorro (é apenas um exemplo) pode ser um investimento perfeitamente válido num relacionamento. Mas aprender a suportar em silêncio a solidão do seu parceiro não te ouvir nunca talvez não seja.

Enfim, depende de cada um, de que limitações temos, de quais são as nossas expectativas sobre nós mesmos, e do que o outro precisa de nós. Os melhores companheiros são aqueles que em vários momentos precisam de nós que sejamos melhores nas coisas em que nós mesmos gostaríamos de melhorar. Esse tipo de expectativa não só não é destrutiva ou sufocante como é mutuamente enriquecedora. Mas eu iria além disso. Mesmo nas coisas que não faríamos espontaneamente questão de melhorar, e possivelmente ainda mais nelas, desde que sejam expectativas positivas e construtivas de alguém que verdadeiramente goste de nós, é precisamente aí que expectativas positivas depositadas sobre nós produzem o efeito mais decididamente renovador, construtivo e revolucionário. Alguém ocupando esse papel em nossas vidas nos tira de nós mesmos, nos traz para fora de nossa zona de conforto em direções que não seguiríamos sozinhos, e estão são as mais importantes de todas. Então sim, sair do seu caminho para deixar o outro feliz pode ser não só perfeitamente construtivo e válido como imensamente enriquecedor.

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Ainda Homens, Mulheres e Sexo .././2010/08/08/ainda-homens-mulheres-e-sexo/ .././2010/08/08/ainda-homens-mulheres-e-sexo/#comments Sun, 08 Aug 2010 10:37:34 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2102

Maslow’s Hierarchy of Needs
Mulheres do mundo que amam sinceramente algum homem :
prestem muita atenção na figura acima.

Vou escrever aqui sobre algo que uma quantidade imensa de homens pensa e sofre cotidianamente mas que na maior parte das vezes não expressa abertamente ou não consegue sequer articular claramente para si mesmo tal a quantidade de bombardeio ideológico sobre o assunto que prevalece em alguns contextos.

Uma das idéias mais destrutivas para relacionamentos de casais heterossexuais nos últimos 40 anos foi a de que como forma de “libertação” as mulheres casadas ou em relacionamentos monogâmicos estáveis têm o dever político de fazerem sexo se e apenas e precisamente quando estiverem cheias de vontade, e que qualquer coisa diferente disso seria “opressiva”, “errada” ou algum tipo de tentativa animalesca de seus maridos de objetificá-las ou torná-las escravas sexuais.

Esta idéia explora e estimula da forma mais vil as inseguranças e medos femininos e está na base de algumas deformações patológicas que se pode facilmente observar nas relações conjugais em muitas sociedades ocidentais contemporâneas.

Agora vejamos, no passado, o problema (que persiste em vários países do mundo) que precisava ser levantado era que os homens usavam seu poder econômico, político e muscular para controlar, chantagear e forçar as mulheres em geral a suportarem situações injustas e indignas da qual tinham estruturalmente muito poucas formas de escapar. Esse problema foi (corretamente) levantado e combatido ao longo de décadas, e embora não se tenha chegado à perfeição, houve imenso progresso e hoje vivemos num mundo no qual em grandes partes do planeta uma mulher não mais precisa depender do patrocínio de um homem para atingir independência e segurança econômica, social e pessoal.

Porém, nesta nossa nova realidade mais civilizada que criamos, despontou um problema simétrico do lado dos homens, um que atinge proporções absurdas, em particular em sociedades americanizadas ou americanófilas, como muitas e cada vez mais são. Em parte, a questão é que esse sentimento de “empowerment” e “entitlement” das mulheres foi longe demais e ultrapassou a saudável busca pelo respeito mútuo, pela autopreservação, pela liberdade e pelo crescimento pessoal, para se transformar numa ideologia combativa e ácida que coloca homens e mulheres como adversários e encara quaisquer sacrifícios e concessões feitos pelas mulheres como opressivos e inaceitáveis. O que era pra ser o saudável resgate de uma identidade perdida transbordou para a noção ridícula e narcisista de que não fazer exatamente e somente o que você quer exatamente na hora em que você quer é algo abominável, grotesco, impensável.

Até certo ponto, a afirmação do ego e da vontade feminina era sim necessária em sendo o projeto estabelecer uma situação mais equilibrada e justa. Só que levada às últimas conseqüências, isso acaba resultando no mais destilado e indisfarçado egoísmo. Como no caso de vários grupos previamente oprimidos, uma (boa) parte das mulheres caiu na armadilha de quererem se libertar adotando precisamente os valores arquetipicamente representativos dos que percebiam como sendo seus opressores, e hoje em dia é considerado normal e aceitável uma mulher ignorar, desrespeitar, demonizar e até mesmo caçoar (!) das necessidades afetivas, emocionais e sexuais de seus parceiros, precisamente o tipo de comportamento caricaturalmente “masculino” que no passado lhes causou tanto sofrimento, desconforto e que tão vocalmente criticaram.

Então são agora as mulheres que regularmente ignoram as necessidades, desejos, sentimentos e aspirações dos homens. Em tendo conquistado a possibilidade de segurança econômica, social e pessoal que não dependa de submissão total da sua vontade, sentem-se então dotadas da prerrogativa – não, do dever! – de nada mais fazerem numa relação a dois senão exata e precisamente aquilo que desejarem. Em particular, sentem-se energeticamente empossadas, numa relação monogâmica estável, do “direito” de não fazer nada (em particular sexo) senão apenas e exatamente quando quiserem.

Essa á uma noção absurdamente egoísta e infantil do que seja um relacionamento.

Claro, um homem também tem o “direito” de, digamos, falar com a sua mulher e ouvi-la apenas quando quiser e estiver afim e não quando ela precisar. Ou de forma mais geral de nunca prestar qualquer atenção a nada do que ela é, quer ou necessita, e fazer apenas o que calhar de coincidir com o que ele espontaneamente quer. Evidentemente que um homem tem o “direito” de fazer isso. Mas se o fizer, provavelmente fará uma mulher que mesmo assim escolher estar ao seu lado numa relação sólida profundamente infeliz e frustrada. Esse tipo de comportamento foi historicamente (e corretamente a meu ver) criticado como egoísta, insensível e inaceitável.

Mas se é inaceitável para um homem descartar as legítimas necessidades femininas de sua mulher como “frescuras”, e se recusar por exemplo a cotidianamente ouvi-la falar sobre seus sonhos, desejos, sentimentos e aspirações quando isso cumpre uma função psicológica e afetiva importantíssima para ela, por que seria para uma mulher aceitável fazer o mesmo com relação às correspondentes legítimas e muito reais (mas diferentes) necessidades masculinas de seu parceiro?

Agora vejamos, é um fato óbvio e facilmente verificável que no caso geral homens e mulheres têm libidos diferentes, necessidades sexuais diferentes, formas diferentes de ficarem excitados, freqüências diferentes com que desejam sexo, etc. Isso já seria verdade nem que fosse apenas pela individualidade da personalidade de cada um, mas é visivelmente diferente entre homens e mulheres, algo que pode ser abundantemente observado diretamente, e está documentado à exaustão em estudos científicos para quem sentir necessidade disso. Claro, existem exceções de ambos os lados, mas a norma para um casal médio é que sejam diferentes. E o desequilíbrio estatisticamente é na direção de os homens (entre outros aspectos) espontaneamente desejarem relações sexuais com mais freqüência do que as mulheres, assim como é de as mulheres espontaneamente precisarem (entre outros aspectos) de pronunciar uma maior quantidade de palavras por dia.

Muito as mulheres em geral discursam, historicamente bem mais do que os homens, e isso é perfeitamente compreensivel por motivos biológicos, sobre a necessidade de “compromisso”, de comprometimento e de investimento numa relação. Eu pessoalmente concordo com isso. Mas quando chega o momento de fazerem o *seu* lado do investimento, isto é, de fazer não somente aquilo que elas estavam espontaneamente buscando de qualquer forma, e sim aquilo que pedem dos homens – sair um pouco de si mesmo e pensar no outro, ceder para fazer o outro feliz – as mulheres “modernas” sentem-se cada vez mais “sufocadas” por esse repentinamente revoltante e herético conceito. Infinitamente inseguras e preparadas para tratar qualquer homem como seu inimigo mortal à primeira sugestão de que terão que fazer qualquer coisa que não seja exatamente o que queriam, ao mesmo acham perfeitamente natural e razoável exigir categoricamente que os homens cedam em praticamente tudo.

Se uma mulher deseja seriamente estabelecer uma relação monogâmica estável de longo prazo baseada em compreensão, amor e respeito mútuos com quase qualquer homem normal e saudável, deve estar sim preparada para ser uma parceira sexual constante e receptiva, precisamente da mesma forma como um homem que queira o mesmo deve estar preparado para ser um parceiro afetivo constante e receptivo. Isso não é algo derivado de nenhuma hierarquia entre os sexos, ou de leis morais aleatórias reveladas por entidades imaginárias, e sim puro e simples *bom senso*. Querer idealizadamente que haja um contínuo encontro espontâneo de vontades por mágica sem nenhum investimento deliberado nessa direção é completamente fora da realidade. É do mesmo nível que querer fazer pós-graduação mas disposto a ler somente os livros que der vontade e quando der vontade. É um tipo de pensamento infantil no qual se quer obter um resultado sem estar disposto a colocar nisso o seu suor. Todos nós fazemos montes de coisas que não queremos fazer todos os dias, por uma coleção de motivos – econômicos, políticos, profissionais, sociais. Claro, nós temos grande parte das vezes o “direito” de não fazê-las. Eu certamente tenho o “direito” de ir dormir ao invés de estudar para a prova que tenho amanhã. Mas nesse caso não devo ficar surpreso se meu plano de ganhar um diploma começar a não ir lá muito bem. Da mesma forma, se for o caso de que construir e manter uma relação de casal equilibrada, saudável e recompensadora com um homem típico é algo importante para você como mulher, eu afirmo que é um fato biológico básico e óbvio que se você regularmente se negar a fazer sexo com ele, esse projeto terá grandes chances de fracassar.

Note, não digo com isso que então a solução seja a mulher trincar os dentes e “agüentar firme”. Essa é uma *péssima* solução, tão obviamente péssima que eu colocaria que uma mulher que estiver disposta a persegui-la estará mesmo ou autenticamente se violentando (por desespero ou falta de opção) ou então agindo de forma passivo-agressiva para provar algum ponto bizarro. Agora, se esta de fato não é uma opção viável, por outro lado, observo que não existem apenas as opções de trincar os dentes versus ignorar solenemente as legítimas insatisfações do seu parceiro. É preciso abrir espaço para o seu parceiro na sua vida, é preciso descobrir formas de fazer as coisas sem se violentar. Construir uma relação na qual se aprenda a fazer o outro feliz não como uma chateação ou um aborrecimento mas como uma experiência mutuamente enriquecedora para ambos os lados. E se você fisicamente não consegue por exemplo fazer sexo sem se sentir horrível em estando trabalhando 12 horas por dia, bem, então talvez você precise trabalhar menos se quiser que seu casamento sobreviva. Ah, é pedir demais? Bem, observações e compromissos similares e da mesma magnitude valem para o lado masculino para preservar a viabilidade da relação. Um homem que só tenha tempo e energia para o seu próprio crescimento e satisfação pessoais também não será um bom marido. É preciso haver diálogo, boa vontade e investimento de ambos os lados para chegar construtivamente a algo que funcione para os dois. É preciso levar sinceramente a sério as necessidades e sentimentos do outro. Mas assim como é inadministrável a “solução” de dizer à mulher que “eu quero fazer sexo, dane-se o que você está sentindo, não é problema meu, trinque os dentes e agüente firme”, é igualmente inadministrável a “solução” de dizer para o homem “”eu não quero fazer sexo, dane-se o que você está sentindo, nao é problema meu, trinque os dentes e agüente firme”. Mulheres que sentem que sua sexualidade não está sendo respeitada ou compreendida, leiam a frase anterior com muita atenção e entendam que os homens também têm sentimentos.

No passado não muito distante (que nem sequer é passado em vastas regiões do mundo) uma mulher querer, buscar e fazer sexo livremente de acordo com sua vontade era considerado “coisa do demônio”. A duras penas, conseguiu-se progressivamente relaxar essa noção e dar às mulheres muitissimo mais controle e liberdade sobre suas vidas sexuais, e hoje em dias essa autonomia é cada vez mais considerada aceitável, legítima e normal. Eu pessoalmente acho isso muito certo e positivo. Os imperativos biológicos que levavam a essa atitude conflitam terrivelmente com a potencial sofisticação psicológica, intelectual e social dos seres humanos modernos. Porém existe uma diferença muito grande entre ter sua autonomia para decidir reconhecida como legítima – e é mesmo – e resolver usá-la de forma completamente egoísta. Coloquemos assim – cada pessoa deve ter a liberdade de dar ou não atenção a quem quiser. E certamente está entre os meus sagrados direitos civis responder, para alguém que me pede as horas na rua,  “não enche”, e continuar andando. Certamente é meu “direito” fazer isso. É também extremamente anti-social e destrutivo.

E aliás, perversa ironia, ao mesmo tempo em que se aceitou como progressivamente mais razoável que a mulher decidisse fazer sexo com quem quisesse (e novamente, eu acho isso muito razoável), foi-se por outro lado cada vez mais demonizando o instinto sexual masculino, e hoje quem é condenado por seus impulsos absolutamente normais, naturais e esperados é o homem – mesmo quando ele deseja expressá-los dentro de uma relação monogânica estável! Mulheres, não existe absolutamente nada de anômalo, pervertido ou destrutivo em um homem querer sexo basicamente o tempo todo. Essa é a condição saudável, normal, espontânea e esperada de grande parte dos homens. O papel do sexo na vida do homem médio é bem diferente do papel que sexo tem para a mulher média. É tão absurdo uma mulher achar “pervertido” e sinal de falta de caráter e superficialidade o nível de interesse de um homem médio em sexo quanto um homem achar o mesmo sobre o grau de interesse que uma mulher média tem em querer contar como foi o seu dia. Ideologizar essas diferenças é simplesmente xenofobia, medo do desconhecido, incapacidade de sair um pouco de si mesmo aceitar o diferente. Tanto homens quanto mulheres – e pessoas em geral – têm lá suas necessidades perfeitamente legítimas, e grande parte delas nem é lá tão original assim. Então se você está seriamente querendo ter uma relação estável e feliz com alguém do sexo oposto, que tal estar disposto e voluntariamente engajado a conjuntamente achar uma forma mutuamente satisfatória de dar conta dessas necessidades? A atitude moderníssima de “sua felicidade não é problema meu” é simplesmente uma encarnação míope, estúpida e farsesca do dilema do prisioneiro.

Então sim, é óbvio que as mulheres têm o “direito” de ignorar solenemente e até desdenhosa e triunfalmente as necessidades sexuais de seus parceiros. Elas têm esse direito precisamente da mesma forma que um marido tem o “direito” de só dar atenção e carinho à sua esposa precisamente quando lhe convier e nas outras circunstâncias retrucar rudemente “que saco, não enche”. Mas não se deixem carregar pela ilusão de que ao fazê-lo estarão se tornando grandes heroínas defensoras da liberdade e da justiça. Nem esperem que com isso conquistarão a confiança, o companheirismo, a boa vontade e a amizade de seus parceiros. Desnuda de ideologias, sua motivação é a mais antiga e simples do mundo : egoísmo. Claro, é perfeitamente legítimo que uma mulher tenha um ego e o afirme. Histórica e culturalmente isso precisou / precisa mesmo em alguns momentos ser sublinhado. Em doses justas eu chegaria a colocar que é necessário e saudável. Mas é muito, completamente, radicalmente diferente exigir que suas necessidades sejam reconhecidas como legítimas versus reconhecer *apenas* as suas necessidades como legítimas. E isso vale tanto para homens quanto para mulheres.

 

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Ainda Aristóteles .././2010/08/01/ainda-aristoteles/ .././2010/08/01/ainda-aristoteles/#comments Sun, 01 Aug 2010 09:03:38 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2041 Aristóteles dizia que tudo no universo seria composto de combinações de cinco elementos :

  • Fogo, que é quente e seco;
  • Terra, que é fria e seca;
  • Ar, que que quente e úmido;
  • Água, que é fria e úmida;
  • Éter, que está numa categoria à parte.

Cada um dos quatro elementos teria seu “lugar natural”. Todos seriam em princípio ordenados em torno do centro do universo, mas com diferentes prioridades. Em primeiro lugar viria a terra, em seguida a água, então o ar, e finalmente o fogo. Quando um elemento é colocado fora do seu lugar natural, ele tenderia a apresentar um movimento espontâneo, sem a necessidade de qualquer causa externa, em direção a este lugar. Assim sendo, objetos sólidos (feitos primordialmente de terra) afudam na água (em direção ao que seria o centro do universo). Da mesma forma, bolhas de ar (imersas em água) sobem, a chuva (imersa em ar) cai, enquanto que chamas (imersas em ar) sobem. O éter seria uma substância à parte da qual seriam compostos os corpos celestes, e que apresentaria perpetuamente movimento circular espontâneo.

Consideremos agora as seguintes questões. Podemos chamar a teoria de Aristóteles de científica? Ela faz algum sentido? Ela é uma besteirada delirante ou é intelectualmente respeitável? Ela ainda é intelectualmente relevante hoje em dia? Ela ainda é relevante para fazer ciência hoje em dia?

Alguém com educação e treinamento científico modernos, especialmente em ciências exatas, poderia facilmente argumentar que tudo isso é uma besteirada total, que está não só completamente superado como não faz qualquer sentido. Poderia afirmar que “fogo, ar, terra, água e éter” não descrevem absolutamente a realidade física de como o universo funciona, que esse tipo de explicação é uma sandice mística que não só não explica nada como entulhou o progresso da ciência por mil anos e ainda bem que foi finalmente reconhecida como tal e enterrada entusiasticamente na lata de lixo da história.  Sim, alguém educação e treinamenteo científico modernos poderia facilmente, triunfalmente dizer tudo isso.

Enquanto isso, um sujeito sem qualquer educação ou treinamento científico (ou que os rejeitasse), poderia por uma enorme coleção de motivos facilmente aceitar literalmente as teorias de Aristóteles como intelectualmente respeitáveis ainda hoje, e diante disso buscar de fato entender o universo literalmente em termos de fogo, terra, ar, água e éter, e achar que entenderá melhor como o universo funciona lendo não um livro texto de física moderna mas sim um tratado de filosofia natural escrito há dois mil anos. Ao que o sujeito com educação e treinamento científico moderno poderia facilmente, trivialmente comentar : “Que perda de tempo!”.

Qual dos dois está certo?

Quero colocar aqui a resposta de que ambos estão completamente errados. Não apenas um pouco, ou ligeiramente errados, mas muito, profundamente enganados.

Comecemos pelo que (para muitos, especialmente para quem de fato trabalha com pesquisa científica) talvez seja o mais óbvio, que é o segundo caso – do sujeito que insiste em ainda hoje citar Aristóteles como se fosse referência para entender como o universo de fato funciona. Isso é similar a querer estudar em detalhes como uma carroça funciona para melhor entender um carro de fórmula um. Não que carroças sejam inúteis ou irrelevantes. O uso de carroças foi de fato uma enorme revolução tecnológica, uma que ainda hoje tem grande relevância prática ao redor do mundo. Carroças – ao contrário de orar para os deuses ou rogar pragas – de fato funcionam, e podem efetivamente ser usadas como meio eficaz de transporte. E de fato é possível pensar num carro de fórmula um como sendo de alguma forma um descendente distante da carroça. Mas muito, muito, muito se passou desde que carroças eram a vanguarda da técnica humana, e muito pouca compreensão se conseguirá obter sobre um carro moderno estudando uma carroça, mesmo a mais brilhante carroça jamais concebida na história da humanidade. Da mesma forma, o pensamento literal de Aristóteles sobre ciência – em particular sobre fisica, como citado no exemplo acima – é totalmente obsoleto no sentido mais pleno da palavra. Nem ao menos é o caso de que a ciência moderna se fundamente (senão historicamente, e de uma forma distante e vaga, e quando o faz é freqüentemente para contradizê-lo) sobre o pensamento de Aristóteles.

Devemos então descartar Aristóteles como um pateta, um irrelevante?

De forma alguma.

Para começar, ele tem enorme importância histórica, e isso em si mesmo já seria suficiente para torná-lo intelectualmente relevante. Mas ele poderia ter importância histórica e mesmo assim ser um estulto ou completamente delirante (exemplos disso não faltam). Seria o caso?

Novamente, não, absolutamente não.

Voltemos aos aspectos da física de Aristóteles discutidos no começo deste texto. Tomá-los como um modelo literal do universo é risível dado o conhecimento atual. Porém, é preciso ter em conta que Aristóteles não tinha o benefício de séculos de ciência moderna para criar a sua física. Adicionalmente, é preciso tomar *muito* cuidado para não interpretar de forma excessivamente literal o que ele disse (e isso se aplica em geral a textos antigos retirados de seu tempo, seu lugar, e sua cultura), ou teremos um entendimento de suas teorias que o próprio Aristóteles classificaria de ridículo. Mais concretamente, pensemos sobre que tipo de interpretação não absurda poderíamos dar às tentativas de Aristóteles de descrever a realidade.

Para começar, Aristóteles buscava com este modelo descrever sistematicamente e idealmente explicar fatos concretos da realidade cotidiana. Não “fatos” mitológicos como anjos e duendes e fadas, mas fatos concretos como movimento e estrutura objetivamente observáveis e observados. Adicionalmente, para explicá-los, ele postula leis preditivas e universais cuja validade ou falsidade podem ser em princípio ser objetivamente verificadas por qualquer um e que abundantemente admitem logicamente observações que as contradigam (por exemplo, uma pedra que espontaneamente suba ao invés de descer). Isso é muito, radicalmente diferente de apresentar explicações místicas, teológicas ou cheias de exceções arbitrárias. Por esses dois critérios (discursar sobre a realidade observável e apresentar explicações preditivas universais objetivamente falseáveis), o modelo de Aristóteles descrito acima é, sim, perfeitamente científico.

Mas mais do que isso, a física de Aristóteles de fato forma um sistema razoavelmente coerente e integra (mesmo que apenas parcialmente) aspectos importantes de vários dos fenômenos mais visíveis e importantes na realidade da física cotidiana. Entre eles, a atração gravitacional do planeta Terra sobre todos nós, e como isso causa movimento “espontâneo” de matéria sem qualquer interação direta, algo que longe de ser falso, perturbava até Newton, que afirmou algo nas linhas de que “reconhecia as limitações de seu modelo que mesmo propondo uma lei pragmaticamente útil para descrever os efeitos da gravitacão, não fornecia nenhuma teoria ou explicação minimamente razoável para explicar sua origem ou justificar sua forma”, um problema que só veio a ser um pouco mais satisfatoriamente tratado por Einstein, e mesmo assim só em sua teoria da relatividade geral, e mesmo assim até hoje ainda de forma incompleta.

O modelo de Aristótles também inclui alguns aspectos de mecânica clássica que eu não descrevi completamente, como por exemplo a afirmação de que com exceção do movimento “espontâneo” descrito acima, todo movimento requer uma “força” constantemente aplicada ou cessará, algo que parece superficialmente contradizer Newton mas que ne verdade está essencialmente correto num mundo realista com atrito ao invés de no mundo idealizado dos livros de física básica.

Adicionalmente, em sua física Aristóteles propôs (como descrito acima) uma teoria sobre diferentes formas nas quais a matéria poderia existir. Para quem não sabe nada de ciência e resolve ter uma interpretação mística e fundamentalista do modelo acima, o resultado será algo que deixaria o próprio Aristóteles constrangido. Mas talvez surpreendentemente para quem nunca tenha pensado sobre isso, se entendermos a física de Aristóteles como uma teoria científica ao invés de como um oráculo, e buscarmos entender quais fenômenos ele estava descrevendo mesmo sem saber explicá-los, a classificacão de Aristóteles, embora desprovida de uma nomenclatura moderna e de um arcabouço teórico apropriado, é *precisamente igual* à que hoje usamos. Ele descreve cinco possibilidades, em ordem de “afinidade” com o centro do universo : terra, água, ar, fogo e éter. Ora, hoje em dia nós de fato fazemos a mesma classificação, apenas com o nome de “estados” da matéria : sólido, líquido, gás, plasma e vácuo. E sim, hoje em dia estranhamente se acredita que o vácuo não seja exatamente vazio; não é exatamente preenchido de “matéria” no sentido em que estamos acostumados, mas também não é desprovido de propriedades físicas ou de partículas. E os motivos que levaram Aristóteles a fazer essa classificação são, a grosso modo, exatamente os mesmos que nós : claramente uma pedra é diferente de uma poça d’água, que é diferente de um sopro, que é diferente de uma chama, que é diferente do que existe quando olhamos para o céu. O que exatamente são esses estados Aristóteles não foi capaz de compreender, e ele não chegou nem perto de algo parecido de uma compreensão moderna sobre por quê esses estados da matéria existem. Mas ele viu que havia algo ali, e construiu um modelo para capturar essas propriedades.

E de fato, sob um campo gravitacional, a grosso modo esses estados da matéria se comportam como descrito. Inclusive a natureza do campo gravitacional é de atração radial em direção a um centro – algo que permanece a grosso modo verdadeiro nas teorias mais modernas. E de fato a atração gravitacional produz um movimento aproximadamente circular nos corpos celestes mais facilmente observáveis. E ao contrário dos estados da matéria, ainda hoje não temos realmente uma compreensão perfeitamente satisfatória de por quê gravidade exista; apenas sabemos descrever muito melhor como ela funciona. Inclusive, muitos séculos depois de Aristóteles, havia uma quantidade considerável de motivos que não apenas preconceito ou tradição para questionar o abandono da ideia de que a Terra seria o centro do universo  (por outro lado isso absolutamente não torna aceitável sair queimando quem ousar questionar a ortodoxia). Sem uma teoria alternativa para interações gravitacionais, muito da física baseada nas idéias de Aristóteles simplesmente para de funcionar.

Então sim, a teoria física de Aristóteles faz total sentido, inclusive pelos padrões mais modernos. E sim, ela é uma teoria científica no sentido de que tenta seriamente fazer previsões concretas sobre como o universo de fato funciona, e tenta criar um modelo teórico que se conforme ao que de fato é observado. As teorias mais modernas sobre o universo, que falam por exemplo sobre matéria escura e energia escura, estão no mesmo estágio especulativo em que Aristóteles estava. Percebe-se que existe algo ali, só nao se sabe exatamente o quê. E portanto não, Aristóteles absolutamente não foi um paspalho, ele conseguiu ordenar numa teoria razoavelmente coerente muitas observações pertinents sobre fatos cuja causa e fundamento só foram ser desvendados muitos séculos depois.

Voltemos agora ao reverso da questão. Isso contradiz a afirmação de que a física de Aristóteles está completamente obsoleta?

Absolutamente não.

A física de Aristóteles é extremamente incompleta, excessivamente vaga, desprovida (pelos padrões modernos) de rigor e de profundidade teórica e em vários pontos factualmente errada. Seu sistema está tão ultrapassado que não tem mais qualquer papel em descrições modernas de como o universo de fato funciona. Sim, ele corretamente identificou e tentou descrever certos fenômenos que hoje em dia compreendemos, como os estados da matéria. Mas o nível de entendimento que ele foi capaz de atingir é tão infinitamente inferior ao atual que seria uma falsificação da verdade decrever suas idéias como algo menos que obsoletas. Não faz qualquer sentido hoje em dia tentar explicar o universo em termos de – literalmente – terra, água, fogo, ar e éter.

E é nesse ponto que aparentemente surge a maior parte da confusão sobre o assunto. Sim, uma criança aprender a falar é algo incrível que requer um nível impressionante de habilidade e inteligência. Isso não quer dizer que agora nós vamos colocar crianças para dar aula de pós-graduação em lingüística. Os primeiros grupos de macacos que começaram a falar eram brilhantes, mas hoje em dia isso não é mais novidade, e linguagem é uma tecnologia que desde então evoluiu muito. Não iríamos pedir a eles por lições de oratória, assim como não iríamos pedir a Isaac Newton conselhos sobre satélites de posicionamento global. Pelo menos não antes de ele fazer um curso de física moderna.

Então se eu critico referências acríticas à relevância de Aristóteles – e ele falou sobre muito mais do que física – é nesse sentido. É preciso entender do que se está falando, é preciso conhecer o que se falou de novo sobre o assunto desde a antigüidade. Mas principalmente e acima de tudo é preciso citar Aristóteles não como um argumento, ou como uma prova, ou como um oráculo. Nada se torna verdadeiro ou falso porque Aristóteles – ou Einstein, ou Newton, ou o Papolino – o disseram. A fundamentação última tem que ser na realidade independentemente verificável. E é na verdade principalmente aí que, me parece, repousa a revolta e a ira dos que se sentem pessoalmente ultrajados com o questionamento da relevância moderna de Aristóteles. Eles não querem verificar independentemente coisa alguma, afinal isso é trabalhoso e – pior ainda – incerto. Eles anseiam ao invés disso por viverem imersos no conforto das certezas absolutas, e dadas as constrangedoras limitações intrínsecas à condição humana para compreender qualquer coisa com qualquer grau de profundidade, precisam postular essa infalibidade oracular fora de si mesmos, em figuras que – grande sorte! – sabem exatamente identificar e às quais têm acesso. Em outras palavras, eles querem viver num mundo em que alguém lhes diga o que pensar e em que acreditar e escolhem como referência quem consigam aliviados enxergarem como suficientemente messiânicos para cumprir esse papel (para o qual naturalmente não faltam pretendentes ou candidatos). Em suma, preferem – nos casos mais sofisticados, deliberada e explicitamente – a segurança emocional das certezas absolutas escandalosamente fajutas à angústia e impotência diante da imensidão do que desconhecemos. Em outras palavras, ficam com a pílula azul.

. . . I have not been able to discover the cause of those properties of gravity from phenomena, and I frame no hypothesis . . .” ” . . . it is enough that gravity does really exist, and act according to the laws which we have explained . . .”
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Homens e Sexo .././2010/07/25/homens-e-sexo/ .././2010/07/25/homens-e-sexo/#comments Sun, 25 Jul 2010 18:23:23 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2105 Mulheres do mundo, vou lhes prestar um grande favor e colocar aqui alguns fatos sobre homens que qualquer homem médio com um mínimo de experiência, introspecção e sinceridade está abundantemente cansado de conhecer mas que a mulher média absolutamente desconhece.

Homens do mundo, vou lhes prestar um grande favor ao dizer explicitamente as coisas que vocês queriam que suas parceiras soubessem mas que por um monte de motivos elas não estão dispostas a ouvir, não é socialmente aceitável dizer, ou que não é dito porque coloca a nós homens numa posição da extrema vulnerabilidade.

Esposas, namoradas, parceiras, ouçam : existe uma grande probabilidade de que você não tenha a mais remota idéia de quão importante sexo é para um homem, ou mais especificamente, para o homem que você ama.

Note, não é que as mulheres em geral não percebam que existe alguma coisa acontecendo com homens e sexo. Elas percebem que os homens falam sobre sexo, e buscam sexo, e as procuram para ter sexo, e etc. Mas elas vezes demais não conseguem entender exatamente o que está acontecendo, e saltam para todo tipo de conclusão equivocada, com conseqüências extremamente negativas para a felicidade geral de ambos os gêneros.

Comecemos com um exercício de desconstruir certos preconceitos. Vou iniciar com alguns fatos concretos. Os homens em geral, muitissíssimo mais do que as mulheres, estupram, consomem pornografia, pagam por sexo, e estão genericamente propensos a todo tipo de comportamento desonesto, ilegal, destrutivo, insensato, absurdo e bizarro para obter de alguma forma acesso a sexo ou mesmo a simulacros de sexo. A questão é : por quê?

Não tendo que andar por aí com seu sangue inundado de testosterona 24 horas por dia, uma grande parte das mulheres tende a concluir que é porque os homens sejam brutos insensíveis, estúpidos egoístas, que por um capricho fútil estão dispostos e felizes em usar os outros sem qualquer consideracão por seus sentimentos, em particular suas mulheres. Bem, evidentemente que existem tais pessoas que não se importam com suas parceiras, mas isso não é privilégio do gênero masculino, e sim decorrente do fato de que uma boa parte (talvez a esmagadora maioria das pessoas) é horrivel mesmo. O mesmo tipo de fenômeno ocorre do lado feminino.

Mas façamos aqui um exercício que acredito que será muito elucidativo. Você, mulher que não entende o comportamento dos homens com relação a sexo, e se sente tentada a concluir que seu homem não se importa, que é um grosseirão que quer apenas objetificá-la, faça o seguinte esforço de imaginação. Tome o comportamento que você observa nos homens – ou no seu homem – e ao invés de concluir que se ele está fazendo tais e quais coisas então ele não tem caráter, pense ao contrário. Você, mulher bem intencionada que se importa sinceramente com o bem estar do seu parceiro que em outros aspectos parece ter grandes qualidades mas não consegue entender o comportamento dele com relação a sexo, parta do princípio de que ele se importa com você tanto quanto você se importa com ele (claro, supondo que você tenha fortes motivos e evidências em outras áreas da vida para concluir que escolheu um parceiro que de fato se importe com você), e tente então se colocar na posição dele. Pense o seguinte : o que *eu* teria que estar passando para apresentar esse tipo de comportamento? Qual o nível de desespero e frustração eu teria que atingir antes de começar a agir dessa forma?

A verdade constrangedora e que coloca os homens extremamente vulneráveis é que os homens precisam desesperadamente de suas mulheres, e sexo é uma parte absolutamente fundamental disso. Um homem médio pode receber de sua companheira um monte de demonstrações de companheirismo e carinho e afeto mas a não ser que esteja patologicamente estressado, deprimido ou bravo – e grande parte das vezes mesmo assim – ele não se sentirá amado (pelo contrário, sentir-se-á rejeitado e alienado, não interessa quantas explicações ouvir) se não receber sexo.

Mas é mais do que isso. Mais do que não se sentir amado, com as naturais conseqüências psicológicas e afetivas, o homem médio se tornará progressivamente ressentido, amargo, desmotivado e destrutivo. Os homens precisam metabolicamente, biologicamente, quimicamente de sexo – pense num nível de um viciado em heroína. Na verdade pior, porque a síndrome de abstinência não passa e vai embora após alguns dias / semanas – ela simplesmente permanece lá, opressivamente, onipresente, constante, insufocável. Tente trabalhar, se relacionar, descansar, viver uma vida produtiva com uma britadeira ligada 24 horas por dia no volume 11 sacudindo seu corpo e sua mente com a urgência de um afogamento dizendo “você precisa ter acesso sexual à sua parceira”. Entenda que esse é o estado biológico normal de grande partes dos homens e entenderá muito sobre os homens – e sobre o seu parceiro que você ama.

Claro, como sempre, indivíduos variam e a média não dita casos particulares. E além disso, a história prévia faz muita diferença – alguém que nunca fez sexo, ou nunca fez sexo satisfatório, dentro de uma relação afetiva estável, não tem com o que comparar, e avaliar corretamente de onde vem toda essa angústia. E uma parcela dos homens, seja por falta de introspecção, mas provavelmente muito mais por uma questão de se preservar, não está disposto a admitir claramente e abertamente com todas as palavras quão séria é essa questão em suas vidas. Mas a verdade é que o homem médio começa a ficar frustrado e incomodado após algo da ordem de 24 horas sem ter acesso sexual à sua parceira. E progressivamente isso cresce em direção ao desespero.

E quando eu digo desespero, é desespero mesmo. É como se as mulheres tivessem a chave da geladeira e os homens só pudessem se alimentar quando elas decidissem permitir. Inclusive eu diria que para a maior parte dos homens gera um grau de desespero e frustração bem maior não ter acesso a sexo do que não ter acesso a comida. Por favor, mulheres do mundo, prestem atenção ao que estou dizendo, e entenderão muito do comportamento masculino, e terão mais compaixão quando um homem tentar explicar que precisa ter sexo com você ou vai ficar louco. A metáfora com estar lhes negando alimento é bastante realista.

Claro, uma mulher pode ter dificuldade de entender como isso possa ser tão intenso e paralisante, e argumentar por exemplo que não ter acesso a sexo não causa a morte, como não ter acesso a comida eventualmente causa. Mas a isso eu respondo : lembre-se de que as nossas necessidades biológicas não se expressam como decisões racionais a nível cognitivo e sim como imperativos psicológicos no nível mais basal a instintivo. Você não decide comer da mesma forma que decide encher o tanque do seu carro, pensando calmamente “Oh, meus níveis de glicose estão baixando, provavelmente está na hora de injetar uns carboidratos no meu sistema.” Não, você *precisa* comer, inicialmente como um leve desejo, então como uma vontade crescente, e finalmente desesperadamente, ansiosamente, avidamente. Se alimentação, ou sono, ou água, ou ar lhe for negado por tempo suficiente, o resultado será o mais completo desespero, no qual todas as outras prioridades serão jogadas às favas até que essa necessidade biológica seja atendida. Isso não é um mecanismo racional que ocorra baseado em considerações lógicas. Se fosse, todos conseguiriam fazer dieta sem problemas. Não é assim que funciona.

Eu estou aqui então relatando algo que é verdade para uma grande fração dos homens com relação a sexo, certamente para o homem médio. Não acredite se seu homem tentar negar este fato por uma questão de dignidade, auto-preservação, pressão social ou porque você não consegue entender ou aceitar que seja assim. Nós homens somos reféns de uma quantidade enorme de testosterona sendo continuamente despejada em nosso sangue. Somos reféns disso e temos que lidar diariamente com isso de algum jeito. Escolher o que fazer diante disso vai depender do caráter e da capacidade para auto-controle de cada um, mas o sentimento visceral e opressivo ao qual o homem médio está sujeito é de que sexo não é opcional. Não tem sequer que ser bom ou agradável, tem que ser feito. Assim como alimentação – em desespero, você catará restos de um sanduíche semi-apodrecido de uma lata de lixo na rua. Não que você queira viver assim; você buscará construir uma vida na qual isso nunca ocorra. Mas é o que grande parte, em desespero, fará se for absolutamente necessário.

Agora, você, mulher que lê este texto, certamente já viu em algum momento um mendigo sem teto catando sanduíches semi-aprodrecidos de latas de lixo no meio da rua. Imagine, quão desesperada você teria que estar para fazer isso? Quanta fome você teria que estar sentindo para sentir alívio e paz ao ingerir um sanduíche semi-comido que você tirou de uma lata de lixo no meio da rua?

Grande parte das mulheres parece acreditar – possivelmente baseadas em como elas próprias vivem sua sexualidade – que a busca constante de sexo por parte dos homens através de todos os meios e artifícios possíveis seria um sinal de futilidade e de busca narcisista de auto-gratificação. Que quando um homem contrata uma prostituta ele estaria pensando “Hehe, eu sou gostosão mesmo, quero pegar todas.” Mas com muito maior probabilidade, o homem médio nessa situação está sendo motivado pelo mais completo desespero, solidão, medo e angústia. Claro, existem exceções, como em tudo. Mas o homem médio nessa situação, independentemente de qualquer imagem estereotipada de garanhão ou pegador que mitologicamente se tenha construído sobre o assunto, é muito mais provavelmente alguém em total desespero. É o mendigo tirando sanduíches da lata de lixo. Claro que é extremamente vexaminoso e deprimente se assumir nessa posição tão vulnerável, então os homens mesmos em geral deixam seguir – e até incentivam – esse mito como forma de preservar um pouco de sua dignidade. Mas na maior parte das vezes a realidade é muito menos glamourosa.

Então pense e reflita, você, mulher que lê este texto : quão desesperada você teria que estar para pagar uma pessoa desconhecida para tocar em você e demonstrar que te aceita e que te recebe como mulher? Quão absurdamente desesperada você teria que estar para gastar dinheiro que você não tem, arriscando sua saúde, sua reputação, seu bem-estar, sua dignidade, em alguns casos sua liberdade e sua vida, para fazê-lo? Quão desesperada você teria que estar para retirar um sanduíche semi-apodrecido do lixo e comê-lo e ainda se sentir aliviada com isso? Para roubar um pão do mercado quando ninguém estivesse olhando?

Mulheres do mundo : por favor não coloquem seus homens nessa condição de desespero. Vocês não têm tanta testosterona quanto nós sendo continuamente despejada no seu sangue e em geral não conseguem sequer começar a compreender por que os homens agem como agem com relação a sexo. Eu estou tentando explicar. Por favor ouçam, e se vocês sinceramente se importam com algum homem em particular, saibam que isso provavelmente é verdade sobre ele também, mesmo que ele nunca tenha articulado, ou mesmo que ele veementemente negue (porque é de fato algo muito complicado de admitir).

Note, não é que seu parceiro não te ame, ou que ele te enxergue apenas como um dispositivo para aliviar suas tensões sexuais. Um homem com o qual valha a pena estar sente sim uma quantidade enorme de afeto e carinho e amor por você, essencialmente como você sente por ele. Mas as necessidades psicológicas e afetivas dele não são necessariamente atendidas da mesma forma que as suas. Assim como você precisa que ele te ouça, e que ele atenda a certos imperativos psicológicos e afetivos muito profundos da sua parte mesmo quando ele estiver cansado, estressado, preocupado ou ocupado, ele precisa de compromisso similar da sua parte. Um homem ao qual sexo é racionado por sua parceira ficará insatisfeito, amargo, e infeliz. Imagine estar continuamente numa posição na qual você não sabe de onde ou quando virá a sua próxima refeição.

Claro, evidentemente você também tem suas próprias questões com relação a sexo, mas compreenda o quão crucialmente importante é que você encontre uma forma de acomodar as dele sem se violentar, e tente compreender quão profundas e intensas provavelmente são as dele, quase com certeza bem mais do que você jamais imaginou ou ele conseguiu te explicar.

Uma certa categoria de mulher talvez se sinta tentada a dizer cinicamente “não é problema meu, lide com isso”. Mas na maioria dos casos nós não temos como “lidar com isso” sem a ajuda de uma mulher. Responder isso a um homem é como responder a uma mulher que diz “eu preciso que você atenda à minha necessidade de ser ouvida” que “não é problema meu, lide com isso”. Não é uma resposta apropriada dentro de uma relação afetiva sólida baseada em respeito, carinho e consideração mútua pela felicidade do outro.

Os homens do mundo com os quais vale a pena estar não estão buscando uma escrava sexual, um eletrodoméstico com um buraco aquecido, não estão querendo receber carinho e afeto e amor sem dar nada em troca. Muito pelo contrário. Eles reconhecerão o seu comprometimento, e motivados por amor, gratidão e carinho farão tudo ao seu alcance para retribuir à altura e prestar atenção a que as suas necessidades também estejam sempre satisfeitas. Mas eles de fato precisam intensamente, de forma muito mais profunda e visceral do que você espontaneamente compreenderia, que você esteja sexualmente receptiva. Tente sinceramente entender isso. Não significa que ele não se importe com você. Muito pelo contrário, qualquer homem com quem valha a pena estar tentará entender também o seu lado, e através de diálogo chegar a uma forma de fazer as coisas que possa funcionar para ambos. E estará não só disposto como determinado a fazer a parte dele quando se tratar de satisfazer as suas outras necessidades afetivas e psicológicas. Mas você precisa compreender o quão fundamental é essa questão de sexo para o homem médio. O quão importante isto é para a sanidade mental dele, para a saúde da relação, para a capacidade dele de ser um ser humano equilibrado e funcional e um bom companheiro.

Antes de mais nada, não assuma que sexo para ele signifique a mesma coisa que significa para você. Se você diz para seu parceiro “Eu te amo e está tudo bem mas eu não estou afim de fazer sexo com você hoje.”, o que ele vai ouvir é : “Eu não te amo mais. Eu não sinto mais atração por você. Eu não gosto mais de você. Eu não sou mais sua mulher.” Um homem razoável conseguirá compreender situações desviantes e exceções, mas isso ocorrer regularmente será inevitavelmente compreendido dessa forma. Esse é um ponto extremamente complexo de explicar ou fazer entender.

Talvez uma comparação ajude. Suponha que seu marido chegue em casa e você esteja cheia de saudade dele e você corra para ele e o abrace esperando naturalmente que ele a abrace de volta. Suponha então que a resposta dele seja ficar ali em pé parado sem esboçar qualquer reação senão um vago ar de desconforto e impaciência. Então você tente beijá-lo e ele vire o rosto. Aí você pergunte “Puxa, o que está havendo?” e ele responda “Nada, está tudo ótimo, eu te amo e sou apaixonado por você, mas neste momento não estou afim de que você encoste em mim.” E suponha que isso ocorresse com considerável freqüência, digamos mais da metade das vezes em que você o procurasse. Você pensaria que está tudo bem, ótimo? Isso seria administrável?

Ou, para fazer uma outra comparação, que talvez fale ainda mais profundamente às mulheres. Suponhamos que seu parceiro chegasse em casa e você estivesse cheia de saudade dele. Então você falasse “Oi querido, que bom que você chegou!” e ele não falasse nada ou falasse “Hm.” e então andasse até você, te virasse de costas, puxasse sua calça para baixo e fizesse sexo com você ali mesmo sem qualquer carinho e sem dizer nada, terminasse, fechasse o zíper, e então fosse para o computador trabalhar te deixando em pé ali no meio da sala. Aí quando você se aproximasse dele para conversar ele dissesse “Que saco, já te disse que não é sempre que estou afim de conversar, só às vezes, me deixa em paz”.

Se essa última história soa simultaneamente realista (embora caricatural) e extremamente frustrante, pense que é *precisamente* assim que os homens se sentem quando após buscarem atender às legítimas necessidades de afeto, carinho e atenção de suas mulheres são então rejeitados sexualmente. As necessidades dos dois parceiros em uma relação de casal não são necessariamente as mesmas, ou sincronizadas. Ambos têm que estar dispostos a fazer compromissos e a não fazerem exatamente o que querem na hora em que querem. Claro, é preciso escolher um parceiro cujas necessidades você tenha condição de satisfazer sem se violentar, e que tenha condições de satisfazer às suas necessidades sem se violentar. Mas muitas vezes um dos dois estará ouvindo o outro, e prestando atenção no outro, e cuidando do outro não porque essa seja a atividade mais divertida do mundo naquele momento, e sim motivado por amor e carinho e comprometimento com a relacão. Se isso for constantemente um sacrifício insuportável, então é claro que não é viável. Mas é infantil e irreal esperar que porque você é apaixonado por alguém automaticamente suas necessidades estarão sempre perfeitamente sincronizadas. É preciso haver a maturidade de ambos saírem do seu caminho para atenderem às necessidades do outro, e cuidarem um do outro. Muitas e muitas vezes estará em suas mãos o poder de fazer seu parceiro ou parceira imensamente feliz e dar a ele eu ela algo que ninguém mais no mundo poderia dar com apenas um moderado e administrável grau de flexibilidade da sua parte. E se ele fizer o mesmo por você, ambos têm muito a ganhar, e na soma estarão muitíssimo mais felizes do que se fossem se fechar em si mesmos e em “eu só faço o que eu quero”. Mas para isso ser possível, é preciso haver comprometimento genuíno de ambas as partes, é preciso haver uma determinação sincera de entender e satisfazer as legítimas necessidades um do outro sem joguinhos e manipulações. Não dá pra construir uma relação na qual os parceiros estejam ambos felizes, satisfeitos e realizados insistindo na atitude “seus problemas não são da minha conta, não são minha responsabilidade, não enche”.

Claro, para muitas pessoas, possivelmente a maioria, tanto homens quanto mulheres, isso não é sequer uma questão. Tais pessoas estarão perfeitamente felizes em ter uma relação medíocre na qual consigam capturar alguém para se submeter a satisfazer a maior quantidade possivel das suas necessidades enquanto dão o mínimo possível em troca. Isso vai do caráter de cada um. Mas para quem não é assim e mira em algo diferente, em particular para as mulheres que querem verdadeiramente uma relação de encontro e amizade e comprometimento mútuo e recíproco com a felicidade alheia, prestem atenção no que estou dizendo. Mulheres bem intencionadas do mundo, não usem sexo como forma de tentar manipular ou controlar seus parceiros. Isso é cruel e perverso e gerará uma quantidade infinita de ressentimento. Não usem sexo como uma forma de puni-los, ou de expressar sua frustração. E não submetam seus parceiros ao sofrimento, solidão e angústia de ouvirem “Não enche, só vamos fazer sexo quando *eu* estiver afim”. Os homens não têm a mesma relacão com sexo que vocês têm. Sexo não significa para os homens o que você mais espontaneamente estaria inclinada a achar que significa, especialmente não se você estiver baseado sua avaliação na sua própria relação com sexo. Da mesma forma, simetricamente, homens bem intencionados do mundo : não submetam suas parceiras ao sofrimento, solidão e angústia de não ouvi-las quando elas precisarem de sua atenção, de ouvirem “Não enche, estou ocupado, só vamos conversar sobre suas histórias, preocupações, planos, sonhos e problemas quando *eu* estiver afim, enquanto isso me deixa em paz.”

Mulheres bem intencionadas do mundo, se você tem um parceiro que por sólidos motivos você acredita que se importe com você mas que tem um comportamento com relação a sexo que você não entende, não caia no equívoco de achar ou de acusá-lo por isso de que “você está interessado apenas no meu corpo”. Esse tipo de “acusação”, além de usualmente ser equivocada no caso de você ter escolhido um parceiro decente que você admira (um homem com quem valha a pena estar jamais estaria com você numa relação séria se não apreciasse a sua personalidade e quem você é), parece implicitamente colocar a questão de que haveria algo de errado ou incorreto em o homem estar sim interessado no seu corpo. É claro que ele está. Isso é normal, saudável, esperado e uma parte integral e fundadora da relação. Sim, seu parceiro espera que você faça sexo com ele, e regularmente, não como um favor, uma exceção ou uma recompensa, da mesma forma que você espera que ele a ouça, e satisfaça outras legitimas e saudáveis necessidades emocionais e afetivas suas, e não apenas quando ele quiser alguma coisa, ou como migalha para você não ir embora. Se ele se furtar a fazê-lo, estará errando muito, e deixando você profundamente infeliz e frustrada. Mas o mesmo vale para o seu lado da relação. Ambos os lados precisam buscar compreender as necessidades insatisfeitas um do outro e buscar sinceramente aprender a satisfazê-las. Ambos os lados! E as necessidades do seu parceiro ou parceira não são necessariamente as que você esperava ou exatamente as mesmas que as suas. Não deixe de acolhê-las por causa disso, e não se furte a buscar satisfazê-las porque elas não fazem sentido para você. Homens e mulheres são biologicamente, quimicamente, metabolicamente diferentes, mas cada um tem em si as ferramentas para fazer o outro mais feliz do que jamais poderemos compreender. Então ouçamos nosso parceiro e abramos ambos mutuamente acesso aos recursos que nós temos inatamente para fazê-lo muito, muito feliz.

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Morte por Solidão .././2010/06/15/morte-por-solidao/ .././2010/06/15/morte-por-solidao/#comments Tue, 15 Jun 2010 05:39:54 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2045 A teoria mais conhecida sobre a queda do mítico, gigantesco, santo e sagrado Império Romano é a de que ele teria sido ao longo de séculos primeiro desestruturado e então literalmente, concretamente, fisicamente destruído por invasões militares bárbaras. Este é um desses factóides enciclopélicos freqüentemente “ensinados” em escolas.

Uma teoria um pouco menos conhecida é a de que não teria sido bem isso que aconteceu. Existem fartos e grandes indícios de que 1) a maior parte dos bárbaros não tinha qualquer interesse em destruir o Império Romano e 2) a desintegração do modo “romano” de viver não está perfeitamente sincronizada com a desintegração do império. Elaboremos.

O fato é que o Império Romano exercia *imenso* fascínio sobre os bárbaros, que em geral queriam tão somente *permissão* para migrar pacificamente para dentro das fronteiras do império em busca, por assim dizer, de uma vida melhor. Queriam aprender a língua (e em grande parte o fizeram, tanto quanto foi possível), queriam adotar as religiões, as instituições, o modo de ser romano. Quem de fato não queria isso eram os cidadãos romanos, que achavam os bárbaros, com seus modos selvagens e aparência pouco “sofisticada”, indignos de ingressar no império. Quer dizer, indignos *exceto* para executar tarefas que os romanos mesmos não queriam mais executar, via pela qual – por exemplo como soldados mercenários – hordas inteiras de bárbaros foram eventualmente assimiladas. Então criou-se uma situação na qual mais e mais bárbaros foram fazendo na prática parte do império romano, até chegar um momento em que simplesmente assumiram o poder de fato. E o que fizeram com isso, resolveram denunciar todos os valores romanos? Não! De forma alguma. Os bárbaros buscaram na maior extensão possível dos seus esforços preservar toda a estrutura política, administrativa e cultural do império, muito depois do último imperador ter sido deposto. Mas não foram bem sucedidos em fazê-lo, e a decadência paulatina de todos esses aspectos se deu irreversivelmente ao longo de grandes períódos de tempo.

Qualquer semelhança com o mundo atual é mera identidade.

Para reforçar o ponto, vamos a uma teoria ainda menos conhecida sobre o que de fato ocorreu. O império romano passou por uma cisão espontânea em dois e o império do oriente durou ainda mais um bom tempo. Qualquer explicação do colapso do império do ocidente tem que levar isso em conta, isto é : o que deu errado no ocidente que fez com que a queda viesse tão antes e fosse tão mais dramática? Bem, uma força que alguns historiadores consideram que se deveria levar em conta é que os árabes, repentinamente inspirados e unidos pela doce mensagem de paz e amor do corão, decidiram partir da Arábia, invadir o Iraque e então conquistar militarmente todo mundo ao seu redor. Ironicamente, em termos de religião e teologia, os árabes eram bem mais tolerantes que os papólicos, e achavam que cristãos e judeus cultuavam uma forma imperfeita de islamismo que mesmo sendo errada tinha valor suficiente para ser respeitável (ao contrário de todo o resto, que tinha mesmo era que se converter ou morrer; e aliás tentar converter alguém do islamismo para o cristianismo por exemplo seguiu sendo crime passível de pena de morte). Então em um dado momento, após conquistarem um dos maiores impérios da historia, resolveram ficar mais calmos e parar com a farra. Mas a essa altura, muito mais de cultura e civilização estava crescentemente sendo preservado no império árabe do que na Europa. Por que? Uma possivel explicação é que a riqueza do império romano em geral e da Europa em particular era enormemente dependente de impostos e de comércio. Ao perder acesso às rotas através do Mediterrâneo e dos territórios agora em mãos dos Árabes, os restos moribundos do império romano no centro da Europa, mesmo não tendo sido completamente subordinados aos árabes, perderam completamente sua viabilidade econômica, enquanto o império do oriente ainda persistiria por séculos. O problema não seria então basicamente militar, ou cultural, mas econômico.

Recapitulemos então as idéias que levantamos até agora sobre a desintegração do império romano.

A) O império romano teria se desintegrado diante de derrotas militares
B) O império romano teria se desintegrado diante de decadência e descaraterização cultural
C) O império romano teria se desintegrado diante de se ter tornado economicamente inviável

Vamos agora à piéce de résistance : as teorias mais modernas sobre o colapso do império romano.

Estudos arqueológicos recentes mostraram um fenômeno estranho ocorrendo ao longo de um grande período de tempo : despopulação espontânea. A cidade de Roma em seu auge pré-medieval chegou a possuir da ordem de um milhão de habitantes. Então progressivamente, o que se observou foi uma queda da população, um descréscimo contínuo. Quinhentos mil, cem mil, etc. Isso não ocorreu somente em Roma; ocorreu em grande escala. Um grande número de construções romanas foram encontradas desertas, desocupadas, sem que isso tenha sido o resultado de algum grande cataclisma ou invasão. Poder-se-ia pensar que isso teria sido o resultado de algum tipo de migração para o campo, mas existem várias evidências de que não seja o caso. Como grupo biológico, os romanos simplesmente pararam de se reproduzir. Um dos motivos por que isso passou despercebido como idéia por tanto tempo ao se pensar sobre o assunto é o quão contraintuitivo soa que uma das civilizações aparentemente mais bem sucedidas do mundo tenha resolvido voluntariamente entrar em apoptose. Então mesmo quando as pistas estavam lá o tempo todo, elas freqüentemente foram interpretadas como conseqüência e não como causa. Mas um acúmulo cada vez maior de fatos leva a crer que a despopulação não seria então uma *conseqüência* da decadência, e sim sua causa. Então não seria o caso de que os bárbaros, ou os árabes, ou os vikings ou ninguém mais  teria destruído a cultura romana de fora para dentro ou expulsado geograficamente os romanos de onde se encontravam. Tais grupos apenas ocuparam o vácuo deixado por uma civilização que desapareceu por crescente falta de gente.

O mais irônico, ou assustador, ou informativo (dependendo do ponto de vista que assumirmos) é que esse é precisamente o fenômeno que observamos *hoje* nas nações mais “desenvolvidas” do mundo. Ao atingirem o auge da “sofisticação”… tornam-se biologicamente estéreis, inférteis, cometem suicídio filogenético. Seus representantes simplesmente param de se reproduzir e o vácuo resultante é entao ocupado por populações nas quais ainda queima a chama primitiva, selvagem e renovadora de “eu quero produzir mais indivíduos da minha espécie”. E sem isso, sem esse fogo biológico primordial, sem essa vontade irracional de se conectar genuinamente a outros seres humanos e com isso produzir novas vidas e cuidar delas ao invés de se preocupar primordialmente apenas com o próprio nariz e com joguinhos estúpidos de apostar a própria sobrevivência e felicidade na impostura de querer se fingir sofisticado demais para ser um primata, sem isso nenhuma civilização do mundo, por mais culturamente avançada, por mais intelectual, tecnologicamente, economicamente pujante que seja, por mais militarmente poderosa que tenha se tornado, pode sobreviver.

O grande, sagrado, santo, mitológico império romano não morreu por falta de poder militar, decadência cultural, ou mesmo colapso econômico. Todos esses fenômenos de fato ocorreram, mas foram conseqüências, não causas. Não, o império romano morreu por falta de gente. O império romano morreu de solidão.

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Breve Bibliografia em Filosofia da Ciência .././2010/05/30/breve-bibliografia-em-filosofia-da-ciencia/ .././2010/05/30/breve-bibliografia-em-filosofia-da-ciencia/#comments Sun, 30 May 2010 19:06:29 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2033 Infelizmente quando me mudei para cá deixei quase a totalidade dos meus livros para trás e à época não os tinha no meu computador, então reconstruir uma bibliografia partindo do que eu li e posso recomendar pessoalmente fica mais complexo dado que primeiro preciso me lembrar do que eu li. :-)

Seja como for, periodicamente recebo pedidos de recomendações sobre o que deve ser lido em filosofia da ciência. Bem, embora eu tenha decidido dedicar minha vida profissional à academia, não é com filosofia da ciência que eu gasto a maior parte dos meus esforços, então qualquer lista que eu proponha terá provavelmente grandes e importantes lacunas. Me reconforto um pouco em saber que isso provavelmente é verdade de qualquer lista desse tipo, dada a vastidão do tema. Enfim, essas são algumas das recomendações bibliográficas pessoais minhas sobre o assunto.

Para começar, eu gostaria de apontar que alguns dos grandes cientistas ao longo da história – aqueles que propuseram idéias tão importantes e revolucionárias que alteraram a própria forma de fazer ciência – se viram forçados eles mesmos a considerarem as implicações filosófica e metafísicas do que estavam dizendo, assim como a olharem para o próprio processo científico e questionarem sua natureza e validade. Então tendo eu sempre sido interessado em ciência, antes mesmo de consumir qualquer literatura exclusivamente sobre filosofia da ciência, já havia lido diversas discussões do assunto por acadêmicos hoje reconhecidos por vezes primordialmente por seu trabalho científico e não por suas discussões de filosofia. Entre eles estão notavalmente Galileu Galilei, René Descartes, Isaac Newton, Ernst Mach, Henri Poincaré, Albert Einstein, Bertrand RussellWerner Heisenberg. Digo notavelmente não apenas em termos de sua relevência intrínseca mas também em termos da influência que tiveram sobre minha opinião sobre filosofia da ciência como sendo um assunto importante. Poucos textos li no original da maior parte deles; na maior parte das vezes li *sobre* o que eles pensavem ao invés de diretamente o que escreveram, tanto pela inacessibilidade das fontes primárias quanto pela sua inescrutabilidade quando lidas contemporaneamente. Mas digo já de saída que é um equívoco gigantesco imaginar que os grandes cientistas desconheçam, não considerem, ou não discutam as implicações filosóficas do que estão fazendo assim como o que os autorizaria no final das contas a afirmar o que quer que seja sobre a realidade objetiva. Inclusive, repito, nas obras científicas mais revolucionárias e relevantes, a ciência esbarra diretamente com filosofia, e na expansão das fronteiras mais avançadas da ciência é necessários discutir explicitamente questões filosóficas. Isso fica claríssimo ao examinarmos o que todos os cientistas acima de fato disseram sobre filosofia da ciência. Infelizmente hoje em dia existe – possivelmente domina – o conceito do cientista não como vocação intelectual mas como “somente um emprego”, caso em que o sujeito está em geral muitíssimo pouco preocupado em questionar paragidmas ou revolucionar qualquer coisa e sim, muito pelo contrário, interessado em investir seus esforços nas direções menos controversas que for possível, receber seu salário e ser deixado em paz.

Uma exceção na lista acima quanto a eu ter consumido primordialmente fontes secundárias é no caso de Einstein. Não que eu não tenha lido muito do que se escreveu tanto sobre ele quanto sobre sua obra científica e seu significado (além de quando estudante de engenharia ter sido submetido à versão-para-universitários da teoria da relatividade especial presente em livros texto de física moderna), mas além disso também li diversos textos escritos pelo próprio, como a coletânea The World As I See it (que na verdade não tem muito sobre filosofia da ciência) e Relativity. Este último de fato fala sobre filosofia da ciência, interessantemente não como um tópico em si, mas como uma necessidade para fazer a ciência da qual o livro trata. Uma parte substancial do livro é gasta discutindo conceitos, como justificá-los, e seu significado.

Outra grande exceção na lista acima quanto a eu ter consumido primordialmente fontes secundárias é no caso de Russell. Autor extremamente prolífico, várias de suas obras permanecem não apenas legíveis como relevantes ainda hoje. O primeiro livro que li dele foi Introduction to Mathematical Philosophy, um clássico absoluto que se por um lado hoje em dia está academicamente um pouco datado, por outro lado permanece perfeitamente acessível e retrata um momento de transição de importância fundamental tanto para filósofos quanto para matemáticos – e de forma mais ampla para cientistas em geral. A única contra-indicação que eu talvez possa ter a esse livro é que possivelmente seja difícil gostar dele para quem por algum motivo se convenceu de que odeia matemática.

Até o momento, porém, venho citando os contatos que tive com filosofia da ciência como efeito colateral de estar interessado em ciência. O primeiro contato que tive com pensadores que se dedicaram mais extensamente a abordar filosofia da ciência como um assunto em si mesmo foi através do curso obrigatório de filosofia da ciência que fiz na PUC-Rio. Um parêntesis aqui para que não sabe – a PUC tem como um de seus princípios a idéia de que todos os seus alunos devem ter uma formação não apenas técnica mas também minimamente humanística e moral, e para satisfazer esse requisito o aluno tem que escolher uma certa quantidade de cursos em filosofia, religião e ética para cursar de forma a poder se graduar. Entre esses cursos, eu fiz o de filosofia da ciência, e isso acabou sendo razoavelmente interessante, por vários motivos. Um deles é que eu parecia ser praticamente o único ser humano na sala de aula remotissimamente interessado nos tópicos sendo discutidos, então as aulas viraram por vezes um diálogo entre mim e o professor com a classe presente assistindo. Outro motivo é que por total coincidência revelou-se que o professor morava exatamente no mesmo prédio que eu, e não tinha carro, e ia para a PUC de ônibus, algo que levava da ordem de 40 minutos. Assim sendo, eu passei a dar carona para ele regularmente, e no caminho já íamos falando de filosofia da ciência, com o resultado de que quando a aula começava a turma estava de fato meio que se juntando a um diálogo pré-existente. Finalmente, como mencionei, foi a primeira vez em que de fato fui apresentado de forma minimamente organizada à literatura da filosofia da ciência como um assunto em si mesmo.

O professor adotou como referência recomendada o autor Alan Chalmers, especificamente o livro What Is This Thing Called Science, que eu concordo que é uma boa introdução ao assunto. Um outro livro do Chalmers que pode valer a pena é Science and Its Fabrication.

Bem, só que a partir daí se abre todo um universo do estudo da filosofia da ciência não da parte dos cientistas mesmos e como parte do processo científico, mas sim partindo de filósofos, e como um assunto em si mesmo ao invés de aplicado ao desvendamento de uma determinada questão científica. É completamente impossivel sequer começar a resumir aqui todas as posições e questões envolvidas, mas posso citar alguns dos autores e livros que considero mais essenciais – ou pelo menos que eu pessoalmente acho que vale a pena examinar. Entre eles (forçosamente incompleta esta lista) : Charles Sanders Peirce, Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, Willard Van Orman Quine, Daniel Dennett. Ressalva : nem todos eles têm igual relevância ou importância e essa lista expressa fortes preferências pessoais. Naturalmente que em qualquer lista deste tipo temos que incluir também Platão e Aristóteles, mas isso além de óbvio eu considero como pré-requisito fundamental para qualquer um que queria falar seriamente seja de ciência, seja de filosofia. E como dizer que “ah, e para discutir filosofia você precisa saber ler e escrever”. Isso sendo dito, não é discutindo Platão e Aristóteles que vamos compreender o que ocorre modernamente seja em ciência seja em filosofia da ciência.

Peirce em particular teve uma vida infernal e é na minha opinião um pensador que se não tivesse sido assolado por circunstâncias adversas teria hoje muito mais relevância do que lhe é concedida. Karl Popper é figura obrigatória em qualquer lista, e seu livro The Logic of Scientific Discovery é um clássico. A obra correspondente de Kuhn é The Structure of Scientific Revolutions, e para quem gostar deste, a continuação obrigatória é Feyerabend, com Against Method. Quine figura nesta lista em grande parte por minha simpatia pessoal :-). Ele nunca realmente escreveu um grande clássico sobre filosofia da ciência. Mas isso não quer dizer que não tenha escrito nem tido influência sobre o assunto, e uma possível sugestão seria From a Logical Point of View.

Finalmente, temos Daniel Dennet, um prolífico e ativo filósofo contemporâneo que se ocupa entre outros assunto com filosofia da ciência, e que acrescento a esta lista em parte porque ele de fato escreve sobre o assunto de forma geral mas mais especificamente porque ele tem a coragem de discutir abertamente religião de forma crítica como não estando de forma alguma à parte do processo científico. A idéia de que a religião possa querer por vezes se colocar como uma “forma de conhecimento” separada da ciência e imune à lógica ou a todas as considerações que (por vezes os próprio religiosos!) fazem ao processo científico é completamente insustentavel. Ou a religião está de fato dizendo algo sobre a realidade, algo com pretensões a ser objetivamente verdadeiro, e nesse caso a filosofia da ciência é relevante e precisa ser levada em conta, ou não está, e nesse caso, importantes que as idéias religiosas sejam, pertencem ao reino da mitologia, arte, literatura ou fantasia, mas não são uma investigação coerente da realidade objetiva. Para quem gostou dessa descrição, eu recomendo o livro Breaking the Spell.

Outros livros que eu aleatoriamente gostaria de mencionar que de alguma forma discutem criticamente como a ciência de fato funciona assim como os fundamentos filosóficos da nossa própria capacidade de compreender qualquer coisa são : Beyond The Hoax (Alan Sokal), Godel, Escher, Bach (Douglas Hofstadter) e Are Quanta Real?.

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Einstein Esteve Aqui .././2010/05/28/einstein-esteve-aqui/ .././2010/05/28/einstein-esteve-aqui/#comments Fri, 28 May 2010 15:52:50 +0000 Sergio de Biasi .././?p=2004 Fuld Hall
The Institute for Advanced Study at Princeton

Eis que por uma seqüência imprevista de eventos eu acabei indo visitar o Institute for Advanced Study na cidade de Princeton. Talvez isso não signifique muito para quem não seguiu carreira acadêmica e não fica muito impressionado em andar pelos mesmos caminhos onde Einstein e Gödel passeavam juntos. Mas para mim é impressionante finalmente ver a lareira ao lado da qual algumas das conquistas mais importantes do pensamento humano foram discutidas e desvendadas, e ver o escritório onde Einstein trabalhava.

Einstein

O instituto é atípico (era mais ainda quando foi fundado) no sentido em que não é exatamente uma instituição acadêmica padrão. Ele não tem alunos, ou laboratórios, nem dá diplomas de coisa alguma. Ele também não vende, contrata ou dirige a pesquisa de nenhum de seus membros. Nao se trata, portanto, nem de uma instituição de ensino, nem exatamente de uma instituição de pesquisa. É uma instituição, como diz o nome, de estudos avançados. A idéia é que algumas das melhores e mais brilhantes mentes que puderem ser encontradas serão convidadas a se juntarem ao instituto para então serem deixadas em paz para pensarem… no que quiserem.

Ironicamente, ao longo dos anos, foi repetidamente observado que essa proposta não é necessariamente a mais produtiva em termos de resultados científicos. Vários cientistas acima de qualquer suspeita, como por exemplo Richard Feynman, observaram que toda essa liberdade, que em princípio permitiria aos gênios explorarem suas idéias sem as amarras dos compromissos usuais, acabaria na prática gerando ao invés disso estagnação e paralisia. Segundo Feynman, é preciso um certo grau de urgência e de problemas sendo atirados no seu colo para manter a mente ativa e produzindo.


Andando aleatoriamente pelo Institute for Advanced Study

Seja como for, algumas das mentes mais brilhantes do mundo de fato passaram pelo instituto. O número de vagas permanentes, porém, é bastante limitado; a maior parte dos pensadores recebe apenas posicões temporárias e são periodicamente substituídos.

O local inteiro, embora extremamente agradável e confortável, não é muito grande nem arquiteturalmente impressionante. De fato a impressão é a de que este seria o resultado de um monte de matemáticos se juntando e decidindo “ok, precisamos de uns prédios aqui”. Seu significado porém é imenso, e de certa forma essa simplicidade e despojamento nos fazem apreciar e entender ainda mais profundamente a escala de valores e a personalidade daqueles que ali trabalham. Nada de colunas neoclássicas de mármore com 30 metros de altura, nada de prédios com ângulos impossíveis revestidos de vidro e aço, nada de arabescos ou gárgulas. Não estamos aqui para impressionar ninguém. Estamos aqui para pensar.

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“Religion is based … mainly upon fear … fear of the mysterious, fear of defeat, fear of death. Fear is the parent of cruelty, and therefore it is no wonder if cruelty and religion have gone hand in hand … My own view on religion is that of Lucretius. I regard it as a disease born of fear and as a source of untold misery to the human race.”
-Bertrand Russell

Com o risco de chover no molhado e voltar a um tema requentado e excessivamente debulhado a ponto de ficar chato, voltemos ao tema do ateísmo. Ao escrever esse tipo de texto considero que estou (espero estar) prestando um serviço de utilidade pública ao me dar ao trabalho de explicar o que deveria ser abundantemente óbvio. Mas se não é óbvio para certas pessoas intelectualmente honestas e que buscam a verdade, então de fato é muito importante que alguém escreva sobre o assunto, nem que seja para dar apoio moral a quem olha para certas coisas e pensa “mas peraí, isso não faz nenhum sentido” e no entanto acaba por questionar o próprio julgamento diante da ausência de pensamento divergente e idéias discordantes no universo social no qual habita.

Enfim, a motivação desta vez é a seguinte. Volta e meia recebo mensagens de leitores afirmando que tal ou qual resposta a um de meus textos sobre ateísmo merece comentários, que apresenta argumentos sólidos, que desconstrói completamente o que eu falei e coisa e tal. Em geral eu já conheço as tais respostas, e não comentei nada porque são muito fraquinhas e não acrescentariam absolutamente nada ao debate. No entanto, como eu coloquei, talvez o que seja absolutamente óbvio para mim não o seja para alguns leitores, e existe uma pequena chance de que nem todos eles tenham se fechado hermeticamente a argumentos e a pensar criticamente sobre o assunto. Então, assim sendo, lá vai.

A primeira resposta que vou comentar está publicada aqui  : Refutando um ateu

Essa resposta já começa muitíssimo mal ao anunciar que vai usar um fomato inspirado no disputatio medieval. Repito aqui o que já disse diversas vezes. Existe uma diferença brutal e grotesca entre reverenciar o intelecto de pessoas brilhantes do passado que foram capazes de ver muito adiante de seu tempo versus citá-las literalmente ou achar acriticamente que os métodos e idéias que eram revolucionariamente geniais há séculos atrás ainda o sejam pelos padrões de hoje.

Enfim, a resposta em questão se refere ao meu texto Ateísmo Para Principiantes.

A resposta começa por fazer a seguinte afirmação sobre o meu texto :

1) É possível fazer uma analogia entre Deus e o Papai Noel. São duas crenças, e de mesmo grau.

Já nesta primeira frase, a desonestidade (ou alternativamente a obtusidade) do autor fica clara. Absolutamente não afirmei isto colocado acima, e muito pelo contrário, escolhi Papai Noel ao invés de Zeus ou Horus como exemplo especificamente porque é razoavelmente incontroverso (exceto para quem é maluco ou não tem absolutamente nada melhor para fazer) que Papai Noel não exista de fato. Apesar disso, caso fosse contra a lei não acreditar em Papai Noel ou caso eu fosse regularmente atacado por questionar essa crença, discutir a existência de Papai Noel cresceria muito em relevância, e é esse tipo de reação e posição que caracteriza os ateus, não em geral um arcabouço filosófico maior em comum. Eu estou nesta parte do texto discutindo a falta de unidade ideológica entre ateus, não se a crença em deus é filosoficamente equivalente à crença em Papai Noel.

Mas então, ironicamente ao extremo, a resposta prossegue para afirmar :

NEGAÇÃO: O argüente constrói um “boneco de palha” do Deus cristão. O Deus cristão não é um mito, é o ser infinito e necessário. Não consta que Papai Noel seja um ser infinito, mas sim um ser contingente e ficcional.

Ora, santas ironias. Isso de dizer que eu estou construindo uma equivalência entre deus – e veja só, especificamente o deus cristão, que eu nem sequer menciono, afinal ateus não acreditam em NENHUM deus, não só no cristão – isso sim é um ridículo boneco de palha. Esta parte do meu texto nem sequer discute se deus existe ou não, e sim o fato de que crer ou não crer em deus não são posições sustentadas por grupos com perfis similares de unidade ideológica.

Segue-se então um amontoado de – não há como descrever de outra forma – baboseiras sobre  “o ser infinito já foi demonstrado desde Parmênides” :

o Ser infinito já foi demonstrado desde Parmênides, e aqui demonstramos da nossa forma: ou há algo, ou não há nada. Se nada há, nada se questiona, logo algo há, algo é. A este algo, a esta positividade, a esta estabilidade, a metafísica chama de ser. Ou o ser é finito e contingente ou é infinito e necessário. Se é finito e contingente, houve um tempo em que nada houve. Mas do nada absoluto nada pode provir, porque nada não há, o nada não afirma nada, não tem positividade. Logo, o ser é infinito e necessário. Este ser infinito e necessário é o Deus cristão.

Este parágrafo é um amontoado de palavras em busca de um significado. Metade dos termos não têm qualquer significado minimamente rigoroso ou aplicável de qualquer forma útil, e saltos inacreditáveis são dados mesmo que aceitemos a “lógica” interna do “raciocínio”. Chegamos aqui num ponto em que, sinceramente, nem adianta explicar. Isso aí acima  é um monte de besteiras. São coisas como esta que fizeram a metafísica perder sua credibilidade. Não que eu pessoalmente ache que ela não tenha importância ou lugar na filosofia ou mesmo na ciência moderna, mas isso aí é só uma chutação total sem qualquer rigor.

Vou me concentrar portanto em uma parte do argumento que é a menos delirante, embora ainda respondida de forma equivocada, que é : Como resolver o legítimo e profundo problema metafísico de que existe qualquer coisa? Por que existe algo ou invés de nada? Esse é o problema que de fato precede todos os outros e que está na base de grande parte das tentativas de construir uma teologia que parta de (ou pelo menos respeite) lógica e razão. Só que dessa questão não resolvida, vezes demais se parte então para postular alguma “causa primeira” com todo tipo de propriedades arbitrárias e que magicamente não requer ela mesma uma explicação, geralmente com pseudo-justificativas do tipo “ela sempre existiu”. Ora, se é para postular que algo sempre existiu e que por isso não precisaria de explicação (que já é evidentemente uma enrolação, mas aceitando esse argumento) então nesse caso vamos postular que o universo sempre existiu, ou que as leis da física sempre existiram, e que as leis físicas são logicamente necessárias do jeito que são, embora ainda não tenhamos entendido o motivo. Isso é muito mais metafisicamente satisfatório do que criar entidades com propriedades fantásticas que não temos nem remotamente condições de determinar ou justificar.

Enfim, a resposta parte então para as seguintes afirmações sobre o trecho seguinte do meu texto :

Proposições contidas
1) Religiosos em geral não duvidam de suas posições, acreditam estar certos.
2) Ateus, pelo contrário, são céticos sobre quase tudo. A única certeza deles é a de que Deus não existe.
3) É incontornável o fato de que alguém está certo e alguém está errado.

Mais uma vez, essas afirmações só podem ser explicadas por desonestidade ou obtusidade. Em primeiro lugar, a afirmação (1) não foi originalmente feita por mim, e sim precisamente pelo texto que estou criticando. Mas isso colocado, eu de fato acho que muitos religiosos parecem – não raro anunciam abertamente – assumir uma posição perfeitamente acrítica e dogmática diante de suas crenças. Mas seja como for, e seja quão críticos e ponderados alguns religiosos sejam antes de chegarem às suas conclusões, grande parte deles – e isso depende em parte da religião específica – de fato aceita argumentos baseados em autoridade, tradição ou revelação como perfeitamente válidos.

Então eu cuidadosamente passei a descrever que isso distingue a mim, eu, pessoalmente, do religioso padrão. Note-se, eu *não* acho, nem defendi, que a minha posição pessoal seja representativa de todos os ateus ou mesmo dos ateus em geral. Mutíssimo pelo contrário; eu repetidamente argumento que não existe posição filosófica ou ideológica unificada entre os ateus, e que essencialmente a única coisa que os *une* numa categoria – absolutamente não a única coisa em que acreditam – é não acreditarem em deus. Então descrever o que eu disse como sendo o enunciado em (2) é uma falsificação total; não só não é o que eu disse como é oposto ao que eu disse em vários aspectos. Se o autor realmente depreendeu honestamente algo como o que está em (2) do meu texto isso é algo que beira o analfabetismo funcional e é risível (ou conversamente altamente apropriado) que vá querer então construir um debate escolástico (entre si mesmo e um exército de bonecos de palha). No texto original, eu sublinho veementemente a questão de que nem todos os ateus rejeitam a idéia de deus pelos mesmos motivos, e que variam enormemente em suas crenças e ideologias. Esse é um dos principais temas do texto inteiro. Eu não acho nem afirmei que a maior parte dos ateus seja “cetico sobre quase tudo”, e aliás nem que *eu mesmo* seja cético sobre quase tudo – o que eu afirmei foi o que o tipo de argumento que eu aceito como legítimo exclui vários dos tipos de argumento que o religioso médio aceita como legítimo. Mas eu de fato aceito muitos argumentos concretos como legítimos e em muitos fatos como solidamente estabelecidos (o que não quer dizer que não possam ser legitimamente questionados, apenas que é preciso que sejam apresentados contra-argumentos de força suficiente). Apenas não aceito que crença em fatos deva ser decidida com base em tradição, revelação ou autoridade, como ostensivamente grande parte dos religiosos abertamente faz.

Em resumo, é simplesmente ridícula a afirmação de que eu teria dito, seja sobre “os ateus”, seja sobre mim mesmo, que “a única certeza deles é de que deus não existe”. Isso não tem absolutamente nada a ver com qualquer coisa que eu tenha dito. Muitos ateus inclusive são ridiculamente pouco críticos, e divergem dos religiosos apenas por acreditarem em autoridades (ou fantasias) diferentes. O autor da resposta segue porém não só partindo dessas premissas absolutamente absurdas sobre o que eu teria dito como procede mais uma vez a construir argumentos tão completamente delirantes que não há nem o que comentar. Eu posso me munir de paciência e me aventurar a refutar afirmaçoes como “o Sol gira em torno da Terra”, que estão completamente erradas, mas que pelo menos fazem sentido e nas quais há concebivelmente motivos para acreditar. Mas não há paciência que se justifique para afirmações do tipo “já que o Sol gira em torno da Terra seu magnetismo animal aquece a aura da atmosfera terreste e provoca permutações astrais”. É esse o nível do discurso com o qual nos defrontamos aqui. Não existe sequer o que refutar. São Tomás de Aquino provavelmente teria vergonha de se ver citado num contexto como esse, e *certamente* retiraria grandes partes das coisas que escreveu se pudesse ter acesso à lógica, à filosofia e a ciencia modernas. Argumentar no século 21 com base nas categorias metafísicas e na estrutura lógica que prevaleciam na escolástica medieval é RIDÍCULO.

Sobre a proposição (3), eu *de fato* a coloco – é incontornável o fato de que alguém está certo e alguém está errado. E tanto quanto é possível decodificar do festival de confusão mental no trecho da resposta que se segue, o autor afirma exatamente o mesmo que eu, embora por vias altamente tortuosas – que é inescapável que exista uma verdade necessária, e que se discordamos sobre características irrenconciliáveis da sua natureza última, um dos dois lados está inescapavalmente errado. Agora, repetidamente dizer “e essa verdade necessária é o deus cristão” é simplesmente patético, dado que “o deus cristão” envolve um grande conjunto de características que de forma alguma decorrem automaticamente do simples princípio metafísico de que é preciso haver no fundamento de tudo uma verdade necessária. Essa “verdade necessária” poderia envolver um deus, três deuses, infinitos deuses, ou zero deuses. Minha posição pessoal é que tudo indica que envolva zero deuses, não que eu negue o princípio metafísico de que a verdade, em algum nível de abstração, é necessária.

Do mesmo trecho do meu texto são “extraídas” as seguintes proposições :

4) Ateus em geral fundamentam seus argumentos; religiosos em geral não.
5) Religiosos em geral aceitam argumentos de autoridade, tradição e revelação, enquanto um ateu os rechaça.
6) A fé não é uma boa base para um sistema de crenças.

Novamente, o autor da reposta confunde completamente em (4) o que eu afirmo sobre *mim* como sendo algo que eu estaria afirmando sobre todos os ateus, algo que eu digo com todas as palavras que não é o caso. Mas mesmo tomando como descrição do que teria dito sobre mim, é completamente absurda. Eu não disse que os religiosos não fundamentam seus argumentos, apenas que quase a totalidade deles aceita como argumentos válidos categorias de argumentos que eu absolutamente não aceito como tal.

E sim, a primeira parte de (5) é não só ontensivamente e admitidamente verdadeira como em grande parte das religiões, uma exigência formal. Quando a isso ser diferente para os ateus em geral, mais uma vez – eu *não* acho que todos os ateus pensem igual a mim, e isso é um dos principais pontos do meu texto. Inúmeros ateus estão perfeitamente felizes em aceitar autoridade, tradição ou mesmo revelação, apenas divergem dos religiosos sobre quais autoridades, tradições ou revelações consideram legítimas.

Sobre (6), o único ponto sobre o qual o autor realmente diz algo novo, finalmente – embora mais uma vez de forma convoluta – se coloca algo que parece com um argumento que vale a pena considerar, que é o seguinte : a fé é um elemento indispensável em qualquer sistema de crenças. Esta não é uma afirmação absurda, mas sobre ela eu tenho duas observações.

A primeira observação é que apesar de não ser absurda, ela é falsa. É perfeitamente possível produzir todos tipo de afirmações cuja verdade é logicamente necessária sem que isso envolva qualquer tipo de fé. É perfeitamente possível ter crenças que não dependam de qualquer suposição arbitrária. Certo, é verdade que derivações lógicas partem de conjuntos de axiomas. Porém não há nada de errado com o conjunto vazio como ponto de partida, e é simplesmente errado concluir que dele nada podemos derivar. É verdade que deste ponto de partida somente poderemos construir teorias tautologicamente equivalentes ao conjunto vazio, mas se vamos argumentar que nosso universo está fundamentado em última análise em verdades logicamente necessárias, nosso objetivo último deveria ser precisamente explicar como é possível derivar o universo inteiro do conjunto vazio – um projeto altamente ambicioso que talvez nunca seja possível realizar completamente. Mas não, a fé não é necessária para “qualquer” sistema de crenças.

A segunda observação é que mesmo que aceitemos que nem todo sistema de crenças requeira fé, algúem poderia observar que quando lidando com conhecimento incompleto e limitado, como é a condição humana, talvez necessitemos de dar alguns saltos de fé para podermos tomar decisões úteis. A fé seria então necessária para uma grande parte dos sistemas de crenças com aplicabilidade prática. Agora veja, o fato de que é preciso por vezes supor como verdade algo que não conseguimos estabelecer como logicamente necessário não significa então que vamos sair acreditando em qualquer coisa, ou que todos os sistemas para escolher crenças sejam equivalentes. Certo, é claro que é possível que todas as nossas percepções sejam falsas, que seja tudo um sonho, uma simulação de computador, um delírio. Do ponto de vista *estritamente* lógico, o fato de que o sol nasceu rigorosamente todos os dias desde que nascemos não torna sequer mais provável que ele vá nascer amanhã. Mas para ter uma vida que faça sentido, e tomar alguma decisão ao invés de ficar atolado num pântano metafísico, você tem que escolher acreditar em alguma coisa – por exemplo que o Sol vai de fato nascer de novo amanhã. Eu aceito este argumento. Mas não decorre daí que “então o sistema de crenças X está certo”, aliás muito pelo contrário – o que se está argumentando é precisamente que nenhum sistema de crenças desse tipo – que exija saltos de fé – é logicamente justificável.

A questão é precisamente como escolher entre sistemas de crenças que, a rigor,  não podemos justificar logicamente, pelo menos não de forma necessária. E é aí que entra o princípio científico da navalha de Occam – não vamos sair fazendo suposições a não ser que elas acrescentem poder explicativo ao modelo que estamos construindo para buscar explicar os fatos que estamos admitindo como verdadeiros. Os modelos científicos, porém, são de fato admitidamente provisórios e injustificáveis como logicamente necessários. Isso não significa porém que sejam arbitrários. Tomar decisões lógicas com informações incompletas não garante acertos mas não é equivalente a escolher aleatoriamente. Agora, de um ponto de vista mais prático, a principal justificativa para a ciência é que ela FUNCIONA. Como já dizia Einstein, a coisa mais impressionante, maravilhosa e surpreendente sobre o universo é que é possivel entendê-lo. Enquanto a ciência nos deu reatores nucleares, naves espaciais e computadores, os modelos de como a realidade funciona baseados em teologia e similares não foram capazes de concretamente explicar, prever ou esclarecer absolutamente NADA, em nenhum nível, físico, metafísico, psicológico ou de nenhuma outra ordem. A realidade simplesmente NÃO FUNCIONA do jeito que as investigações teológicas prescrevem, descrevem ou prevêem e isso ao longo da história é repetidamente e facilmente observável. A principal função cumprida pelas crenças religiosas é criar um falso, ilusório e pernicioso conforto diante das questões para as quais se formos honestos não temos resposta satisfatória.

“What men really want is not knowledge but certainty.”
-Bertrand Russell

Agora, novamente, eu admito que do ponto de vista estritamente lógico é perfeitamente possível que, digamos, quem esteja certo mesmo seja a Igreja da Cientologia e Xenu tenha explodido bilhões de pessoas com bombas atômicas. Mas isso para mim é tão realista e verossímil quanto Jesus ressuscitando pessoas ou nossa” alma” voltando encarnada num sapo. Não existe absolutamente qualquer evidência a favor de nenhuma dessas coisas, e entre algo que repetidamente faz previsões extraordinariamente confiáveis, mesmo que essa previsões tenham em parte sido obtidas por tentativa e erro e não por deducão rigorosa, versus um outro sistema de crenças que faz todo tipo de afirmações delirantes sobre a realidade que nunca se observam em lugar algum, eu sinto muito, eu fico com o primeiro. Inclusive diante da impossibilidade de deduzir logicamente como o universo funciona, a grande força da ciência é justamente ter a humildade de admiti-lo e estar disposta a constantemente mudar de idéia quando suas previsões falham – que é muitíssimo mais do que se pode dizer da quase totalidade das crenças religiosas. Então pode ser o caso de que talvez amanhã toda a ciência como atualmente consta dos jornais acadêmicos pare completamente de funcionar, e comece a chover sapos e anjos desçam do céu, mas nesse caso os cientistas serão metodologicamente obrigados a reverem seus conceitos sobre como o universo funciona. Novamente, ao contrário de grande parte dos religiosos, que mesmo diante de montanhas de evidências, aferram-se a crenças imutáveis e inamomíveis usando (quando se dispõem a tanto) de argumentos como esse de que “a fé é um elemento incortornável de qualquer sistema de crenças”. Bolas, mesmo quando é, não significa então que seja igualmente razoável sair acreditando em qualquer coisa.

“The trouble with the world is that the stupid are cocksure and the intelligent are full of doubt.”
-Bertrand Russell

O que nos leva finalmente de volta à minha afirmação original : a fé nao é uma boa base para um sistema de crenças. Se formos chamar de fé qualquer crença que não pudermos estabelecer como verdade logicamente necessária, então de fato em várias circunstâncias teremos que sustentar crenças deste tipo se não quisermos ficar paralisados num atoleiro existencial. Mas isso não significa que a fé seja necessariamente a *base* do meu sistema de crenças, não no sentido de que seja o fator preponderante ou mais significativo. Se alguém for argumentar que é a fé que torna meu sistema de crenças possível, e por isso é sim a base dele, eu observo que não, ela *não* torna meu sistema de crenças logicamente justificável; de fato, nada pode fazê-lo, não no atual estágio em que estamos no entendimento da realidade. A fé é apenas um quebra-galho, um tapa-buracos para o fato de que eu não sei tudo. Mas certas suposições se revelam mais úteis e mais esclarecedoras e com maior poder preditivo do que outras, e eu acho desejável preferir essas suposições às outras. Então, nesse sentido, as suposições são completamente arbitrárias enquanto as conclusões não são, e é pelas conclusões que eu julgo a qualidade das suposições. Os religiosos tendem a inverter isso completamente e insistir em suposições engessadas e imutáveis, tomando portanto a fé como base de seus sistemas de crenças, ao invés de fazerem exatamente o oposto – escolher as suposições não justificáveis que vão fazer com base no quanto as suas conseqüências parecem ser compatíveis com a realidade de fato observada.

Finalmente, o autor “extrai” do mesmo trecho do meu texto as seguinte afirmações :

7) Acreditar em Deus é uma posição circunstancial, não metodológica ou a priori.
8 ) Para a crença em Deus se justificar, é necessária:a) a comprovação empírica de sua existência.b) uma definição que faça sentido e que apresente evidências
9) Tudo o que não possui comprovação empírica é dotado de um aspeco mitológico.

Quanto a (7), isso não é algo “refutável”; eu estou descrevendo a minha posição pessoal.

Quanto a (8), sim, é claro que é preciso haver uma definição que faça sentido. Não dá para debater se deus existe ou não sem que se apresente uma descrição minimamente consistente sobre de quê estamos falando, algo que a maior parte dos religiosos falha completamente em fazer. Note que se formos levar a sério o fato de que o autor afirma ter “refutado” (8), ele quer então que aceitemos a existência de deus sem qualquer evidência empírica (“comprovação empírica” é uma besteira) e também sem uma definição rigorosa seguida de argumentos sólidos. E a rigor, ele está certo – a mera crença em deus não requer qualquer uma dessas coisas, assim como não o requer a crença em gnomos habitando o centro da Terra. A crença em coisas aleatórias requer apenas a vontade de acreditar.

“I wish to propose for the reader’s favourable consideration a doctrine which may, I fear, appear wildly paradoxical and subversive. The doctrine in question is this: that it is undesirable to believe a proposition when there is no ground whatever for supposing it true.”
-Bertrand Russell

Quanto a (9), isso (como inúmeras outras afirmações) não tem absolutamente nada a ver com qualquer coisa que eu tenha dito.

Enfim, eu poderia prosseguir discutindo ponto por ponto o resto do texto, mas ele é completamente desprovido de conteúdo, de mérito, ou mesmo de evidências de ter sido capaz de sequer entender o que eu disse no meu texto original. Está encharcado de confusão mental e de erros de lógica básica, e é uma perda total do meu tempo ficar “refutando” essa extensa besteirada. Inclusive estou cogitando seriamente parar de fazê-lo até mesmo parcialmente no futuro; qualquer ponto que eu poderia querer ilustrar ao dar corda para esse tipo de coisa já foi extensamente exemplificado no passado, e quem não quiser ver continuará mesmo cego. Infelizmente não tenho qualquer dúvida de que isso será interpretado como “oh, se você não está respondendo é porque ficou sem tem o que dizer / não tem resposta / foram apresentados argumentos irrefutáveis”. Longe disso, longe disso. É apenas que esse tipo de texto longe de serem “refutações muito bem estruturadas”, é só um festival de sandices.

Entre outros exemplos que eu poderia citar : eu escrevo que “se a ciência universal fosse atingida, ela nos diria se deus existe ou não” e o sujeito escreve que eu teria dito que “sem a ciência universal, é impossivel afirmar se deus existe ou não”. Eu digo A => B e o sujeito afirma que eu estou dizendo que ~A => ~B, um erro absolutamente básico de lógica que não se admitiria num estudante iniciante. E essa pessoa quer escrever uma refutação nos moldes de um debate escolástico!

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Uma outra resposta um pouco menos primária pode ser encontrada aqui : O empirismo ateísta na corda bamba

Digo um pouco, mas não muito. Em primeiro lugar, o autor parte já de saída do equivocado princípio de que eu só aceitaria argumentos baseados em observacões sensíveis, e não em princípios lógicos ou necessidades metafísicas. Ora, não é que eu não aceite tais argumentos em princípio – apenas eles não existem. E não me venham com São Tomás de Aquino, Santo Anselmo e outras coisas desse tipo porque o que eles nos dão em termos de argumentos ontológicos é simplesmente ridículo e absolutamente não estabelece necessidade lógica alguma de um deus nos moldes cristãos. Existe uma distância brutal entre argumentar pela necessidade de uma “causa primeira” e dizer “então taí, é o deus cristão”. Chamar as verdades que são logicamente necessárias de “deus cristão” não lhes atribui magicamente nenhuma das inúmeras outras características sustentadas pela teologia cristã, nem exime o autor de justificar tais características. Mas ok, pinçando como pinçou o autor uma afirmação completamente fora de contexto, não é supreendente que sua interpretação esteja facilmente sujeita a distorções.

Mas daí ele passa então a fazer outras afirmações mais genéricas que não têm diretamente a ver comigo, como por exemplo de que “Hoje, o grande inimigo do ateísmo é a ciência mais atual.” Er, não, não é, e no caminho para buscar afirmá-lo o autor faz várias afirmações altamente impróprias. Para começar, a ciencia clássica em si mesma absolutamente não é universalmente baseada no “empirismo”. Muito antes de se falar em teoria da relatividade ou em mecânica quântica, a posição filosófica de positivistas e assemelhados, popular que tenha ficado em um dado momento, sempre foi apenas uma facção entre outras e absolutamente não a posição unânime na comunidade científica.

Adicionalmente, o ateísmo absolutamente também não tem como fundamento filosófico essencial nenhuma reverência ao empirismo. Grande parte – diria eu todos os sérios – pensadores ateus aceitariam prontamente argumentos lógicos ou metafísicos a favor da existência de deus caso lhes fosse apresentado um que considerassem válido. Evidentemente diante disso a atitude científica seria verificar que as conseqüências necessárias desses argumentos de fato se observam (e se não fossem observadas seria razoável concluir que existe um equívoco em algum lugar), mas tais argumentos não seriam rejeitados por princípio, só por não serem “evidências empíricas”. Apenas eles não existem. Claro, se apesar de não haver um argumento lógico sólido desde primeiros princípios alguma observação prática revolucionária fosse feita – e aí entra a parte do meu texto que foi citada – então mesmo assim isso seria um motivo forte para rever a posição ateísta. Mas absolutamente não é o caso de que tais observações sejam necessárias como pré-requisito para a idéia ser considerada seriamente.

Além disso, o ateísmo também não está filosoficamente fundado ou associado nenhuma forma à mecânica clássica como quer fazer crer o autor do texto. Para começar, se quisermos construir o argumento de que a ciência avançada caminha no sentido de desvendar um mundo real que está vastamente distante dos sentidos e que absolutamente não é acessível, mesmo com muito boa vontade, diretamente através de observações “empíricas”, eu não só *concordo* com isso, como não é preciso chegar à mecânica quântica para encontrar exemplos. A presença de hélio no sol, a existência de átomos com núcleos e elétrons, a verdadeira natureza das estrelas como objetos concretos brilhantes a grandes distâncias, a evolução das espécies, a gravitação universal, a verdadeira natureza da luz como oscilação de campos elétricos e magnéticos, tudo isso foi atingido pela mecânica clássica e está muito, muito distante do que se pode chamar exatamente de “empírico”. Claro, observações empíricas foram necessárias para se chegar às teorias correspondentes, mas as teorias vastamente superam as observações e falam sobre a estrutura do real de formas que transcendem imensamente o que é diretamente observável. O que possivelmente a mecânica quântica traz de filosoficamente novo é embaralhar significativamente o conceito de nexo causal, mas isso de forma alguma é impeditivo seja para o empirismo seja para o ateísmo.

Enfim, é simplesmente falso que “um dos principais argumentos do ateísmo” seja o empirismo, ou que a transição de ciência clássica para ciência moderna tenha causado (ou sido forçada por) um abandono do empirisimo, ou que a mecânica quântica ou a ciência moderna de modo geral apresente qualquer problema para o ateísmo. Inclusive é muito irônico e até constrangedor que o autor venha acusar os ATEUS de antropocentrismo enquanto a maior parte das religiões é que defende que o ser humano seja filosoficamente, cosmicamente, metafisicamente algo de profunda relevância para o universo, quiçá o propósito mesmo da sua existência.

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Para recompensar os leitores que tiveram a paciência de chegar até aqui, alguns links divertidos :

Things Atheist Didn’t Do

Still More Things Atheists Didn’t Do

Things Atheists Didn’t Do In 2009 (Part 1)

Things Atheists Didn’t Do In 2009 (Part 2)

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Amor e Medo .././2010/05/21/amor-e-medo/ .././2010/05/21/amor-e-medo/#comments Fri, 21 May 2010 19:36:12 +0000 Sergio de Biasi .././?p=1980 No dia seguinte ao natal de 1862, mais de 40 mil soldados americanos receberam ordens de avançar,  em direção a uma formação de aproximadamente outros 40 mil soldados… também americanos, que estavam na cidade de Murfreesboro, Tennessee. Foi um dos momentos mais importantes da guerra civil americana, e a ordem pouco usual de iniciar uma ofensiva durante o inverno partira diretamente de Abraham Lincoln, que estava profundamente frustrado com a hesitação de seus generais em avançarem decisivamente contra as forças confederadas e desejava resultados concretos para uma campanha que a seu ver já havia se alongado muito mais do que seria estrategicamente apropriado.


Yankee Doodle

As forças confederadas estavam plenamente cientes do avanço do exército inimigo e, não tendo qualquer intenção de ceder terreno, tomaram posições defensivas para a batalha. Os dois exércitos se encontraram em 30 de dezembro de 1862, quando as forças do norte, estacionadas em alguns pontos a menos de um quilômetro do exército confederado, cessaram seu avanço e iniciaram os preparativos para uma grande ofensiva no dia que se seguiria.


I Wish I Was In Dixie

Todos os soldados ali presentes sabiam precisamente o que se seguiria. Ou melhor, sabiam que haveria uma batalha; absolutamente não sabiam qual seria o resultado, quem venceria, se ainda estariam vivos ao fim do próximo dia ou se jamais veriam novamente seus lares, suas esposas, seus filhos, seus pais, se jamais retornariam à cidade onde haviam nascido. Tanto quanto sabiam, sua vida poderia acabar ali, seus corpos pisoteados, abandonados, esquecidos  e enterrados numa vala.

Caiu a noite e como muitas vezes ocorria em situações similares, ambos os lados começaram a se preparar não apenas logisticamente mas também psicologicamente para a batalha. As bandas de cada exército começaram a tocar hinos e marchas exaltando o patriotismo e o caráter regional de cada exército. Eles estavam tão próximos, porém, que as bandas podiam ouvir claramente umas às outras, e começaram a competir entre si. Uma banda do exército do norte, por exemplo, tocaria Yankee Doodle, ao que uma banda do sul responderia em seguida com Dixie. Isso se prolongou por vários turnos, até que em um dado momento, uma das bandas começou a tocar Home, Sweet Home.


Home, Sweet Home

Agora vejam, esta música era popular em ambos os exércitos e não exaltava nenhum dos dois lados. Ao invés disso, falava do significado do lar, da terra natal, e de estar entre  as pessoas que você ama :

Mid Pleasures and palaces though I may roam,
Be it ever so humble, there’s no place like home;
A charm from the sky seems to hallow us there,
Which, seek through the world, is never met with elsewhere. Home.

Diante disso, as bandas do lado oposto começaram a se juntar à mesma canção, e os soldados de ambos os exércitos, prestes a se assassinarem mutuamente, começaram todos a emocionadamente cantar juntos. Em pouco tempo, estavam unidos pelos exatos mesmos sentimentos de saudade, fraternidade e humanidade, pelos mesmos sentimentos de amor por tudo o que prezavam e de medo diante de tudo o que estava por vir. Uma união insustentável, numa situação insustentável, um momento surreal de encontro no qual todas as profundas raízes, crenças e desejos comuns entre ambos os lados nesta luta fratricida foram trazidos à tona. Cantando juntos no meio da noite quase puderam esquecer que o tempo passava inexoravelmente e que ao amanhecer tudo seria diferente. Ao longo da noite, pouco a pouco as bandas foram parando até reinar o silêncio.


Home, Sweet Home

No dia seguinte, milhares de soldados morreram numa que foi uma das batalhas mais sangrentas de uma guerra que ainda se prolongou por mais dois longos anos.

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