Banca de jornal politicamente incorreta no JFK
Toda vez que vou ao terminal 8 do JFK sinto vontade de escrever sobre uma banca de jornal que lá existe e que inocentemente divide suas revistas em “men’s interests” e “women’s interests”. Eis que finalmente o faço, e para colocar o leitor a par do que estou falando, convido a um exame mais detido da foto acima (clique aqui para uma versão em alta resolução).
Antes de qualquer elaboração crítica, tomada de posição ideológica, desconstrução sociológica ou análise semiótica, comecemos por simplesmente examinar tão objetivamente quanto possível o que ali está. Quais são os assuntos considerados “interesses de homem” e quais são os considerados “interesses de mulher”?
Em ordem de prioridade, interesses de homem, como percebidos pelo gerente da banca :
- Mulher pelada pseudo-chique
- Mulher pelada nao tão chique
- Mais mulher pelada que nunca é demais
- Praia
- Futebol
- Pescar
- Ficar em forma e com saúde
- Ficar em forma e musculoso. Tenha ótimo sexo esta noite.
- Finanças
- Ser preto
- Guerra
- Terrorismo
- Finanças e Política Internacional (Brasil na capa!)
- Crise econômica
- Baseball
- Reflexões sociológico-existenciais
- Finanças e crise econômica
- Educação superior
- Finanças
- Mais finanças
- Ainda mais finanças
- Reflexões sociológico-existenciais (de novo)
- Carros caros
- Ficar em forma
- Carros esporte
- Turismo
- Ir pro meio do mato com uma mochila e um canivete
- Golfe
- Mais golfe
- Carros inacreditáveis
Contraste-se com isso, em ordem de prioridade, interesses de mulher, como percebidos pelo gerente da banca :
- Sapatos. Aparência. Onde comprar coisas com desconto.
- Decoração e como preparar um jantar ou dar uma festa.
- Receitas culinárias e onde comprar coisas com desconto.
- Moda.
- “Saúde” (entre aspas porque, convenhamos, “como consertar um metabolismo quebrado?”)
- Ficar em forma, emagrecer.
- Saúde, emagrecer, emagrecer, emagrecer!
- Emagrecer. Comida. Emagrecer. Comida.
- Casar. Ser noiva. Vestido de noiva. Buquê de noiva. Noivas.
- Fofocas. Meu casamento de sonhos.
- Como cuidar da casa. Como compras coisas com desconto.
- Ser preta.
- Ser preta.
- O que mulheres casadas felizes não devem fazer. Como cuidar da sua aparência seja qual for sua idade.
- Fofocas sobre pessoas famosas.
- Mais fofocas sobre pessoas famosas.
- Ficar em forma, emagrecer (de novo).
- Ainda mais fofocas sobre pessoas famosas.
- Ainda mais fofocas sobre pessoas famosas que nunca é demais.
- Aparência. Moda. “Sexo e amor”. Como parece mais sexy.
- Sapatos. Bolsas. Moda. Aparência.
- Bolsas baratas. Aparência. “Como mudar sua vida.”
- Aparência. Como cuidar da sua beleza sem gastar dinheiro.
- Como cuidas da sua pele. Como cuidar da sua aparência sem gastar dinheiro. Como fazer seu cabelo parecer sexy.
- Produtos de beleza. Cabelo.
- Beleza. Ficar em forma.
- Ficar em forma, emagrecer.
- Aparência.
- Ficar em forma. Emagrecer. Dieta para melhorar sua vida sexual.
Certo. Agora, vamos pensar sobre o que isso significa.
Para começar, eu gostaria de observar que com alta probabilidade o gerente da banca não tem qualquer intenção ou mesmo interesse em usar de sua classificação das revistas como instrumento de propaganda, lavagem cerebral ou opressão ideológica. Me parece bem mais razoável supor que quase – ou totalmente – ingenuamente ele buscava facilitar a homens e mulheres mais rapidamente encontrarem o que procuram. Então desliguemos a hipocrisia e os muxoxos afetando indignação e consideremos se tem algo de realmente incorreto com essa avaliação, ou se o que realmente nos incomoda – para quem essa foto incomoda – é essa de fato ser a realidade.
Sinceramente, quais as chances de um homem comprar uma Marie Claire? E quais as chances de uma mulher comprar uma Golf Digest?
Note-se, a disparidade não termina na seleção feita pelo gerente da banca. Os editores das revistas também sabem qual e seu público e selecionam o conteúdo de acordo. Então ao olharmos para essa cena o que realmente nos incomoda é o desconfortável abismo que existe entre os desejos, aspirações, sonhos e objetivos de homens e mulheres. Queríamos que isso fosse diferente, que não fosse assim, que pudéssemos olhar juntos na mesma direção, porque de certa forma queremos coisas um do outro. Queremos que nossos desejos sejam complementares ou pelo menos compatíveis. Mas ao mesmo tempo em que queremos coisas um do outro, as coisas que tentamos oferecer em troca não são as que o outro quer. É como entrar no açogue e tentar comprar um quilo de carne pagando com um saco de arruelas enferrujadas. E então o açogueiro responder que não tem qualquer interesse em arruelas enferrujadas e que aliás a carne não está à venda mas se você lhe der seu braço direito ele te fornecerá fotos de cachorros fofinhos. E então você dizer “Não, não, não tenho qualquer interesse em foto de cachorros fofinhos, me dê então aqueles pregos tortos ali no canto.” O diálogo é surreal e bizarro porque os interesses e necessidades de um são completamente alienígenas para o outro. As coisas que o outro quer de nós, não é que não esteja em nosso poder oferecer, mas nos confunde que o outro dê tanto importância ao que consideramos banal, e diminuta importância ao que consideramos essencial.
Entre várias observações que eu poderia fazer sobre as capas das revistas, note-se o seguinte padrão nos interesses listados acima. As mulheres fazem um esforço enorme para serem desejadas, para parecerem sexy, para cuidarem de sua aparência, para serem socialmente aptas, para se casarem, para basicamente fazerem tudo que possivelmente terá como resultado previsível… ter um homem, provavelmente vários, querendo muito ter sexo com elas. Por outro lado e paradoxalmente, não demonstram nem remotamente a mesma quantidade de disposição a (ou evidência de) reciprocar esse interesse e desejo. Então elas gastam um esforço enorme e grande parte de seu tempo, dinheiro e preocupação em serem atraentes, e em grande parte e primordialmente através de sua aparência… quando nem sequer está listado entre seus interesses e considerações prioritárias efetivamente ter sexo. Por que alguém faria isso tudo, se não for para efetivamente ter sexo? O leitor pode tirar suas próprias conclusões.
Agora, antes que me acusem de ser sexista, vejamos o lado masculino. Os homens, por outro lado, querem gastar quase zero de tempo e esforço em cuidar de sua aparência, em serem socialmente aptos, em serem atraentes, em ficar tentando entender o que poderia tornar sua imagem mais sexy. E ao mesmo tempo, seu primeiro e mais prioritário interesse é ter acesso a sexo. Agora me digam, como e em que termos pretendem ter acesso a sexo com essa atitude? O leitor pode tirar suas próprias conclusões.
Então em resumo, na capa de uma revista feminina a manchete é algo do tipo “como parecer sexy”, isto é, como fazer com que um homem queira ter sexo com você (mas de fato ter sexo é uma consideração decididamente secundária, e possivelmente nem sequer o ponto ou objetivo). Enquanto isso, na capa de uma revista masculina a manchete é algo (literalmente) do tipo “como ter sexo hoje, esta noite”, isto é, como fazer para de fato ter sexo com uma mulher (mas ela sequer estar atraída por você é uma consideração decididamente secundária, e possivelmente nem sequer o ponto ou objetivo). A diferença de paradigma é brutal. Mas em comum há que ambas as estratégias parecem absolutamente alucinadas, incompreensíveis e revoltantemente autocentradas.
Aliás, nas capas de revistas “para mulheres” há… mulheres. E nas capas de revistas para homens há… homens. Quer dizer, com a notável exceção das revistas eróticas para homens, as quais são tão socialmente inaceitáveis que precisam ser escondidas… embora figurem antes de todos os outros interesses. Então é assim, as mulheres não têm nenhum interesse no que os homens pensam ou em fazê-los felizes… mas querem ser desejadas por eles. E os homens não têm nenhum interesse no que as mulheres pensam ou em fazê-las felizes… mas querem ter acesso sexual a elas. Note-se, a maior parte dos artigos e manchetes, para ambos os sexos, não são do tipo “como posso fazer uma mulher feliz” ou “como posso fazer um homem feliz” e sim universalmente “como faço para conseguir o que eu quero”. Então embora ambos os gêneros tendam a ter em suas mãos as ferramentas para atender às necessidades biológicas, psicológicas, emocionais e afetivas um do outro, esse enorme potencial de satisfação mútua permanece em grande parte inexplorado, fechado a cadeado por uma atitude egoísta, perdedora e miópica de “apenas as minhas necessidade importam”.
Evidentemente estou aqui falando de tendências e médias, e pessoas reais desviam disso em diversos graus.
Mas como tendência, o homem médio provê serviços afetivos absolutamente medíocres às suas parceiras. Age de forma quase autista e não faz qualquer esboço de tentativa de aprender como agradá-las emocionalmente, ou mesmo de entender quais são as suas necessidades; em geral, inclusive, legítimas e profundas necessidades psicológicas de suas parceiras são tratadas como inconvenientes a serem tanto quanto possível contornados ou ignorados.
Da mesma forma, a mulher média provê serviços sexuais absolutamente medíocres aos seus parceiros. Não faz qualquer esboço de tentativa de aprender como agradá-lo na cama, ou mesmo de entender quais são as suas necessidades; em geral, inclusive, legítimas e profundas necessidades psicológicas de seus parceiros são tratadas como inconvenientes a serem tanto quanto possível contornados ou ignorados.
Triste forma dos gêneros se relacionarem, um com a chave da felicidade do outro na mão mas incapaz de libertá-la, enquanto tenta agressivamente tomá-la das mãos do outro.
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Um comentário adicional que eu gostaria de fazer é como a mulher média não ter a menor noção, não tem a mais remota idéia, não tem a sombra de um vestígio de um vapor de um sopro de uma pista de quão diferente é sua experiência social da de um homem.
A mulher média, bastando para isso não ser grotescamente repulsiva, rotineiramente desperta o interesse sexual / emocional /afetivo / psicológico de uma boa fração dos homens que encontra. Se for um pouco acima da média, de quase todos. Mas para despertar de pelo menos alguns, na maior parte dos casos, basta exclusivamente ser mulher. Basta ser mulher e entrar num ambiente, e pelo menos alguns homens estarão instantaneamente receptivos e interessados. Na verdade não precisa sequer entrar num ambiente – basta ter nome de mulher e já passa a usufruir imediatamente de suas arquetípicas prerrogativas femininas ao interagir com homens, mesmo que virtualmente. A mulher média conhece – mesmo que não se dê conta do quanto – o sentimento de ser rotineiramentem, diariamente, gratuitamente desejada. Talvez ela não tenha na maioria dos casos qualquer interesse recíproco, e talvez em casos acima da média isso se torne até mesmo inconveniente. Mas o fato é que a mulher média vive num constante ruído de fundo de ser desejada como mulher. Simplesmente está lá, e é para ela uma parte tão integral do universo que nem se dá mais atenção, ou nunca chegou sequer a ser explicitamente percebido como algo que poderia não estar lá.
Já para um homem médio, ser desejado é uma experiência longe de cotidiana, trivial ou descartável. Pouquíssimos são os homens que ocupam a posição de serem automaticamente, gratuitamente, diariamente desejados ao interagirem socialmente. A mulher média provavelmente ficaria muito chocada e surpresa se pudesse ser colocada no papel social de um homem e então experimentar diretamente quão radicalmente diversa é a posição masculina. A quantidade de frustração sexual / social / afetiva que o homem médio tem que aprender a administrar é muitíssimo além do que a quase totalidade das mulheres remotamente pode imaginar.
O efeito que essa disparidade de experiências tem sobre a psique de ambos os sexos, assim como sobre a interação entre eles, é imenso.