Os Ninjas da Hipocrisia

March 18th, 2009 by Sergio de Biasi

A Mosca Azul faz o segunte comentário sobre este meu texto :

Um católico não tem de “seguir dogmas” tal qual um manual de etiqueta ou de bom comportamento; o crente, porém, deve crer neles incontornavelmente, na doutrina teológica. Se não acredita, está fora. Isso em nada é similar aos argumentos sobre práxis política que o Sergio apontou.

O formato do argumento parece ser então mais ou menos o seguinte : não podemos criticar a instituição igreja católica por atos reprováveis praticados por católicos porque ela não requer realmente que os católicos façam qualquer coisa boa, apenas que acreditem sinceramente em uma certa quantidade de dogmas inacreditáveis.

Isso levanta um aspecto de fato muito fundamental na fé católica : o importante, o essencial não é fazer coisa alguma, e sim “acreditar”. Isso permeia toda a personalidade do catolicismo e explica muitas coisas quando compreendido.

Coerentemente, o Pedro, em um texto recente, observa que ao contrário do que ocorre no direito civil, “não pode haver excomunhão para quem desconhece a pena de excomunhão para determinado ato”. Ou seja o importante *mesmo* não é fazer a coisa certa, é obedecer, é subjugar seu julgamento pessoal à autoridade eclesiástica. Não existe pecado maior do que ouvir uma ordem e ter a ousadia de conscientemente contrariá-la. Tudo o mais pode ser “desculpado” na confissão no domingo.

24 Responses to “Os Ninjas da Hipocrisia”

  1. Felipe S. says:

    “Isso levanta um aspecto de fato muito fundamental na fé católica : o importante, o essencial não é fazer coisa alguma, e sim “acreditar”

    voce esta completamente errado nisso. Isso prova seu total desconhecimento sobre o assunto que quer tratar.

  2. André says:

    Caro Sérgio,

    Na minha opinião, você tem um problema de percepção quanto à realidade da religião católica. Talvez devido à importância que você dá ao materialismo.

    Tendo isto em mente, acredito que o meu comentário pode acabar sendo inútil no objetivo de esclarecê-lo, mas mesmo assim vou tentar.

    Ao contrário do que você escreveu, para os católicos, não é verdade que “fazer de fato coisas boas é nominalmente recomendado mas não essencial”. Os católicos, em primeiro lugar, acreditam em Deus e em sua onisciência. Temem, portanto, não apenas os julgamentos humanos, mas principalmente o julgamento divino, o qual será substancialmente diferente do anterior, pelo fato de que Deus julgará nossas mais íntimas intenções. Isso inclui as intenções de arrependimento.

    Aí entra o absurdo das suas considerações: para você, alguém pode passar a vida inteira estuprando mulheres e se confessando no domingo seguinte para, ao morrer, encontrar-se com Deus. Ora, esse pensamento é pueril e absurdo, pois é impossível pensar que uma pessoa dessas DE FATO se arrependa dos pecados a cada confissão dominical. O arrependimento, este sim, seria apenas nominal, mas quem sabe disso é apenas Deus, que julgará corretamente no tempo adequado.

    Claro está que, para um ateu, isso não faz sentido, pois ao pôr de lado a onisciência a parte materialista que sobra fica mesmo incompreensível.

    Porém, para um católico, incompreensível é não crer em um Deus onisciente.

  3. Carlos Eduardo Chies says:

    Caro Sérgio,

    Perdi algumas horas lendo seus textos e escrevi uma longa resposta; até que li isso:

    “As religiões em geral são danosas ao caráter, mas a católica bate alguns recordes. ”

    e isso:

    “Claro que separadamente disso tudo, a idéia de deus, em particular o deus católico, é em si mesma completamente incoerente, ilógica, contrária às evidências, à inteligência e ao senso comum, e perversa e esquizofrenizante.”

    O que se traduzem como:

    1 – todo o católico tem caráter diminuido; ao contrário tu deves ter um carater, pelo menos, melhorzinho;
    2 – todo o religioso – em especial os católicos – é esquizofrênico, anti-bom-senso, etc;

    Em suma todo o religioso é um idiota.

    Ou seja, sua máscara caiu. Posso te imaginar da frente do computador, do alto do altar da lógica e do bom-senso babando de raiva dos idiotas com caráter defeituoso. E não vejo o motivo de perder tempo tentando dialogar com alguém que tem um desprezo tão grande por uma certa atitude – que certas vezes é escolhida depois de anos de estudo – em relação a vida.

    Mesmo na hipótese de que tu estejas certo, i.e., tenha uma apreensão da realidade melhor que a dos religiosos, chamá-los de esquizofrênicos é, no mínimo, mal-educado.

    Se ser religioso é ser como o Pedro, e ser esclarecido é ser como tu; fico com o Pedro e não abro; no final, ele é muito mais tolerante que tu.

    E nem precisa se dignar a responder, pois este leitor aqui, tu perdeste.

    Fui.

  4. [...] 19, 2009 in outros, religião Novo post do Sergio de Biasi, mais improcedências. Vamos nós. Contextualizando, eu disse que: Um católico [...]

  5. A Mosca Azul comenta entre outras coisas que

    o erro principal não está aí, claro, está no mero fato que dogmas são afirmações da Igreja para uma adesão de fé, irrevogável para qualquer de seus membros.

    Para começar, dizer que a tal adesão de fé é obrigatória e irrevogável não conserta nada. É como dizer que “proibimos os assaltos então eles não mais existem”. Repito e sustento que uma fração substancial dos que se anunciam como católicos, dos que são reconhecidos pela igreja católica como católicos, dos que constituem oficialmente parte da igreja católica atual como padres, monges, freiras, bispos, etc desconhecem e/ou contrariam em seu discurso e convicções (não apenas em atos) frontalmente os dogmas receitados por Roma. Aliás ainda bem.

    Mas esse nem era o meu ponto principal. Meu argumento era precisamente que essa tal adesão de fé é imensamente mais importante na teologia católica do que efetivamente fazer qualquer coisa boa pelos outros. Admoestações a agir de forma decente são reduzidas a meras e desimportantes

    recomendações para hábitos carolas no dia-a-dia.

    Isso ilustra perfeitamente bem o que venho dizendo.

    Tendo dito isso, o argumento está começando a andar em círculos e acho que o que havia para ser dito nesta direção já foi exaustivamente colocado. Que o leitor tire suas conclusões.

  6. Ulisses says:

    Sérgio,

    Também discordo completamente quando você diz que as religiões em geral são danosas ao caráter.

    Se entendi bem você conclui isso (resumindo) porque se ser fiel é mais importante do que ser bom, então de que adianta uma vida de boas atitudes ?

    Não conheço a religião católica profundamente, mas sei que boa parte dos seus fundamentos são oriundos da bíblia, que do pouco que conheço ensina uma vida de retidão, de amor e boas obras. Coisas que Deus ensinou. Como ser fiel a Ele sem seguir seus ensinamentos ?

    De qualquer forma você citou tantos pontos polêmicos, alguns com propriedade, outros não, que seria necessário um bom texto para argumentar (e alguém mais conhecedor do que eu).

    E como argumentar coisas entre quem acredita e quem não acredita ?

    Como defender a religião católica ou qualquer outra, dirigida por pessoas que não são imunes ao erro ?

    Bom, na verdade só estou refletindo em voz alta…

    Abraço,

  7. finito « says:

    [...] 19, 2009 in religião Assunto encerrado por parte do Sergio. Minha conversa com ele foi mais ou menos [...]

  8. André says:

    Sérgio, considere esta sua frase: “nosso melhor e mais perfeito amor está reservado para deus [o que] leva na prática a desconsiderarmos o bem estar real de pessoas reais em nome de uma fidelidade despersonificanete a uma entidade inacreditável e imaginária.”

    Primeiro, é sua opinião particular que Deus seja inacreditável e imaginário: nem você nem ninguém tem provas disso.

    Segundo, mas não menos importante: você novamente inverte a realidade ao dizer que o catolicismo “leva na prática a desconsiderarmos o bem estar real de pessoas reais”.

    É justamente por amar a Deus sobre todas as coisas que os católicos amam o próximo. A idéia é essa: já que Deus ama a todos os seres humanos, eu não posso amá-lo e ao mesmo tempo odiar quem ele ama; tenho eu também que amar a todos os seres humanos, ou não sou sincero no meu amor a Deus, apenas penso que sim.

    São justamente os ateus que não tem motivo NENHUM para se preocuparem com “o bem estar real de pessoas reais”. O que leva um ateu a essa situação? Desculpe-me, mas a única explicação seriam segundas intenções em favor próprio, secretas ou mesmo declaradas.

    Só um crente em Deus pode amar outro ser humano e dizer claramente por que o faz: por amor a Deus. Um ateu não pode dar nenhuma explicação razoável para amar um ser humano que ele nem conhece!

    E agora vem o mais gritante: Jesus mandou amar a todos os seres humanos, PRINCIPALMENTE nossos inimigos. Como um ateu poderia justificar o amor a um seu inimigo?

    Não me entenda mal: minha intenção é apenas mostrar pontos em que, a meu ver, você inverte a realidade para justificar suas críticas. Acho que qualquer um pode fazer críticas sem precisar mascarar a realidade.

    Saudações,
    André

  9. A Mosca Azul, carregada de soberba, proclama que eu nem sequer saberia o significado dos termos que uso, e que teria ignorado os seus “argumentos” ou “correções”.

    Discordo absolutamente, e a meu ver usei o termo “dogma” e outros de forma perfeitamente apropriada e correta.

    Claro que mesmo assim eu estar falando bobagem nunca é uma impossibilidade lógica, mas não me pareceu que qualquer “argumento” novo tivesse sido colocado, e que eu já havia respondido (na minha opinião de forma perfeitamente própria, na opinião da Mosca Azul equivocada) aos “argumentos” apresentados. Começavamos a simplesmente nos repetir. E do jeito que estava (está) indo, me pareceu que dificilmente essa linha de conversação levaria a algo novo.

    Sendo que adicionalmente não me parece que a Mosca Azul tenha respondido a quaisquer das *minhas* colocações. Não que tenha qualquer obrigação de fazê-lo, naturalmente.

  10. Diogo Chiuso says:

    “Um aborto é uma catarse; junto com ele, você purga o terror de que a sua vida tenha de ser vivida em função de alguém e não de você mesmo.“

    Por favor, Sérgio, faça um exercício ficcional e aplique este conceito a vossa humilde e intelectual vida. Imagine lá tua linda mãezinha tomando este teu conceito desprovido de qualquer sentido empírico, e você deixando de existir para se tornar este magnífico ser humano que você é. A contrariedade do aborto foi um dia a defesa da tua própria vida.

    Mas continuemos: faça aí uma pesquisa científica com os pais de filhos não-planejados e veja se isso confirma esta tua “teoria do expurgo e da catarse”… tenha dó, Sérgio, você não é nenhum boboca para escrever coisas deste tipo. Partir da idéia de que ter um filho é abdicar da própria vida é um dos argumentos mais idiotas que alguém pode usar para justificar um aborto.

    Já quanto à Religião (que é o caminho tomado pelo assunto tratado no post), se você não entende como uma pessoa pode acreditar em Deus ou pautar-se por uma Religião – que é uma coisa medonha e totalmente desprovida de razão e moralidade, não é? – por favor, aponte uma só civilização que não tenha se edificado mediante a idéia da existência de Deus (ou Deuses).

    Veja que até o mundo moderno, que se esforça ao máximo para expurgar a idéia religiosa, apoia-se num conceito de divindade estatal.

  11. Diogo Chiuso says:

    errr… Sérgio. Cometi um equívoco, por isso releve o meu último comentário. Se quiser apagá-lo, sinta-se à vontade (assim como este!).

    Isso é o que dá se meter na discussão alheia chegando atrasado e perdendo o início das exposições.

    Desculpe-me!

  12. Ricardo says:

    Caro Sr. Sérgio,

    Francamente, creio que sua consciência desta vez entrou em algum tipo de colapso:

    “Eu poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas.”

    Dirá você que queria dizer, mais não disse o que disse, só usou de uma comparação absurda e sem fundamento para mostrar o absurdo argumento sem fundamento dos católicos.

    Pera lá Sr Sabe-Tudo! Quer dizer então que os romanos ou egipcios, ou os gregos fundaram suas civilações chapados ou nestas civilizações houve uso de drogas? E não me venha dizer que não quis dizer isso, pretensos sofismas ou malabarismos intelectuais já não convencem. Que diabos de civilação drogada ou que permitiu uso de drogas foi essa? A civilização dos hippies? Bom..eu já apontei três, gostaria de saber que tipo de drogas os romanos, os egipcios e os gregos costumavam a usar? Ah.. bebidas ou plantas medicinais naõ valem tá?

    E tem ainda os medievais católicos..quatro!

    E é preciso não um ninja, mais talvez um super-samurai como o Sr. Sérgio para cortar a pobreza à espadas. O Sr Sérgio com estes argumentos do outro mundo parece acreditar na utopia marxista, e eu digo parece, ok? Será que um douto ateu como o Sr Sérgio acredita no mito milenarista de que o igualitarismo é possivel? Ah, não. Afinal para um ateu nada pode ser plenamente bom, só meio bom, a igualdade nunca será possivel com estes ninjas católicos por perto. Ele evidentemente naõ quis dizer o que disse. Fica a consciência individual do Sr. Sérgio registrada em um blogue para convencer ninguém a aderir as suas ideías meio igualitárias, e fica a pobreza.. contra a vontade em cima do muro do Sr. Sérgio.

    Aponte o Sr. Sérgio se alguma civilação que perceber sua ordem sendo ameaçada ou de fato, estiver sendo atacada, se ficará de braços cruzados? Creio que o Sr. Sérgio também não quis dizer o que disse, afinal de contas, ele apenas conceituou a guerra como se os dois (ou três, quatro e etc) paises inimigos naõ tivessem razão para se defenderem ou atacarem. Ah.. mais as guerras matam pessoas inocentes e é contra os direitos humanos da ONU. Sim, as guerras matam pessoas inocentes, mas o aborto não, naõ é Sr. Sérgio? Imagina..ele não quis dizer isso. Sim, as guerras são contra alguns direitos humanos, de certa forma, mas o aborto nunca. Não é? Então viva os direitos humanos de quem estão livres dos ventres das mães. Talvez se o Sr. sérgio fosse contemplado com este direito contra sua existência, ele naõ poderia estar se lamentando agora contra os ninjas hipócritas. Ainda bem que sua mãe não cumpriu esse direito da mulher Sr. Sérgio. Sua mãe seguiu a ideologia destes ninjas retrógados. E o senhor está aí..vivo.

    Com a palavra, se quiser, o Sr. Sérgio….

  13. [...] O Indivíduo Porque só o indivíduo tem consciência « Os Ninjas da Hipocrisia [...]

  14. Pedro Sakaguchi says:

    “Não existe pecado maior do que ouvir uma ordem e ter a ousadia de conscientemente contrariá-la. Tudo o mais pode ser “desculpado” na confissão no domingo”.

    Sim, por conta disso o pecado de Lúcifer é exatamente NON SERVIAM.

  15. carlos says:

    realmente religioes sao todas ilusorias, mas sao uteis para controlar povos. o ideal seria construir novas religioes,com menos maldades e mais bom senso.

  16. Caro Felipe,

    Para começar, isto não foi uma refutação de nada do que eu tenha dito.

    Em segundo lugar, eu não espero que os católicos concordem com essa minha avaliação. Se concordassem, mudariam a fé católica ou deixariam de sê-lo. E ser católico já exige para começar uma baita suspensão do senso crítico, então não acho isso muito provável.

    Note, estou falando sobre o que de fato ocorre, não sobre o entendimento ou auto-percepção católicos do que ocorre. Estes estão usualmente dessincronizados da realidade, e isso não é por acaso. Uma das formas de testar se alguém subjugou e submeteu o senso crítico ao seu controle e não apenas concordou com você é exigir que professe acreditar em coisas inacreditáveis por você prescritas.

    Agora veja, segundo a fé católica, um ser humano que tenha sido digno e íntegro toda a sua vida e realizado grandes atos de bondade e auto-sacrifício para auxiliar os outros e tenha morrido amado por todos e em paz com o mundo irá diretamente para o fogo do inferno se nunca tiver sido batizado e negar expressamente a existência de deus e a verdade dos dogmas católicos. Por outro lado, um estuprador malévolo que tenha passado a sua vida causando dor e sofrimento a todos que o rodeiam e eventualmente morra sem nunca realmente ter mudado seu comportamento mas que tenha sido batizado e nominalmente expressado seu “arrependimento” e desejo de reconciliação com deus recebendo então o sacramento da penitência, este sujeito poderá ingressar no paraíso e ser recompensado por toda a eternidade. Em outras palavras, o único pecado realmente imperdoável é não professar nominalmente acreditar e ter boas intenções. Fazer de fato coisas boas é nominalmente recomendado mas não essencial.

    Finalmente, sobre meu suposto desconhecimento, eu conheço a religião católica, tanto a teoria como a prática, sob uma grande multiplicidade de ângulos, muito mais profundamente do que a esmagadora maioria dos que se dizem católicos. Apenas não sou restrito em meu senso crítico pela obrigante necessidade de concordar com o papa.

    Saudações,
    Sergio

  17. Caro André,

    Agradeço pelos ponderados comentários. Embora discorde profundamente de várias das conclusões que você coloca, acredito que um diálogo civilizado sobre o assunto é muito positivo, e (espero) bom material para reflexão para quem se interessa pelo assunto.

    Prossigamos aos pontos que você levanta.

    Eu não acho que eu tenha um “problema de percepção com a igreja católica”, no sentido de não compreender o que está sendo argumentado, ou o que ela oficialmente defende. É como se um árabe dissesse que eu tenho um “problema de percepção com o islamismo” por eu rejeitar a poligamia com bases humanísticas e seculares, e por isso criticar o islamismo. Ora, eu não estou criticando a igreja católica de acordo com suas própria regras e subordinado à sua concepção de como o universo funciona. Estou indisfarçadamente criticando de fora e a partir de minha própria visão de mundo, que eu até acredito suficientemente bem fundamentada na razão e na realidade, mas da qual naturalmente qualquer um é livre para não compartilhar.

    Quanto a que posição é essa, não tenho um rótulo que a possa descrever de forma abrangente, mesmo porque não sigo (e aliás não acho que ninguém deva seguir) nenhuma escola organizada de pensamento sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar. Mas ressalvada a impossibilidade de resumir tudo o que penso em um rótulo, eu descreveria minha posição como ateísmo científico.

    Dito isso, eu dificilmente descreveria minha atitude em termos de dar “importância ao materialismo”, embora não soe absurdo. Só não sei exatamente o que você pretendia dizer com isso. Se a colocação é genericamente que eu acho que num nível mais fundamental apenas leis físicas naturais e impessoais existem e que não há nenhuma consciência controlando o universo, eu responderia que minha posição é de que tudo indica que sim. Em resumo, somos feitos de átomos, não existe alma, quando morremos cessamos de existir, nossa existência não tem qualquer propósito transcendente.

    Se é isso que você está chamando de materialismo (e seja qual for o nome a posição acima é a que de fato eu tomo) você poderia argumentar que daí decorre a mais completa apatia e vazio existencial. E em termos lógicos eu tenho que concordar. Porém, de forma absolutamente ilógica – aliás como a maioria absoluta dos seres humanos – apesar disso eu busco atingir uma grande quantidade de objetivos concretos e estados mentais aos quais dou importância. Apenas eu não tento explicar tais objetivos como tendo origem externa a mim mesmo, ou como sendo logicamente justificáveis – pelo menos não em sua origem mais fundamental. Naturalmente que para ficar vivo eu preciso por exemplo comer, então comer pode ser de certa forma justificado logicamente se aceitarmos que é razoável querer ficar vivo, mas por que eu quereria permanecer vivo? Essa é uma premissa que a maioria das pessoas está disposta a aceitar sem muitas justificativas como razoável, em geral por compartilhar do sentimento instintivo e irracional que isso é intensamente desejável, mas não existe qualquer motivo lógico para tal.

    Sigamos para a posição dos católicos.

    Você afirma que para os católicos “não é verdade que fazer de fato coisas boas é nominalmente recomendado mas não essencial”. Note, eu não estou dizendo que os católicos *concordariam* que essa seja a posição deles. Estou dizendo que ela é de fato, mesmo que os católicos não reconheçam ou percebam. Inclusive é parte do sistema de crenças a idéia de que não há qualquer inconsistência em recompensar um patife absoluto que se arrependa no último momento enquanto mandamos para o fogo eterno quem nunca fez nada de mal a ninguém mas rejeita deus. Porque rejeitar deus é muito pior e muito mais essencial do que qualquer coisa que possamos fazer a outro ser humano. E nosso melhor e mais perfeito amor está reservado para deus. Essa é uma peça fundamental da teologia católica, e tudo o que você disse em seu comentário é perfeitamente consistente com isso. Para mim, isto é perverso e ruim, e leva na prática a desconsiderarmos o bem estar real de pessoas reais em nome de uma fidelidade despersonificanete a uma entidade inacreditável e imaginária.

    Sobre a situação que eu propus ser absurda, o caso não é se alguém faria isso, mas que *se fizesse*, obteria redenção certamente perante a igreja, e adicionalmente perante deus se fosse sincero. E não é preciso ir muito longe para tornar a situação perfeitamente realista; basta mover a redenção para uma única confissão ao final da vida, como de fato é não apenas acreditável como comum. Deus mandará para o paraíso aqueles que buscarem se reconciliar com ele nos últimos momentos de suas vidas, não interessa quanta miséria tenham criado, enquanto punirá eternamente por sua infidelidade aqueles que voltarem as costas para ele, não interessa o quão generosos e fraternos tenham sido com seus irmãos homens.

    Ou seja, mais uma vez : para os católicos o que importa não é ser bom, é ser fiel a deus. As religiões em geral são danosas ao caráter, mas a católica bate alguns recordes. Nem todas as religiões acreditam que submeter-se ao seu deus seja condição necessária para salvação. Algumas delas têm a posição mais moderada de que você será diretamente recompensado pelos seus “bons” atos e punidos pelos “maus” independentemente de sua afiliação ecumênica, crenças pessoais, ou submissão a qualquer conjunto de dogmas. De forma diametralmente oposta, o único verdadeiro crime na religião católica é o crime de negar deus.

    Claro que separadamente disso tudo, a idéia de deus, em particular o deus católico, é em si mesma completamente incoerente, ilógica, contrária às evidências, à inteligência e ao senso comum, e perversa e esquizofrenizante. Isso além de ser nitidamente, abundantemente, documentadamente arbitrária do ponto de visto histórico e cultural.

    Saudações,
    Sergio

  18. Caro Carlos,

    Lamento que não tenha submetido sua “longa resposta” como comentário, pois provavelmente teria mais conteúdo que sua “curta resposta” na qual você parece expressar basicamente ter ficado ofendido com eu considerar que religião é algo muito, muito ruim, por uma série de motivos com os quais você não é obrigado a concordar.

    Só não vejo onde estaria a tal máscara, visto que eu nunca escondi o que penso sobre o assunto, tendo sido repetidamente explícito sobre o assunto por exemplo aqui, aqui ou ainda aqui.

    Passemos aos pontos que o incomodaram. Sim, eu estou afirmando que acreditar em deus é não só um erro em termos de ser um equívoco quanto ao que é real, mas um erro grave de julgamento que demonstra problemas mais amplos e que tem causas assim como conseqüências morais relevantes.

    Mas veja bem, isso não é mais do que os católicos afirmam sobre aqueles que rejeitam deus. Eles não acham que seja apenas uma diferença de opinião. Eles acham, aliás, eles são forçados a acreditar por força de dogma, que aqueles que rejeitam deus irão para o inferno onde serão torturados por toda a eternidade. Então um católico acha que um ateu que convictamente rejeita deus está em desgraça e está cometendo um colossal erro de julgamento. E que será eternamente punido por isso.

    Eu, pessoalmente, não consigo entender como é que alguém pode acreditar nisso, ou em deus, ou em qualquer uma dessas coisas. Mas evidentemente muitas pessoas cultas e intelectualmente capazes sob outros aspectos acreditam nelas. Eu também não entendo por exemplo como é possível uma pessoa sob outros aspectos sã acreditar digamos que interromper uma gravidez dois dias após a concepção seja homicídio e deva ser juridicamente tratado como tal. Porém para tais pessoas eu, que acredito no exato oposto, sou um defensor do genocídio de crianças indefesas. E isso é dito expressamente em seu discurso. Deveria eu então retrucar que é “mal-educado” me chamar de advogado do genocídio? Afirmar por exemplo que

    Um aborto é uma catarse; junto com ele, você purga o terror de que a sua vida tenha de ser vivida em função de alguém e não de você mesmo.

    é uma acusação moral grave que não apenas condena o ato do aborto em si como coloca para ele uma explicação baseada no mais extremo egoísmo. Eu discordo absolutamente que seja o caso, mas essa posição, deixando os eufemismos de lado, está classificando todos que acham o aborto voluntário admissível de idiotas morais. Deveria então eu agora ficar pessoalmente ofendido e achar a expressão de tal julgamento inaceitável, além das normas do diálogo civilizado? Recusar-me a sequer considerar as idéias e argumentos de quem acredita nisso?

    De fato, louvar a “tolerância” e a “educação” do Pedro ao escrever, supostamente em contraste com minha forma de me colocar, eu acho isso risível, considerando a personalidade e o estilo do Pedro. Por exemplo, sobre o que ele chama de “pessoas esclarecidas” usando o termo “igreja católica” de uma forma que ele considera indevida ele escreve

    Antes eu ficava indignado; a idade só me deixa um bocado curioso, com perguntas do tipo “Farão isso por burrice ou má vontade? Ou os dois?” Já é mesmo o caso de procurar explicações psicológicas.

    sendo que ele está criticando meramente um uso que ele considera errôneo e equivocado de um termo, não algum grande e terrível erro moral. Então quem insiste em usar o termo “igreja católica” de um jeito não aprovado pelo Pedro pode ser chamado de burro e etc, mas alguém que acredita que consegue falar diretamente com o criador do universo não pode ser chamado de esquizofrênico? Quem acredita que o aborto no início da gestação não deve ser um crime pode ser chamado de assassino egoísta mas quem acha que patifes serão preferidos a heróis desde que eventualmente aceitem deus não pode ser descrito como defendendo uma doutrina perversa?

    O que você quer, um debate no qual todos concordam e ninguém nunca se levanta para dizer “olha , eu acho que você está completamente, terrivelmente, insanamente errado”?

    Saudações,
    Sergio

  19. Ulisses,

    Não, essa questão de ser fiel ter precedência sobre todo o resto é só um aspecto, particularmente forte na igreja católica.

    Na verdade o pior de tudo para mim é incentivar as pessoas a abrirem mão de julgarem por si mesmas o que é certo e o que é verdadeiro e pedir a elas que ao invés disse aceitem e defendam precisamente em unanimidade o que é ditado pelas autoridades eclesiásticas. Eu considero que isso deforma o caráter e o intelecto.

    Saudações,
    Sergio

  20. André,

    Esse argumento de que “ninguém pode provar que deus não existe” é logicamente absurdo. Ninguém pode provar que não existam unicórnios rosas invisíveis pulando ao meu redor, nem por isso vou acreditar neles.

    Eu sei qual é o *discurso* dos católicos. Eu conheço muito bem o discurso católico sobre “amar o próximo etc”. Estou criticando o que eles fazem concretamente. Eu também posso dizer que amo o próximo enquanto apedrejo hereges. A prática católica deixa muito a desejar. E não me venham dizer que “oh, você também não é perfeito” que isso não invalida a minha crítica. Eu não ser perfeito não me torna incapaz de usar meu senso crítico. Além disso, eu ter roubado galinhas não me desautoriza a perceber ou repudiar o fato de que Stalin foi um genocida.

    Adicionalmente, eu não acho que isso seja um mero acidente, derivado do fato de que todas as pessoas são imperfeitas mesmo. Eu acho que no caso dos católicos as imperfeições naturais das pessoas são agravadas e amplificadas pela ordem de depositar seus maiores sentimentos de devoção e amor em uma entidade abstrata (e na minha opinião evidentemente imaginária) ao invés de concretamente em outras pessoas.

    No catolicismo o amor aos outros é inferior e teologicamente subordinado a amar a deus, e acho que você não só não vai discordar disso como estruturou seu argumento em torno desse ponto em seu comentário.

    E aí chegamos no centro da questão , que você coloca muito eloqüentemente :

    São justamente os ateus que não tem motivo NENHUM para se preocuparem com “o bem estar real de pessoas reais”. O que leva um ateu a essa situação? Desculpe-me, mas a única explicação seriam segundas intenções em favor próprio, secretas ou mesmo declaradas.

    Só um crente em Deus pode amar outro ser humano e dizer claramente por que o faz: por amor a Deus. Um ateu não pode dar nenhuma explicação razoável para amar um ser humano que ele nem conhece!

    E agora vem o mais gritante: Jesus mandou amar a todos os seres humanos, PRINCIPALMENTE nossos inimigos. Como um ateu poderia justificar o amor a um seu inimigo?

    Pois é *precisamente* isso que estou criticando. Os católicos são pessoas que acham que o amor ao próximo precisa de explicação e justificativa. Não conseguem amar o próximo em si mesmo pelo que ele realmente é, imperfeito e desconhecido. Têm que recorrer a justificativas teológicas ou imposições morais. Não, não há qualquer justificativa lógica para amar verdadeiramente um outro ser humano, ou aos nossos inimigos. E no entanto desde quando o amor precisa de justificativa? Diria eu até que se ele necessita de tal justificativa, se sem essa justificativa esse amor não ocorreria – seja ela “segundas intenções em favor próprio” ou “mais perfeitamente louvar a deus” – então não é verdadeiramente amor ao próximo.

    Minha vontade de permanecer vivo não decorre de nenhuma imposição teológica, eu simplesmente quero intensamente permenecer vivo, por mais ilógico que isso seja. Da mesma forma, meu amor e consideração por outros seres humanos não decorre de nenhuma consideração lógica, ele simplesmente existe. Se eu preciso ser convencido de que matar os outros não é bom, algo já está errado para começar. Não matar os outros por amor a deus não me parece ser uma demonstração nem remotamente boa de amor verdadeiro ao próximo.

    Quando a

    Não me entenda mal: minha intenção é apenas mostrar pontos em que, a meu ver, você inverte a realidade para justificar suas críticas. Acho que qualquer um pode fazer críticas sem precisar mascarar a realidade.

    eu digo o seguinte : ora, são os católicos que precisam de colocar uma máscara de deus na frente do próximo para “conseguir” amá-lo. São os católicos que colocam a realidade de cabeça para baixo e invocam a necessidade tortuosa de amar um ser abstrato imaginário para conseguirem amar (ou melhor, para estabelecerem a necessidade de amar) o que está concretamente na frente de seus olhos.

    Saudações,
    Sergio

  21. Caro Diogo,

    Puxa, pelo contrário, eu prefiro publicar o comentário, dado que o que você disse pode estar equivocado quanto ao autor mas continua sendo uma crítica perfeitamente válida à passagem citada – crítica com a qual eu calho de concordar 100%, aliás precisamente por isso a citei, para ilustrar o tipo de descriçao sobre quem faz aborto com a qual não posso concordar. Como você, não posso concordar que seja defensável pensar assim, e não posso concordar que seja realista que isso seja representativo do que pensa quem aborta.

    Felizmente não fui eu que escrevi isso, e sim o Pedro, como a essa altura acho que você já notou. :-)

    Sobre apontar “uma civilização que não tenha se edificado mediante idéia da existência de deus (ou deuses)”, ora, espero que você não esteja argumentando que por a religião ser um fenômeno mais ou menos universal isso *automaticamente* signifique que seja idéia mediante a qual as civilizações se fundem, ou mesmo que seja uma boa idéia. Eu poderia igualmente dizer : aponte uma civilização que não tenha se edificado sem travar guerras, ou sem pobreza, ou sem usar drogas. A dificuldade de encontrar contra-exemplos (se houver) seria em si mesma no máximo evidência de que tais fenômenos são de alguma forma universais e/ou mais ou menos inevitáveis. Não de que sejam automaticamente desejáveis, bons, ou mesmo idéias estruturantes através dais quais as civilizações se edifiquem, ou necessárias à edificação de civilizações.

    Continua sendo uma pergunta importante afinal de contas *por que* a religião é tão universal. Talvez até seja de fato o caso de que tenha ela algum papel estruturante no desenvolvimento das civilizações, e não apenas na psique das pessoas. Mas novamente, isso não significa automaticamente que religião seja algo bom. No máximo talvez demonstre que ela é parte de uma boa estratégia para estruturar civilizações. Eu até tenho minhas teorias sobre os motivos evolutivos para o surgimento da religião, e tem a ver com o fato de que infelizmente talvez seja muito mais fácil um grupo predominar sobre os outros se todos no grupo estiverem somando esforços na direção de um propósito comum ao invés de mantendo sua independência. Aliás, exatamente como no comunismo mais pragmático que a China está implementando. Mas mesmo que isso seja bem sucedido, num nível mais transcendente não tem nada a ver com a religião ser boa, verdadeira ou desejável.

    E aliás, eu gostaria contra as evidências da presença universal de religião de acreditar que seja possível a humanidade se libertar disso e passar sem religião ou algo equivalente, e que seja possível estruturar civilizações bem sucedidas sem recorrer a submeter em massa as populações a lavagem cerebral, seja ela de natureza religiosa ou não. Infelizmente porém um exército de formigas com algumas pessoas livres para pensar criticamente aqui e ali talvez seja muito mais eficente e eficaz do que um grande aglomerado de pessoas em plena posse de suas faculdades, de sua dignidade, e de sua independência. Espero que não.

    Seja como for, dizer “olha só, religião funciona para estruturar civilizações”, *mesmo* que estabeleçamos que seja verdadeiro, não é o mesmo que dizer “as religiões são verdadeiras” ou “as religiões são moralmente positivas para o ser humano” ou outras coisas desse tipo.

    Saudações,
    Sergio

  22. Ricardo,

    Uma resposta para seu comentário pode ser encontrada em ../.././20/autopsia-de-uma-consciencia-em-colapso/

    Saudações,
    Sergio

  23. realmente religioes sao todas ilusorias, mas sao uteis para controlar povos. o ideal seria construir novas religioes,com menos maldades e mais bom senso.

    Não, o ideal seria não ter religiões nem quaisquer outras ideologias que busquem convencer o indivíduo a tentar abrir mão de inalienável responsabilidade de decidir por si mesmo o que é certo.

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