Polícia Para Quê Precisa?

October 16th, 2002 by Sergio de Biasi

Hoje por acaso eu estava passando lá pelo prédio Kennedy da PUC-Rio para pagar meu estacionamento quando vi que havia um debate público promovido pelos alunos do CCS e parei um pouco para ouvir. Convidado para o debate, estava o Hélio Luz, ex-secretário de segurança pública. O debate, naturalmente, era sobre segurança pública e a um dado momento ele comentou a situação de furtos de automóveis. Vou reproduzir aqui, mais ou menos, as palavras dele, pois me parece que serão de interesse de todos.

Ele disse que em um dado momento, se não me engano por volta de 1996, a situação de furtos de automóveis estava insuportável no Rio de Janeiro. Mas eles conseguiram colocá-la sobre controle. O que fizeram? Extingúiram a delegacia especial de furtos e roubos de automóveis. Isso mesmo. Imediatamente caíram os furtos de automóveis.

Segundo ele, é um jogo de cartas marcadas; a maior causa do aumento de criminalidade, para ele, é a própria polícia inchada e fora de controle. O ladrão de carros, ao invés de ser preso, entra em “acordo” com a polícia, e aí, ao invés de roubar um carro e fazer seu dia, tem que roubar mais três para pagar a polícia e o advogado.

Nas palavras dele, prender ladrão de automóveis é, entre os problemas de segurança pública, um dos mais banais e simples do mundo. A polícia conhece as estatísticas de onde os ladrões atacam, que ruas e locais. Coloca-se uma dupla de detetives para vigiar discretamente. Quando o roubo ocorre, o ladrão é preso na hora e pronto. É um procedimento que não requer qualquer investigação ou treinamento sofisticados. É ir lá e prender : nas palavras dele “É linear, que nem Vovó Viu a Uva, temos Polícia Prende Ladrão. Ponto.” Agora, isso é do ponto de vista técnico, policial. Do ponto de vista político e dado o funcionamento real da polícia do Rio de Janeiro, é bem mais complicado.

Para começar, existem delegados que operam firmas de “recuperação” de carros, ou seja, seu carro é roubado, você paga a eles e seu carro “reaparece”.

Adicionalmente, quando chega lá o tecnocrata bem intencionado e olha as estatísticas de furtos de carros e diz : “ok, manda uma patrulha para a área”, o que é que ocorre grande parte das vezes? O número de furtos AUMENTA ao invés de diminiur. Ele disse que isso é super comum. Por que? Ora, porque aqueles policiais já tem um acordo com os ladrões; na área deles, pode roubar e eles recebem a comissão. Então, na verdade, ao alocar aquela patrulha para lá, você LEVOU os ladrões para lá.

Finalmente, numa visão mais do alto, temos entre outros as seguradoras de automóveis, que fazem enormes contribuições a campanhas políticas de deputados e vereadores, por exemplo. Quando o roubo de carros cai abaixo de um certo nível, fica simplesmente inviável vender seguros. Por que é que alguém vai comprar, se o risco do carro ser roubado é mínimo? Nas cidades pequenas, por exemplo, é muito comum ninguém ter seguros contra roubo de automóvel. E mesmo quem comprar não vai tolerar pagar caro pelo seguro. Resultado: sempre que os roubos de automóveis começam a cair muito, as seguradoras começam a botar uma pressão enorme para mudar a política de segurança pública. Não sou eu quem está dizendo; é alguém que já foi secretário de segurança do Rio de Janeiro.

Segundo ele, o governo do Garotinho fez a pior coisa possível que ele podia ter feito com a polícia do Rio de Janeiro durante os anos em que governou : contratou nada menos que ONZE MIL novos políciais para a PM. Fora o gasto público a que isso corresponde, são onze mil pessoas incorporadas sem o mínimo de treinamento, de preparação, de infraestrutura e principalmente de mecanismos de controle e comando. Resultado : um monte de manés que certamente não estão ali por causa do salário (que é ruim), com o direito de saírem por aí armados e com autoridade para falar em nome “da lei”. Para o Hélio Luz, um efetivo infinitamente menor mas com um comando firme e tolerância zero para a corrupção poderia fazer muito mais pela população. E um mau policial é muito, muito pior do que policial nenhum.

Só posso dizer que assino embaixo. E as pessoas ainda votam na Rosinha, depois de verem os traficantes dando risada…

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