Mais Pássaros Na Neve

February 12th, 2010 by Sergio de Biasi

Está certo, reconheço que estes pássaros são mais feios que os anteriores, mas mesmo assim – é meio surpreendente para mim a variedade de pássaros que simplesmente aparecem andando pelos estacionamentos, pelas praças, em todo lugar onde haja um mínimo de espaço aberto. Essa foto aí é no meio do campus da universidade, entre os prédios.

Enfim, Continuo não tendo a menor idéia do nome ou tipo de nenhum deles. :-)

Pássaros Na Neve

January 14th, 2010 by Sergio de Biasi

Alguém sabe que pássaros são esses?

Aparentemente nem todos os pássaros vão passar o inverno longe. Quero dizer, zoologicamente desinformado que sou, eu entretinha a noção de que os pássaros em geral, dotados de habilidades locomotoras superiores ao mamífero médio, faziam as malas e iam para a Flórida em situações nas quais um pedaço de gelo depositado na calçada lá permanece intacto por semanas.

Porém, aparentemente, não são todos os pássaros que fazem isso (a não ser que estes sejam pássaros canadenses em trânsito por New Jersey). Suponho que seja uma prerrogativa de nossos primos endotérmicos. Mas seu comportamento é muito engraçado no frio. Por algum motivo, especialmente esses aí, ficam completamente parados, especialmente se estiver ventando. Aliás, você já viu um pombo com frio? Eu nunca tinha visto até observar um numa calçada em Nova York todo encolhido numa calçada.

Enfim, em um outro dia que não o da foto acima, eu estava parando meu carro num estacionamento vazio e havia uma grande quantidade desses pássaros aí em cima, só que ao contrário desses aí eles estavam espalhados por uma vasta área a grande distância um dos outros e estaticamente olhando para o infinito. Havia pouco movimento e estava tudo silencioso, a cena era surreal. Quando eu vim com o carro, eles não se mexeram, então eu parei. Então repentinamente todos eles voaram… e pousaram junto do meu carro. Foi bizarro, parecia uma cena de “Os Pássaros“. Eu não entendi nada. Depois fiquei pensando e cogitei que possivelmente junto ao meu carro estava mais quentinho. Nem sei se isso faz sentido, mas não consegui imaginar nada melhor.

Citando Aristóteles

January 11th, 2010 by Sergio de Biasi

Se é pra citar Aristóteles então
citemos logo esse sujeito aí em cima :
Só sei que nada sei.”

Eu gostaria de propor aqui uma lei empírica sobre debates filosóficos labirínticos : a qualidade da argumentação de um cidadão é inversamente proporcional à quantidade de vezes em que o sujeito cita Aristóteles.

Agora note o leitor, nada tenho eu diretamente contra Aristóteles. Ele era um gênio e coisa e tal. Enxergou muito à frente de seu tempo, como Kepler, ou Copérnico, ou Galileu, ou Newton. Aliás, mesmo quando estava citando ou desenvolvendo pensamentos originais de seus predecessores (aliás exatamente como Kepler, ou Copérnico, ou Galileu, ou Newton) ele provavelmente viu mais à frente do seu tempo do que todos esses aí somados.

Porém, para começar, permanece o fato de que muito, muito, muito ocorreu depois de Aristóteles. É absolutamente ridículo falar por exemplo de lógica modernamente num nível mais do que introdutório referindo-se apenas a Aristóteles, assim como é ridículo falar de física modernamente num nível mais do que introdutório referindo-se apenas a Newton. E em assuntos como física e biologia, embora Aristóteles tenha sido um pioneiro que lançou antes e acima de tudo projetos revolucionários sobre como pensar ciência, quase tudo que ele falou está hoje em dia completamente obsoleto e tem interesse meramente histórico.


Also sprach Aristóteles

Mas esse não é o maior problema em citar Aristóteles. O maior problema não é o contexto, e sim a forma como ele é freqüentemente citado, que é com o seguinte subtexto : “Veja bem, Aristóteles dizia isso, então deve ser verdade.”

Esse é um recurso absolutamente tolo à autoridade e não cabe num argumento sério. Não é problema mencionar que Aristóteles dizia algo, mas apresentar isso como argumento mais do que circunstancial (do tipo “olhe só, vale a pena pensar sobre isso”) para tentar estabelecer que algo seja verdade significa sair do reino da ciência, da lógica e da razão e entrar no reino do obscurantismo dogmófilo. Se algo é verdade, é verdade independentemente de Aristóteles ter percebido, e deve ser estabelecido por argumentos que se refiram à realidade, não com base em ele tê-lo enunciado. Afinal, Aristóteles também falava bobagens, como todos nós.

No entanto, isso parece escapar aos citantes em grande parte das vezes em que Aristóteles é mencionado. Ele parece ser um magneto para esse tipo de menção acrítica. Não que Einstein, Darwin e Newton não tenham também revolucionado as ciências e suas idéias servido de fundamento para grande parte do pensamento moderno. Mas parece mais amplamente percebido no caso destes últimos que suas idéias têm mérito não por serem oraculares ou misticamente inspiradas (mesmo que o tenham sido) e sim por corresponderem de alguma forma à realidade de como o universo de fato funciona. Eles não foram profetas e sim cientistas e pensadores. Assim como Aristóteles, e ele provavelmente seria o primeiro a concordar. A verdade, para ser digna deste nome, permanece verdade mesmo quando ninguém a enxerga, e não se torna ou deixa de sê-lo como efeito colateral de quantas ou quão ilustres são as pessoas que foram capazes de fazê-lo.

Liberdades Teóricas

January 11th, 2010 by Sergio de Biasi

Um dos comentários feitos ao meu texto sobre cripto-totalitarismo foi este aqui.

Ao ler a história relatada no link, eu me lembrei mais uma vez de como uma das lições mais vívidas que tirei do episódio original da distribuição do número zero de “O Individuo”  em 1997 foi precisamente uma grande, grande surpresa sobre como eu estava enganado acerca de quanta liberdade de expressão era concretamente reconhecida e aceita como prerrogativa legítima e inalienável por uma instituição como a PUC-Rio. Esse tipo de surpresa se repete em escalas maiores e menores em todo tipo de contexto, e por vezes nos pega completamente desprevenidos, especialmente quando o discurso vigente é nominalmente de liberdade de idéias.

Só que mesmo quando não existe um órgão ou uma política oficial com o objetivo de censurar o pensamento, é absolutamente impressionante como a liberdade de expressão é pouquíssimo respeitada na maior parte das circunstâncias reais, ironicamente e tristemente em particular nas instituições acadêmicas, as quais ao invés de cumprirem a função de auxiliar e incentivar as pessoas a acordarem para a existência de possibilidades divergentes quase sempre buscam histericamente impedir as pessoas de fazê-lo. A maioria das pessoas cultiva a ilusão de que essa liberdade seja muito maior do que realmente é porque raramente toma o palanque para dizer publicamente qualquer coisa remotamente discordante do que é considerado ideologicamente aceitável. O sentimento mais ou menos geral é de que dispõem dessa prerrogativa em príncípio.

Essa fantasia tende a se esfacelar fragorosamente no momento em que se tenta de fato exercer esse tipo de liberdade, porém. As “autoridades” de plantão repentinamente se revelam muito pouco hesitantes em fisicamente confiscar, censurar, proibir, destruir ou de outras formas impedir a distribuição e divulgação de quaisquer materiais que questionem as posições ideológicas “corretas”, mesmo quando tal distribuição e divulgação é realizada de forma absolutamente pacífica e atendo-se ao nível das idéias e do debate. Cria-se então uma situação surreal na qual a liberdade de pensamento existe “em teoria” e como parte do discurso social, mas na hora da verdade com freqüência se verifica que isso só vale para o que não ofende nem incomoda ninguém. Afinal, quem insiste em falar o que obviamente ofende e incomoda só pode estar de má fé e não vamos tolerar isso, certo?

Ora, liberdade apenas para concordar é evidentemente um oxímoro, e o conceito de liberdade de pensamento e expressão adquire sua relevância precisamente quando aplicado a idéias consideradas revoltantes, erradas, heréticas ou ofensivas. Ele se aplica por excelência exatamente àquilo que preferíamos que não fosse dito. E para quem questiona seu valor, uma folheada nos livros de história revela abundantes exemplos do que acontece quando se começa a caminhar na direção de aceitar que se proíbam as pessoas de pensarem e se expressarem de forma divergente ou estranha à ortodoxia.

O Discreto Triunfo do Pensamento Marxista

January 6th, 2010 by Sergio de Biasi

GoogleSearchesForKarlMarx.jpgAcima : Buscas no Google por Karl Marx (fonte) (hoje)

GoogleSearchesForAynRand.jpgAcima : Buscas no Google por Ayn Rand (fonte) (hoje)

Já dizia Marx que a religião seria o ópio do povo.

Naturalmente que para substituí-la, inventou o comunismo, que ironicamente (ou nem tanto) cumpre similar função à religião no imaginário humano : isto é, um sistema dogmático de pensamento grupal formador de identidade e pseudo-justificador de ações e crenças que de outra forma a média dos seres humanos normais dificilmente aceitaria como razoáveis, pretensamente com base em objetivos santos ou bons demais para serem questionados.

Com sua malévola invenção, Marx introduziu na cultura humana mais um violentíssimo meme que causou miséria sem fim desde então, exatamente como a religião.  Seu triunfo foi tão grande que mereceu o epíteto de ópio dos intelectuais, dando fortes indícios de que em certos meios a religião é rejeitada não por ser opressiva, e massificante, ou condutora a todo tipo de violências, mas sim por ser percebida como brega e passée, muito ironicamente “coisa de proletário”.

Infelizmente, os efeitos do marxismo sobre o pensamento e a cultura humanas vão muito, muito além de suas teorias sobre economia política e sistemas comunistas. É triste mas patente o quanto vários dos princípios e axiomas postulados por Marx sobre a natureza da sociedade e da existência humana foram inconscientemente aceitos e introjetados por grande parte da intelectualidade  e mesmo das pessoas comuns. Isso é ainda mais frustrante quando observado em pessoas que combatem vigorosamente as conclusões às quais Marx chegou enquanto docilmente abraçando seus pressupostos e arcabouço filosófico.

Uma dessas manifestações está na parcela dos pensadores que acreditam que todos os valores dignos de serem defendidos em sociedade não apenas têm o respeito e garantia da propriedade privada como requisito (algo com que eu tendo a concordar, e que tem profundas implicações) como vão muito além disso e defendem que tais valores são *derivados* do conceito de propriedade privada, e que para explicá-los, sustentá-los ou defendê-los bastaria corretamente garantir a propriedade privada  (algo com o que eu absolutamente não posso concordar, e que também tem profundas implicações que vão muito além da afirmação original). Por falta de um nome melhor, chamarei a essa posição de ultra-liberalismo. (note-se que isso não é o mesmo que anarco-capitalismo, posto que os anarco-capitalistas adicionalmente rejeitam que deva haver uma entidade não-opcional chamada “governo” que tenha o poder de coercitivamente impor o respeito à propriedade privada.)

Muito ironicamente, foi Marx quem introduziu a “revolucionária” idéia de que o homem se reduz às suas relações econômicas, idéia que além de intrinsecamente perversa (por implicar diretamente a natureza fútil, descartável e ilusória de qualquer pretensão a transcendência) não corresponde nem remotamente à realidade de como as coisas efetivamente funcionam em sociedades reais ao longo da história.

Então embora rejeitando radicalmente certas linhas de pensamento sobre o que fazer sobre isso, a posição ultra-liberal mesmo assim introjeta essa que é uma das fundações do paradigma marxista. E disso conclui que a garantia da propriedade privada seria suficiente para produzir uma sociedade na qual certos direitos individuais estariam adequadamente preservados, que todos os outros direitos individuais que naturalmente e separadamente se poderia querer preservar – como liberdade de expressão, direito à vida, liberdade religiosa – estariam todos “protegidos” com recurso apenas ao conceito de propriedade privada. E conversamente crucial, o que não for protegido pelo recurso à propriedade privada não deve ser protegido mesmo.

Em constraste, note-se que o liberalismo clássico à la Adam Smith admite todo tipo de interferências do estado; ele apenas diz que o estado não deve se meter numa grande lista de outras coisas. Na outra ponta do espectro, temos o anarco-capitalismo, para o qual nem sequer a propriedade privada e os contratos devem ser garantidos por uma entidade coercitiva padrão.

Antes que isso comece a soar como se eu estivesse dizendo que cabe ao governo prometer felicidade eterna a todos (como parecem delirantemente e hoje em dia avestruzmente querer os comunistas mais ortodoxos, por exemplo), quero esclarecer que eu sou completamente contra a inflação histérica dos “direitos” de uma pessoa dentro do contrato social adotado por uma sociedade (ou grande parte do tempo simplesmente imposto pelo governo). O próprio termo “direitos humanos” foi seqüestrado pelas esquerdas de forma a significar todo tipo de absurdos, a ponto de soar mal para alguém de tendências libertárias quando se começa a falar em “direitos”. Só que em seu entendimento original e apropriado, “direitos” não são tudo aquilo que uma pessoa deveria ter num mundo ideal no qual todos são perfeitamente felizes (algo que é não só logisticamente mas fisicamente ou mesmo logicamente impossível garantir), e sim aquelas prerrogativas tão fundamentais do indivíduo que não podem ser cassadas, expropriadas ou negadas exceto para proteger a integridade das mesmas prerrogativas em outras pessoas. Se isso não for suficiente para fazê-lo feliz, que pena.

Pois bem, chamando por praticidade tais prerrogativas fundamentais que queremos ver preservadas de “direitos”, como vamos justificá-las dentro do contexto de que propriedade privada seria o valor fundador e primordial? Como vamos justificar por exemplo a proteção da integridade física de seres humanos individuais? Bem, o argumento dos ultra-liberais que defendem a propriedade privada como único valor realmente necessário é : chamemos seu corpo de sua propriedade, e aliás uma de grande valor. Pronto. Como vamos justificar a defesa da liberdade de expressão? Ora, simples, segundo os ultra-liberais : ela é simplesmente a proteção do livre uso dos meios físicos de expressão de sua propriedade. Você naturalmente não tem o “direito” de se expressar usando o New York Times só porque você quer; tem que usar seus próprios meios. Por outro lado se usar seus próprios meios – por exemplo distribuir panfletos no seu quintal para quem estiver passando – ninguém deve poder impedi-lo. Mais uma vez, reduzido à propriedade privada.

E que tal o respeito à liberdade de ir e vir? Bem, este é mais complexo, dado que exige um entendimento mais explícito sobre como deve ocorrer o uso de propriedade alheia. Suponhamos, num mundo ultra-liberal, que não existam estradas públicas; que todas as estradas pertençam a alguém (ou a alguma empresa). Será permissível que repentinamente o dono da rua onde eu moro decida cobrar uma mensalidade de mil dólares para eu utilizá-la? Vamos ainda mais longe; suponhamos que a empresa dona da minha rua decida que por eu estar inadimplente com minhas mensalidades (seja lá qual for o custo), não posso mais usar a rua, e portanto se sair de casa estou invadindo propriedade alheia e posso ser preso. Faz algum sentido estruturar a sociedade desse jeito?

Suponhamos uma outra questão relacionada. Suponhamos, novamente, num mundo ultra-liberal, que todas as fontes de água potável sejam de propriedade privada alheia. Suponhamos então que os fornecedores de água decidam se unir e concluam que seu ponto de lucro ótimo será obtido elevando universalmente o preço para 100 dólares por litro d’água, tendo lucros astronômicos, e deixando morrer de sede quem não puder pagar. Isso é razoável? Deve ser simplesmente permitido ocorrer?

Note-se, quando os ultra-liberais abordam questões como essas, a resposta deles nunca é “ah, não, isso não deve ser permitido pois…” ou “ah, não, nesse caso é legítimo forçar os donos de água a distribuí-la pois…”. Não. O que eles respondem, fiéis a seus princípios, não é que isso não deveria ser coercitivamente impedido. O que eles dão são respostas do tipo  “Isso jamais poderia ocorrer pois…” ou “Essa situação automaticamente se auto-corrigiria pois…” ou “Essa situação não poderia perdurar pois…”. Em outras palavras, o que eles estão dizendo em última instância é que SIM, isso deveria ser permitido. Agora, note-se, argumentar que no longo prazo e em grandes mercados tudo se ajustaria de forma a que situações como essa não possam perdurar por muito tempo, mesmo que seja verdade, talvez continue não sendo aceitável. Talvez a situação não perdure porque por exemplo todos que não podem pagar por água morram de sede.

Existe toda uma variedade de questões com as quais temos que lidar no caso de querermos dar equivalência moral entre um ser humano e uma vaca ou um carro, apenas com maior valor e com a prerrogativa de ter propriedades.

Por coerência, por exemplo, um ultra-liberal deve defender que contratos de escravidão sejam perfeitamente válidos, desde que escolhidos de forma perfeitamente consciente e voluntária. Inclusive grande parte dos ultra-liberais aceita e defende exatamente isso abertamente. Sua liberdade, sua integridade física, seu direito à liberdade de expressão, todos esses direitos humanos considerados fundamentais e inalienáveis em nossas democracias ocidentais modernas seriam em princípio negociáveis. E na verdade os ultra-liberais consideram que privar alguém de negociar tais direitos é na verdade uma expoliação, dado que se está impedindo que o sujeito extraia lucro do uso de um bem de sua propriedade. Inclusive alguns autores argumentam que o trabalho assalariado em grande parte dos casos não é substancialmente distinto de escravidão, aliás pelo contrário, é essencialmente o mesmo tipo de contrato (vender voluntariamente sua liberdade) com menos flexibilidade para você negociar os termos de uso dos seus próprios bens. Enquanto isso, outros argumentam que um ser humano que nasça num mundo no qual para obter acesso aos recursos mais básicos necessários à sua subsistência necessita de assinar um contrato de servidão não é realmente livre. Interessantemente, esse é um dos vários casos em que certas vertentes de anarquismo fanaticamente anti-estatal e de comunismo histericamente totalitário chegam as mesmas conclusões por vias completamente diferentes. Os extremos, como freqüentemente ocorre, se tocam.

Aliás, é interessante dar um ou dois passos para trás e notar que na verdade essa visão de mundo na qual escravidão é encarada com naturalidade, por mais que hoje nos pareça, digamos, pouco ortodoxa, foi aceita durante grande parte da história humana como perfeitamente civilizada. É verdade que muitas vezes isso se dava num contexto em que o ingresso na escravidão não era voluntário, contrariando os princípios ultra-liberais, como no caso de prisioneiros de guerra. Mas por outro lado, mesmo algumas formas historicamente aceitas de escravidão involuntária são consideradas perfeitamente legítimas por alguns ultra-liberais, como a coação a trabalhos forçados para pagar dívidas. E existem várias outras formas de contrato de trabalho voluntário que um dia já foram perfeitamente aceitas pela sociedade e que hoje em dia são quase universalmente ilegais e consideradas moralmente inaceitáveis, mas que para um ultra-liberal são perfeitamente legítimas e deveriam ser reintroduzidas, como a indentured serfdom, feudal serfdom, ou mesmo a moderna truck serfdom, esta última permanecendo perfeitamente legal em grande parte dos países. Esse tipo de contrato, porém, mesmo quando perfeitamente voluntário, foi sendo historicamente progressivamente percebido como imoral e abusivo. Isso na verdade nos leva ao centro do paradoxo libertário : se queremos uma sociedade livre, devemos dar às pessoas a liberdade de jogarem voluntariamente fora sua própria liberdade? Mas essa não é a questão central aqui, e sim se a propriedade privada como pilar fundamental da ética é suficiente para preservar os valores morais que grande parte das pessoas gostaria de ver preservado. Eu acho claríssimo que não. O que uma boa parte dos ultra-liberais responde a isso não é que a defesa da propriedade privada preserve sim esses valores, e sim que não preserva mesmo e que essa grande parte das pessoas está equivocada e não tem nada de eticamente errado com escravidão.

Mas não acaba aí; em princípio seria possível fazer um contrato vendendo por exemplo meu coração para transplante (causando minha morte) por exemplo para tirar minha família da pobreza. Ou assinar um contrato abrindo voluntariamente mão de meus direitos políticos (por exemplo comprometer-me a não votar) como condição para trabalhar para uma certa corporação. Ou assinar um contrato abrindo mão da minha liberdade religiosa (por exemplo comprometer-me a não ir mais à igreja no domingo) como condição para fechar um contrato de aluguel de um apartamento. Ou assinar um contrato de servidão sexual pelo resto da vida em troca de casa e comida. Todos esses acordos voluntários são não só aceitos como perfeitamente legítimos por uma boa fração dos ultra-liberais, como é sua proibição que é enxergada como em ultima análise totalitária e perniciosa.

Eu pessoalmente não vejo como isso poderia ser razoável. Para mim, não existe possibilidade de equiparação ética entre coisas e pessoas, que é literalmente o resultado prático dessa forma de estruturar o que seria socialmente aceitável. Claro, um ultra-liberal argumentará “Mas veja bem, então o sujeito não vender seu coração e aí então a família inteira dele, inclusive ele,  morrerem todos de fome e todos os corações irem pro lixo e serem comidos por vermes é de alguma forma *melhor* do que ele vender seu coração e salvar o resto da família da pobreza?” E de fato, é um argumento ao qual é difícil dar uma resposta. Quem somos nós para proteger as pessoas se suas próprias decisões, certo? E se uma pessoa não pode vender seu coração, por que poderia vender, por exemplo, serviços sexuais? Onde está o limite além do qual alguma barreira fundamental foi ultrapassada?

A resposta ultra-liberal é : nenhum. Cada um deve ter livre direito de dispor de si mesmo como achar melhor, e isso inclui o direito de abrir mão do direito de dispor de si mesmo como achar melhor. O que para todos os efeitos é : a pessoa tem o direito de se tornar uma coisa. Só que uma pessoa se tornar uma coisa não é realmente uma possibilidade lógica. Não interessa quantos contratos ela assine, ela continua sendo uma pessoa. E não trata-la como tal é desumanizante não só para ela como para toda a sociedade ao redor. Então para mim não é suficiente que haja uma decisão voluntária para que um contrato seja válido. É preciso também que esse contrato não retire da pessoa certas liberdades fundamentais.

Agora, esse é o meu ponto de vista. Outros podem concordar ou não. Mas seja qual for o caso, note-se que este raciocínio de que tudo no homem possa ser reduzido às suas relações econômicas (e que leva diretamente à legitimação de que o homem possa ser “coisificado”) é precisamente uma das bases paradigmáticas do marxismo, e foi usado como argumento para justificar algumas das maiores barbaridades na história humana. E muitíssimo ironicamente, alguns daqueles que mais ardentemente combatem o comunismo compraram e introjetaram essa mesmíssima idéia.

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Existem ainda outras questões com o ultra-liberalismo e com a idéia genérica de que o livre mercado associado à defesa da propriedade privada se encarregará por tabela de todo o resto, maximizando a liberdade e a felicidade de todos. Para começar, é discutível que de fato o mercado completamente livre de inteferências realmente se auto-regule para maximizar algum tipo de somatório da função utilidade. Além disso, é praticamente um ponto de fé que o que maximiza a produtividade / lucro / utilidade total corresponda a algo que consideraríamos moralmente aceitável algo que maximize a liberdade individual ou mesmo algo que maximize a função utilidade (i.e. a grosso modo felicidade) para o ser humano mediano.

Analisemos esses pontos em mais detalhe.

A questão de se o ultra-liberalismo leva a solucões moralmente aceitáveis foi extensamente discutida na primeira parte do texto, mas só para recolocar sucintamente a questão, considere-se o seguinte exemplo. Talvez se deixarmos tudo ao sabor do livre mercado, pode ser o caso de que a função utilidade total seja maximizada com 10% da população ficando desempregada e literalmente falecendo de fome; talvez isso conserte um excesso de mão de obra circunstancialmente desnecessária e aumente muito a qualidade de vida de todas as pessoas remanescentes. Ou seja, não existe qualquer necessidade lógica de que o que maximiza o somatório da função utilidade seja moral. Estamos dispostos a aceitar isso?

Quanto ao ultra-liberalismo levar automaticamente a uma economia maximamente produtiva, a crise econômica atual dos EUA inspira fortes argumentos contra essa noção. Surpreendendo tanto esquerdas quanto direitas, a crise não foi causada nem pelos bancos malvados explorando a sociedade nem pelo governo malvado oprimindo os nobres e empreendedores bancos. Sim, o governo fez grandes besteiras nessa história toda, mas mesmo dentro do contexto deturpado pela interferência governamental, os bancos tomaram espontaneamente decisões alucinadas. E não foram alucinadas apenas no sentido de egoístas ou ganaciosas; elas foram suicidas e contra seus próprios interesses. Muitos bancos foram à falência por investir zilhões em empréstimos para pessoas que absolutamente e obviamente não tinham como pagar, ou por comprar ou vender produtos financeiros baseados em tais empréstimos. Como isso foi possível? Ora, ocorreu que indivíduos gananciosos dentro das instituições financeiras tiveram lucros fabulosos com tudo isso e foram pra casa rindo com o bolso cheio de dinheiro. Então assim como é contra a lei passar cheques sem fundo (não dá para argumentar “oh mas eu achei que ia ganhar na loteria”), também é muito razoável que haja limites por exemplo para quanto capital um banco pode emprestar sem que tenha lastro para isso, e que outros tipos de transações financeiras sejam reguladas para proteger o público – e os próprios bancos – de fraude e má fé.

Diante dessas observações, e em situações como essa, muitos ultra-liberais mesmo assim ainda retrucam que o sistema em questão não era “verdadeiramente” livre e por isso houve a crise, que o que falta é ainda mais liberdade e aí tais fenômenos seriam evitados. Isso soa tão suspeito quando dizer que União Soviética, Cuba, Coréia do Norte, etc não são “verdadeiramente” ou “suficientemente” comunistas e por isso não funcionaram.

Inclusive há muitas indicações de que a liberdade completamente desregulada, em não havendo qualquer mecanismo coercitivo para mantê-la, é instável e não se automantém. A liberdade irrestrita de mercado tende a se autodestruir indo em várias direções que não necessariamente coincidem com a que maximiza eficiência produtiva, umas das mais óbvias sendo a cartelização. Os ultra-liberais tentam argumentar que “Isso não vai acontecer pois… (insira argumento aqui)” descartando o fato de que em todos os mercados reais quem mais odeia a liberdade de concorrência são as grandes empresas, que se cartelizam em todas as oportunidades possíveis. Na prática, grandes empresas adoram monopólios, tentam construí-los com ou seu a ajuda do governo, e não hesitam em usar seu poder para fixar preços, forçar ou induzir o consumo de produtos que ninguém quer, subverter outros mercados usando o peso de seus recursos financeiros, confundir o consumidor de forma a fazer escolhas subótimas. As grandes empresas têm em geral pouquíssimo respeito pelo conceito de livre competição e livre mercado e buscam tanto possível destruir essas forças ou mantê-las sob administrável controle. Aqueles que realmente têm poder econômico suficiente para influenciar mercados inteiros não raramente buscam obsessivamente restringir a liberdade de escolha individual do consumidor usando de mecanismos completamente artificiais e que por vezes beiram o delirante e/ou abertamente coercitivo se possível.

Aliás, mesmo aceitando que se o mercado for completamente livre ele convergirá para o ponto que maximiza a eficiência econômica e a produção de riqueza, não há qualquer necessidade lógica de que isso simultaneamente maximizará a liberdade individual. Possivelmente o sistema mais economicamente produtivo consista exatamente em dar a menor quantidade possível de escolhas às pessoas.

O que nos leva ao último e mais problemático ponto, que coloca sérios dilemas para quem é libertário : deixadas livres, muitas pessoas escolherão a servidão, e apenas terão liberdade se essa lhes for imposta. Então talvez um sistema que torne a todos servos maximize a felicidade do homem mediano. Ou conversamente, mesmo supondo que o ultra-liberalismo levasse a um sistema moralmente aceitável e que maximizasse a liberdade das pessoas, isso pode não equivaler a maximizar a felicidade individual. A questão é que talvez certas pessoas, possivelmente muitas, sejam mais FELIZES com alguém lhes dizendo o que fazer do que lhes sendo dada livre escolha. Então no final das contas uma sociedade totalitária pode maximizar a função utilidade dessas pessoas, que preferem a “segurança” de um estado que escolhe tudo por elas à aterrorizadora responsabilidade de tomarem suas próprias decisões.

Em resumo, maximizar produtividade, maximizar liberdade e maximizar felicidade podem não ser objetivos convergentes ou mesmo compatíveis. Tratá-los como se estivessem solidamente atrelados de forma que seria possível descartar um e pensar somente nos outros não só não funciona como pode levar a grandes erros.

Definições Políticas

January 3rd, 2010 by Sergio de Biasi

Recentemente o Mosca Azul publicou um curto texto intitulado “Definições Políticas” que tem um trecho muito bem sacado que diz assim :

O Estado é um mal necessário, isso significa que funcionam como remédios: há contra-indicação. O liberal procura tomar o que for mais eficiente, com o mínimo de efeitos colaterais, se for o caso. Onde se verifica que o corpo (social) pode reagir sozinho, a intervenção deve cessar imediatamente.

A social-democracia é a doutrina hipocondríaca, quer tratar resfriado à base de quimioterapia – só se difere do socialismo, pois este acredita que os anticorpos são o câncer. Os social-democratas mais razoáveis entendem que medicações devem ser melhor dosadas, pois reconhecem outros riscos e altos custos inerentes a elas, mas sempre haverá de bater neles o coração de Dr. Frankenstein.

O anarco-capitalismo, por sua vez, decidiu tomar caldo de galinha para acabar com doenças incuráveis. Não fazem a menor diferença até o momento em que resolvem que caldo de galinha é bom para tudo, aí enchem o saco.

A idéia é boa e dá vontade de expandir. Fiquei então pensando em como acrescentar mais umas linhas à metáfora. Então lá vai.

A alemanha nazista é um sujeito que passou a noite inteira bebendo, acordou com uma ressaca do caramba, e então foi engambelado por um charlatão que achava que a solução radical era amputar parte do cérebro e costurar novas pernas e braços ao corpo. Decididamente Frankensteiniano. Os vizinhos se levantaram com tochas para linchar o monstro.

Já os comunistas soviéticos passaram décadas tentando curar resfriado com uma mistura de antibióticos e esteróides anabolizantes, um dia perceberam que como seu resultado seu cabelo estava caindo, estavam pesando 150 quilos e tinham manchas esquisitas na testa, e resolveram experimentar um pouco de caldo de galinha. Estavam tão desacostumados que tiveram choque anafilático, entraram em convulsão, perderam 50 quilos e agora resolveram recorrer à homeopatia. A qual se não faz bem pelo menos não faz mal. Quer dizer, isso oficialmente. Na hora H se dá uma tossezinha eles bem que tomam lá seus antibióticos pra garganta deixar de ser besta.

Os comunistas chineses também passaram décadas na base de doses maciças de antibióticos e esteróides anabolizantes, também perceberam que estavam ficando meio carecas e gordos, e resolveram recorrer à lipoaspiração para remover a gordura extra. Meio que funcionou, mas não sem efeitos colaterais, e começaram a cogitar se bom mesmo não era comer direito. Resolveram ver qual era a do caldo de galinha, mas foram mais cuidadosos e tomaram só um pouquinho e só no domingo. Mas aí viram que era excelente e decidiram tomar caldo de galinha todo dia injetado na veia com uma seringa. E sem abandonar os antibióticos e esteróides anabolizantes. Deu “certo” no mesmo sentido em que frangos criados amontoados um sobre os outros banhados em antibióticos crescem mais rápido, ficam maiores e tudo com um custo menor. Se fazer isso com frangos já dá em algumas besteiras, aplicar o mesmo sistema a pessoas pode não ser a idéia mais saudável do mundo. Mas que tem funcionado, isso tem. A China é hoje a terceira maior economia do mundo.

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Aliás, vou fazer uns comentarios adicionais aqui. Eu divido o meu escritório com uma chinesa vinda diretamente da República Popular da China. Um dia eu perguntei a ela se ela não sentiu um grande contraste em termos de liberdade ao vir para os EUA e coisa e tal. Ela respondeu que não, que esse negócio de repressão era exagerado na imprensa ocidental. Que lá ela tinha liberdade de viver a vida dela em paz. Aí eu perguntei “Tá, mas se você for na praça discursar contra o governo não vai acontecer nada?” e ela disse “Ah, isso é claro que não pode, mas por que eu iria querer fazer isso?”. :-) Então vocês vejam, sintomático, sintomático… as pessoas introjetam essas coisas. Experiência semelhante eu tive quando perguntei para uma russa vinda da Sibéria se ela se sentiu mais livre depois da queda do regime comunista. Ela disse que não, que pelo contrário, antes ela sabia que sempre poderia contar com aluguel subsidiado e coisa e tal e não precisava ter medo do futuro. Mas agora se ela não achasse formas de ganhar dinheiro suficiente estaria em maus lençóis. Então eu perguntei sobre liberdade de expressar publicamente opiniões políticas e coisa e tal e ela teve a mesma reação da chinesa : “Expressar publicamente opiniões políticas? Por que eu quereria fazer isso?”

Tanja Krämer e a Assombrosa Falta de Autocrítica

December 30th, 2009 by Sergio de Biasi

Tanja olhando meio de lado
pra evitar o espelho

Eis que uma tal de Tanja Krämer resolve novamente escrever sobre mim.

Ela já havia escrito antes, mas este texto dela era tão constrangedoramente superficial e oco de qualquer coisa que parecesse um argumento que nem deu vontade de comentar qualquer coisa. O tipo de texto que certas pessoas escrevem quando acham que estão tão absolutamente certas que isso as isenta de dizer qualquer coisa consistente sobre o assunto – o que ironicamente tende a acontecer precisamente quando elas têm tão poucos argumentos que a solução é atacar o interlocutor ao invés de suas idéias. Achar que o meu texto tivesse qualquer coisa a ver com “eu me basto”, ou com egoísmo, ou com narcisismo, quando o próprio trecho que ela mesma cita (!) diz explicitamente que nós precisamos fazer as pazes com o fato de que há coisas que só o outro pode ser, e nós não, demonstra algo que beira o analfabetismo funcional (ou desonestidade patológica, não que sejam mutuamente excludentes).

Mas então, eis que tomada de revolta com a “porralouquice” do que digo, resolve escrever novamente, desta vez ainda mais explicitamente sobre mim, que ela absolutamente desconhece, mas que aparentemente supõe conhecer através de interpretações, digamos, imaginosas dos meus textos.

Refutar as coisas que ela fantasiou sobre mim seria uma bobagem para todos os envolvidos.

Refutar o que ela escreveu sobre o que eu escrevi já fica um pouco mais relevante, mas não muito, dado o grau de obtusidade (ou desonestidade) com que o texto foi lido.

Ora vejamos, eu escrevo que

Os homens, por outro lado, querem gastar quase zero de tempo e esforço em cuidar de sua aparência, em serem socialmente aptos, em serem atraentes, em ficar tentando entender o que poderia tornar sua imagem mais sexy. E ao mesmo tempo, seu primeiro e mais prioritário interesse é ter acesso a sexo. Agora me digam, como e em que termos pretendem ter acesso a sexo com essa atitude? O leitor pode tirar suas próprias conclusões.

E mais adiante escrevo ainda que

o homem médio provê serviços afetivos absolutamente medíocres às suas parceiras. Age de forma quase autista e não faz qualquer esboço de tentativa de aprender como agradá-las emocionalmente, ou mesmo de entender quais são as suas necessidades; em geral, inclusive, legítimas e profundas necessidades psicológicas de suas parceiras são tratadas como inconvenientes a serem tanto quanto possível contornados ou ignorados.

Disto ela conclui que

Na verdade, ele [o texto] é um produto para homens ressentidos que não conseguem namorar quem eles querem. Claro, a culpa nunca é deles. No caso, é do sistema malvadinho.

Ironicamente, parcialmente ela tem razão : é para eles também. Ó homens ressentidos do mundo, que acham que não têm qualquer responsabilidade em causar seus próprios infortúnios, e que se sentem tentados a dizer que “a culpa é do sistema” : leiam o que escrevi acima e acordem.

Agora, dos trechos acima deduzir que eu estou apoiando essa cegueira? Er, não.

Ocorre que o texto como um todo também é para as mulheres ressentidas do mundo, que acham que todos os seus problemas, de relacionamento ou não, são culpa dos homens. E dessa crítica dona Tanja não gostou nem um pouco. Que audácia, a minha, dizer certas coisas!

Que tal então apontar fatos que contradigam o que eu escrevi? Explicar como algumas das questões que eu levantei não são reais, não correspondem a como as coisas efetivamente ocorrem? Discutir pontos específicos do que eu de fato disse (ao invés de o que ela psicografou) e refutá-los se achar que pode?

Mas não, não. O “argumento” de dona Tanja se resume a “ele é o Power Ranger verde”. E se ele critica a intolerância histérica com qualquer coisa, naturalmente só pode ser porque secretamente quer justificar seus próprios vícios e falhas.

E é ai que a coisa começa a ficar interessante. Como crítica ao que eu escrevi, é só um festival de infantilidades. Mas como instrumento de retórica, começa a valer a pena comentar.

Então vejamos, ela cita um texto que escrevi sobre prostituição. Deixo claro no texto e reitero aqui que não vejo absolutamente qualquer problema moral com prostituição, e que pelo contrário, vejo problemas de várias ordens em criminalizá-la, e defendo que fazê-lo provavelmente causa bem mais mal do que bem à sociedade. Conclusão final aliás igual à qual chega (embora não pelos mesmos caminhos)… São Tomás de Aquino. Pelo raciocínio Tanjático, “Como não concluir que São Tomás de Aquino está advogando em causa própria?”. Ele só pode mesmo ser um perdedor total que se deu ao trabalho de enrolar com um monte de blábláblá sobre teologia quando na verdade o que ele queria mesmo era pegar umas putas.

Essa é uma das estratégias retóricas mais antigas do mundo, e é impressionante como o tempo passa e as pessoas continuam a usá-la. Impressionante mas não surpreendente, já que para certos segmentos da platéia continua tendo lá seu efeito, nem que seja de desviar a atenção do que não se quer ver discutido.

Vai na direção genérica do que disse (acho) Millôr Fernandes traduzindo Arthur Bloch :

1. Se os fatos estão contra você, conteste a lei
2. Se a lei está contra você, conteste os fatos
3. Se os fatos e a lei estão contra você, berre histericamente

Então é como quando um político resolve fazer campanha para acabar com as tolas e perniciosas leis anti-drogas e então tem que enfrentar “acusações” de ser um drogado. É como quando alguém expressa a opinião de que abortos não deveriam ser ilegais e então tem que ficar ouvindo “acusações” de ser “a favor” do aborto. É como quando um menino nos EUA decide que não vai recitar o juramento de fidelidade à bandeira americana até que realmente haja liberdade e justiça para todos, incluindo os gays, e então tem que ficar ouvindo “acusações” de ser gay.


10-Year-Old Who Refuses to Say ‘Pledge of Allegiance’
Until Gays Have Full Equality

É como quando os liberais clássicos anunciam que são a favor da manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção e então têm que ouvir “acusações” de que eles querem mesmo é que os pobres morram. É como quando certas pessoas se colocam contra a ação afirmativa… para então terem que ficar ouvindo “acusações” de na verdade serem racistas.

Então vai dar em “Dawkins é burrão” e “Rousseau não pegava ninguém, haha!”. Esse tipo de reação é tola e superficial, mas quase sempre é muito pior do que isso : é desonesta e manipulativa, e costuma indicar a total inexistência de (ou incapacidade de articular) argumentos reais. Se os fatos e a lei estão contra você, berre histericamente.

***************

Só pra completar, sobre o natal : não, dona Tanja, não é uma festa religiosa. É uma festa pagã que comemora o solstício de inverno, que já era comemorada muito antes da cristandade existir, e que muito provavelmente continuará sendo comemorada por muito tempo depois da cristandade ir parar nos livros de história. Evidentemente é muito mais fácil se apropriar de algo que já existe e dizer que foi você que inventou do que convencer todo mundo a mudar seus costumes. Então que beleza, vamos dizer que o dia de ano novo é o aniversário da data em que Moisés achou suas ceroulas perdidas e agora temos uma nova festa religiosa comemorada por bilhões.


Mensagem de natal

Ou opcionalmente podemos acreditar nisso aqui :

A Criancinha-Deus é o pão do céu. O Natal é a nossa salvação, quando as trevas se dobraram ao Menino-Deus (nosso pão do céu).

Realmente é patético o que a religião faz com as pessoas. Leva elas a escreverem coisas delirantes como essa, para então ser usada como desculpa esfarrapada para justificar dizerem com todas as palavras que “Intolerância Implacável é a Verdadeira Bondade” enquanto citam “1984″. George Orwell aplaudiria de pé.

Se você não está revoltado…

December 25th, 2009 by Sergio de Biasi

…é porque não está prestando atenção.

Tolerância Seletiva

December 25th, 2009 by Sergio de Biasi


Mensagem de natal

irreverência
[Do lat. irreverentia.]
Substantivo feminino.
“Desobedecendo e revoltando-se com uma irreverência heróica, funda [Lutero] a liberdade do pensamento” (Ramalho Ortigão, Figuras e Questões Literárias, I, p. 127).

Pedro publicou como mensagem de natal este texto aqui (agora aqui).

No texto, ele diz entre outras coisas que o máximo que se pode esperar razoavelmente dos homens é que tenham boa vontade, não caridade. Que se tivessem caridade, seriam santos, e que não é um papel apropriado para a maior parte de nós se arrogar acusar os outros de não serem santos, dada tanto a dificuldade em sê-lo quanto o fato de que poucos entre nós o somos. E adiciona a isso que a motivação para apontar falhas em outros seria primordialmente a auto-afirmação, e que estarmos corretos em nossas acusações não contradiz ou desmente esse motivo.

Parece em princípio uma mensagem que pretende ser de tolerância e paz e supostamente em defesa da humildade, mas vamos examinar um pouco mais detidamente.

Para começar, como é que alguém que está defendendo precisamente a “boa vontade” em não julgar os outros constrói um argumento para justificar que a paz na terra seja dada apenas àqueles… que têm a tal “boa vontade”? Essa é a essência da eterna contradição do pensamento católico : vamos todos ser fraternos, e humildes, e amigos… exceto claro com quem não concordar conosco, esses julgaremos severissimamente e enviaremos neste e no próximo mundo para as chamas da reprovação. Dizer que é “deus” quem está julgando, ou que é a própria pessoa que escolhe se afastar de deus, são apenas formas convolutas de projetar seu próprio julgamento em uma conveniente entidade externa “para não sujar as próprias mãos de sangue”. Daí um dos motivos mais importantes para se afirmar existência dessa imaginária entidade : lavar das mãos o sangue dos seus próprios julgamentos.

Aliás, a tal “abstenção do linchamento em todas as suas formas” é tudo o que a religião católica (e religiões em sua maior parte) não fazem. Em total constraste com seu discurso de “tolerância” e “paz”, sua prática cotidiana e rotineira é saírem de seu caminho para discursar, transbordando de reprovação e virulência, contra aqueles que ousam ir contra seus “valores” – na verdade uma coleção de regras dogmáticas consideravelmente arbitrárias e temporalmente mutáveis decretadas por Roma.


Que tal mandar as pessoas para o inferno por comerem
carne como demonstração de “tolerância”?

Então se a igreja católica tivesse a tal “boa vontade” de não sair julgando todo mundo da qual fala o Pedro, não se apressaria em mandar pessoas para o inferno por exemplo por suas práticas sexuais, ou por negarem a existência de deus. Ah, mas que ingenuidade a minha – não é a igreja católica que manda ninguém para o inferno, é deus. Mas vejam, regras como esta e muitas, muitas outras – assim como suas exceções – foram efetivamente e na prática promulgadas por Roma como “interpretações” do que seria teologicamente correto. Que conveniente! Posso julgar a todos e nem ao menos sou eu que estou julgando. Eu posso esfregar minhas mãos limpas de sangue e dizer “foi você quem escolheu se afastar de deus”.

Mas a parte mais incrível do argumento – sobre “abster-se de linchamento em todas as suas formas” – é que aparentemente ele não parece se aplicar quando quem está sendo julgado… é quem se arvora na pecaminosa e terrível prerrogativa de julgar os outros. O texto não só julga tais pessoas severamente, como ainda “explica” que qualquer discurso acusatório só pode mesmo ser motivado por auto-afirmação, ser obra do diabo (!), e que estas pessoas, ao contrário dos pecadores normais, que são apenas humanos, não merecem sequer o benefício da dúvida de estarem demonstrando “boa vontade” e são portanto justamente imerecedoras da “paz na terra”. Pois então cumpro a profecia do texto e dirijo a seu autor a acusação semelhante de se colocar, contra seus próprios argumentos, na posição de “anjo vingador” que sim, julga severissimamente aqueles que ousam julgar os outros.

Aliás, essa posição não é nem um pouco surpreendente, pois para a teologia católica, este é o verdadeiro e maior pecado, efetivamente o pecado original que colocou o homem em estado natural de eterna impureza. Não foi genocídio, não foi crueldade, não foi preguiça ou omissão. Não, não. Foi ousar comer do fruto da árvore do bem e do mal e ousar ter um julgamento próprio sobre o que é certo e errado. Foi ousar usar sua própria consciência para tomar decisões. O pecado original e mais grave de todos é o de demonstrar independência de julgamento ético ao invés de submissão subserviente e temerosa à vontade de “deus”, leia-se seus “representantes” na terra. Você pode ser um assassino torturador psicopata estuprador e mutilador de crianças que se 5 minutos antes de morrer declarar sinceramente sua submissão a deus, tudo estara bem e você ira para o céu. Mas se você for uma pessoa bondosa e caridosa e tolerante mas seguir seus próprios critérios e sua própria consciência para isso e morrer negando a existência de deus… irá queimar para sempre no inferno.

A religião dogmática (e a maioria absoluta é) alimenta-se de (e explora, e incentiva) várias fraquezas humanas, entre elas de uma distorção de caráter muito humana que é o desejo de ter as mãos limpas do sangue de julgar os outros, de ter a consciência limpa da terrível carga de decidir por si mesmo o é certo, o que é bom, o que é verdadeiro, de não querer assumir a responsabilidade pelo que jogadas fora todas as racionalizações, desculpas e explicações são suas próprias e inalienáveis escolhas, decisões e julgamentos. Então a religião institucionalizadamente dogmática não apenas tira essa carga de suas mãos como em troca exige explicitamente que você não use seu próprio julgamento. Ela exige nada mais nada menos que quando confrontado com um dilema entre o que sua consciência e melhor julgamento dizem serem certo e bom e o que as autoridades religiosas afirmam ser certo e bom, você deve jogar fora seu julgamento e submeter-se à ortodoxia. O resultado é todo tipo de aberração moral e cognitiva.


Uma amostra do cristalino pensamento
de cristãos fundamentalistas

Esse discurso de que “fazer uma acusação, mesmo que seja verdadeira” seria apenas uma demonstração de “falta de boa vontade” e expressão de uma “necessidade de auto-afirmação” vindo de alguém que está fazendo precisamente isso é no mínimo inconsistente. Mas isso se torna ainda pior e mais preocupante quando chega ao extremo de classificar a irreverência como “falta de boa vontade”. Como é que é? Isso me lembra que uma entre as minhas formas favoritas de definir um governo totalitário é assim : um governo se torna totalitário quando perde seu senso de humor. O próprio ato de criticar em si mesmo se torna então suspeito sinal de “falta de boa vontade”. Mesmo através de piadas, mesmo através de irreverência. Pois eu digo que sentir-se importante demais para ser alvo de irreverência, para ver suas características ridículas ou negativas apresentadas em forma destilada, isso sim é se levar a sério demais. Quando se falsifica o que alguém disse, quando se calunia alguém, quando nos agarramos a repetir qualquer afirmação absurda feita sobre quem queremos criticar, isso sim é falta de boa vontade. Mas irreverência? No sentido de recusar-se a deixar de questionar algo por ser supostamente tão sagrado que não pode ser questionado?  Ora, vejam a citação escolhida pelo Aurélio para ilustrar o significado desta palavra :

irreverência
[Do lat. irreverentia.]
Substantivo feminino.
“Desobedecendo e revoltando-se com uma irreverência heróica, funda [Lutero] a liberdade do pensamento” (Ramalho Ortigão, Figuras e Questões Literárias, I, p. 127).


Religião nos EUA e no mundo

Agora, se a tal “boa vontade” é um misto de verdadeira humildade com o desejo de ver o bem e pressupor o bem, a atitude da igreja católica demonstra extrema falta de boa vontade. Acreditar-se capaz de comunicação direta com deus, seu único legítimo representante no universo, e a única entidade capaz de não só interpretar a vontade divina para decidir o que é um ato “mau” como para intermediar o “perdão” por tais atos… isso não soa muito bom em termos de humildade! Então talvez a boa vontade esteja em pressupor o bem. Mas o fato é que a religião católica enxerga o mal em cada fresta e canto da existência. Ela é tão avessa a pressupor o bem que considera que todos os seres humanos desde a concepção já estão errados mesmo que absolutamente nada tenham feito. Então talvez ela seja boa em reconhecer o bem onde quer que esteja. Mas não; qualquer um que não prometa nominalmente subserviência a seus preconceitos ritualmente dogmatizados, mesmo que calhe de estar fazendo enorme bem, é automaticamente considerado tentado pelo demônio e pelo mal. Então por qualquer critério a igreja católica definitivamente não passa nos critérios apresentados para “boa vontade”.

Então são citados rapidamente os ateus. Ora, os ateus. Aqueles seres incapazes de transcendência que querem reduzir tudo a um componente antropológico. Ou será que querem? As descrições de ateus feitas por religiosos são com freqüência para criticar posições que a maioria dos ateus absolutamente não defende. Eu não “quero” reduzir tudo a um componente antropológico, e na verdade fico freqüentemente frustrado com esse componente vezes demais ir contra o que eu acho que seria certo e bom. Agora, negar a existência e a importância desse componente é simplesmente fugir da realidade.


Por que os ateus não calam a boca?


Theocracy Watch : Dominion Theology

Christian Reconstructionists

Termino com uma discussão do episódio da mulher adúltera, que eu concordo ilustra muito bem toda essa questão. Em primeiro lugar, não concordo que o argumento para não apedrejar a mulher adúltera tenha qualquer coisa a ver com o fato de ela ser inocente. Analisemos a passagem inteira :

Early in the morning he came again to the temple. All the people came to him, and he sat down and taught them.  The scribes and the Pharisees brought a woman who had been caught in adultery, and placing her in the midst they said to him, “Teacher, this woman has been caught in the act of adultery. Now in the Law Moses commanded us to stone such women. So what do you say?” This they said to test him, that they might have some charge to bring against him. Jesus bent down and wrote with his finger on the ground. And as they continued to ask him, he stood up and said to them, “Let him who is without sin among you be the first to throw a stone at her.” And once more he bent down and wrote on the ground. But when they heard it, they went away one by one, beginning with the older ones, and Jesus was left alone with the woman standing before him. Jesus stood up and said to her, “Woman, where are they? Has no one condemned you?” She said, “No one, Lord.” And Jesus said, Neither do I condemn you; go, and from now on sin no more.”

Ou seja, em nenhum momento é questionado que embora em posição essencialmente indefesa e vulnerável, a mulher de fato era culpada da acusação que lhe faziam, e inclusive Jesus a manda embora com a recomendacão de que “de agora em diante não peque mais”. Além disso, a mulher nem sequer tentou se justificar, ou demonstrou qualquer arrependimento. Portanto a mensagem é sim de tolerância, mas não como precaução contra falsas e equivocadas acusações, mas sim de tolerância para com quem de fato errou, e Jesus não exigiu dela promessas de retidão ou ortodoxia moral antes de não condená-la. E nem ao menos faz qualquer sermão exceto recomendar que não peque mais. Então se alguém teve boa vontade nessa história toda foi Jesus, que pressupôs a capacidade para o bem na mulher que não condenou apesar de ela ter de fato errado, que enxergou a capacidade para o bem na multidão que convenceu a não apedreja-la, e que no final foi humilde o suficiente para também não condená-la ou exigir demonstrações de subserviência apesar de estar numa posição de superioridade moral e de tê-la salvo da multidão. Já a multidão, apesar de ter sido instada com sucesso à tolerância, não demonstrou realmente boa vontade; apenas se sentiram vexados pela observação de Jesus que os convidava a examinar sua própria autoridade moral para julgá-la.

Agora, devemos daí concluir que se não somos perfeitos não temos autoridade para julgar ninguém, e que conversamente, se somos, temos autoridade para condenar a todos implacavelmente?

A segunda parte é respondida pela própria história e pela atitude de Jesus, acredito. Nenhuma quantidade de superioridade moral do mundo, verdadeira ou (muito mais provavelmente) suposta nos autoriza a sermos implacáveis, algo de que a igreja católica parece se esquecer completamente. Ele também não a condenou.

Já a primeira parte é precisamente o objeto do texto que comento. Se somos imperfeitos, estaremos então em errados em julgar os outros? Essa é uma pergunta complexa, mas como lindamente construído, desenvolvido e apocalipticocatarticamente resolvido em Dogville, olhar para si mesmo e dizer “eu não me orgulho de agir desse jeito mas que posso fazer, sou humano” é uma desculpa muito pobre. Combinar com aqueles ao nosso redor “eu não te julgarei e você também não me julga, abdiquemos todos entre nós de nossa consciência ética, sejamos todos cúmplices desde que estejamos entre nós ” não é nem a resolução sugerida pela histórica bíblica nem uma solução “tolerante” ou cheia de “boa vontade”, muito pelo contrário; na melhor das hipóteses ela supõe o mal não só como onipresente mas também insuperável. Agora, existe uma grande diferença desde não ser implacável e intolerante até abrir mão de ter uma consciência. Inclusive o filme vai mais longe e considera também a segunda parte, e conclui por apontar que acreditar-se tão superior aos outros que não se pode aplicar a eles os mesmos padrões éticos que aplicamos a nós mesmos é simples e pura arrogância.


The Question


The Answer

A Tristeza Do Homem Sublime

December 22nd, 2009 by Sergio de Biasi


A Tristeza Do Homem Sublime

Alguns dias depois de eu publicar este texto aqui, eis que vejo um post do Pedro intitulado Duas canções para o “homem médio”, segundo ele “exercícios métricos para desanuviar” o clima de “Bolsa-Amor do Ministério da Saúde” produzido pelo meu texto. Por um lado eu acho absolutamente justo que o “homem médio” se sinta frustrado com um sistema no qual  a felicidade seja tão elusiva. Por outro, eu concordo com o Pedro que liberdade para buscar algo não é o mesmo que o estado ou a sociedade garantirem que você vai encontrar. E concordo adicionalmente que se ficamos chateados com as complexidades do comportamento dos outros, devemos antes de lhes atribuirmos toda a responsabilidade por nossas atribulações estarmos preparados para perceber o quão complexas são as nossas próprias necessidades. E precisamos estar, como em tudo o mais, dispostos a fazermos coisas que não queremos fazer para podermos obter resultados que de fato queremos. Isso se chama investimento, e ter autocontrole suficiente para fazê-lo, e para fazê-lo sem ficar fazendo cara feia e beiço é provavelmente umas das marcas mais distintivas de maturidade e equilíbrio emocional.


A Tristeza Do Homem Sublime
(versão alternativa)

Comento adicionalmente que ao tal “homem sublime” que se supõe “oprimido pela massa ignara” apenas como forma de responsabilizar a todos menos a si mesmos pelos seus problemas se opõe o “homem admitidamente pecador” que se supõe oprimido por sua insuperável e incontornável natureza torpe apenas como forma… de se eximir da responsabilidade pelas próprias escolhas. O fato de que não somos e não podemos ser perfeitos não é argumento para não buscarmos ser o melhor que pudermos, nem para eximir todo mundo de qualquer responsabilidade de pelo menos tentar ser bom. Dizer “é, eu sou mau mesmo, todos somos, quem disser que não é um impostor” é uma forma muito conveniente de se justificar por não buscar superar a própria ruindade. E se por um lado nem sempre tudo é “culpa do sistema”, por outro lado existem sim, situações nas quais o sistema é opressivo. Agora, mesmo quando isso é verdade, não precisa ser culpa de ninguém, e talvez seja em parte nossa. E mesmo quando baseada em insatisfações legítimas, de fato ficar paralisado nessa visão negativa do mundo no estilo “socorro, estou sendo oprimido” não nos leva muito longe. Então a alternativa a ficar só reclamando é tomar armas contra um mar de problemas, e em opondo-se a eles, sonhar derrotá-los. E não degenerar em ficar choramingando e com isso deixar de fazer o que pode de fato ser feito sobre o assunto. Quanto a isso tenho que concordar. E não me parece que meu texto sugira algo diferente disso. Muito pelo contrário. Mas se para certos paladares falta uma medida extra de desanuviação, sirvamos um pouco on the side.


Now we see the violence inherent in the system!