Acima : Buscas no Google por Karl Marx (fonte) (hoje)
Acima : Buscas no Google por Ayn Rand (fonte) (hoje)
Já dizia Marx que a religião seria o ópio do povo.
Naturalmente que para substituí-la, inventou o comunismo, que ironicamente (ou nem tanto) cumpre similar função à religião no imaginário humano : isto é, um sistema dogmático de pensamento grupal formador de identidade e pseudo-justificador de ações e crenças que de outra forma a média dos seres humanos normais dificilmente aceitaria como razoáveis, pretensamente com base em objetivos santos ou bons demais para serem questionados.
Com sua malévola invenção, Marx introduziu na cultura humana mais um violentíssimo meme que causou miséria sem fim desde então, exatamente como a religião. Seu triunfo foi tão grande que mereceu o epíteto de ópio dos intelectuais, dando fortes indícios de que em certos meios a religião é rejeitada não por ser opressiva, e massificante, ou condutora a todo tipo de violências, mas sim por ser percebida como brega e passée, muito ironicamente “coisa de proletário”.
Infelizmente, os efeitos do marxismo sobre o pensamento e a cultura humanas vão muito, muito além de suas teorias sobre economia política e sistemas comunistas. É triste mas patente o quanto vários dos princípios e axiomas postulados por Marx sobre a natureza da sociedade e da existência humana foram inconscientemente aceitos e introjetados por grande parte da intelectualidade e mesmo das pessoas comuns. Isso é ainda mais frustrante quando observado em pessoas que combatem vigorosamente as conclusões às quais Marx chegou enquanto docilmente abraçando seus pressupostos e arcabouço filosófico.
Uma dessas manifestações está na parcela dos pensadores que acreditam que todos os valores dignos de serem defendidos em sociedade não apenas têm o respeito e garantia da propriedade privada como requisito (algo com que eu tendo a concordar, e que tem profundas implicações) como vão muito além disso e defendem que tais valores são *derivados* do conceito de propriedade privada, e que para explicá-los, sustentá-los ou defendê-los bastaria corretamente garantir a propriedade privada (algo com o que eu absolutamente não posso concordar, e que também tem profundas implicações que vão muito além da afirmação original). Por falta de um nome melhor, chamarei a essa posição de ultra-liberalismo. (note-se que isso não é o mesmo que anarco-capitalismo, posto que os anarco-capitalistas adicionalmente rejeitam que deva haver uma entidade não-opcional chamada “governo” que tenha o poder de coercitivamente impor o respeito à propriedade privada.)
Muito ironicamente, foi Marx quem introduziu a “revolucionária” idéia de que o homem se reduz às suas relações econômicas, idéia que além de intrinsecamente perversa (por implicar diretamente a natureza fútil, descartável e ilusória de qualquer pretensão a transcendência) não corresponde nem remotamente à realidade de como as coisas efetivamente funcionam em sociedades reais ao longo da história.
Então embora rejeitando radicalmente certas linhas de pensamento sobre o que fazer sobre isso, a posição ultra-liberal mesmo assim introjeta essa que é uma das fundações do paradigma marxista. E disso conclui que a garantia da propriedade privada seria suficiente para produzir uma sociedade na qual certos direitos individuais estariam adequadamente preservados, que todos os outros direitos individuais que naturalmente e separadamente se poderia querer preservar – como liberdade de expressão, direito à vida, liberdade religiosa – estariam todos “protegidos” com recurso apenas ao conceito de propriedade privada. E conversamente crucial, o que não for protegido pelo recurso à propriedade privada não deve ser protegido mesmo.
Em constraste, note-se que o liberalismo clássico à la Adam Smith admite todo tipo de interferências do estado; ele apenas diz que o estado não deve se meter numa grande lista de outras coisas. Na outra ponta do espectro, temos o anarco-capitalismo, para o qual nem sequer a propriedade privada e os contratos devem ser garantidos por uma entidade coercitiva padrão.
Antes que isso comece a soar como se eu estivesse dizendo que cabe ao governo prometer felicidade eterna a todos (como parecem delirantemente e hoje em dia avestruzmente querer os comunistas mais ortodoxos, por exemplo), quero esclarecer que eu sou completamente contra a inflação histérica dos “direitos” de uma pessoa dentro do contrato social adotado por uma sociedade (ou grande parte do tempo simplesmente imposto pelo governo). O próprio termo “direitos humanos” foi seqüestrado pelas esquerdas de forma a significar todo tipo de absurdos, a ponto de soar mal para alguém de tendências libertárias quando se começa a falar em “direitos”. Só que em seu entendimento original e apropriado, “direitos” não são tudo aquilo que uma pessoa deveria ter num mundo ideal no qual todos são perfeitamente felizes (algo que é não só logisticamente mas fisicamente ou mesmo logicamente impossível garantir), e sim aquelas prerrogativas tão fundamentais do indivíduo que não podem ser cassadas, expropriadas ou negadas exceto para proteger a integridade das mesmas prerrogativas em outras pessoas. Se isso não for suficiente para fazê-lo feliz, que pena.
Pois bem, chamando por praticidade tais prerrogativas fundamentais que queremos ver preservadas de “direitos”, como vamos justificá-las dentro do contexto de que propriedade privada seria o valor fundador e primordial? Como vamos justificar por exemplo a proteção da integridade física de seres humanos individuais? Bem, o argumento dos ultra-liberais que defendem a propriedade privada como único valor realmente necessário é : chamemos seu corpo de sua propriedade, e aliás uma de grande valor. Pronto. Como vamos justificar a defesa da liberdade de expressão? Ora, simples, segundo os ultra-liberais : ela é simplesmente a proteção do livre uso dos meios físicos de expressão de sua propriedade. Você naturalmente não tem o “direito” de se expressar usando o New York Times só porque você quer; tem que usar seus próprios meios. Por outro lado se usar seus próprios meios – por exemplo distribuir panfletos no seu quintal para quem estiver passando – ninguém deve poder impedi-lo. Mais uma vez, reduzido à propriedade privada.
E que tal o respeito à liberdade de ir e vir? Bem, este é mais complexo, dado que exige um entendimento mais explícito sobre como deve ocorrer o uso de propriedade alheia. Suponhamos, num mundo ultra-liberal, que não existam estradas públicas; que todas as estradas pertençam a alguém (ou a alguma empresa). Será permissível que repentinamente o dono da rua onde eu moro decida cobrar uma mensalidade de mil dólares para eu utilizá-la? Vamos ainda mais longe; suponhamos que a empresa dona da minha rua decida que por eu estar inadimplente com minhas mensalidades (seja lá qual for o custo), não posso mais usar a rua, e portanto se sair de casa estou invadindo propriedade alheia e posso ser preso. Faz algum sentido estruturar a sociedade desse jeito?
Suponhamos uma outra questão relacionada. Suponhamos, novamente, num mundo ultra-liberal, que todas as fontes de água potável sejam de propriedade privada alheia. Suponhamos então que os fornecedores de água decidam se unir e concluam que seu ponto de lucro ótimo será obtido elevando universalmente o preço para 100 dólares por litro d’água, tendo lucros astronômicos, e deixando morrer de sede quem não puder pagar. Isso é razoável? Deve ser simplesmente permitido ocorrer?
Note-se, quando os ultra-liberais abordam questões como essas, a resposta deles nunca é “ah, não, isso não deve ser permitido pois…” ou “ah, não, nesse caso é legítimo forçar os donos de água a distribuí-la pois…”. Não. O que eles respondem, fiéis a seus princípios, não é que isso não deveria ser coercitivamente impedido. O que eles dão são respostas do tipo “Isso jamais poderia ocorrer pois…” ou “Essa situação automaticamente se auto-corrigiria pois…” ou “Essa situação não poderia perdurar pois…”. Em outras palavras, o que eles estão dizendo em última instância é que SIM, isso deveria ser permitido. Agora, note-se, argumentar que no longo prazo e em grandes mercados tudo se ajustaria de forma a que situações como essa não possam perdurar por muito tempo, mesmo que seja verdade, talvez continue não sendo aceitável. Talvez a situação não perdure porque por exemplo todos que não podem pagar por água morram de sede.
Existe toda uma variedade de questões com as quais temos que lidar no caso de querermos dar equivalência moral entre um ser humano e uma vaca ou um carro, apenas com maior valor e com a prerrogativa de ter propriedades.
Por coerência, por exemplo, um ultra-liberal deve defender que contratos de escravidão sejam perfeitamente válidos, desde que escolhidos de forma perfeitamente consciente e voluntária. Inclusive grande parte dos ultra-liberais aceita e defende exatamente isso abertamente. Sua liberdade, sua integridade física, seu direito à liberdade de expressão, todos esses direitos humanos considerados fundamentais e inalienáveis em nossas democracias ocidentais modernas seriam em princípio negociáveis. E na verdade os ultra-liberais consideram que privar alguém de negociar tais direitos é na verdade uma expoliação, dado que se está impedindo que o sujeito extraia lucro do uso de um bem de sua propriedade. Inclusive alguns autores argumentam que o trabalho assalariado em grande parte dos casos não é substancialmente distinto de escravidão, aliás pelo contrário, é essencialmente o mesmo tipo de contrato (vender voluntariamente sua liberdade) com menos flexibilidade para você negociar os termos de uso dos seus próprios bens. Enquanto isso, outros argumentam que um ser humano que nasça num mundo no qual para obter acesso aos recursos mais básicos necessários à sua subsistência necessita de assinar um contrato de servidão não é realmente livre. Interessantemente, esse é um dos vários casos em que certas vertentes de anarquismo fanaticamente anti-estatal e de comunismo histericamente totalitário chegam as mesmas conclusões por vias completamente diferentes. Os extremos, como freqüentemente ocorre, se tocam.
Aliás, é interessante dar um ou dois passos para trás e notar que na verdade essa visão de mundo na qual escravidão é encarada com naturalidade, por mais que hoje nos pareça, digamos, pouco ortodoxa, foi aceita durante grande parte da história humana como perfeitamente civilizada. É verdade que muitas vezes isso se dava num contexto em que o ingresso na escravidão não era voluntário, contrariando os princípios ultra-liberais, como no caso de prisioneiros de guerra. Mas por outro lado, mesmo algumas formas historicamente aceitas de escravidão involuntária são consideradas perfeitamente legítimas por alguns ultra-liberais, como a coação a trabalhos forçados para pagar dívidas. E existem várias outras formas de contrato de trabalho voluntário que um dia já foram perfeitamente aceitas pela sociedade e que hoje em dia são quase universalmente ilegais e consideradas moralmente inaceitáveis, mas que para um ultra-liberal são perfeitamente legítimas e deveriam ser reintroduzidas, como a indentured serfdom, feudal serfdom, ou mesmo a moderna truck serfdom, esta última permanecendo perfeitamente legal em grande parte dos países. Esse tipo de contrato, porém, mesmo quando perfeitamente voluntário, foi sendo historicamente progressivamente percebido como imoral e abusivo. Isso na verdade nos leva ao centro do paradoxo libertário : se queremos uma sociedade livre, devemos dar às pessoas a liberdade de jogarem voluntariamente fora sua própria liberdade? Mas essa não é a questão central aqui, e sim se a propriedade privada como pilar fundamental da ética é suficiente para preservar os valores morais que grande parte das pessoas gostaria de ver preservado. Eu acho claríssimo que não. O que uma boa parte dos ultra-liberais responde a isso não é que a defesa da propriedade privada preserve sim esses valores, e sim que não preserva mesmo e que essa grande parte das pessoas está equivocada e não tem nada de eticamente errado com escravidão.
Mas não acaba aí; em princípio seria possível fazer um contrato vendendo por exemplo meu coração para transplante (causando minha morte) por exemplo para tirar minha família da pobreza. Ou assinar um contrato abrindo voluntariamente mão de meus direitos políticos (por exemplo comprometer-me a não votar) como condição para trabalhar para uma certa corporação. Ou assinar um contrato abrindo mão da minha liberdade religiosa (por exemplo comprometer-me a não ir mais à igreja no domingo) como condição para fechar um contrato de aluguel de um apartamento. Ou assinar um contrato de servidão sexual pelo resto da vida em troca de casa e comida. Todos esses acordos voluntários são não só aceitos como perfeitamente legítimos por uma boa fração dos ultra-liberais, como é sua proibição que é enxergada como em ultima análise totalitária e perniciosa.
Eu pessoalmente não vejo como isso poderia ser razoável. Para mim, não existe possibilidade de equiparação ética entre coisas e pessoas, que é literalmente o resultado prático dessa forma de estruturar o que seria socialmente aceitável. Claro, um ultra-liberal argumentará “Mas veja bem, então o sujeito não vender seu coração e aí então a família inteira dele, inclusive ele, morrerem todos de fome e todos os corações irem pro lixo e serem comidos por vermes é de alguma forma *melhor* do que ele vender seu coração e salvar o resto da família da pobreza?” E de fato, é um argumento ao qual é difícil dar uma resposta. Quem somos nós para proteger as pessoas se suas próprias decisões, certo? E se uma pessoa não pode vender seu coração, por que poderia vender, por exemplo, serviços sexuais? Onde está o limite além do qual alguma barreira fundamental foi ultrapassada?
A resposta ultra-liberal é : nenhum. Cada um deve ter livre direito de dispor de si mesmo como achar melhor, e isso inclui o direito de abrir mão do direito de dispor de si mesmo como achar melhor. O que para todos os efeitos é : a pessoa tem o direito de se tornar uma coisa. Só que uma pessoa se tornar uma coisa não é realmente uma possibilidade lógica. Não interessa quantos contratos ela assine, ela continua sendo uma pessoa. E não trata-la como tal é desumanizante não só para ela como para toda a sociedade ao redor. Então para mim não é suficiente que haja uma decisão voluntária para que um contrato seja válido. É preciso também que esse contrato não retire da pessoa certas liberdades fundamentais.
Agora, esse é o meu ponto de vista. Outros podem concordar ou não. Mas seja qual for o caso, note-se que este raciocínio de que tudo no homem possa ser reduzido às suas relações econômicas (e que leva diretamente à legitimação de que o homem possa ser “coisificado”) é precisamente uma das bases paradigmáticas do marxismo, e foi usado como argumento para justificar algumas das maiores barbaridades na história humana. E muitíssimo ironicamente, alguns daqueles que mais ardentemente combatem o comunismo compraram e introjetaram essa mesmíssima idéia.
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Existem ainda outras questões com o ultra-liberalismo e com a idéia genérica de que o livre mercado associado à defesa da propriedade privada se encarregará por tabela de todo o resto, maximizando a liberdade e a felicidade de todos. Para começar, é discutível que de fato o mercado completamente livre de inteferências realmente se auto-regule para maximizar algum tipo de somatório da função utilidade. Além disso, é praticamente um ponto de fé que o que maximiza a produtividade / lucro / utilidade total corresponda a algo que consideraríamos moralmente aceitável algo que maximize a liberdade individual ou mesmo algo que maximize a função utilidade (i.e. a grosso modo felicidade) para o ser humano mediano.
Analisemos esses pontos em mais detalhe.
A questão de se o ultra-liberalismo leva a solucões moralmente aceitáveis foi extensamente discutida na primeira parte do texto, mas só para recolocar sucintamente a questão, considere-se o seguinte exemplo. Talvez se deixarmos tudo ao sabor do livre mercado, pode ser o caso de que a função utilidade total seja maximizada com 10% da população ficando desempregada e literalmente falecendo de fome; talvez isso conserte um excesso de mão de obra circunstancialmente desnecessária e aumente muito a qualidade de vida de todas as pessoas remanescentes. Ou seja, não existe qualquer necessidade lógica de que o que maximiza o somatório da função utilidade seja moral. Estamos dispostos a aceitar isso?
Quanto ao ultra-liberalismo levar automaticamente a uma economia maximamente produtiva, a crise econômica atual dos EUA inspira fortes argumentos contra essa noção. Surpreendendo tanto esquerdas quanto direitas, a crise não foi causada nem pelos bancos malvados explorando a sociedade nem pelo governo malvado oprimindo os nobres e empreendedores bancos. Sim, o governo fez grandes besteiras nessa história toda, mas mesmo dentro do contexto deturpado pela interferência governamental, os bancos tomaram espontaneamente decisões alucinadas. E não foram alucinadas apenas no sentido de egoístas ou ganaciosas; elas foram suicidas e contra seus próprios interesses. Muitos bancos foram à falência por investir zilhões em empréstimos para pessoas que absolutamente e obviamente não tinham como pagar, ou por comprar ou vender produtos financeiros baseados em tais empréstimos. Como isso foi possível? Ora, ocorreu que indivíduos gananciosos dentro das instituições financeiras tiveram lucros fabulosos com tudo isso e foram pra casa rindo com o bolso cheio de dinheiro. Então assim como é contra a lei passar cheques sem fundo (não dá para argumentar “oh mas eu achei que ia ganhar na loteria”), também é muito razoável que haja limites por exemplo para quanto capital um banco pode emprestar sem que tenha lastro para isso, e que outros tipos de transações financeiras sejam reguladas para proteger o público – e os próprios bancos – de fraude e má fé.
Diante dessas observações, e em situações como essa, muitos ultra-liberais mesmo assim ainda retrucam que o sistema em questão não era “verdadeiramente” livre e por isso houve a crise, que o que falta é ainda mais liberdade e aí tais fenômenos seriam evitados. Isso soa tão suspeito quando dizer que União Soviética, Cuba, Coréia do Norte, etc não são “verdadeiramente” ou “suficientemente” comunistas e por isso não funcionaram.
Inclusive há muitas indicações de que a liberdade completamente desregulada, em não havendo qualquer mecanismo coercitivo para mantê-la, é instável e não se automantém. A liberdade irrestrita de mercado tende a se autodestruir indo em várias direções que não necessariamente coincidem com a que maximiza eficiência produtiva, umas das mais óbvias sendo a cartelização. Os ultra-liberais tentam argumentar que “Isso não vai acontecer pois… (insira argumento aqui)” descartando o fato de que em todos os mercados reais quem mais odeia a liberdade de concorrência são as grandes empresas, que se cartelizam em todas as oportunidades possíveis. Na prática, grandes empresas adoram monopólios, tentam construí-los com ou seu a ajuda do governo, e não hesitam em usar seu poder para fixar preços, forçar ou induzir o consumo de produtos que ninguém quer, subverter outros mercados usando o peso de seus recursos financeiros, confundir o consumidor de forma a fazer escolhas subótimas. As grandes empresas têm em geral pouquíssimo respeito pelo conceito de livre competição e livre mercado e buscam tanto possível destruir essas forças ou mantê-las sob administrável controle. Aqueles que realmente têm poder econômico suficiente para influenciar mercados inteiros não raramente buscam obsessivamente restringir a liberdade de escolha individual do consumidor usando de mecanismos completamente artificiais e que por vezes beiram o delirante e/ou abertamente coercitivo se possível.
Aliás, mesmo aceitando que se o mercado for completamente livre ele convergirá para o ponto que maximiza a eficiência econômica e a produção de riqueza, não há qualquer necessidade lógica de que isso simultaneamente maximizará a liberdade individual. Possivelmente o sistema mais economicamente produtivo consista exatamente em dar a menor quantidade possível de escolhas às pessoas.
O que nos leva ao último e mais problemático ponto, que coloca sérios dilemas para quem é libertário : deixadas livres, muitas pessoas escolherão a servidão, e apenas terão liberdade se essa lhes for imposta. Então talvez um sistema que torne a todos servos maximize a felicidade do homem mediano. Ou conversamente, mesmo supondo que o ultra-liberalismo levasse a um sistema moralmente aceitável e que maximizasse a liberdade das pessoas, isso pode não equivaler a maximizar a felicidade individual. A questão é que talvez certas pessoas, possivelmente muitas, sejam mais FELIZES com alguém lhes dizendo o que fazer do que lhes sendo dada livre escolha. Então no final das contas uma sociedade totalitária pode maximizar a função utilidade dessas pessoas, que preferem a “segurança” de um estado que escolhe tudo por elas à aterrorizadora responsabilidade de tomarem suas próprias decisões.
Em resumo, maximizar produtividade, maximizar liberdade e maximizar felicidade podem não ser objetivos convergentes ou mesmo compatíveis. Tratá-los como se estivessem solidamente atrelados de forma que seria possível descartar um e pensar somente nos outros não só não funciona como pode levar a grandes erros.