Ainda Homens, Mulheres e Sexo

August 8th, 2010 by Sergio de Biasi

Maslow’s Hierarchy of Needs
Mulheres do mundo que amam sinceramente algum homem :
prestem muita atenção na figura acima.

Vou escrever aqui sobre algo que uma quantidade imensa de homens pensa e sofre cotidianamente mas que na maior parte das vezes não expressa abertamente ou não consegue sequer articular claramente para si mesmo tal a quantidade de bombardeio ideológico sobre o assunto que prevalece em alguns contextos.

Uma das idéias mais destrutivas para relacionamentos de casais heterossexuais nos últimos 40 anos foi a de que como forma de “libertação” as mulheres casadas ou em relacionamentos monogâmicos estáveis têm o dever político de fazerem sexo se e apenas e precisamente quando estiverem cheias de vontade, e que qualquer coisa diferente disso seria “opressiva”, “errada” ou algum tipo de tentativa animalesca de seus maridos de objetificá-las ou torná-las escravas sexuais.

Esta idéia explora e estimula da forma mais vil as inseguranças e medos femininos e está na base de algumas deformações patológicas que se pode facilmente observar nas relações conjugais em muitas sociedades ocidentais contemporâneas.

Agora vejamos, no passado, o problema (que persiste em vários países do mundo) que precisava ser levantado era que os homens usavam seu poder econômico, político e muscular para controlar, chantagear e forçar as mulheres em geral a suportarem situações injustas e indignas da qual tinham estruturalmente muito poucas formas de escapar. Esse problema foi (corretamente) levantado e combatido ao longo de décadas, e embora não se tenha chegado à perfeição, houve imenso progresso e hoje vivemos num mundo no qual em grandes partes do planeta uma mulher não mais precisa depender do patrocínio de um homem para atingir independência e segurança econômica, social e pessoal.

Porém, nesta nossa nova realidade mais civilizada que criamos, despontou um problema simétrico do lado dos homens, um que atinge proporções absurdas, em particular em sociedades americanizadas ou americanófilas, como muitas e cada vez mais são. Em parte, a questão é que esse sentimento de “empowerment” e “entitlement” das mulheres foi longe demais e ultrapassou a saudável busca pelo respeito mútuo, pela autopreservação, pela liberdade e pelo crescimento pessoal, para se transformar numa ideologia combativa e ácida que coloca homens e mulheres como adversários e encara quaisquer sacrifícios e concessões feitos pelas mulheres como opressivos e inaceitáveis. O que era pra ser o saudável resgate de uma identidade perdida transbordou para a noção ridícula e narcisista de que não fazer exatamente e somente o que você quer exatamente na hora em que você quer é algo abominável, grotesco, impensável.

Até certo ponto, a afirmação do ego e da vontade feminina era sim necessária em sendo o projeto estabelecer uma situação mais equilibrada e justa. Só que levada às últimas conseqüências, isso acaba resultando no mais destilado e indisfarçado egoísmo. Como no caso de vários grupos previamente oprimidos, uma (boa) parte das mulheres caiu na armadilha de quererem se libertar adotando precisamente os valores arquetipicamente representativos dos que percebiam como sendo seus opressores, e hoje em dia é considerado normal e aceitável uma mulher ignorar, desrespeitar, demonizar e até mesmo caçoar (!) das necessidades afetivas, emocionais e sexuais de seus parceiros, precisamente o tipo de comportamento caricaturalmente “masculino” que no passado lhes causou tanto sofrimento, desconforto e que tão vocalmente criticaram.

Então são agora as mulheres que regularmente ignoram as necessidades, desejos, sentimentos e aspirações dos homens. Em tendo conquistado a possibilidade de segurança econômica, social e pessoal que não dependa de submissão total da sua vontade, sentem-se então dotadas da prerrogativa – não, do dever! – de nada mais fazerem numa relação a dois senão exata e precisamente aquilo que desejarem. Em particular, sentem-se energeticamente empossadas, numa relação monogâmica estável, do “direito” de não fazer nada (em particular sexo) senão apenas e exatamente quando quiserem.

Essa á uma noção absurdamente egoísta e infantil do que seja um relacionamento.

Claro, um homem também tem o “direito” de, digamos, falar com a sua mulher e ouvi-la apenas quando quiser e estiver afim e não quando ela precisar. Ou de forma mais geral de nunca prestar qualquer atenção a nada do que ela é, quer ou necessita, e fazer apenas o que calhar de coincidir com o que ele espontaneamente quer. Evidentemente que um homem tem o “direito” de fazer isso. Mas se o fizer, provavelmente fará uma mulher que mesmo assim escolher estar ao seu lado numa relação sólida profundamente infeliz e frustrada. Esse tipo de comportamento foi historicamente (e corretamente a meu ver) criticado como egoísta, insensível e inaceitável.

Mas se é inaceitável para um homem descartar as legítimas necessidades femininas de sua mulher como “frescuras”, e se recusar por exemplo a cotidianamente ouvi-la falar sobre seus sonhos, desejos, sentimentos e aspirações quando isso cumpre uma função psicológica e afetiva importantíssima para ela, por que seria para uma mulher aceitável fazer o mesmo com relação às correspondentes legítimas e muito reais (mas diferentes) necessidades masculinas de seu parceiro?

Agora vejamos, é um fato óbvio e facilmente verificável que no caso geral homens e mulheres têm libidos diferentes, necessidades sexuais diferentes, formas diferentes de ficarem excitados, freqüências diferentes com que desejam sexo, etc. Isso já seria verdade nem que fosse apenas pela individualidade da personalidade de cada um, mas é visivelmente diferente entre homens e mulheres, algo que pode ser abundantemente observado diretamente, e está documentado à exaustão em estudos científicos para quem sentir necessidade disso. Claro, existem exceções de ambos os lados, mas a norma para um casal médio é que sejam diferentes. E o desequilíbrio estatisticamente é na direção de os homens (entre outros aspectos) espontaneamente desejarem relações sexuais com mais freqüência do que as mulheres, assim como é de as mulheres espontaneamente precisarem (entre outros aspectos) de pronunciar uma maior quantidade de palavras por dia.

Muito as mulheres em geral discursam, historicamente bem mais do que os homens, e isso é perfeitamente compreensivel por motivos biológicos, sobre a necessidade de “compromisso”, de comprometimento e de investimento numa relação. Eu pessoalmente concordo com isso. Mas quando chega o momento de fazerem o *seu* lado do investimento, isto é, de fazer não somente aquilo que elas estavam espontaneamente buscando de qualquer forma, e sim aquilo que pedem dos homens – sair um pouco de si mesmo e pensar no outro, ceder para fazer o outro feliz – as mulheres “modernas” sentem-se cada vez mais “sufocadas” por esse repentinamente revoltante e herético conceito. Infinitamente inseguras e preparadas para tratar qualquer homem como seu inimigo mortal à primeira sugestão de que terão que fazer qualquer coisa que não seja exatamente o que queriam, ao mesmo acham perfeitamente natural e razoável exigir categoricamente que os homens cedam em praticamente tudo.

Se uma mulher deseja seriamente estabelecer uma relação monogâmica estável de longo prazo baseada em compreensão, amor e respeito mútuos com quase qualquer homem normal e saudável, deve estar sim preparada para ser uma parceira sexual constante e receptiva, precisamente da mesma forma como um homem que queira o mesmo deve estar preparado para ser um parceiro afetivo constante e receptivo. Isso não é algo derivado de nenhuma hierarquia entre os sexos, ou de leis morais aleatórias reveladas por entidades imaginárias, e sim puro e simples *bom senso*. Querer idealizadamente que haja um contínuo encontro espontâneo de vontades por mágica sem nenhum investimento deliberado nessa direção é completamente fora da realidade. É do mesmo nível que querer fazer pós-graduação mas disposto a ler somente os livros que der vontade e quando der vontade. É um tipo de pensamento infantil no qual se quer obter um resultado sem estar disposto a colocar nisso o seu suor. Todos nós fazemos montes de coisas que não queremos fazer todos os dias, por uma coleção de motivos – econômicos, políticos, profissionais, sociais. Claro, nós temos grande parte das vezes o “direito” de não fazê-las. Eu certamente tenho o “direito” de ir dormir ao invés de estudar para a prova que tenho amanhã. Mas nesse caso não devo ficar surpreso se meu plano de ganhar um diploma começar a não ir lá muito bem. Da mesma forma, se for o caso de que construir e manter uma relação de casal equilibrada, saudável e recompensadora com um homem típico é algo importante para você como mulher, eu afirmo que é um fato biológico básico e óbvio que se você regularmente se negar a fazer sexo com ele, esse projeto terá grandes chances de fracassar.

Note, não digo com isso que então a solução seja a mulher trincar os dentes e “agüentar firme”. Essa é uma *péssima* solução, tão obviamente péssima que eu colocaria que uma mulher que estiver disposta a persegui-la estará mesmo ou autenticamente se violentando (por desespero ou falta de opção) ou então agindo de forma passivo-agressiva para provar algum ponto bizarro. Agora, se esta de fato não é uma opção viável, por outro lado, observo que não existem apenas as opções de trincar os dentes versus ignorar solenemente as legítimas insatisfações do seu parceiro. É preciso abrir espaço para o seu parceiro na sua vida, é preciso descobrir formas de fazer as coisas sem se violentar. Construir uma relação na qual se aprenda a fazer o outro feliz não como uma chateação ou um aborrecimento mas como uma experiência mutuamente enriquecedora para ambos os lados. E se você fisicamente não consegue por exemplo fazer sexo sem se sentir horrível em estando trabalhando 12 horas por dia, bem, então talvez você precise trabalhar menos se quiser que seu casamento sobreviva. Ah, é pedir demais? Bem, observações e compromissos similares e da mesma magnitude valem para o lado masculino para preservar a viabilidade da relação. Um homem que só tenha tempo e energia para o seu próprio crescimento e satisfação pessoais também não será um bom marido. É preciso haver diálogo, boa vontade e investimento de ambos os lados para chegar construtivamente a algo que funcione para os dois. É preciso levar sinceramente a sério as necessidades e sentimentos do outro. Mas assim como é inadministrável a “solução” de dizer à mulher que “eu quero fazer sexo, dane-se o que você está sentindo, não é problema meu, trinque os dentes e agüente firme”, é igualmente inadministrável a “solução” de dizer para o homem “”eu não quero fazer sexo, dane-se o que você está sentindo, nao é problema meu, trinque os dentes e agüente firme”. Mulheres que sentem que sua sexualidade não está sendo respeitada ou compreendida, leiam a frase anterior com muita atenção e entendam que os homens também têm sentimentos.

No passado não muito distante (que nem sequer é passado em vastas regiões do mundo) uma mulher querer, buscar e fazer sexo livremente de acordo com sua vontade era considerado “coisa do demônio”. A duras penas, conseguiu-se progressivamente relaxar essa noção e dar às mulheres muitissimo mais controle e liberdade sobre suas vidas sexuais, e hoje em dias essa autonomia é cada vez mais considerada aceitável, legítima e normal. Eu pessoalmente acho isso muito certo e positivo. Os imperativos biológicos que levavam a essa atitude conflitam terrivelmente com a potencial sofisticação psicológica, intelectual e social dos seres humanos modernos. Porém existe uma diferença muito grande entre ter sua autonomia para decidir reconhecida como legítima – e é mesmo – e resolver usá-la de forma completamente egoísta. Coloquemos assim – cada pessoa deve ter a liberdade de dar ou não atenção a quem quiser. E certamente está entre os meus sagrados direitos civis responder, para alguém que me pede as horas na rua,  “não enche”, e continuar andando. Certamente é meu “direito” fazer isso. É também extremamente anti-social e destrutivo.

E aliás, perversa ironia, ao mesmo tempo em que se aceitou como progressivamente mais razoável que a mulher decidisse fazer sexo com quem quisesse (e novamente, eu acho isso muito razoável), foi-se por outro lado cada vez mais demonizando o instinto sexual masculino, e hoje quem é condenado por seus impulsos absolutamente normais, naturais e esperados é o homem – mesmo quando ele deseja expressá-los dentro de uma relação monogânica estável! Mulheres, não existe absolutamente nada de anômalo, pervertido ou destrutivo em um homem querer sexo basicamente o tempo todo. Essa é a condição saudável, normal, espontânea e esperada de grande parte dos homens. O papel do sexo na vida do homem médio é bem diferente do papel que sexo tem para a mulher média. É tão absurdo uma mulher achar “pervertido” e sinal de falta de caráter e superficialidade o nível de interesse de um homem médio em sexo quanto um homem achar o mesmo sobre o grau de interesse que uma mulher média tem em querer contar como foi o seu dia. Ideologizar essas diferenças é simplesmente xenofobia, medo do desconhecido, incapacidade de sair um pouco de si mesmo aceitar o diferente. Tanto homens quanto mulheres – e pessoas em geral – têm lá suas necessidades perfeitamente legítimas, e grande parte delas nem é lá tão original assim. Então se você está seriamente querendo ter uma relação estável e feliz com alguém do sexo oposto, que tal estar disposto e voluntariamente engajado a conjuntamente achar uma forma mutuamente satisfatória de dar conta dessas necessidades? A atitude moderníssima de “sua felicidade não é problema meu” é simplesmente uma encarnação míope, estúpida e farsesca do dilema do prisioneiro.

Então sim, é óbvio que as mulheres têm o “direito” de ignorar solenemente e até desdenhosa e triunfalmente as necessidades sexuais de seus parceiros. Elas têm esse direito precisamente da mesma forma que um marido tem o “direito” de só dar atenção e carinho à sua esposa precisamente quando lhe convier e nas outras circunstâncias retrucar rudemente “que saco, não enche”. Mas não se deixem carregar pela ilusão de que ao fazê-lo estarão se tornando grandes heroínas defensoras da liberdade e da justiça. Nem esperem que com isso conquistarão a confiança, o companheirismo, a boa vontade e a amizade de seus parceiros. Desnuda de ideologias, sua motivação é a mais antiga e simples do mundo : egoísmo. Claro, é perfeitamente legítimo que uma mulher tenha um ego e o afirme. Histórica e culturalmente isso precisou / precisa mesmo em alguns momentos ser sublinhado. Em doses justas eu chegaria a colocar que é necessário e saudável. Mas é muito, completamente, radicalmente diferente exigir que suas necessidades sejam reconhecidas como legítimas versus reconhecer *apenas* as suas necessidades como legítimas. E isso vale tanto para homens quanto para mulheres.

 

6 Responses to “Ainda Homens, Mulheres e Sexo”

  1. Ana Beatriz says:

    Os casais têm que conseguir conversar sobre o que cada um sente, mas aqui fica uma sugestão para diminuir o descompasso entre a libido masculina e a feminina: homens, beijem mais as suas mulheres. Além de ser romântico, o homem tem muita testosterona presente na saliva, que passa para a mulher durante o beijo. Então a mulher vai estar bem mais receptiva depois de um beijo prolongado. E não as beijem só quando quiserem sexo, mas em outros momentos do dia também. Resultado garantido.

    • Oi Ana,

      Valeu o feedback!

      De fato esse é um fato estatisticamente característico e repetidamente descrito na literatura que diferencia homens e mulheres médios. Um homem médio estará perfeitamente feliz com (e em vários momentos talvez até achará altamente erótico) ir direto às partes mais sensíveis e mandar ver com total entusiasmo. Se você quer deixar um homem feliz, quase universalmente funcionará baixar a calça dele e pular direto no centro da ação. Aliás essa é em geral uma ótima maneira de deixar seu parceiro feliz. :-) Já uma mulher média em geral fica progressivamente receptiva e excitada com estímulos em partes *menos* sensíveis e ficará em geral até mesmo incomodada com pular direto para as mais sensíveis.

      Não me lembro qual foi o filme no qual o personagem principal, muito bem sucedido com as mulheres, explica para um sujeito inexperiente que está pedindo conselhos : “Man and women actually have the same sex drive, only the woman has it 15 minutes later. If you just learn to wait for her to get where you are, she will actually jump at you. If you don’t, everything will shut down and you will be left wondering what happened.”

      Mulheres, em estando num relacionamento sólido com alguém de quem gostam e em quem confiam, expliquem pacientemente do que precisam. Pode ser frustrante às vezes, mas é um investimento muito importante em ter uma relação legal. O que é “óbvio” para você pode ser completamente alienígena para seu parceiro. Talvez mais do que você imagine. Não partam do princípio de que “se é preciso dizer então não serve”. :-) Mas ouçam também seus homens, e busquem sinceramente e companheiramente entender o que os excita e do que precisam. Na maior parte dos casos, em jogando a ideologia fora, com uma quantidade moderada e saudável de compromisso de ambos os lados é possível os dois saírem muito satisfeitos.

      E homens, ouçam suas mulheres! :-)

      Beijos,
      Sergio

  2. Nypoa says:

    Caro Sergio,

    Vc já ouviu falar sobre o “Efeito Coolidge”? Sugiro que dê uma olhada. Outra questão interessante: qual seria a explicação evolutiva para esse tamanho desencontro de agendas sexuais?

    Nossos parentes maís próximos, os bonobos, e logo em seguida pelos chimpanzés, são promíscuos. Os raros animais que serialmente monogâmicos (já que não existe na natureza a monogamia vitalícia), não apresentam dimorfismo sexual. O nosso, de aproximadamente 15%, é típico de espécies promíscuas. Nossos antepassados – antes do surgimento da agricultura – tinham arranjos famiiares e uma liberdade sexual infinitamente diferentes da nossa.

    Homens e mulheres têm o mesmo volume de desejo sexual. Mss qdo presos um ao outro, é um desastre. Em lugar de ficar brigando com a natureza, talvez seja nelhor brigar contra a cultura.

    []s,

    Nypoa

    • A questão é precisamente essa : o que melhor produz descendentes não é necessariamente o que melhor produz pessoas felizes. As estratégias reprodutivas ótimas na idade da pedra não são necessariamente as que melhor funcionam hoje. Possivelmente hoje seja mais evolutivamente vantajoso ter uns poucos filhos e cuidar muito bem deles do que ter 10 filhos que terão uma vida miserável. Agora, nada disso leva em conta a felicidade ou bem estar material dos pais exceto como ferramenta para reprodução.

      Saudações,
      Sergio

  3. Mario Jorge says:

    Muito bom texto, parabéns…

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