Atração Não É Uma Escolha

May 13th, 2011 by Sergio de Biasi

Blue Footed Booby Mating Dance

No vídeo acima, o pássaro menor é um macho que busca impressionar a fêmea. Ele está seguindo sua programação genética. A fêmea também. Nesta espécie, isso é feito levantando e abaixando os pés e abrindo e fechando as asas. Ao final, ele é rejeitado. Em sendo esse um resultado recorrente, seus genes desaparecerão da face da Terra. Seja lá o que ele estiver fazendo, tenderá a se tornar menos comum. É simples assim. Para nós, talvez pareça patético e arbitrário. Quão diferente porém seria a opinião de um alienígena olhando para nossos próprios rituais de acasalamento?

Evidentemente, como humanos, com todo o nosso gigantesco (sem ironias, pelo menos em comparação com um pássaro) potencial para o pensamento abstrato, queremos naturalmente acreditar que somos melhores do que isso. Que podemos tomar “decisões” menos malucas (existencialmente falando) do que escolher o parceiro com os pés mais azuis, ou no nosso caso, com os maiores peitos, os lábios mais vermelhos, ou segundo quaisquer outros atributos igualmente irrelevantes sob qualquer critério minimamente transcendente. O fato é que não podemos. Repita comigo : atração não é uma escolha. Pense sobre esta frase, leia de novo, reflita sobre ela. Pense sobre as implicações.

Atração não é uma escolha.

Claro, até certo ponto com muita determinação, obstinação e persistência temos um certo grau de controle sobre o que fazer diante disso. E de fato, é saudável conseguir pensar sobre este assunto em termos de que logicamente falando não precisamos seguir cegamente nossa programação genética. Mas se por um lado nossa programação genética nos permite um certo jogo de cintura sobre como agir, continua estando essencialmente além do nosso poder de deliberação determinar certos parâmetros fundamentais com os quais nos defrontamos quase como condições dadas, impostas a nós por processos fora do nosso controle, mesmo que tenham origem em nós mesmos. De certa forma, descobrimos quem somos não tanto por instrospecção direta quanto por convivermos 24 horas por dia conosco e termos acesso ao que ocorreu em toda uma variada gama de circunstâncias. O que achamos que nossa versão idealizada favorita de nós mesmos deveria querer não deve ser confundido com o que se formos honestos observamos que efetivamente queremos.

Blue-footed Booby dance

O problema é que o que efetivamente queremos intensamente e o que (se tivermos um mínimo de bom senso) percebemos que seria “bom” para nós por uma série de critérios diverge enormemente em grande parte das situações. E do ponto de vista científico e lógico é perfeitamente esperado que assim seja. O que é bom para a perpetuação e disseminação dos nossos genes não precisa ser o que é bom para esta gigantesca colônia de genes que chamamos de ser humano. De fato, do ponto de vista estritamente pragmático, quase sempre buscar a reprodução é um investimento enormemente deficitário de tempo, energia e de outros recursos que poderiam  ter sido empregados em prol de nossa segurança e conforto. Por que o fazemos então? Ora, fácil – aqueles que não o fazem cometem suicídio filogenético e não deixam descendentes propensos a ter comportamento similar.

E assim como o comportamento genérico de querermos autodestrutivamente espalharmos nossos genes não precisa coincidir e freqüentemente não coincide com o que melhor serviria à nossa autopreservação ou mesmo sobrevivência, o mesmo ocorre no processo de escolha dos parceiros junto aos quais concretamente implementar esse impulso. Claro, temos livre arbítrio e coisa e tal para fazermos o que quisermos ao escolhermos nossos parceiros. Mas o que vezes demais é subestimado além do limite do delirante é o quanto o que *queremos* não está lá exatamente sob o nosso controle. Aliás, em grande parte dos casos, não temos nem sequer um grau muito profundo de instrospecção sobre *o quê* de fato queremos, mesmo quando se tratam de desejos e impulsos fortíssimos. Então começamos a inventar todo tipo de explicação maravilhosamente sofisticada para dar conta do que estamos fazendo quando de fato estamos – por vezes transparentemente para quem olha de fora – simplesmente fazendo exatamente o que queremos. Apenas que não escolhemos o que queremos e nem sabemos ao certo o que é. Tal é a irônica condição do livre arbítrio humano.

Quando defrontados então com um relacionamento romântico, todas essas contradições brilham com fulgor máximo. Nós queremos coisas um do outro que não entendemos, não escolhemos e por vezes nem sequer somos capazes de perceber ou admitir ou articular. E possuir um parceiro sexual é algo que ocupa posição de importância privilegiadissimamente suprema na psique humana. Então todos os sentimentos associados a isso são muito fortes. Seria de se esperar que escolhêssemos alguém capaz de ocupar ao nosso lado a posição de amigo e companheiro e que pudéssemos fazer feliz e que nos pudesse fazer feliz. Mas na prática quando confrontados com escolher entre uma ganhadora de prêmio Nobel com extraordinária estabilidade emocional, fisicamente linda e uma maravilha na cama versus uma mulher completamente desequilibrada que nítida e previsivelmente torna tudo ao seu redor um inferno *mas* que segundo os nossos critérios genéticos automáticos de avaliação maximiza a probabilidade de sucesso em fundar novas colônias bem sucedidas para disseminação dos nossos genes… nossos instintos pularão instantânea e fervorosamente na direção da segunda opção. Note-se que nossos instintos não precisam estar certos nem mesmo sobre isso. Eles podem estar fazendo uma escolha pobre e deficiente até mesmo em termos evolutivos. Mas sem essa propensão insufocavelmente irresistivel a ignorar quaisquer outras considerações e colocar todos os nossos recursos emocionais, intelectuais e físicos a serviço de perseguir acasalamento com o parceiro detectado como suspeito – acertadamente ou não – de ser evolutivamente  favorável, nós simplesmente deixamos menos descendentes do que quem não for tão comprometido com este objetivo. Então nossos imperativos categóricos ditados geneticamente até nos deixam grande latitude sobre *como* atingir certos objetivos, mas ao mesmo tempo muito, muito pouca liberdade para escolher quais eles serão, ou mesmo para questioná-los.

 

Blue Footed Booby Mating Dance

10 Responses to “Atração Não É Uma Escolha”

  1. Interessante, mas o mesmo se aplicaria aos homossexuais? Aliás, o principal argumento anti-naturalista no que se refere ao homossexualismo como patologia é sua tendência extintiva e, portanto, contrária aos anseios da natureza humana. Eles seriam, portanto, o antagonismo da procriação humana e, à biologia naturalista, a anomalia dessa perseguição procriativa que é instinto inevitável e concebível somente entre macho e fêmea.

    • Eu acho perfeitamente razoável argumentar que a homossexualidade seria um desvio do comportamento evolutivamente ótimo, assim como naturalmente o são digamos a hemofilia ou a fenilcetonúria, que mesmo sendo prejudiciais à capacidade reprodutiva, persistem endemicamente presentes como possibilidade fenotípica. Note, o fato de que somos dotados de impulsos instintivos que foram moldados por processo evolutivos não significa que nossos genes saibam o que estão fazendo. Em quaisquer casos particulares, eles podem estar completamente equivocados até mesmo sobre o que maximizará nossas chances de melhor nos reproduzirmos. O argumento não é de que os genes ponderem sobre o que melhor lhes servirá e então tomam uma decisão. O argumento é que os genes menos competentes em fazê-lo deixam menos descendentes. A variedade continua existindo, e na verdade ela é não só saudável como essencial para o processo evolutivo. E de resto associar valor moral a preferências sexuais ou de forma mais geral querer emprestar conotações negativas a qualquer comportamento apenas por ele ser desviante do que é mais comum ou do que estamos acostumados me parece ser completamente injustificavel e essencialmente perverso.

      Então sim, isso tudo se aplicaria tambem aos homossexuais, apenas e o caso de que neles o objeto de desejo está fixado em alguém do mesmo sexo. Que função evolutiva isso cumpriria? Provavelmente nenhuma, e por isso mesmo o homossexualismo não é o comportamento dominante. Note porém que mesmo dentro do homossexualismo essa necessidade fundamental de sexo permanece ativa; é um “deslize” do ponto de vista biológico que seja voltada para o mesmo sexo, mas os mecanismos fundamentais do comportamento voltado para reprodução estão lá.

      Quanto aos anseios maiores da natureza humana, eu quero crer que eles possam ser mais profundos do que gerar o mais eficientemente possível por todos os meios disponíveis o maior número possível de cópias de nossos genes. Isso é apenas o que por acidente da lógica fomos condenados a buscar.

      Saudações,
      Sergio

  2. Thiago says:

    Seus textos sempre caem como um luva.

  3. Carla says:

    Haja sublimação!! :D

  4. William says:

    Muito bom o texto! Concordo em número e gral!

    Continuando um pouco sua (nossa) linha de raciocínio, veja se concorda comigo:

    Após a explosão de população humana mundial, deu-se início a um bom aumento culturas de controle populacional e casais que optam por menos filhos por questões próprias de modo racional, juntando isso a uma cultura de compaixão (ou quase… rs) e preservação individual em detrimento da lei do mais forte. Tudo isso permitiu que todo tipo de diversidades e variações genéticas e/ou culturais tivessem chance de sobreviver e, quem sabe, até crescer e ganhar seu espaço em nossa sociedade.

    Assim com o tempo, culturas que privilegiam a autoconsciência em detrimento de comportamentos impulsivos, agora têm agora seu espaço de crescer e espalhar seus genes, ao mesmo tempo em que podem acabar se tornando dominantes em suas comunidades, espalhando sua cultura de forma não apenas genética, mas também comportamental.

    Enxergo assim um cenário otimista, onde nossa sociedade superara aos poucos, mas cada vez mais rápido, nossos fatores genéticos/animais encontrando caminhos diferentes cada vez melhores… a não ser, claro, que façamos alguma péssima escolha racional que nos destrua… hahaha

    • Essa tendência é clara mas ao mesmo tempo leva a resultados não muito condutores ao otimismo… quase todas as sociedades que atingem altos níveis de sofisticação e progresso quase mecanicamente navegam em direção a decrescentes taxas de natalidade, e o fenômeno é tão forte que pode chegar a levar a seu colapso (veja por exemplo ../../../.././2010/06/15/morte-por-solidao/ ). Então o que acaba ocorrendo e que no momento em que ficamos “inteligentes demais para nosso próprio bem” nos damos conta de que seguir nossa programacão genética cegamente na direçao nos reproduzirmos descontroladamente é destrutivo e leva à infelicidade geral. PORÉM, mais uma vez, evolução não maximiza felicidade e sim sobrevivência, e isso pode ser observado diretamente como conseqüência cruel e irônica de que são justamente as pessoas responsáveis que almejam objetivos mais trascendentes e que percebem que uma das coisas mais construtivas que alguém pode fazer num mundo superpovoado é não enchê-los de filhos… são justamente essas pessoas que coerentemente têm menos filhos, e a maior parte da população da espécie permanece assim recorrentemente condenada a ser constituída de indivíduos cujos pais simplesmente disseram “dane-se, eu quero me reproduzir”.

      Saudacões,
      Sergio

      • William says:

        Sergio,

        Continuo com uma visão otimista, justamente pelo final do paragrafo onde digo “ao mesmo tempo em que podem acabar se tornando dominantes em suas comunidades, espalhando sua cultura de forma não apenas genética, mas também comportamental”.

        Não acredito que seja necessária alguma especie de imposição social, como por exemplo uma proibição de ter mais de x filhos, mas acredito que nossa sociedade já alcançou um nível onde os genes e a paternidade não são mais o único meio de se divulgar e disseminar novas ideias e comportamentos, fazendo com que a população vá muito alem da evolução de seleção natural.

        Acredito que em algum momento sera encontrado um balanço entre inteligencia e auto-consciência x crescimento populacional naturalmente. Mas claro, é apenas um chute! rs

        Abraços,
        William

        • Bem, por outro lado eu concordo com sua observação – estamos caminhando desde o começo da civilização progressivamente em direção a uma mudança no meio em que vai se dar a continuação do processo evolutivo. A evolução genética vai se tornando cada vez menos determinante até o ponto em que ficará obsoleta, assim como – a longo prazo – nossos corpos biológicos. Me parece que estamos à beira de um grande salto, e antes do fim desde século deixaremos de ser os seres que reconhecemos hoje como humanos – ou pelo menos os humanos “autênticos” que restarem serão quase irrelevantes. Chegaremos num ponto em que reprodução biológica sexual não terá mais qualquer relação com propagação de nossas consciências e nossa cultura se tornará muito mais importante do que o acidental subextrato material no qual ela se manifesta. Aí questões como “quantos filhos ter” não farão mais sequer sentido – pelo menos não o sentido biológico atual de gerar fisicamente um outro primata a partir do zero usando uma seleção aleatória dos nossos genes.

          Saudações,
          Sergio

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