Brasil, Uma Nação À Procura De Um Destino

December 12th, 2009 by Sergio de Biasi

 

 

BrazilBreakthroughCoverArticle

O Brasil na capa da Convenience Store News!

Estava eu fazendo uma visita à loja de conveniência na esquina da minha casa quando notei entre as revistas à venda uma com o Cristo Redentor e uma bandeira do Brasil na capa. Bem, eu tive que ir verificar do que se tratava, e era uma inesperada revista chamada “Convenience Store News” com um artigo de capa sobre… o Brasil!

A manchete era sobre como a economia brasileira está com todas as cartas na mão para passar por um período de grande crescimento e finalmente transicionar de economia emergente a economia de verdade no cenário mundial. Porém, logo complementa que isso pode ser impedido por uma situação de corrupção, socialismo, impostos e políticas ambientais fora de controle. Eu perguntei ao gerente da loja se a revista estava à venda (afinal nem sequer havia preço na capa) e ele disse que a revista na verdade era dele e estava junto com as outras por engano, mas que ele já havia lido e que eu podia ficar com ela se quisesse. Eu fiquei. Examinar o artigo, de autoria do editor da revista, que aproveitou uma visita ao Brasil para escrever sobre a situação do mercado nacional para lojas de conveniência e brevemente sobre o país em geral, acabou me levando a certas reflexões. Uma versão pode ser encontrada aqui.

Vejam o que o editor da revista encontrou para gostar sobre o Brasil :

Brasil na Convenience Store News, Likes

Pois então, o mais importante sobre o Brasil, quinta maior área do mundo, quinta maior população do mundo, localização de seis entre as cem maiores metrópoles do mundo é… praia, guaraná, e caipirinha. Sério. Brasil, eterno país do futuro, impávido colosso deitado eternamente em berço esplêndido, é a hora de mostrar tua cara. Ou será que essa *é* a nossa cara? A noção que o americano médio tem do Brasil é um montão de bundas cercadas de bandidos por todos os lados. Não é surpreendente. Aqui em New Jersey, metade dos alunos de pós-gradução do departamento de ciência da computação de todas as melhores universidades de pesquisa é… indiano ou chinês. Mesmo os chineses que não são suficientemente, digamos, sofisticados para ingressar num programa de pós-graduação vêm pros EUA e aqui abrem seus próprios negócios, como as estereotípicas lavanderias. Mas e os brasileiros? Cadê? Bem, majoritariamente servindo de… peões. Ou empregadas domésticas. Ou nos casos mais bem sucedidos garotas de programa. Ou meia dúzia de modelos famosas. Como isso foi acontecer?

O Brasil está muito timidamente representado nos programas de pós-graduação americanos, ao contrário das outras nações emergentes, que estão maciçamente, abundantemente, ostensivamente presentes. Em parte isso é por causa das políticas alucinadas e xenofóbicas do governo federal brasileiro que tomado de nacionalismo ufanista delirante crescentemente reza pela cartilha de que estudar numa universidade americana é uma frescura desnecessária dada a existência de cursos “equivalentes” em território nacional. Encaram educação superior como uma “commodity” comparável a minério de ferro ou soja; tudo igual e intercambiável. E quem mesmo assim teimosa e antipatrioticamente insiste em consumir o produto estrangeiro deve ser miopicamente forçado a todo custo a depois voltar para unir-se aos doutores que fazem concurso para gari. Agora me diga : quais países conseguiram formar uma elite intelectual e podem agora exibir universidades de pesquisa reconhecidas entre as melhores do mundo… e qual país continua patinando na irrelevância acadêmica?

O que nos leva à questão de que muito mais relevante que a política do ministério da educação é o fato de que o intelectual sério brasileiro, do qual desesperadamente precisamos, não tem fora de posições criadas artificialmente lugar em nossa sociedade, e muitas vezes encontra no exílio a única forma de obter reconhecimento do seu valor. Não que exista qualquer risco de um brasileiro ser estereotipicamente identificado como intelectual. Não, não. Carnaval, futebol, jiu-jitsu, capoeira, são essas as produções culturais brasileiras reconhecidas no exterior. Ah, claro, e bossa-nova, mas dessa é preciso explicar aos americanos que os próprios brasileiros há muito não gostam mais. Infelizmente não é uma caricatura; é uma percepção perfeitamente legítima do que de fato gera interesse. Pensar não está entre as atividades mais prestigiadas na terra em que se plantando tudo dá. A noção mais ou menos dominante é de que pensar não serve para nada. É para isso que se quer que alguém pensante volte? Agora, como é que isso foi acontecer?

A questão é que num ambiente em que as regras mudam o tempo todo de forma imprevisível e ininteligível, em que estratégias de longo prazo são impossíveis, em que recompensas e punições artificiais importam infinitamente mais do que produtividade, eficiência ou organização, em que a atividade empresarial é tratada pela lei como excentricidade de rico, em que um diploma de engenheiro serve para passar em concursos e não para entender como a realidade funciona… bem, num contexto como esse então realmente pensar não serve para nada. Não adianta entender qual a forma mais segura, barata, rápida e eficiente de construir uma ponte se o governo for dizer que daquele jeito não pode e de qualquer forma quem vai construir é o meu sobrinho.

Os burocratas olham para as deficiências da produção acadêmica brasileira e após décadas continuam apegados a estratégias que a essa altura já sabemos empiricamente que não funcionam. Um dos erros mais essenciais é tentar consertar a situação olhando apenas para o próprio sistema acadêmico. Então se acha que tudo será resolvido dando mais bolsas, construindo mais universidades, buscando maximizar o número de publicações, aumentando o número de pessoas com diplomas de pós-graduação. Só que tudo isso só vai criar doutores varrendo a rua e dirigindo táxis se não houver quem os empregue fora da academia.

Agora, é claro que precisamos de doutores para ter universidades de pesquisa. Mas se o único emprego possível para doutores for dar aula numa universidade, uma parte substancial das pessoas qualificadas para serem doutores – precisamente as mais empreendedoras – não vão querer enterrar sua vida nisso. E além disso todo esse “conhecimento” acadêmico não estará sendo usado para nada – o que só tornará ainda mais frustrante a carreira acadêmica para aqueles que realmente têm vocação para isso. É preciso ver que as melhores univesidades de pesquisa do mundo existem num contexto, e não à margem da sociedade em que se inserem. Elas estão cercadas de empresas de alta tecnologia que empregam engenheiros – e mestres, e doutores  – não para ficarem dando aulas mas para de fato usarem seus conhecimentos. É esse o ambiente que atrai as melhores mentes do mundo, aquelas que querem de fato desvendar os mistérios do universo e não apenas produzirem artigos para impressionar uma agência de financiamento do governo. O próprio título de mestre nos EUA é em geral considerado profissionalizante – você o obtém para voltar ao mercado, não para ficar na academia. É no Brasil que existe a noção de que a única função de obter um título de mestre é basicamente seguir carreira acadêmica. Quem quer isso nos EUA vai fazer logo um doutorado. As ultra-melhores universidade de pesquisa nos EUA muitas vezes sequer oferecem programas de mestrado. Agora, que mercado de trabalho existe no Brasil para pessoas com mestrado em física, ou química, ou matemática? Por que alguém faria isso no Brasil senão para passar o resto da vida… repetindo para outros o que aprendeu, ao invés de USAR este conhecimento?

Ao prosseguirmos achando que vamos resolver tudo formando ainda mais e mais doutores sem eles terem qualquer perspectiva profissional real, conseguimos não só não ter mais empresas de alta tecnologia, como no processo ajudamos a escangalhar também o sistema acadêmico. Mas o que fazer então? Bem, como em geral, a primeira e mais importante providência que o governo pode tomar é a de NÃO ATRAPALHAR, e não se meter. Infelizmente esta é uma noção quase alienígena ao governo brasileiro.

O governo brasileiro precisa deixar as pessoas em paz para se associarem livremente para fundar empresas. Precisa parar de regular tudo e de criar encargos que incidem desde o primeiro momento quer haja lucro ou não. Quantas pessoas teriam um blog se fosse preciso ter uma licença do governo, se fosse preciso seguir um manual de regras bizantino sobre o conteúdo, e fosse preciso fazer relatórios mensais e ter um diploma de blogueiro? Aliás, o governo brasileiro precisa também se libertar do ranço corporativista suicida de querer exigir diplomas para o exercício das mais absurdas profissões. E precisa tornar claras e simples as obrigações fiscais das empresas. Etc, etc, etc…

O que nos leva de volta ao artigo original que encontrei na revista na loja de conveniência. Vejamos o que o editor da revista encontrou para *não* gostar sobre o Brasil :

Brasil na Convenience Store News, Dislikes

Realmente, tem coisas que a gente só percebe  plenamente o quão opressivas e absurdas são quando elas são removidas. Os outros pontos listados são muito relevantes e até haveria o que dizer sobre eles, mas  o que me bateu mais forte foi a situação de segurança no Brasil. Eu me lembro quando me mudei do Rio para Nova York e meu primeiro e mais intenso sentimento ao andar nas ruas foi de respirar aliviado e diria eu, até mesmo surpreso pelo grau em que não era mais necessário ficar o tempo todo olhando por cima do ombro para ver se tinha alguém vindo me roubar. Pessoas usam laptop sentadas no parque, prédios não são cercados de grades, é possível andar na rua às 3 da manhã. A situação de criminalidade e de generalizada exceção à normalidade institucional que prevalece no Rio de Janeiro e em várias outras grandes cidades brasileiras é completamente anômala. Mais uma vez, que incentivo existe para pensar e arriscar empreender se servir de avião para distribuir cocaína é muito mais simples, lucrativo e seguro? Que possibilidade existe de planejar se não existem regras?

Enfim, o artigo que motivou este texto é tão interessante pelo que é quanto pelo que ele não é. O próprio fato de ele existir é interessante. Alguém escreveria um artigo como esse sobre a Coréia do Sul, por exemplo? Dizendo que ela está “à beira de um grande salto” e que há incerteza se ela o dará? Não, ela já o fez! Agora vejam, no ranking mundial, a Coréia do Sul é por volta da décima quinta em tamanho, enquanto o Brasil é por volta da décima. Só que a área do Brasil é de oito milhões e meio de quilômetros quadrados, enquanto que a da Coréia do Sul é de… er, cem mil. Como isso é possivel? E note-se, a Coréia evoluiu rapidamente para essa posição, basicamente entre os anos 60 e 80, transmutando-se de um país fundamentalmente inexpressivo, repetidamente ocupado por potências estrangeiras, e dividido por guerras, para uma das maiores economias do mundo.

Agora, enquanto a Coréia se ocupava em saltar do terceiro para o primeiro mundo, o Brasil estava sendo governado pelo governo militar que com o motivo / desculpa / explicação de nos salvar dos comunistas tomou o poder na marra (aliás, com considerável mesmo que não unânime apoio popular, diga-se de passagem) e… pôs-se enigmaticamente a estatizar tudo e a implementar um plano de “crescimento” 110% keynesiano com o pé fundo no acelerador dos gastos.

A política econômica consistia em pegar dinheiro emprestado de outros países, e quando a farra de crédito internacional acabou, ela transformou-se em, er, basicamente imprimir dinheiro, honrando-nos com uma inclusão nos livros-texto de economia como exemplo clássico de hiperinflação e do que não se deve fazer. Note-se que o gravíssimo fenômeno de hiperinflacão é comumente associado a guerras e outros acontecimentos similarmente drásticos que forçam ou são apresentados como justificativa para o governo passar a gastar muito, muito, muito, mas muuuito mais do que dispõe. Nós podemos nos orgulhar de termos conseguido produzir isso sem que estivéssemos gastando o dinheiro para salvar o país de nenhuma catástrofe iminente.

Paralelamente, a xenofóbica política de comércio exterior incluía por exemplo substituir e minimizar importações a qualquer custo. Isso foi culminar em grotesquidões como a maravilhosa lei de reserva de mercado de informática de 1984, que teve como um de seus principais resultados absolutamente destruir qualquer possibilidade do Brasil ser internacionalmente competitivo nesta área. Outro resultado foi atrasar e encarecer a informatização da economia brasileira. Quanto às empresas “fomentadas” por essa política absurda e desastrosa? Consistiam em comprar peças no exterior e montar nacionalmente cópias toscas de projetos estrangeiros por preços inacreditáveis. Implodiram todas assim que a reserva de mercado acabou.

Enfim, veio a Nova República e coisa e tal, algumas heterodoxias bizarras foram tentadas, e surrealmente uma boa parte da reversão dessas alucinações para seguir em direções mais ortodoxas somente se deu sob figuras esquerdófilas.  Aliás, sublinhemos este ponto. Isso é realmente muito surreal. O governo militar, supostamente de “direita”, foi extremamente estatizante e obstruiu inacreditavelmente o livre comércio. Levaram o país à falência, cansaram de brincar e passaram a batata fervente da inflação fora de controle adiante. Então Sarney, previamente líder do partido pró-governo militar, resolveu que a solução para a inflação era… proibir os preços de aumentarem (!). E incentivou a população a chamar a polícia se visse algum preço aumentar. Seria engraçado se não tivesse de fato acontecido. Mas eis que então surge Collor, e tendo majoritário apoio popular no papel de oposição ao socialismo lulático, resolveu literalmente… confiscar a maior parte do dinheiro da economia, num dos planos econômicos mais inconstitucionalissimamente absurdos de todos os tempos. Incompreensivelmente, foram Itamar Franco, então Fernando Henrique, e finalmente o Lula que retornaram a políticas fiscais e financeiras minimamente ortodoxas, as quais foram infinitamente mais bem sucedidas que os 30 prévios anos de pseudo-direita.

O que nos leva à questão : se é razoável associar a “direita” com neoliberalismo adorador do deus mercado e coisa e tal como querem as esquerdas, onde é que se esconde essa tal temível e assustadora direita no Brasil? Esteja onde estiver, certamente não pode ser reconhecida nessa sucessão surreal de estatólatras que precederam os atuais estatólatras. O único politico que consigo identificar como remotamente liberal no sentido clássico da palavra é Roberto Campos, que apesar de ter sido deputado e senador, estava em tal minoria que nunca conseguiu aprovar nenhuma de suas propostas liberalizantes.

Estaremos hoje em situação melhor? Onde estão os políticos de expressão que lutarão pelas reformas necessárias para permitir que um cidadão qualquer abrir uma empresa seja, do ponto de vista institucional, simples, rápido, barato e seguro? Onde estão os intelectuais que defenderão que isso é mais importante do que qualquer plano estatal para “incentivar” o crescimento ou “proteger” certas indústrias? Onde estão os brasileiros que dirão “chega” para essa concepção de estado que nos mantêm aprisionados eternamente em berço esplêndido?

 

18 Responses to “Brasil, Uma Nação À Procura De Um Destino”

  1. Assis Valente says:

    Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar.

    • A gente não sabemos
      Escolher presidente
      A gente não sabemos
      Tomar conta da gente
      A gente não sabemos
      Nem escovar os dente
      Tem gringo pensando
      Que nóis é indigente…

      Inútil!
      A gente somos inútil!
      Inútil!
      A gente somos inútil!

  2. Marcus says:

    A religião é a responsável.
    Na medida em que o brasileiro se secularizar, a educação melhorará.

    Abraço,
    Marcus.

    • Oi Marcus,

      Essa é uma questão complexa.

      Veja, países como os EUA, mesmo com estado teoricamente (e cada vez menos) laico, são fortemente religiosos, e são inquestionavelmente desenvolvidos. Países como a Coréia do Sul, que tem inclusive uma fortíssima presença católica, deram um salto revolucionário para o primeiro mundo. Enquanto isso, na Rússia soviética, na qual religião foi deliberadamente sufocada, houve um colapso total das instituições que deu quase literalmente nas máfias controlarem tudo. Não estou com isso querendo construir o argumento contrário, de que a religião seja boa ou necessária para a fibra moral de uma sociedade ou qualquer coisa desse tipo. Estou apenas dizendo que não me parece ser que vamos resolver essa questão seja combatendo seja incentivando religião.

      Eu pessoalmente até concordo com a idéia de que religião faz muito mal às pessoas e ao mundo e deve de fato ser combatida (e deixemos isso absolutamente claro, combatida intelectualmente a nível de livre debate, e não coercitivamente a nível institucional por políticas ou campanhas do governo). Mas daí a atribuir a responsabilidade de nossos problemas como nação à religião e achar que esses se resolverão à medida em que nos livrarmos dela…

      Veja, a religião de fato estimula e justifica a aceitação de um sistema que impõe uma ortodoxia de pensamento de cima para baixo. Mas ela não é a única forma de fazer isso. Para mim é isso – o confisco e seqüestro da consciência individual pela sociedade e pela autoridade – que tem que ser primordialmente combatido, e não exatamente ou somente a religião, que é apenas uma das formas de isso ocorrer… senão apenas trocaremos de profeta, de Jesus para Marx, de Marx para Ayn Rand, de Ayn Rand para o guru da moda.

      Saudações,
      Sergio

    • Fábio says:

      “A religião é a responsável.”

      Hehe. O tema fundamental de reflexão dos maiores sociólogos da história foi o das relações entre religião e ciência. Todos acreditavam que as sociedades só podem manter sua coerência por meio de crenças comuns. Em poucas palavras, eles reconheciam a necessidade das crenças religiosas para a estabilidade social, mas elas estavam sujeitas à erosão devido ao progresso científico. Este problema encontrou expressão diferente em cada um deles, mas, no geral, todos assistiram – entre perplexos e resignados – as “maravilhas” do processo de secularização e suas simpáticas conseqüências.

      Aí chega um cara e diz: “A religião é a responsável”. Simples assim. Talvez este comentário apenas ateste o que o Sérgio disse no post inteiro.

  3. Marcus says:

    Compreendo.
    Quando leio os textos de Frederick Copleston, ou C. S. Lewis, percebo muito claramente que o imbecil sou eu. Não que a inteligência desses comprove o que eles acreditam. Mas, se esse é o caso, como encontrar uma base para a moral objetiva? (do ‘mas’ para a pergunta foi realmente um salto)
    Uma vez li um texto seu e outro do Pedro. Bons textos, mas antagônicos. Deus em maiúscula e deus em minúscula.

    Fraterno abraço,
    Marcus.

    • Oi Marcus,

      Eu não acho que opiniões divergentes signifiquem que uma delas seja imbecil. É perfeitamente possível pessoas inteligentes discordarem. Por vezes existem bons motivos tanto para acreditar quanto para não acreditar em algo.

      Quanto à moral, infelizmente eu acho que não há base sólida para uma moral “objetiva”, e quanto mais tentamos perseguir uma, mais esbarramos em contradições e arbitrariedades instransponíveis. No final das contas, os conceitos de bem e de mal estão fundamentados primordialmente em sentimentos, os quais simplesmente existem e não precisam de (e com um mínimo de objetividade não realmente admitem) justificativa. Adicionemos a esse protosimulacro de ética um recheio de acidentes históricos, uma cobertura de lavagem cerebral e pensamento de grupo a gosto, sacuda-se, e temos o que usualmente chamamos de moral.

      Isso não quer dizer que eu não tenha opiniões e idéias sobre o que é certo e errado, mas quando se tenta organizar isso num todo coerente, quanto se tenta constuir uma teoria da moral, quando se tenta encaixar ou formalizar isso num sistema filosófico, começam a sair besteiras, e tantas mais besteiras quanto mais rigoroso e preciso se tenta ser.

      Isso também não quer dizer que não existam motivos sociais e evolutivos objetivos e pragmáticos para a moral de grupos humanos concretos ser a que é, mas isso é diferente de justificá-la filosoficamente a nível de certo e errado, ou mesmo para realmente se dizer que é por causa desses motivos pragmáticos que eu pessoalmente acho certas coisas certas ou erradas. Certas coisas estão programadas nos nossos genes, e é por causa disso que eu sinto de um certo jeito, não porque seja certo, bom, útil ou conveniente.

      Saudações,
      Sergio

  4. Marcelo Alves says:

    Lembro claramente dos danos causados pela reserva de mercado na informática. Eu era estudante de engenharia e na universidade apareceram dois computadores Hyundai (Coreanos) – Eram PCs 386 com co-processador matemático – Nem em sonho havia isto no Brasil. Era algo que a gente via em revista americana que o pai de algum colega trazia de uma viagem. Os computadores só estavam na universidade pois havia uma “brecha” na lei de informática.
    Hoje eu leciono numa escola de Engenharia e os alunos tem um previlégio impensável nos meus tempos de universidade: Intercâmbio com escolas de Engenharia na Europa, EUA, Canadá, Córeia do Sul – no âmbito da graduação. Existe até duplo diploma o que dá uma chance maior de ter uma carreira de trabalho no exterior. Dou força para que os alunos participem e aproveitem ao máximo esta oportunidade.
    Sobre a pós-graduação concordo inteiramente com o seu artigo. Só um dado a mais, que não sei se você conhecia, a CAPES que avalia os programas de pós-graduação no Brasil, dá um peso menor se os doutores formados vão trabalhar fora das universidades! Eles acham melhor o sujeito prestar um concurso na Universidade federal do Oeste do Tocantins do que trabalhar numa empresa. Os programas de pós-graduação no Brasil rejeitam alunos que trabalham em atividades profissionais. A pós-graduação no Brasil está destinada a ser pequena e irrelevante para o país, apesar dos recursos públicos que são dispendidos.

    • Oi Marcelo,

      Sim, com certeza! Eu vivi a mesma coisa com a lei de reserva de informática. Absurdo, grotesco! Foi um grande salto para trás. O Brasil agora é praticamente um ZERO TOTAL em termos de hardware em informática.

      Os critérios e políticas da Capes são INACREDITÁVEIS. Pois é, eles DESESTIMULAM as pessoas a irem trabalhar fora das universidades! E tentam impedir as pessoas que fazem pós-graduação de terem qualquer atividade profissional enquanto a fazem. E não reconhecem experiência profissional fora da academia como similar ou em alguns casos até superior à experiência acadêmica.

      Tem mais um assunto que você não citou que é a política da Capes para bolsas de doutorado no exterior.

      A politica intolerável que eles têm é de tentar forçar a todo custo as pessoas que vão fazer pós-graduação no exterior a voltarem para o Brasil. O argumento, absurdamente falacioso, é baseado no mesmo tipo de sentimento míope da lei de reserva de mercado em informática : “os estrangeiros maus estão querendo levar o que é nosso”. O que eles não enxergam é que é EXTREMAMENTE POSITIVO para o Brasil ter brasileiros com pós-graduação trabalhando no exterior, grande parte das vezes em universidades. Além de ser uma política de relações internacionais que nenhum dinheiro pode comprar, isso facilita INFINITAMENTE no futuro conseguir mais bolsas, financiamentos, recursos e posições para novas gerações de alunos brasileiros que queiram estudar no exterior, sem que a Capes tenha que gastar dinheiro algum. Isso sem falar que estatisticamente grande parte das pessoas quer voltar mesmo. Fazer todas elas assinarem um contrato hostil forçando que terminem seus doutorados em 4 anos e então estarem proibidas de permanecerem no exterior é simultaneamente alienante dos recursos humanos que teoricamente estamos querendo captar e completamente contraproducente como politica para desenvolver o pais.

      Para quem ainda acha que isso de exigir a volta ao país de quem faz pós-graduação através de algum dos programas da Capes é razoável, pense assim : o mesmo raciocínio deveria então obrigar qualquer um que faz graduação numa universidade do governo ou mesmo numa escola pública a ficar no país. O mesmo raciocínio deveria forçar qualquer um que deixe o país a reembolsar o governo por todos os impostos que foram gastos com seu bem estar até então. Aliás, levada às últimas conseqüências, essa era exatamente a politica dos países sob o domínio da União Soviética (e, aliás, ainda hoje em Cuba) : não pode sair, quem sair é um desertor mau que está roubando recursos de nosso país. Isso é completamente estúpido e míope.

      Se a Capes vai REALMENTE encarar seu sistema de bolsas como chantagem para captar recursos humanos, então NESSE CASO por que formar brasileiros? Vamos simplesmente pegar esse dinheiro e pagar excelentes pesquisadores para virem ao Brasil, estejam onde estiverem. Hm, epa, só que eles não vão querer vir, porque não há realmente o que eles fazerem aqui. E de qualquer forma a bolsa da Capes é metade do que qualquer universidade americana dá para qualquer aluno iniciante que tenha meramente sido aceito para um PhD.

      Note, eu pessoalmente acho bom a Capes dar bolsas para brasileiros que queiram estudar no exterior, mas esse programa deveria ser reformulado para parar de paranoicamente tentar forçar a qualquer custo as pessoas a terminarem o doutorado correndo e voltarem para o Brasil. Simplesmente terminar a bolsa após um certo número de anos já seria simultaneamente “incentivo” suficiente para voltar assim como suficientemente protetor dos recursos do programa de bolsas.

      Saudações,
      Sergio

      • André Kenji says:

        Obrigado por demolir a falácia do brain drain. ;-)

        • Oi André,

          O brain drain até ocorre, mas ocorre porque o país não tem um número suficiente de posições adequadas para carreiras acadêmicas e/ou de alta qualificação técnica. E adicionalmente (conheço muitas pessoas com bons empregos que deixaram o Brasil especificamente por causa disso) porque não é possível andar até a esquina sem medo de ser atacado por criminosos. Um bom número de pessoas que jamais pediram qualquer bolsa ao governo federal decidem que não querem ser garis com diploma de engenheiro, mestre ou doutor vivendo no meio de uma guerra urbana e então emigram para o Canadá, Austrália, Europa, etc. Mas para impedir esse tipo de brain drain sem consertar certos problemas gravíssimos que os repelem, só mesmo fechando as fronteiras e não dando mais permissão para ninguém sair – estilo Cuba.

          Agora, tentar evitar o brain drain eliminando bolsas de mestrado no exterior e forçando aqueles que recebem bolsas de doutorado a assinarem um contrato maluco no qual são forçados a voltar para o país depois é simultaneamente hostil e alienante dos próprios recursos humanos que se quer captar (especialmente considerando que entre as pessoas que pedem bolsa, uma boa parte QUER voltar), mas talvez pior ainda, é absolutamente míope quando ao fato de que é BOM, é EXCELENTE para o Brasil ter brasileiros altamente qualificadas ocupando posições em universidades estrangeiras.

          Saudações,
          Sergio

  5. Marcelo Alves says:

    Bem lembrado o assunto das bolsas. O Brasil faz o oposto da maioria dos países da Ásia ao exigir a volta imediata ao país. Um palpite que eu tenho é que na CAPES (e no meio acadêmico) a bolsa para o exterior é vista como um “favor” feito ao bolsista e que ele teria que retribuir. Com essa premissa nada irá dar certo. Uma alegação que se usa muito é que houve no passado gente que recebeu a bolsa e nunca terminou a pós-graduação. Mas não seria o caso de selecionar melhor quem vai?
    Entendo que há diferentes áreas de conhecimento, com níveis de avanço maior ou menor no Brasil. Em engenharia seria fundamental a existência de pós-graduação voltada para os profissionais que estão nas empresas. Houve a criação do mestrado profissional. Adivinha o que a CAPES fez junto com muita gente nas universidades? Sabotou até não mais poder. Pelo o que eu sei, em engenharia, sobraram dois programas de mestrado profissional que hoje estão sendo fechados.

    • Oi Marcelo,

      Pois é, o bolsista é encarado desde o começo com desconfiança e suspeita como estivesse a todo momento prestes a cometer algum tipo de fraude. A atitude está errada. As bolsas têm que ser dadas como um investimento nas nossas futuras gerações, com a mesma filosofia que já existe por trás do resto do sistema de ensino financiado pelo governo. Claro, têm que ser dadas para quem parecer ter potencial e disposição de aproveitá-las, mas o assunto não deve ser encarado com essa mesquinheza míope de “mas agora você está me devendo”.

      Sobre nem todos terminarem, bem, nem todos terminam também o ensino fundamental ou a graduação. Veja os índices de evasão escolar. O processo educacional e acadêmico é complexo e há muitos motivos para isso, mesmo no caso de pessoas perfeitamente bem selecionadas e capacitadas. Vamos então agora processar quem desistir no meio do curso de engenharia na UFRJ pedindo todo o dinheiro investido de volta?

      Sobre a questão do mestrado profissional, a Capes está na total contramão. Essa idéia de que mestrado seja algo primordialmente acadêmico e tenha que resultar numa “dissertação” e seja pré-requisito para o doutorado, etc, etc, tudo isso deriva do fato de que não há no Brasil mercado para pessoas com um certo grau de formação técnica fora da academia. Mas isso é um problema grave a ser resolvido, é uma distorção, não uma situação ideal e desejável a ser preservada.

      Tudo bem que existe uma profusão de mestrados “lato sensu” no Brasil que de mestrado não têm nada, e é isso que se quer combater, mas simplesmente bater pé e dizer que o único tipo possível de mestrado é aquele que prepara alguém para lecionar em uma universidade ou como primeiro passo em direção a um doutorado bate de frente com a necessidade de formar pessoas capacitadas e ocuparem posições profissionais em indústria de alta tecnologia, as quais supostamente estamos (bem, deveríamos estar) tentando estimular. Ao invés disso literalmente forçamos pessoas com vocação para projetarem aviões, microprocessadores, robôs e satélites a se tornarem professores universitários. Ou melhor, em muitos casos a politica é tão míope que nem isso – formam-se mestres e doutores com ênfase em ensino e pesquisa com a expectativa de que vão preencher… vagas e posições inexistentes no próprio sistema acadêmico. E então eles acabam indo fazer concurso para gari.

      Saudações,
      Sergio

  6. Bruno Relado says:

    Otimo conteúdo! Concordo pleanamente com o acima e não acho que isso irá mudar. Triste. Subscribed!

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