Homens Sensíveis

March 29th, 2011 by Sergio de Biasi

Uma das reclamações femininas mais comuns sobre os homens é a de que homens seriam uns brutamontes, insensíveis, incapazes de compreenderem ou de se importarem com os seus (delas) complexos, sutis e delicados sentimentos, ao mesmo tempo em que não expressam ou demonstram o que eles mesmos sentem, agindo a maior parte do tempo como robôs autistas que só pensam em si mesmos.

E eu diria que a maior parte do tempo elas têm total razão.

Mas qual é o caminho que vai dar nisso?

Agora vejamos. Quando eu crescia como criança, e depois como pré-adolescente, e observava como platéia mas ainda não como personagem principal o drama cotidiano dos relacionamentos afetivos de casal à minha volta – e a maior parte das pessoas têm ampla oportunidade de observar pelo menos uma relação desse tipo bem de perto, a de seus pais, mas normalmente muitas mais, entre irmãos e irmãs, outros parentes, amigos, colegas, conhecidos, vizinhos -  eu pensava repetidamente (lembro-me nitidamente) : “Mas como isso é revoltante! A forma como os homens tratam as mulheres é inaceitável! Quando chegar a minha vez farei completamente diferente disso.”

Me parece bastante claro que nem todo homem pensa isso que eu pensei, mas por outro lado (e talvez isso chegue como uma supresa para algumas mulheres, ou talvez não) também me parece muito claro que vários pensam. E os homens que pensam isso, quando chegam na época em que ter um envolvimento concreto com alguém do sexo oposto começa a ser realista, freqüentemente tentam colocar seu idealismo em prática, com a expectativa não apenas de que com isso estarão fazendo a coisa certa, mas de que sua qualidade como bom e confiável companheiro será reconhecida e valorizada.

Deveria haver um curso na escola para avisá-los sobre o inesperado, traumatizante e universal resultado de tentar seguir esse caminho.

O que ocorre com regularidade milimétrica é que do ponto de vista de parceiro sexual em potencial sua tentativa de ser generoso e compreensivo é recebida não apenas com menos falta de entusiasmo do que o esperado, ou mesmo com indiferença. Não, não. Esse tipo de comportamento é recebido com ojeriza absoluta, com nojo e repulsa e, sim, desprezo.

Agora, essa reação é tão inesperada e desconectada de todas as interpretações que fazem algum sentido na mente do jovem homem em formação que na maior parte das vezes ele nem sequer consegue decodificá-la corretamente quando primeiro a encontra (ou em alguns casos mais graves, nunca). Ele tende a pensar “Por que estou sendo tratado deste jeito? Claramente estou fazendo algo errado, mas o quê? Hmm, talvez eu não esteja sendo gentil o suficiente, preciso caprichar mais!” Apenas para verificar que ao “caprichar mais”… a reação negativa se intensifica. Até que ele passa por aquele revolucionário, impressionante, poderosíssimo despertar para a maturidade masculina que é perceber – para sua enorme surpresa e pasmo – que era precisamente o seu esforço para ser gentil que estava causando sua imediata, automática e enfática inegibilidade como parceiro sexual.

O fato é que as mulheres não se sentem nem um pouco atraídas por homens que de fato são sensíveis.

Claro, é muito fácil ser “sensível” ficando todo “revoltado” (ou conversamente cínico e niilista) e tendo atitudes erráticas, incoerentes e destrutivas. Alguém que perde a calma e sai socando todo mundo e impondo sua vontade aos outros, ou que se autodestrói com comportamentos irresponsáveis de todos os tipos deve ter mesmo emoções muito fortes e poderosas, não? Deve ser um sujeito apaixonante e altamente “sensível”, afinal suas emoções sistematicamente sobrepujam de forma espetacular sua deliberação ponderada! Deve se tratar mesmo de uma uma alma indomável, que só segue suas próprias regras – é com ele que eu quero transar! Só que muito mais provavelmente se trata simplesmente de alguém sem qualquer autocontrole ou empatia e que não precisa de nenhuma emoção ou motivo espetacular para agir sociopaticamente.

Já quando um homem se aproxima de uma mulher na qual tem interesse romântico buscando sinceramente ser gentil, e compreensivo, e paciente, e amigo… ah, isso é sistematicamente interpretado como falso, manipulativo, demonstrativo não de equilíbrio mas sim de desespero, não de generosidade mas sim de carência afetiva, não de autoconfiança mas sim de baixo valor social, afinal de contas, por que é que alguém no topo da pirâmide social iria sair do seu caminho para tentar me impressionar? (E naturalmente essas patéticas expressões de “gentileza” não passam de uma tentativa ridícula de me impressionar, certo?) É a síndrome de “Eu não quero fazer parte de nenhum clube que me aceite muito facilmente como sócio.”

E se o sujeito consegue com sua persistência e tenacidade convencer sua interlocutora de que sua gentileza é sincera e espontânea, não afetada e circunstancial, isso de forma alguma melhora a situação. Ser gentil e generoso pode ser muito bem recebido como qualidade desejável no mundo teórico dos julgamentos idealizados – e freqüentemente inclusive é este o discurso feminino – mas na prática e no nível mais institivo, vezes demais escapando mesmo à introspecção da protagonista, é um fracasso total como estratégia reprodutiva.

Por outro lado, se o sujeito não demonstra qualquer tipo especial de gentileza além da civilidade formal básica e demonstra interesse suficiente apenas para estabelecer um canal de comunicação – mas deixando subentendido nas entrelinhas que apenas está fazendo isso porque é do seu interesse e não porque se sinta particularmente obrigado com coisa alguma, aliás muito pelo contrário – então isso é percebido como sendo não só respeitável e poderoso, como atraente. Já um homem espontânea e gratuitamente “bonzinho” é percebido como manipulável e fraco, possivelmente “‘útil” mas certamente não desejável.

Diante disso, é assim tão surpreendente que grande parte dos homens terminem se vendo na situação de ter que escolher fazer ou não esforços deliberados (eu não estou inventando, isso é um tema recorrente) para emular, contra sua natureza e por vezes detestando o papel, o comportamento sexualmente bem sucedido de pessoas que não raro desprezam?

As mulheres em geral se sentem infinitamente mais confortáveis em – e gravitam na direção de – relações baseadas em manipulação nas quais querem sentir que de alguma forma “seduziram” ou “conquistaram” um homem de alto valor ou status social apesar de (na sua percepção das circunstâncias) seu próprio valor ser menor ou questionável. A mulher moderna média, apesar de grande parte das vezes clamar e exigir uma relação de igual para igual (algo em que uma boa parte parte – mesmo que não universamente – dos homens modernos estará facilmente disposto a investir, e com meu apoio e aprovação) muito freqüentemente não está ainda porém psicologicamente pronta ou receptiva a uma relação desse tipo. O discurso “de igual para igual” na prática é completamente assimétrico e realizado como ganhar privilégios e opções sem a correspondente contrapartida em cumplicidade. Acaba virando ser tratada de igual para igual mas com pouquíssima ênfase ou preocupação em tratar de igual para igual. Então se alguns homens das antigas dizem “eu jamais casaria com uma mulher que ganhasse mais dinheiro do que eu” (ou que sequer ouse trabalhar), uma torrente de protestos se segue. Mas se uma mulher moderna diz “eu jamais casaria com um homem que ganhasse menos dinheiro do que eu” (ou que ouse não trabalhar), ninguém parece achar isso remotamente tão problemático. É tão difícil assim de perceber que deveriam ser dois lados da mesma moeda?

Agora, vejam, em plenos 2011, em países de primeiro mundo, um dos gêneros literários mais consumidos é… bem, seja lá que nome vamos dar ao que é publicado pela Harlequin, a maior editora do Canadá, que faz mais de meio bilhão de dólares por ano vendendo títulos como (eu não poderia ter inventado isso) :

De certa forma, ambos os lados merecem um certo crédito pela arapuca genética na qual existencialmente acordam. As mulheres sabem que se elas chegarem para praticamente qualquer homem e disserem “me come agora” ele dirá – ou pelo menos quererá dizer – “claro”. E existem fortes motivos evolutivos para que assim seja. Mas aí as mulheres acabam em grande parte medindo o grau de atração pelo nível de inesperada indeferença que um homem demonstra. Se você conseguir convencer uma mulher de que ela não conseguiu despertar absolutamente qualquer interesse de sua parte em comê-la, ou que você diria “não” por falta de interesse no caso de ela oferecer, então quase imediatamente você se torna atraente – ou pelo menos interessante – e a dita mulher começará a buscar achar formas de fazer você ficar interessado. Claro que no exato momento em que você ficar interessado, por precisamente este motivo, deixará de ser interessante. Então um dos dilemas mais enlouquecedores pelo qual todo homem precisa passar é como demonstrar interesse sem demonstrar interesse. E neste contexto, ser todo sensível é o maior turnoff do mundo. Se for muito bem expressado, ser sensível poderá até gerar interesse como parceiro para tomar conta de uma família mas muito mais dificilmente interesse do tipo “eu preciso que você me coma agora”.

Evidentemente também não é fácil para as mulheres – um homem desesperado provavelmente dirá, fingirá ou mesmo imporá (se puder) qualquer coisa para obter sexo. E a condição hormonal normal de um homem sem acesso a sexo é estar desesperado – então não é surpreendente que as mulheres tendam a sair correndo. Mas por outro lado demonstrar indiferença pode ser – e estimaria eu muito mais freqüentemente é – sintoma de sociopatia e cinismo do que de esplendoroso autocontrole, daí as mulheres acabam vezes demais se envolvendo com – e achando altamente atraentes – precisamente os piores companheiros possíveis.

Em resumo, essa situação acaba sendo problemática para ambos os lados, e é preciso um considerável esforço de introspecção a autosuperação tanto do lado masculino quanto do feminino para fugir da sua programação genética mais tosca em direção a algo um pouquinho mais construtivo.

25 Responses to “Homens Sensíveis”

  1. Thiago says:

    Seus textos são ótimos.
    Demorei anos pra perceber isso. As velhas frases “Bonzinho só se fode” e “Mulher gosta de cafajeste” sempre se fazem presentes.

    • Oi Thiago,

      Pois é, de fato a dissonância entre discurso, ideologia e realidade é por vezes tão brutal que pode ser difícil – especialmente entre aqueles mais inclinados a refletir de forma mais abstrata sobre os mistérios da vida – sequer conseguir olhar de frente para o que de fato está acontecendo diante de nossos olhos.

      Eu não sou nem um pouco fã de diante disso virar cínico, aliás muito pelo contrário, mas mesmo que seja para contestar a realidade é preciso começar de reconhecê-la como tal…

      Saudações,
      Sergio

  2. Muito bom o texto, Sérgio. Peço licença para reproduzi-lo no meu blog. Abraços.

  3. Ops, Sérgio. Perdão pelo deslize. Retificado: Sergio de BIASI.

    Obrigadão,
    Arbaços.

  4. Ana Beatriz says:

    » Becoming the Tycoon’s Bride
    » In the Australian Billionaire’s Arms
    » Millionaire’s Baby Bombshell
    » Rescued by a Millionaire
    » The Boss’s Surprise Son
    » Beauty and the Brooding Boss
    » What’s A Housekeeper To Do?
    » The Nanny and the CEO
    » Daycare Mom to Wife
    » Abby and the Bachelor Cop
    » Her Desert Prince
    » Expecting Royal Twins!

    Esses títulos são muito mico mesmo! Aqui no Brasil, eles são vendidos nas bancas de jornais, mas acho que só as empregadas domésticas compram.

    Beijos,
    Ana

    • Oi Ana,

      Esse títulos não são fantásticos? :-) Se você segue os links e lê o resumo da trama fica melhor ainda. :-)

      Eu não tenho lá tanta certeza de que só empregadas domésticas comprem, seja no Brasil ou em outros lugares, mas mesmo que seja esse o caso a realidade segue sendo que o segmento que consome isso é extremamente representativo. As “não-empregadas-domésticas” que preferem ir ler livros que não sejam commodities (esses livros citados acima são produzidos em massa e têm a profundidade intelectual e existencial de uma revista do Pato Donald) ou quaisquer livros para começar (e isso vale para homens também) não parecem ser exatamente a esmagadora maioria. Aliás, uma pergunta meio frustrante para todos nós é a seguinte : quem é mais representativo da forma de agir e pensar e sentir da “mulher média” (ou do “homem médio”), uma empregada doméstica ou essa super-mulher iluminada e idealizada que alguém um pouco mais instrospectivo e supostamente sofisticado estaria em tese buscando? Para olhar apenas para um aspecto da questão, é preciso sempre lembrar que metade da humanidade tem um QI abaixo de 100. :-P O ser humano médio não é exatamente um gênio.

      Aliás, muito ironicamente, talvez o próprio estigma “empregada doméstica” esteja aqui sendo muito mal utilizado. Muitas mulheres com capacidade intelectual altíssima e muito bem formadas academicamente (e isso claramente também se aplica a homens) agem no entanto como garotinhas (ou garotinhos) de 12 anos emocionalmente falando. É perfeitamente possível que em termos de equilíbrio emocional e felicidade conjugal houvesse muito mais encontro e sinergia investindo numa relação com uma “empregada doméstica” que fosse psicologicamente estável e bem resolvida do que com uma mulher altamente “sofisticada” por critérios puramente cerebrais mas que seja completamente tosca em termos de saber quem ela é, o que ela quer e como lidar com seus próprios sentimentos e instintos de forma construtiva.

      No meu caso pessoal não acho que daria pra abrir mão de nenhum dos dois, mas se forçado a escolher entre sofisticação intelectual e equilíbrio emocional acho que o segundo ganha. Não adianta nada ter uma Ferrari com um motor capaz de atingir 300 km/h mas que capota e explode a 60 km/h se você tenta fazer uma curva.

      Beijos
      Sergio

    • Oi Osias,

      Hehe, sabe que eu quase fiz essa ressalva escrevendo o comentário original? Comparar aqueles livros ao Pato Donald é uma ofensa ao Pato Donald. :-)

      Saudações,
      Sergio

  5. Ana Beatriz says:

    Acabo de entrar no site pensando em fazer uma longa defesa do Pato Donald :-) mas vi os últimos comentários e vou só deixar um link dele em Der Fürher´s face para a gente começar bem o dia.

    http://www.youtube.com/watch?v=IBNXHeCCdRM&feature=related

    Beijos,
    Ana

  6. Li certa vez, atribuido a Bernardt (ñ sei qual)que o amor é um sentimento sublime que quem quiser estuda-lo será eternamente estudante. Sobre o tema daria minha impressão de que há mulheres, mulheres e mais mulheres,pelo que não se pode tirar opinião média. Entre elas há propositos e interesses tão múltiplos quanto suas digitais e seus graus de afetividade se conduzem por vetores sutis e nem sempre verdadeiros(até para as próprias),além do voluntarismo movido ora por vaidade, por ambição ou causas menores como vingança etc. O mais prudente ao nosso confronto com elas é ve-las como diz Verdi: “la donna é móbile” e nunca se esperar nada -nada- dessa ligação.

    • Oi Sergio,

      Pois é, o problema é que essa filosofia de “não esperar nada” impossibilita escapar do dilema do prisioneiro. Note, não estou contestando que grande parte das vezes seja essa mesma a realidade, e agir de forma suicidamente idealista não vai resolver nada. Mas eu resisto a me entregar ao cinismo e a desistir de procurar as exceções mutantes que não se conformem com a própria volatilidade. E gostaria de apontar explicitamente que embora as idiosincrasias femininas me incomodem mais diretamente – afinal de contas é com uma mulher que essas questões surgem para mim – sentimentos destrutivos aleatórios temos todos nós – homens ou mulheres. E os homens tem lá suas formas de agirem como retardados totais. Muda talvez um pouco o estilo mas a mediocridade existencial básica é fundamentalmente a mesma. A questão é o que fazer com isso – afinal esses instintos todos estão também dentro de nós mesmos. Agora, apesar da triste regularidade com que quase todos tomam as mesmas decisões, as escolhas continuam sendo pessoais e individuais. Tratemos então cada um do jeito apropriado ao seu caráter (e desenvolvamos e aperfeiçoemos a habilidade de fazer esse tipo de julgamento) e busquemos as (quase inevitavelmente consciente e deliberadamente autoconstruídas) exceções…

      Saudações,
      Sergio

      Em tempo :

      La donna è mobile
      Qual piuma al vento,
      Muta d’accento — e di pensiero.
      Sempre un amabile,
      Leggiadro viso,
      In pianto o in riso, — è menzognero.
      È sempre misero
      Chi a lei s’affida,
      Chi le confida — mal cauto il cuore!
      Pur mai non sentesi
      Felice appieno
      Chi su quel seno — non liba amore!

  7. Romolo Disconzi says:

    Talvez as mulheres queiram homens com padrões de comportamento condizentes com amígdalas masculinas. :-)

    • Pois é, no final considerações mais sofisticadas acabam indo pela janela. Mas claro, de forma alguma são só as mulheres que assim agem; os homens também acabam em geral constrangedoramente reféns de se sentirem alucinadamente atraídos por mulheres que apresentem perfil condizente com uma boa reprodutora – mesmo quando isso é gritantemente a pior escolha possível para a sua segurança física, saúde mental, progresso espiritual e estabilidade psicológica e afetiva.

      Saudações,
      Sergio

      • Romolo Disconzi says:

        As mais sofisticadas ficam p’ros e p’ras mais sofisticadas. ;-)

        Não precisamos, necessariamente, fazer o jogo dos genes egoístas, contato que um seja esclarecido o suficiente para pensar racionalmente as situações. Muito embora seja difícil ser um robô completo, pois, mesmo sabendo que trata-se de silicone, sentimo-nos atraídos por um seio bem esculpido, independentemente da estimativa do tamanho da glândula mamária.

        Abraço.

        • Pois é, também não dá pra ir pro extremo oposto e querer ser um robô pois se formos resolver ser “racionais” demais, somos atropelados pelo fato de que sem motivos irracionais não resta motivos algum. Então não se trata exatamente de negar a nossa animalidade, mas de descobrir como expressá-la de uma forma construtiva que não fique no caminho da nossa felicidade, da nossa paz, e do nosso (quando existir) anseio por transcendência. Aliás, eu colocaria que não devemos almejar sermos robôs de nenhum tipo; tornar-se um robô não é apenas inatingível, é um objetivo ruim. Coloquemos assim : se vamos construir uma casa, ela tem que ser ao mesmo tempo esteticamente agradável, confortável, dentro do orçamento, suficientemente próxima de onde precisamos estar… uma casa que atinja um desses objetivos espetacularmente e que falhe miseravelmente nos outros não funciona. Não adianta ter uma mansão maravilhosa no meio da selva amazônica. Não adianta ter uma Ferrari que vai de 0 a 300km/h em 15 segundos mas que capota e explode se você tenta fazer uma curva a 60km/h. Mas também não funciona ter um carro elétrico ultra-seguro que tem o formato de uma caixa de sapatos e não passa de 60km/h “porque afinal de contas no trânsito diário não precisamos de mais do que isso”. Então retornando das metáforas, ser escravo cego da nossa animalidade leva a decisões de qualidade péssima. Por outro lado, querer ser um robô total também leva. Ambos levam à situação em que você pensa : “Hmmmm, eu obtive tudo o que eu ‘queria’, agora se apenas eu estivesse feliz…”. A questão é que na realidade nesses casos você *não* obteve o que queria. Precisamos antes de mais nada sermos honestos com nós mesmos sobre as nossas necessidades. E muitas delas SÃO as de primatas alucinados no meio da floresta, e isso pode ser extremamente difícil de perceber, aceitar ou admitir. Outras são em termos de paz, equilíbrio, segurança, estabilidade e transcendência, e isso também pode ser por vezes difícil de perceber, aceitar ou admitir. Mas ambas são fundamentais, e devem ser atingidas em sinergia umas com as outras, e não em oposição entre si. Agora, aceitar que temos necessidades que muitas vezes são sim as de primatas alucinados não quer dizer que precisemos tomar as decisões sobre como satisfazer essas necessidades pensando como um primata alucinado. Negar que temos essas necessidades é neurótico e irreal (a não-solução robótica). Um caminho mais equilibrado me parece ser : dado que nós TEMOS essas necessidades primatas, como satisfazê-las de uma forma construtiva? Coloquemos então nossa mente para trabalhar em termos de : eu preciso satisfazer certos instintos senão não serei feliz. Isso é um dado do problema. Que formas construtivas e sustentáveis existem de satisfazer esses instintos que possam sinergisticamente se entranhar com a satisfação das minhas outras necessidades e objetivos?

          Saudações,
          Sergio

  8. Liliana says:

    Sou casada com um homem sensível e romântico ao extremo. E sou muito feliz ao seu lado!

    • Sorte sua e dele! Meu ponto não é tanto que isso não seja possível, e sim que não é o que ocorre mais espontaneamente, e que existe a necessidade de um certo grau de maturidade, experiência e introspecção para ser capaz de satisfazer – e se satisfazer com – simultaneamente o lado primata e o lado transcendente de outro ser humano.

      Saudações,
      Sergio

  9. Maurício says:

    “Agora, essa reação é tão inesperada e desconectada de todas as interpretações que fazem algum sentido na mente do jovem homem em formação que na maior parte das vezes ele nem sequer consegue decodificá-la corretamente quando primeiro a encontra … Até que ele passa por aquele revolucionário, impressionante, poderosíssimo despertar para a maturidade masculina que é perceber que era precisamente o seu esforço para ser gentil que estava causando sua imediata, automática e enfática inegibilidade como parceiro sexual.”

    Posso dizer que isso se aplica a minha pessoa nesse momento.
    E creio que seu texto me fez olhar sobre uma perspectiva que nunca havia imaginado existir.
    Acho que acontecimentos recentes estão me fazendo crer que realmente aquele personagem, que idealizei em minha infância, não pode viver na realidade do mundo;
    É incrível como me identifiquei com o que foi retratado no seu texto.
    Parabéns, escreve muito bem e tem um ótimo olho crítico.
    Abraços

    • Oi Maurício,

      Esse de fato é um tema bastante universal que tende a bater de forma muito pessoal a grande parte dos homens.

      Essas coisas deviam ser explicitamente discutidas como parte essencial do processo de formação ao invés de deixadas à sorte para serem fonte de torrentes de angústia, ressentimento, incompreensão e frustração.

      Inclusive esse tipo de discussão seria muito mais útil do que do que tentar coagir pré-adolescentes a regurgitar factóides sobre a história do Egito antigo ou álgebra elementar. O problema é que grande parte das pessoas, a começar por pais e professores, é completamente incompetente socialmente falando, ou mesmo quando é razoavelmente competente, tem capacidade limitada de articular os fundamentos de sua competência de uma forma mais explícita e compreensível (algo que infelizmente vale também para competência em outras áreas – é completamente falso que saber fazer algo torne alguém automaticamente um bom instrutor). O ser humano médio freqüentemente tem sua formação e orientação sobre como interagir socialmente deixada a cargo de pessoas completamente despreparadas ou relutantes em assumir essa tarefa. E somado há isso há o enorme tabu em abordar certos assuntos ou dizer claramente certas verdades que uma boa parte das pessoas preferiria fingir não o serem. Seja como for, a maior parte de nós acaba tendo que reinventar a roda.

      Saudações,
      Sergio

  10. Chesterton says:

    eu só fui aprender isso depois de um casamento neurótico…

    • Infelizmente em grande parte dos casos é preciso chegar a esse ponto para decidirmos pensar “para tudo!” e questionarmos profundamente nossa visão sobre como o mundo funciona… por vezes é preciso que o contraste entre como achamos que as coisas deveriam ser e como elas são ultrapassem todos os limites do absurdamente inaceitável para encaramos a surreal realidade de frente (e isso inclui verdades sobre nós mesmos).

      Por outro lado, uma vez que o fazemos, um monte de coisas ficam (incluindo retroativamente) bem mais óbvias.

      Saudações,
      Sergio

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