Darwin e etc.

February 28th, 2009 by Sergio de Biasi

Eu fico muito admirado com a percepção de que exista alguma “perseguição” à religião latente no mero fato de um dos grandes triunfos da ciência moderna estar sendo comemorado. A correlação que existe entre os dois (ciência/teoria da evolução versus criacionismo/religião) é assimétrica e é em geral muito mais objeto de preocupação pelo lado da religião do que pelo lado da ciência. Existem muito mais religiosos gastando seu tempo combatendo as teorias científicas que descendem das idéias originalmente propostas por Darwin do que cientistas gastando seu tempo para provar falsas idéias defendidas por religiosos sobre os mesmos assuntos. Além disso, de fato nem sequer há qualquer contradição lógica intrínseca com a proposição de que o processo evolutivo em si mesmo poderia em princípio ser a implementação de um plano, como provavelmente a maior parte dos cientistas admitiria sem problemas. Essa aliás é, acredito, a posição oficial da igreja católica. Então como pode ser uma celebração da teoria da evolução algum tipo de ato anti-religioso? Bem, talvez pudesse emocionalmente e socialmente ser apesar de isso ser injustificado, mas nem sequer isso é o que vejo. Eu vejo a celebração de Darwin como similar à celebração de Newton ou Einstein; enaltecimento de pessoas cujas idéias avançaram a nossa compreensão de como a realidade funciona. Aliás, Einstein era completamente ateu (apesar de algumas pessoas quererem afirmar o contrário com citações aleatórias completamente fora de contexto) enquanto que Newton era profundamente religioso. E daí? Eu não vejo, pelo lado da esmagadora maioria da comunidade científica, ninguém realmente se importando com nada isso ao celebrar suas obras, assim como as de Darwin.

Outro argumento que me espanta é o de que a rejeição ao criacionismo nos currículos escolares ou nas publicações acadêmicas seria ideológica. De fato, se um cientista quer ser biólogo numa universidade séria, ele não pode começar a defender que evolução seja “apenas” uma teoria, e sair escrevendo papers sobre “intelligent design” (ou sobre duendes, aliás). Mas ele está sendo “censurado”? Não, ele pode seguir acreditando no que quiser e divulgar isso usando os meios de que dispuser. Mas não através de uma instituição cujos critérios de busca de verdade não são compatíveis com os dele. Se eu disser que as vozes na minha cabeça estão me dando informações sobre outros universos eu também não serei contratado pela universidade. Sendo a ciência um empreendimento humano, tais critérios necessariamente passam pela avaliação e pela aprovação dos outros cientistas. Se ele não conseguiu convencer os outros cientistas de que suas teses são válidas ou merecem investigação, isso é um motivo perfeitamente válido para não ser contratado. Evidentemente que isso deixa a pesquisa influenciável pelos preconceitos e convicções pessoais dos cientistas, mas é quase cômico uma instituição religiosa criticar esse sistema quando sua própria estrutura é intrinsecamente autoritária e dogmática e não há qualquer espaço para julgamento individual da verdade quando existe um pronunciamento oficial sobre o assunto. Os cientistas gozam de uma liberdade (relativa às opções) extraordinária dentro de suas próprias instituições para questionar o status quo; apenas essa liberdade não é infinita e tem que de alguma forma se conectar com o resto do que os cientistas já concluíram que seja provavelmente verdadeiro. E cabe ao cientista que diverge do status quo convencer seus colegas de que suas teses têm méritos.

Em outras palavras, se eu quiser defender seriamente que na verdade o Sol gira em torno da Terra, precisarei de argumentos extraordinariamente bons. O mesmo ocorre com evolução, que é um fato científico extensamente estabelecido por uma variedade quase ridícula de métodos além de qualquer dúvida razoável. Quem não está interessado na verdade científica da evolução, ótimo, mas então não fique escandalizado de questioná-la não ser respeitável no meio científico. Existem excelentes motivos para questionar isso não ser levado a sério que não passam por qualquer preconceito extra-científico. Agora, quem de fato quer questionar seriamente a validade científica da evolução, ou pelo menos defender que questioná-la seriamente (ao invés de meramente especulativamente) seja intelectualmente respeitável, precisa ter excelentes argumentos contra, porque os que existem a favor são muito fortes. E naturalmente não adianta simplesmente ler a página da Wikipedia sobre evolução. Seguimos um longo caminho desde Darwin, e hoje em dia as evidências mais fortes e conclusivas do processo evolutivo vêm da genética molelular. Não é nem de longe uma posição primordialmente ideológica.

Agora, dizer por exemplo algo como “eu não me interesso nem um pouco pelos argumentos científicos sobre aquecimento global e na verdade os desconheço inteiramente e pretendo permanecer assim mas acho que as pessoas que questionam as causas apresentadas pelo governo como mais prováveis deveriam ser levadas mais a sério”, isso sim soa como “não vi e não gostei”.

O que nos leva à questão de como então é possível ao cidadão comum julgar debates em torno de questões científicas. Afinal, independentemente do interesse como drama cultural, algumas dessas questões possivelmente *têm* implicações concretas sobre nossas vidas (por mais que muitos entre nós não tenham qualquer interesse ou tempo para compreendê-las) e freqüentemente são base para decisões políticas. Mas considerando que para muitos não é possível ou desejável meter-se a ler exaustivamente artigos científicos e estudar cálculo, como proceder? Resta-nos usar a “intuição” ou o bom senso sobre o que faz sentido, associado a algum tipo de escolha e julgamento de caráter das “autoridades” científicas em que vamos acreditar.

Evidentemente, se alguém aparece na televisão para dizer “pesquisas científicas provaram que coca-cola mata em duas horas” eu, pela minha própria experiência, vou concluir imediatamente que isso é falso, não interessam os argumentos. Aliás,quando a mídia cita algo que começa com “pesquisas científicas provaram que” ou “cientistas descobriram que” trata-se quase sempre de algo completamente falso, distorcido e delirante. Então de fato é saudável buscar fontes mais confiáveis do que o Globo ou a Veja (ou o New York Times ou a Newsweek). Mas quais são essas fontes? Infelizmente (digo infelizmente pela sua inacessibilidade prática e intelectual), na maioria dos casos, são mesmo os papers científicos (para questões mais atuais e controversas) ou livros texto de ciência básica, para questões mais gerais e fundamentais. E o entendimento não vai surgir em uma tarde. Mas tais fontes têm a maior probabilidade de conter análises sérias, mas mais do que isso, dados concretos e mais ou menos confiáveis sobre a questão. Sendo que probabilidade não é certeza, e eu diria que qualquer análise dos dados deve ser lida com grande senso crítico, afinal o livro foi escrito por outra pessoa. Um livro sobre ciência que contenha apenas conclusões é muito ruim e suspeito e deve ser encarado com extrema desconfiança.

Felizmente para grande parte dos assuntos é possível simplesmente ficar com uma opinião genérica baseada no bom senso e na intuição. Ou simplesmente confiar que alguém pensou sobre isso. Digamos que após eu ler um artigo numa revista eu me pergunte – será que a radiação do meu celular não pode me matar? A lógica diz que se isso é um risco real, então pessoas estão morrendo disso. Estão? Isso é bem mais simples de pesquisar ou estimar do que entender argumentos sobre por que microondas não têm energia suficiente para quebrar ligações colaventes em moléculas biológicas.

É Tudo Uma Grande Farsa

February 26th, 2009 by Sergio de Biasi

Qualquer um com alguma quantidade de senso crítico começa a suspeitar em algum estágio de sua vida que certas instituições não são o que pretendem (ou querem convencê-lo de que pretendem) ser. Chega um dia – por vezes ainda na infância – em que você olha em volta e pensa “peraí um pouco” e repentinamente enxerga que não são meros detalhes; que aquilo ali é uma farsa. Pode vir primeiro com o governo, com as religiões, com as escolas, com a família, mas em algum momento a incongruência entre seu modelo mental do que aquela instituição deveria representar e o que você efetivamente experimenta todo dia que ela seja fica tão grande que se torna inviável não mudar o modelo. E freqüentemente a mudança é tão drástica que não há como categorizar a descrição anterior como algo menos que uma farsa, uma impostura, uma mentira.

Isso pode resultar em um espectro de reações que vão desde enorme indignação até um simples e pragmático aumento na habilidade de interagir produtivamente com a realidade (ao invés de com uma fantasia). O impacto exato dependerá entre outros do grau de investimento que você tinha naquela realidade fictícia. Alguns dirão “Oh, papai noel não existe! Mas é divertido fingir que ele existe, então está ok.” Outros dirão “O quê, papai noel não existe? Mentiram para mim! Que absurdo!” Seja como for, dificilmente será possível se relacionar com aquela instituição da mesma forma que antes.

Aqueles amaldiçoados com um grau particularmente alto de senso crítico talvez sequer cheguem mesmo na infância a entreter ilusões sobre certas instituições. No extremo oposto, aqueles completamente desprovidos de senso crítico continuam para sempre a depositar aleatoriamente confiança em quaisquer instituições por mais incongruentes e inacreditáveis que sejam, e determinam suas crenças pessoais sobre como a realidade funciona como resultado de uma média ponderada entre os anúncios do governo na televisão, o que o pastor falou na igreja no domingo, o que seus amigos e familiares acreditam e o que os personagens atraentes das novelas dizem.

A maioria das pessoas, porém, mesmo as mais inteligentes, perceptivas e críticas, chega à idade adulta mantendo o respeito e a fé numa certa quantidade de instituições. Talvez o governo seja uma grande farsa, digamos, digamos, mas as religiões ainda têm algum tipo de integridade básica. Ou talvez o mundo acadêmico seja uma farsa, mas por outro lado exista alguma verdade fundamental em investir num casamento e numa família.

E novamente, para a maioria das pessoas, isso acaba funcionando. Para muitos, isso se dá simplesmente por falta de suficiente autonomia e poder intelectivo para enxergar e questionar as aberrantes e abundantes inconsistências que tais instituições apresentam. Ironicamente, se fosse menos absurdo, talvez fosse mais fácil de perceber. Mas do jeito que é, nada faz sentido mesmo e vira tudo ruído de fundo.

Para outros, mais questionadores e com maior clareza de pensamento, fica mais complexo simplesmente varrer esse mar de incongruências para debaixo do tapete. Só que de instituição falida em instituição falida, acaba-se chegando no total vazio, e esse é um beco sem saída existencial altamente desconfortável. Daí para preservar a própria sanidade decide-se acreditar em uma ou mais instituições inacreditáveis. A opção é não restar mais qualquer motivo para fazer qualquer coisa.

Só que essa é uma solução mais ou menos esquizofrênica, que só pode ser sustentada através de uma desonestidade intectual que começa consigo mesmo antes de sequer de ser exportada aos outros. Se formos ser completamente honestos, ou na verdade minimamente honestos, as evidências concretas contradizem continuamente as supostas características que todas as instituições que servem de cola social e arcabouço emocional e existencial para a nossa civilização deveriam apresentar. Quando começamos a jogar fora e refutar as instituições ocas baseadas em mentiras e manipulação, não resta nenhuma.

Se formos ser implacavelmente honestos, pouco a pouco percebemos que não são partes do sistema que são feitas de isopor e papel crepom. É o sistema como um todo.

Por exemplo : o governo é na prática uma instituição mafiosa no sentido mais literal da palavra. São criminosos que se organizaram para extorquir (leia-se à força) dinheiro e recursos da sociedade para protegê-la de ameaças imaginárias ou criadas pelo próprio governo. (“Seria uma pena se a sua fábrica pegasse fogo, mas nós podemos evitar que isso aconteça…”) Certo, o governo deveria ser uma mistura de gerente e companhia de segurança contratada por todos nós para manter um certo grau de ordem. Mas esqueçamos por um instante o que os governos “deveriam” ser ou o que nós “gostaríamos” que eles fossem. Olhem na prática para o que eles são. Nós pagamos “proteção” ao governo como pagaríamos a um mafioso que ameaça explodir a nossa loja e/ou dar um tiro na nossa cara se não pagarmos proteção. Pagamos ao governo para ele nos deixar em paz. É ingênuo porém achar que o problema seria resolvido com anarco-capitalismo ou algo assim. A rigor, o sistema em que a civilização automaticamente se encontra antes de governos serem organizados *é* anarco-capitalismo. E mesmo assim universalmente governos são organizados. Vácuos de poder tendem a ser preenchidos; onde não existe uma organização coercitiva dominante, sempre existe uma cambada de psicopatas disposta a cria-la. E não há como impedir que o façam a não ser organizando nossa própria entidade coercitiva, derrotando o propósito de não haver uma. Achar que “seguradoras” ou grandes empresas respeitarão ou protegerão liberdades individuais mais do que governos tradicionais (usando por exemplo o argumento de que isso é o que maximiza seu lucro) é de uma ingenuidade delirante. É como tentar subornar o ladrão para que ele não te assalte. É só outro nome para ser assaltado. Enfim, o governo é uma farsa absoluta no sentido de que o que ele realmente é diverge de forma irreconciliável de qualquer interpretação razoável do conceito socialmente dominante do que ele seja. Isso é assunto para muito mais do que dá para abordar aqui neste texto, mas os governos são farsas muito, muito maiores do que a maioria das pessoas percebe ou está emocionalmente preparada para conceber.

Certo, então talvez os governos sejam péssimos mas outras coisas não sejam. Só que governos são apenas um exemplo. É uma grande tentação achar que o problema esteja com a instituição, que se apenas mudássemos a forma de governo, ou o contrato social, ou *algo*, poderia funcionar. Só que o problema não está com a instituição. Assim como com a religião, com as escolas, com as universidades, com as famílias, o real problema está com as pessoas, não com nenhum sistema em particular. As instituições farsescas resultam diretamente de pessoas individualmente farsescas. Se jogarmos o idealismo e a moralidade no lixo, como a maioria absoluta das pessoas faz sob pressão, ou mesmo sem pressão alguma, é evidentemente muito mais vantajoso professar objetivos alinhados com os interesses daqueles cujo apoio você quer conquistar seja lá qual forem seus reais objetivos ou ações do que ser suicidamente transparente. Se o pastor evangélico for à televisão dizer “mande dinheiro porque eu quero um iate” provavelmente não vai funcionar tão bem quanto se ele disser “mande dinheiro e sua vida vai magicamente melhorar”. Infelizmente, está é a natureza básica da maior parte das interações sociais. E é muito complexo desviar disso, porque aqueles que tentam agir de forma honesta e lutar pelos seus interesses sem manipular os outros são violentamente massacrados. É preciso ser mesmo suicida, ingênuo ou ter uma repulsa extraordinária em manipular ou outros para não se juntar ao clube da farsesca respeitabilidade social.

You Will Die

February 15th, 2009 by Sergio de Biasi

Leiam e se não acreditarem confiram em fontes independentes :

The Burden of Modern Taboos

Aproveitem Enquanto Podem

January 1st, 2009 by Sergio de Biasi

Aproveitem enquanto podem, que é bem possível que o mundo como o conhecemos esteja prestes a mudar.

Grandes, vastas partes do globo já são correntemente controladas por ditaduras grotescas e aberrantes que não cogitam alguns dos mais elementares direitos individuais que por estes lados nem chegamos a imaginar que poderiam ser questionados. Mais está por vir.

A imprudência e a incapacidade de avaliar o quanto está em jogo são facilitadas por um sentimento mais ou menos universal no ocidente – em particular nas Américas – de que o progresso histórico em direção a sistemas de governo mais “democráticos” onde a autodeterminação individual – mesmo que restrita por certas questões de ordem – seja respeitada e garantida pelos governos seria um processo mais ou menos automático, um destino manifesto no qual ditaduras totalitárias e teocracias fundamentalistas seriam apenas percalços, obstáculos temporários, dores de crescimento, digamos.

Só que se examinarmos a história dos últimos 200 anos da humanidade, veremos que passamos por um pico de expressão máxima desses valores e que agora estão em franco declínio. A Rússia volta a se apaixonar pelo comunismo com força total. A China nunca o abandonou, e rapidamente se torna uma ultra-potência industrial, bélica e financeira. O Oriente Médio, após vários governos cada vez mais seculares – ironicamente entre eles o de Saddam Hussein – volta-se para o mais alucinado fundamentalismo religioso. Guerras civis genocidas assolam a África enquanto governos essencialmente tribais retornam ao centro do espectro político. A Europa, moribunda e morrendo de velhice, sofre ondas de imigração e colonização cultural reversa.

Enquanto isso, grande parte da estratégia geopolítica americana é baseada em premissas abstratas e quase místicas, numa fé cega e suicida de que as “forças de mercado” prevalecerão, de que os países do mundo, comportando-se como “agentes racionais”, verão que não é de seu interesse lutar contra os Estados Unidos, e sim que o maior benefício para todos virá de trabalharem junto com ele.

Essa falácia irresponsável arrisca a própria existência dos Estados Unidos como o conhecemos.

Ora vejam, como o próprio Alan Greenspan, um dos ícones da ideologia do poder auto-regulatório do livre mercado, declarou em seu depoimento ao congresso americano sobre a crise atual, a seqüência de eventos que culminou no colapso do sistema financeiro americano o deixou num estado de “choque e descrença” e que eventualmente isso o levou a a questionar seu modelo de que os bancos, movidos pelo puro interesse de auto-preservação, tenderiam a tomar decisões racionais que protegessem seus interesses. Só que ao invés disso bancos como o Washington Mutual, um dos maiores dos Estados Unidos, entraram numa espiral absurda de conceder uma quantidade inadministrável de empréstimos em termos que por quaisquer critérios minimamente conservadores previsivelmente jamais seriam pagos como contratualmente estabelecido.

Como isso foi possível? Bem, os executivos e gerentes responsáveis por tais empréstimos ganharam imensos bônus por trazerem novos “negócios” e “clientes” ao banco. Bônus que carregaram pra casa e agora podem gastam despreocupadamente enquanto o banco colapsa a ponto de se tornar insolvente e cessar de ter existência independente, sendo – no caso do Washington Mutual – incorporado pelo Chase. Não existe outro nome possível para o que aconteceu, não foram erros de julgamento : foi fraude pura e simples.

Só que enquanto isso estava acontecendo, toda a nação – já que o Washington Mutual não foi o único a fazer isso – ficou por anos ouvindo um discurso repetido exaustivamente sobre como isso era sensato, sobre como esses empréstimos faziam sentido, sobre como o risco era diluído por X ou garantido pelas contrapartidas Y. E no final das contas o que era óbvio era verdade – emprestar grandes somas de dinheiro a quem não tem a menor condição de pagar leva a bobagens.

Enquanto isso, em outro palco, um drama semelhante se desenrola. Mais e mais componentes fundamentais e estratégicos da indústria americana estão migrando para locais que por qualquer critério minimamente prudente são controlados por inimigos políticos dos Estados Unidos. Argumentar que não é de interesse econômico deles sabotar tal colaboração é como argumentar que não é do interesse racional de um fundamentalista se explodir. Experimente usar esse argumento com a Alemanha nazista. “Oh, nós discordamos politicamente mas enquanto isso por favor tome conta da fabricação de nossos produtos estratégicos de alta tecnologia.”

Imagine o tamanho do problema que haveria no caso de qualquer tipo de conflito mais sério com a China. Fábricas de bilhões de dólares e de altíssima tecnologia não se constroem do dia para a noite. Claro, talvez seja completamente suicida para China alimentar um tal conflito. Isso historicamente importou no passado? Isso importa no presente? Pior ainda, isso importa para aqueles que efetivamente estão tomando as decisões? Assim como no caso dos bancos, que agora estão indo à falência, aqueles com o poder de decisão com freqüência não só não sofrerão qualquer conseqüência negativa por suas decisões absurdas como muitas vezes encontram-se numa situação em que têm enormes pressões ou incentivos para tomá-las. As empresas americanas que abrem fábricas na China, por exemplo, beneficiam-se de menores custos de produção, menores impostos, menores encargos e complicações trabalhistas. Mas isso é realmente do interesse dos Estados Unidos? Ou apenas do interesse de certos grupos?

Por outro lado, qual seria a opção? O governo intervir e tentar impedir o parque industrial americano de migrar para a China? Além de desconfortavelmente invervencionista, tal política provavelmente seria ineficaz no longo prazo. Na pior hipótese, a longo prazo as próprias empresas migrariam para fora dos Estados Unidos, escapando completamente à jurisdição americana. Então o que fazer?

Talvez não haja nada realmente que se possa fazer. Talvez o “livre mercado” seja em última análise não exatamente uma ideologia e sim uma realidade darwiniana inescapável, na qual o mais produtivo sobrevive e o menos produtivo morre. Tentar regular ou impedir isso só leva à falência econômica, como no caso da União Soviética. Nesse ponto os defensores do livre mercado teriam razão. Mas note que daí não decorre de forma alguma que automaticamente seja maximizada a liberdade ou o bem estar individuais. Talvez o sistema mais eficiente economicamente seja mesmo as pessoas serem descartáveis, criadas e destruídas sob demanda e alocadas friamente pelas necessidades correntes de produção. Talvez não haja como lutar contra isso sem se tornar voluntariamente menos competitivo. Então é preciso considerar a hipótese de que achar que a estratégia que maximiza a produtividade econômica e a capacidade de sobrevivência de um grupo seja precisamente a mesma que maximiza o bem estar e a liberdade dos seres humanos que o constituem possivelmente seja basicamente um anseio romântico, motivado pelo desejo de que tais objetivos não conflitem, de que ambos possam ser perseguidos simultaneamente sem necessidade de se fazerem escolhas irresolvíveis entre ganhar o mundo e perder a alma ou salvar a alma e perder o mundo.

Sendo que para aqueles que rejeitam especulações místicas, a situação tende a ser ainda mais grave, porque não há como salvar a alma se perdermos o mundo. Se perdermos o mundo, a alma vai junto. Então aproveitem enquanto podem.

This Country Is A Trip

November 16th, 2008 by Sergio de Biasi

Estava eu em casa e começo a ouvir um barulho fantástico de milhões de motores se aproximando. Vai ficando cada vez mais alto. A princípio eu simplesmente continuei o que eu estava fazendo, mas depois de uns 5 minutos eu tive que ir olhar pela janela. Então eu vi isso :

Entre eu resolver olhar, de fato olhar, e finalmente pegar a câmera quando simplesmente não acabava foram bem uns 15 minutos. Foi uma pena eu não ter começado a gravar antes.

All The Leaves Are Brown But The Sky Is Still Blue

November 11th, 2008 by Sergio de Biasi

Bem, após a demonstração de preview do inverno que tivemos no último vídeo, aqui vai um que mostra como está indo este meio para final de outono. Não se deixem impressionar pelo fato de estar ensolarado; está fazendo uns 10 graus lá fora.

É interessante como estações do ano, se você está no Rio de Janeiro, são um conceito praticamente tão alienígena quanto futebol americano ou esquilos correndo pelo parque.

Mas de fato, os ciclos por aqui são muito marcantes e você precisa ter, para começar, um guarda-roupa completamente diferente para cada parte do ano, e não faz qualquer sentido usar algo inadequado para a estação corrente. Experimente sair com sapatos comuns na neve, por exemplo. Não funciona. Da mesma forma, experimente sair com botas de neve no verão.

Psicologicamente, isso traz uma sensação de que coisas estão acontecendo e de que o mundo está indo para algum lugar, com ou sem você. :-)

Sim, Nós Temos Estações Do Ano

November 10th, 2008 by Sergio de Biasi

Pra quem está no Rio de Janeiro e acha que 18 graus é frio, experimente sair de casa de manhã e estar mais frio do que dentro da sua geladeira.

A Ideologia do Cinismo

November 5th, 2008 by Sergio de Biasi

Talvez tenha escapado ao Pedro que eu não disse que quero ir pra cama com o Obama, nem que o Obama é meu ídolo, nem que pelo Obama ter sido eleito agora andaremos todos de mãos dadas em direção à felicidade. Acreditar sinceramente que eu pense isso baseado no que eu escrevi teria sido mera obtusidade.

Mas como o Pedro não costuma ser intelectualmente obtuso, provavelmente ele sabe perfeitamente bem que não foi isso que eu disse.

A questão aqui me parece portanto ser que ironicamente o cinismo também precisa de uma ideologia, mesmo que meio que às avessas. Então se você quer demonstrar a sua superioridade exibindo enfado e ennui diante de tudo e de todos, se você está entre aqueles cuja resposta padrão é “whatever”, que é too sexy for this song e too cool for school, então coerentemente você precisa denunciar como ridículas e patéticas quaisquer manifestações de esperança e idealismo.

Esquizofrenicamente, estamos falando de alguém que simultaneamente em que denuncia a idolatria defende que existe um ser humano na terra (codinome “o papa”) que supostamente teria o poder de entrar em modo de infalibidade papal sempre que suficientemente inspirado e então transmitir a nós o dogma da semana ao qual devemos então nos curvar enquanto fazendo uma auto-lavagem cerebral para achar uma forma de acreditar – ou melhor, “entender” – internamente que aquilo ali é o certo.

Agora, eu não acho que nem sequer o Jabor imediatamente após ter escrito aquele artigo – e certamente não eu – aceitaria acriticamente qualquer coisa que o Obama dissesse. Certamente há pessoas que o fariam, e isso realmente é um erro. Mas não foi sua consciência que o Jabor depositou no Obama. Não foi seu julgamento ou sua independência de pensamento. Foi sua esperança. A esperança de que o Obama seja pelo menos um pouco do que parece que é, que ele seja uma pessoa idealista e decente e esclarecida tentando de alguma forma impedir que os Estados Unidos caiam nas mãos do obscurantismo fundamentalista. O mesmo obscurantismo fundamentalista que acredita em verdades reveladas e em aceitar obedientemente argumentos de autoridade. O mesmo obscurantismo que acha que se a ciência contradiz a autoridade religiosa, então naturalmente é a ciência que está errada. O mesmo obscurantismo que acha que sua moralidade alienígena e seus dogmas revelados devem se tornar lei.

Agora, naturalmente, se alguém ousa expressar uma opinião que vai nessa linha genérica, então deve constituir hate speech, não é? Afinal de contas, não é um discurso moderado e são como achar que os gays passarão o resto da eternidade sendo torturados no fogo do inferno por terem ingenuamente acreditado que a forma como fazem sexo não é da conta de ninguém.

Viva Obama

November 5th, 2008 by Sergio de Biasi

Depois de ataques tão virulentos nem tão exatamente contra o Obama, mas contra o sentimento de esperança que de fato o cerca, vou ter que comentar alguma coisa.

O Obama de fato é algo revolucionário. Não por ser negro, ou relativamente jovem, ou não ter vindo de uma família milionária, ou várias outras coisas que o separam do perfil padrão para um candidato à presidência americana. Mas por ser tudo isso e não ostentar tais “credenciais” como se lhe dessem instantânea superioridade moral. Por recusar-se a se tornar um estereótipo ambulante de si mesmo ou de abstratas minorias oprimidas. Ao contrário de McCain, que de 15 em 15 minutos faz questão de lembrar a todos como foi um prisioneiro de guerra, Obama não parte do princípio de que ser vitimizado seja automaticamente meritório.

Aliás, pelo contrário. Ao invés de ficar choramingando, ele trabalhou muito duro para conquistar oportunidades que não vieram facilmente, para se tornar uma pessoa melhor e mais preparada, estudou com excelência em Columbia e Harvard, trabalhou por anos como advogado antes de se candidatar a senador.

Ele não está sendo eleito por ser um coitado. Ele não é o coitado eleito para a presidência com base no pensamento bizarro de que é bom ter lá alguém bem coitado porque assim saberá ter empatia e solidariedade com outros coitados, ou porque assim estamos de alguma forma “compensando” os coitados. Ele está sendo eleito justamente porque *não* é um coitado. Ele está sendo eleito por pessoas que querem na presidencia alguém melhor do que elas mesmas, alguém com mais força, com mais inteligência, com mais preparo, com mais esperança.

Naturalmente que é uma péssima estratégia depositar muitas esperanças na idéia de que o governo virá salvá-lo, ou que vai criar o paraíso na terra. Mas se por um lado o governo não pode salvá-lo, o governo pode com muita facilidade destruir a sua vida, e de fato fisicamente o faz em grandes partes do mundo. Mas até mesmo nos EUA, onde as opções realistas para o que um governo vai fazer são comparativamente mais limitadas, parece razoável acreditar que o mundo seria o mesmo hoje caso Al Gore tivesse se tornado presidente em 2000?

Talvez o entusiasmo de Arnaldo Jabor possa soar exagerado ou pueril. Mas sinto muito, realmente eu entendo exatamente os motivos dele. O Obama é um símbolo, um emblema, um canal para extravasar uma frustração colossal. Como Jabor observa, isso é uma questão menos visceral no Brasil, onde as pessoas tendem em geral a não levarem nada excessivamente a sério, mas se no Brasil isso é mais incomum, nos EUA existe de fato uma multidão de zelotas militantes munida de um arsenal inesgotável de verdades e certezas absolutas que querem impor à força a todos que for possível. Pessoas que acham sinceramente que estão fazendo um favor ao mundo ao tornarem suas opiniões e preconceitos sobre como a vida deve ser vivida em legislação.

Ironicamente, apesar de ter em massa o apoio de tais pessoas, McCain em si mesmo não é assim tão primário, e como tal claramente pareceu em vários momentos se envergonhar de suas próprias bases políticas. O ultra radical exemplo disso é a fenomenal Palin, que entre outras coisas é “pro-life” (o próprio termo já é ridículo) e quando perguntada sobre se achava que o aquecimento global era ou não causado pelo homem respondeu que “não era produtivo ficar apontando dedos, que muito mais importante do que dizer quem era culpado era ir lá e trabalhar duro para resolver o problema.” Ceerrttto.

Talvez o Obama não seja nem tão santo nem tão gênio como no auge de sua popularidade muitos parecem tentados a acreditar. Mas comparado com pessoas que querem mandar na minha vida com base em obscurantismo fundamentalista e ignorância militante, só posso mesmo dizer : Viva Obama!

Pensamentos sobre o "colapso" do comunismo soviético

October 26th, 2008 by Sergio de Biasi

Algo que por vezes parece escapar a muitos comentaristas políticos que falam entusiasticamente do “colapso” do comunismo soviético é que este não se deu exatamente e nível ideológico, e sim por ter se tornado economicamente insustentável. A fragilidade econômica interna do sistema, associada à necessidade de responder a programas armamentistas estratosféricos promovidos pela administração Reagan levou o império soviético à bancarrota.

Tal falência, porém, se deu basicamente a nível material, de recursos, e não a nível de idéias. Não se deu através de nenhuma “revolução” motivada por anseios de liberdade, justiça e independência individual, mas pelo muito menos transcendente problema de que o estado ficou sem dinheiro para manter de forma eficaz e organizada seus sistemas de repressão interna. Por um lado, parece claro que o plano de derrotar o império soviético através de conflito armado direto seria não só inviável como a tentativa resultaria em suicídio coletivo de grande parte da humanidade. Por outro, o plano que concretamente “funcionou” de derrotá-los através de sufocação econômica derrotou apenas uma certa manifestação externa de um problema muito mais profundo.

A questão (pelo menos para alguém que acredita que as pessoas devem tanto quanto possível serem deixadas em paz para administrarem suas vidas como quiserem) é que a idéia básica de que seja moralmente aceitável e/ou socialmente desejável que o governo (ou qualquer outra entidade coletiva) controle irrestritamente a vida individual das pessoas não passou nem perto de ser derrotada, e continua bastante forte. E isso não só por lá nos confins da Ásia. Em quase todo o mundo, me parecem serem pouquíssimas as pessoas que acreditam atualmente que suas próprias consciências individuais devam ter precedência moral sobre quaisquer preceitos receitados pelo governo, pelas igrejas, pela família, pelas escolas ou por quem quer que seja. Não acredito ter havido qualquer vitória realmente significativa ou duradoura sobre tais idéias despersonalizantes. Muito pelo contrário, após um revolucionário período histórico em que a humanidade parecia destinada a libertar-se dos grilhões da opressão violenta e organizada ao pensamento individual divergente, vejo no horizonte as nuvens de um retorno ao obscurantismo massificante.

Inclusive, note-se que mesmo economicamente, o sistema soviético não era intrinsecamente “inviável”, afinal sempre é uma opção logicamente disponível escolher voluntariamente viver na miséria por burrice, ignorância ou fanatismo (ou mesmo por preguiça, falta de ambição ou – num caso mais sofisticado – escolha consciente ao invés de acidental). O problema não foi tanto uma implosão espontânea quanto uma competição direta com economias um pouco mais eficientes (ou pelo menos eficazes), associada à não-passividade de tais economias diante de um projeto muito real de serem assimiladas.

O governo da China atual percebeu isso claramente e construiu um modelo divergente do soviético no qual o desrespeito mais desprezível às liberdades individuais é amplamente tolerado tanto internamente como externamente através da implementação de politicas econômicas pragmáticas. Por esse ponto de vista, pode-se argumentar que, muito ironicamente, o colapso do império soviético se deu não por ser opressivo, mas sim por não sê-lo suficientemente. Ao apegar-se a uma bagagem idealista e fantasiosa de estar cumprindo uma missão semi-divina cujo resultado eventual seria a construção de uma utopia na terra em que todos os seres humanos teriam (mesmo que à força) dignidade, felicidade, segurança, etc…, o governo soviético perdeu a chance de usufruir de diversos caminhos pragmáticos para obter progresso econômico concreto, recusando oportunidades que acreditava não poder coerentemente aproveitar.

O governo chines, por sua vez, despindo-se de tais vernizes e melindres, alavanca suas possibilidades econômicas ao máximo enquanto destrói sistematicamente qualquer tentativa de preservar a autonomia individual de pensamento, expressão e administração da própria vida. A sustentabilidade dessa estratégia a longo prazo descobriremos ao longo do resto do século, mas a noção de que tal sistema seja economicamente viável é preocupante.

O que nos leva à seguinte questão. Sou em princípio sim a favor do “livre” mercado em sua acepção mais ampla. Mas *não* porque esse sistema seja necessariamente o mais eficaz ou o que gera mais riqueza, e sim como efeito colateral da minha convicção de que as pessoas devem ser em princípio deixadas em paz para fazerem o que bem entenderem com suas vidas. Mesmo aceitando a premissa de que o “mercado” maximize ou de alguma forma otimize a “produção de riqueza” (por exemplo investindo trilhões na China), não acho que maximizar a produção de riqueza coincida automaticamente com maximizar as coisas que eu gostaria de vez maximizadas. Prefiro ter um carro um pouco pior mas não precisar ter medo de ser preso ou punido por expressar idéias impopulares.

Mas isso sou eu, e talvez essa posição não seja nem representativa nem evolutivamente ótima. Por um lado, talvez uma grande parte das pessoas se importe muito mais com ter carro um pouco melhor do que com poder dizer livremente o que pensa. Por outro, talvez maximizar a produção de riqueza seja o que efetivamente determina a sobrevivência material de um grupo humano, então os grupos que escolhem ao invés disso alguma noção abstrata de dignidade talvez estejam fadados a serem constantemente sendo varridos para fora da história.

O fato é que objetivamente somos máquinas biológicas descartáveis replicantes, e o domínio numérico de um certo perfil genético / cultural está inexoravelmente ligado em última instância à habilidade de se reproduzir. Especialmente num contexto em que conquistas científicas e tecnológicas facilmente se espalham universalmente, dignidade ou independência de pensamento do ser humano médio talvez pouco tenham a ver com sucesso material do grupo como um todo. Uma casta intelectual pode facilmente – e talvez até mais eficientemente – produzir toda a ciência que uma horda de zumbis “suficientemente inteligentes” se põe então a colocar em ação.

Talvez seja o caso de que o modelo economicamente mais eficiente seja de fato sermos todos descartáveis, substituíveis e intercambiáveis, abandonando qualquer noção de dignidade – seja isso atingido com ou sem um planejamento central. E se gostamos disso ou não (eu pessoalmente detesto), talvez não importe no grande esquema das coisas, porque o grupo mais eficiente em se reproduzir é o que vai predominar seja qual for a sua maravilhosa justificativa filosófico-político-ideológica. Talvez nem tentar ter uma justificativa e sim friamente e objetivamente enxergar toda a questão como um xadrez Darwiniano seja o próximo passo evolutivo/histórico. Não porque isso seja o “certo” ou o “bom”, mas porque talvez seja a estratégia que com mais eficácia aumente sua própria representatividade.

Claro que aqui não estou dizendo nada de realmente novo. O receio de que este seja o caso pode ser encontrado em um grande número de autores e obras mais ou menos óbvios. Mesmo assim, tais questões parecem por vezes se perderem nos discursos de quem associa automaticamente a pura “eficiência econômica” a um mundo no qual um ser com uma consciência que reconheceríamos (ou que atualmente idealizamos) como humana desejaria viver. Ignorar que recursos não podem ser criados do nada leva a um certo tipo de desvio perverso; achar que então a solução seja maximizar a geração de recursos a todo custo leva a outro. Infelizmente a segunda idéia talvez funcione.