Não é minha culpa, não é meu problema

May 15th, 2010 by Sergio de Biasi

Uma das respostas mais convenientes para a omissão diante do mal, geralmente pronunciada com incontida satisfação com a própria argúcia, é : NÃO É MINHA CULPA, NÃO É MEU PROBLEMA.

Aqueles que acham este raciocínio uma fortaleza de lógica e um respeitabilíssimo princípio moral parecem (seja genuína ou hipocritamente) não perceber quão ridiculamente mal disfarçada esta é, despida de sofismas e maquiagens, simplesmente uma afirmação de que NÃO ME AFETA, NÃO É MEU PROBLEMA.

Por esse raciocínio,  se você está passeando sozinho na praia e então observa um bebê abandonado na areia, você pode perfeitamente pensar “eu não causei isso, eu não tenho nada a ver com isso, vou continuar caminhando, não é minha culpa, não é meu problema”. Se você trabalha varrendo o chão para uma companhia que produz antibióticos e descobre por acaso que por um erro de administração um lote inteiro estragou mas eles vão vendê-lo assim mesmo para não perder milhões, você pode perfeitamente pensar “eu não causei isso, eu não tenho nada a ver com isso, não é minha culpa, não é meu problema”. Se você vê está dirigindo numa estrada à noite, observa um atropelamento com fuga do motorista deixando uma vítima agonizante no asfalto, você pode perfeitamente pensar “eu não causei isso, eu não tenho nada a ver com isso, não quero me envolver com isso, vou continuar dirigindo, nao é minha culpa, não é meu problema”. Se você trabalha numa concessionária servindo café e nota que está sendo apresentado a um cliente um orçamento de serviços para seu carro que são flagrantemente desnecessários e desonestamente superfaturados para substituir peças que estão funcionando perfeitamente além de qualquer dúvida, você pode perfeitamente pensar “eu não causei isso, eu não tenho nada a ver com isso, não é minha culpa, não é meu problema”.

Ou você pode escolher fazer alguma coisa sobre o assunto.

Percebam, escolher não fazer nada é também uma escolha, é também uma ação, é também uma iniciativa com significado ético. Mesmo que você possa argumentar que não foi o causador original de um certo resultado, e que talvez nem sequer o desejasse, isentar-se diante da injustiça, da maldade, do que você sabe que está errado e incorreto, calar-se diante da mentira, omitir-se diante da opressão, assumir calado seu papel no que você sabe que é uma farsa e uma impostura, tudo isso é sim transbordante e pleno de implicações éticas. E não fazer nada certamente afeta o outro, especialmente quando você está numa posição privilegiada para mudar o curso dos eventos. Então sim, mesmo que não seja sua “culpa”, suas ações – ou omissões – continuam tendo conseqüências e significado.

Muitas vezes somos confrontados com situações que não criamos mas sobre as quais no entanto temos poder de agir, de interferir. Não interessa de quem é a “culpa” de aquela situação existir, ela está ali e requer que você faça uma escolha sobre como vai reagir diante dela. Se você acha realmente que não ter causado a situação o isenta de qualquer responsabilidade ética, então você perdeu completamente o ponto e o espírito do que significa ética. Se sua única preocupação é “Será que alguém poderá vir a me culpar por isso?”, então transparentemente você está preocupado apenas com você mesmo. Ética não é levar em conta que se você fizer algo errado isso poderá ter conseqüências para você. Até um psicopata convicto se preocupa com isso. Ética é se preocupar com como o resultado das suas ações e escolhas vão afetar o OUTRO.

Claro, você pode aí observar : tá, ok, o fato de não ser minha “culpa” não resolve automaticamente a questão. Mas seja por ação direta ou por omissão, dirá talvez você, continua não sendo “seu problema”, no sentido em que você não aceita como responsabilidade sua zelar pelo bem estar dos outros. Você pode honestamente perguntar : por que eu deveria me preocupar com a consequência das minhas ações sobre os outros, seja ou não por omissão? Por que eu deveria me preocupar se ao buscar ativamente um benefício para mim mesmo e ao cuidar dos meus próprios interesses causo diretamente a desgraça do outro se isso não me afetar diretamente e se não houver pragmaticamente a expectativa de quaisquer represálias ou conseqüências para mim? Chegamos então ao verdadeiro fundamento da questão, que é que para alguns (muitos, possivelmente a maioria) o bem estar dos outros não é realmente seu “problema”. Mas note, esta é justamente a questão central da ética. O que você está realmente perguntando, nesse caso, é : por que deveria eu me importar com os outros, ou com agir eticamente, ou com o fato de que minhas escolhas afetam a felicidade dos seres humanos à minha volta? Por que o bem estar dos outros seria “meu problema”?

Colocada desse jeito, pelo menos é uma questão um pouco mais honesta. E eu não tenho nenhuma resposta irresistível para ela. Eu não tenho absolutamente nenhum argumento filosófico, lógico, científico ou de nenhuma outra ordem que realmente demonstre que a única posição razoável, aceitável, coerente ou justificável seja a de considerar sim o bem estar dos outros. Eu gostaria de ter, e muitas grandes mentes ao longo da história dedicaram imenso esforço para articular um motivo, mas a verdade mesmo é que não há. É essencialmente uma escolha, uma escolha com profundas implicações sobre quem somos e como viveremos nossas vidas, mas ainda assim basicamente uma escolha. Eu poderia dizer que você será infeliz com essa escolha, ou que será eventualmente punido, ou que não está sendo fiel ao seu coração, ou dar um monte de outros argumentos que, bem, refletem muito mais o meu sistema de valores do que a estrutura da realidade. Em geral, nenhuma dessas conseqüências é necessariamente verdade, especialmente se você conhecer a si mesmo e agir de forma minimamente inteligente. Ou seja, é perfeitamente possível e realista ser um patife desprezível e viver uma vida muito feliz. Inclusive, se isso não fosse verdade, não haveria qualquer dilema ou escolha a fazer.

Claro, existem milhões de motivos para escolher não aceitar essa responsabilidade, mesmo quando você a percebe como sendo de alguma forma justificada. Fazer a coisa certa pode ser custoso, inconveniente, desagradável. Agora, vejam – fazer a coisa certa quando ela coincide com os seus interesses é fácil. Difícil é fazê-lo quando ela os prejudica. Escolher fazer a coisa que você percebe como certa em casos nos quais isso vai contra os seus interesses é penoso e complexo, mas isso sim é agir eticamente.

Note, não estou dizendo aqui que devemos ser todos mártires no sentido de colocar o valor do bem estar dos outros acima do nosso e nos autodestrurimos no altar da “etica”. Eu tenho uma prerrogativa tão legítima de valorizar meu próprio bem estar quanto os outros, e eu acho muito natural e correto que em havendo conflito direto de interesses, eu valorize meu próprio bem estar mais do que o de o de um sujeito aleatório. Mas existe uma diferença enorme, gigantesca entre eu TAMBÉM considerar o meu bem estar como importante e eu considerar APENAS o meu bem estar como importante. É preciso buscar um equilíbrio aí. Mas se ao invés disso você considera o seu bem estar tão mais acachapantemente valioso do que o de todos mais que um pequeno e fútil benefício para si mesmo valha a extrema miséria e infelicidade alheia e você está perfeitamente feliz e satisfeito com isso, então meus parabéns, você é um sociopata.

Sim, você tem nas suas mãos a escolha de ser ou não o protetor de seu irmão e não apenas de si mesmo. Você é perfeitamente livre para optar. E isso só faz com que por mais forte razão ainda escolher não o ser, não enxergar como imperativa a responsabilidade e o dever de o ser, que isso seja uma posição estalante de significado.

Como Fazer Amigos e Influenciar as Pessoas

May 11th, 2010 by Sergio de Biasi

Dale Carnegie foi um dos precursores do gênero atual de livros de auto-ajuda e similares. Como vários autores desse tipo, uma grande parte de seu impacto e de sua influência se derivou de sua popularidade em meios corporativos, nos quais gerenciar e extrair algo convincentemente parecido com “resultados” de pessoas absurdamente incompetentes e obtusas e/ou induzir e manipular todo tipo de pessoas a agirem contra sua felicidade pessoal, contra sua consciência e contra seus interesses é uma questão sempre presente (a isso usualmente se chama “liderança”).

Seu livro mais popular, um grande best-seller publicado em 1937 e  vendido até hoje, se chama Como Fazer Amigos e Influenciar as Pessoas.

No primeiro capítulo do livro, ele diz logo de saída algo nas seguintes linhas :

Se você for tirar apenas uma lição deste livro, apenas uma única, e for se lembrar de apenas uma recomendação prática para empregar no seu trato cotidiano com os outros e que maior impacto terá em auxiliá-lo a fazer amigos e influenciar as pessoas, é esta : NUNCA CRITIQUE NINGUÉM. Não interessa se você estiver coberto de razão, não interessa se você estiver numa posição de autoridade, não interessa se você souber ensinar à pessoa criticada como fazer o certo, não interessa se você puder consertar o problema (conserte sem criticar ninguém, ou não faça nada), não interessa se você tiver a solução para todos os problemas do mundo e os meios para implementá-la e souber exatamente que são os culpados e responsáveis. Nada disso interessa. Se você quiser fazer amigos e influenciar as pessoas, nunca critique ninguém. Nunca condene, nunca reclame, e nunca, nunca, nunca critique ninguém, por nenhum motivo, em nenhuma circunstância. [Talvez a essa altura o leitor que me conhece esteja se peguntando : Sergio, tem certeza de que você leu este livro? :-) ]

Existe toda uma coleção de motivos para ele dar esse conselho, e sem querer simplesmente atirar no mensageiro e descartar a relevância do que está sendo dito, eu diria que o que mais profundamente me irrita nesse conselho não é Dale Carnegie tê-lo enunciado, e sim o fato de que do ponto de vista estritamente pragmático existem excelentes motivos para ele dar esse conselho. Note-se, dizer que Maquiavel descreve estratégias moralmente questionabilíssimas para gerir um estado não é em si argumento para dizer que elas não funcionem (no sentido de atingir os objetivos propostos). Então se o conselho de Dale Carnegie causa extrema repulsa (e deveria, a meu ver) em pessoas com uma espinha dorsal moral (algo, admito, exageradamente raro), o problema não está exatamente com Dale Carnegie, porque ele não está delirando. O problema está com uma sociedade na qual existem fortíssimos motivos para isso ser oferecido como conselho.

Uma parte do problema é que a absoluta maioria das pessoas, apesar de todos os seus patéticos esforços para parecerem e convencerem como socialmente relevantes, é na verdade portadora de egos feitos de isopor pintado e chafurdam na mais infantil fragilidade emocional. Então se você as critica, ou aponta seus erros, imediatamente se desestruturam e têm reações aleatórias, entre as quais comumente e previsivelmente estarão atacá-lo usando recursos ao seu dispor. Então evidentemente já daí não é do seu interesse criticar ninguém.

Adicionalmente, do ponto de vista intelectual, a absoluta maioria das pessoas também navega na mais obscura confusão mental, e não tem qualquer critério minimamente coerente de verdade ou necessidade lógica. Nesse paradigma, qualquer um afirmar qualquer coisa é igualmente válido, e opiniões refletem apenas ideologias, sentimentos, preconceitos ou interesses e nada mais. Uma boa parte da humanidade efetivamente toma decisões dentro desse paradigma. Então evidentemente se você critica alguém, isso será percebido não como uma possível observação de um fato, os quais afinal de contas não existem, e sim como um ataque pessoal, movido por intenções desconhecidas mas especulativamente perversas.

Num nível um pouco mais sofisticado, existe adicionalmente a questão de que do ponto de vista moral a maioria absoluta das pessoas simplesmente nem sequer está lá. Ou melhor, para ser mais preciso – do ponto de vista ético, a maioria absoluta das pessoas nem sequer está lá. Do ponto de vista moral está lá até demais – para a quase totalidade das pessoas, importa imensamente o que os outros pensam, inclusive importa infinitamente mais – diria eu quase sempre exclusivamente – o que os outros vão pensar, e só isso. Já o que de fato é “certo” ou “errado” é menos do que irrelevante; não é sequer considerado como uma categoria. Entre os mais modernosos, pruridos de consciência chegam a ser explicitamente tratados como uma deficiência a ser expurgada em nome de mais perfeitamente verem atendidos seus interesses “práticos”.

Finalmente, existe um aspecto mais insidioso (bem, não sei se mais insidioso – certamente é particularmente decepcionante para mim) disso tudo que é o seguinte. Existem pessoas que olham pra isso tudo e com variável grau de intensidade são capazes de perceber que é o que está acontecendo, e sentem visceralmente que isso não é bom. O que elas fazem então, quase universalmente? Bem, decidem que pensar no assunto é doloroso demais e buscam polianicamente a todo custo não pensar nisso. Note, não é que busquem não se desanimar com isso, ou ter uma atitude construtiva diante disso. Buscam literalmente não pensar nisso.

E para isso, claro, não faltam argumentos  para se auto-enganar : Não vai adiantar nada. Nada pode ser feito. Deixe de ser chato, o que você está tentando provar. Para com isso. Não seja intolerante. A vida é assim mesmo. Etc, etc. Em outras palavras VAMOS TODOS COMBINAR NÃO PENSAR NO ASSUNTO. Vamos todos fingir que habitamos num mundo encantado diferente do real. Ninguém critica ninguém e ufa, todos podemos confortavelmente seguir razoavelmente em paz não fazendo nada sobre o que sabemos que está errado.

Só que a vida NÃO é “assim mesmo”. A vida é o que nós escolhemos fazer dela. Eu diria que a enorme, gigantesca pressão no sentido de “deixa disso” é em grande parte motivada não apenas pela pretensa defesa da “tolerância” ou “humildade”, mas sim (sombriamente) pelo muito menos nobre motivo de que quem é capaz de ver que tem tantas coisas erradas com o mundo se reconforta ENORMEMENTE no raciocínio de que nada pode ser feito sobre o assunto. E se nada pode ser feito, é aceitável respirar aliviado em sua complacência. Sendo esse o contexto quase universalmente vigente, não é surpreendente que quando alguém se mete a dizer que o imperador está nu, ou pior ainda, a DE FATO tomar uma atitude, isso seja profundamente incômodo, porque desmonta o argumento de que seja impossível / irreal / ineficaz fazer alguma coisa. E se torna ainda mais importante e urgente qualificar o imprudente desviante que se recusa a aderir ao tácito acordo de “vamos combinar que ninguém vai fazer nada e todos dormem tranqüilos” como ingênuo / delirante / maluco / impostor.

Sim, criticar os outros nem sempre é do nosso “interesse”. Aliás, muito freqüentemente não é. O meu ponto é que NEM SEMPRE FAZER O QUE É DO SEU “INTERESSE” É A COISA CERTA.

Alguns dos maiores líderes e maiores inspirações que temos ao longo da história da humanidade o foram justamente por serem grandes, enormes críticos, e foram considerados heróicos justamente por terem tido a coragem de continuar criticando diante de ameaças, e hostilidade, e de ondas maremóticas de “deixa disso”, e desconsiderando o que seria num escopo mais míope e egocêntrico “do seu interesse”. E grande parte das vezes eles pagaram por isso um preço enorme e se tornaram mártires no sentido mais literal da palavra de que terminaram sendo concretamente assassinados. São então retroativamente louvados e endeusados e elevados a irreal status sobre-humano, talvez em grande parte porque isso ajuda a coletividade a se libertar da responsabilidade de tomar ela mesmo uma atitude. Afinal de contas, você não é o Gandhi, né? E esse cara aí reclamando, por acaso acha que é? Como se Gandhi tivesse sido contratado para ser herói, como se ele tivesse ficado sentado esperando por instruções ou aprovação dos outros. Como se ele não fosse antes de tudo um ser humano imperfeito que se auto-escolheu para ser chatíssimo e reclamão e não se calar diante do que percebia como errado.

Gostaria de terminar dizendo – inclusive tendo em mente este último exemplo – que por termos opiniões forte não precisamos nos tornar fanáticos e querer mandar todo mundo para a fogueira, para a cadeia ou para o inferno, nem eu – que fique claríssimo – estou defendendo isso. Mas não ter opinião sobre nada e dizer que tudo é relativo e eu não me comprometo com qualquer julgamento é simplesmente covarde. É um grande, enorme alívio conversar com quem é capaz de assumir posições claras e firmes quando lhe parecem justificadas, e que tenha a decência de se indignar com injustiças e perfídias quando as encontram, ao invés de cinicamente exclamar “ah, é assim mesmo”, ou convenientemente desresponder “quem sou eu para falar qualquer coisa” ou alienadamente conceder “talvez isso seja revolvante, mas essa conclusão é muito desagradável, então eu escolho enfiar os dedos nos ouvidos e gritar LA LA LA LA”.

Pena que tais pessoas sejam tão raras.

Honra e Dignidade

May 8th, 2010 by Sergio de Biasi

Algumas pessoas por vezes colocam a questão de como foi possível a Alemanha nazista ocorrer, como foi possível milhões de pessoas simultaneamente ingressarem num empreendimento conjunto de tal perversidade.

Quando eu vejo as pessoas enunciando essa pergunta, na maior parte das vezes eu fico somente irritado, e penso : a resposta é absolutamente óbvia. O motivo é que quase na totalidade das vezes, pessoas como você, que está enunciando esta pergunta, não fariam ABSOLUTAMENTE NADA sobre o assunto se estivessem na Alemanha nazista. É muito fácil *falar* sobre o assunto. Difícil é fazer a coisa certa quando isso pode ir contra os seus interesses. Se você fosse um policial e te mandassem capturar uns judeus para serem mandados para Auschwitz, você diria “não, isso vai contra a minha consciência”? Você pediria demissão do seu emprego? Você faria QUALQUER coisa? Duvido muito, muitíssimo.

Note, eu não estou dizendo que você não DEVERIA fazer nada.

Também não estou aqui dizendo que seria compreensível, justificável, muito humano e aceitável e lindamente desculpável você não fazer nada e simplesmente ficar lá colaborando. Não, não estou dizendo isso. O que estou dizendo é que com altíssimas chances, se você for estatisticamente similar à maioria absoluta das pessoas, apesar de isso ser revoltante, e absurdo, e inaceitável, e de isso tornar você um instrumento do mal, e um canalha, você faria exatamente o que mandassem você fazer.

Claro, depois poderia dizer (caso questionado, não que estatisticamente a pessoa média se importe ou considere com qualquer honestidade  o significado moral das próprias ações) “mas eu estava fazendo igual a todo mundo” ou “eu estava apenas seguindo ordens” ou mesmo chorar lágrimas de crocodilo proclamando profundo arrependimento após o fato, mas evidentemente sem que isso signifique nem remotamente que dada situação similar no futuro você não agiria – agirá – exatamente do mesmo jeito.

Então vejamos, muito se discursa por aí sobre reformar o mundo adotando tal e qual sistema econômico / politico / ideológico / filosófico / religioso. Mas não existe sistema, não existe absolutamente nenhum sistema no mundo, que supere uma multidão de pessoas egoístas, egocêntricas e para quem o próprio umbigo é a única coisa que importa, é a única coisa com a qual são psicologicamente, existencialmente, paradigmaticamente capazes de se importarem. O problema mesmo não é com o sistema ser nazista, ou comunista, ou neonazicatólico. O problema é que quando se trata de se relacionar com pessoas reais ao invés de com pessoas imaginárias, quando se trata de efetivamente considerar o bem estar de pessoas concretas quando este conflita ou compete com o que você mesmo quer, a maioria absolutissima das pessoas não é capaz de se desviar nem milimetricamente do que é cômodo, conveniente e confortável.

Evidentemente que admitir isso abertamente não é uma boa estrategia; dificilmente se conseguirá a colaboração dos outros nesses termos. Nem mesmo Hitler foi aos palanque discursar com o tema “Alemãos! Vamos nos tornar uma nação de assassinos!”. Alias, seu sucesso se deve em grande parte justamente a este *não* ter sido o seu discurso. É preciso chegar com um sorriso e dizendo “eu venho em paz” antes de começar a falar que puxa quem sabe talvez seja uma ótima idéia perseguir homossexuais.

Não que querer preservar a si mesmo seja algo injustificado, vergonhoso ou constrangedor. Essa é a parte com a qual concordo com Ayn Rand. Eu reconheço em todo ser humano a prerrogativa de legitimamente querer preservar sua própria integridade física, emocional, psicológica, moral, e de fazê-lo ostensiva e abertamente, sem pedir desculpas a ninguém.

Agora, em contrapartida – ou aliás, derivado diretamente disso – existe o reconhecimento de que os outros gozam de precisamente a mesma prerrogativa. Claro, podemos muito convenientemente dizer “Ah, isso não é problema meu, que o outro se defenda se puder”. Em outras palavras : “Por acaso sou o guarda do meu irmão?”. Essa é uma resposta completamente covarde, desonesta, hipócrita e vil.

Além disso, existe uma diferença enorme entre ser premido por circunstâncias insuperáveis nas quais não há realmente escolha… e simplesmente fazer o que é conveniente.

Infelizmente, esse parece ser o valor que norteia as (inexistentes) considerações morais da quase totalidade dos seres humanos quando se trata de tomar decisões reais que efetivamente afetam seus interesses. Algumas pessoas chegam a anunciá-lo abertamente, seja com todas as palavras, seja de forma um pouco mais críptica ao dizerem que “veja bem, o auto-interesse racional é a forma mais eficaz de promover o bem estar de todos blah blah blah”. Esse argumento, além de ser matematicamente, logicamente, objetivamente falso e falho (o auto-interesse racional facilmente leva a situações sub-ótimas de infelicidade geral e está longe de ser uma panacéa), é na maior parte das vezes simplesmente desonesto; é com freqüência demais só uma lenga-lenga para pseudo-justificar um comportamento egoísta e narcisista.

Não que os defensores de outras ideologias se saiam muito melhor; estejam eles discursando contra a opressão burguesa ou a favor da glória de deus, quando se trata de efetivamente considerar o seu papel efetivo na sociedade, o efeito que têm nas pessoas reais à sua volta, o resultado concreto de suas ações… o que de fato fazem com mecânica e previsível regularidade é o que é conveniente, confortável, cômodo para si mesmos. São quase universalmente absolutamente incapazes de abrir mão de uma infinitésima migalha do seu ego para enxergarem o outro quando o outro é de fato um ser humano concreto e real ao invés de uma multidão amorfa de seres humanos imaginários num mundo imaginário à qual estão fazendo uma enorme quantidade de bem imaginário.

Mas muitas vezes não se chega nem ao estágio de passar uma maquiagem ideológica nas barbaridades movidas pelo mais descarado egoísmo. Especialmente no cotidiano das ações já introjetadas como aceitáveis e comuns, honra e dignidade simplesmente não fazem parte da equação. Qualquer coisa é aceitável desde que não haja conseqüências. Deixar de fazer algo percebido como vantajoso para si mesmo por pruridos de consciência é em geral enxergado antes de mais nada como suspeito. Afinal de contas o ser humano médio não consegue realmente sequer conceber, dado seu próprio visceral, patológico, intransponível egosímo, que você *de fato* se importe com ele ou com os outros; então busca decriptar e decodificar seus “reais” motivos como algo mais  compreensivelmente (para ele) perverso e manipulativo.

Caso porém se cogite que você efetivamente talvez possivelmente esteja incompreensivelmente buscando promover o bem alheio, você será classificado em algum lugar entre maluco e ingênuo, e instado a parar imediatamente, tanto por quem por conveniência interessa o seu bem (afinal de contas você terá menos valor para eles se “desperdiçar” seus recursos ajudando os outros) quanto pelos seus pares (afinal de contas uma farsa é uma farsa e não vamos estragá-la mostrando o que faria alguém que *de fato* quisesse fazer as coisas direito).

Eu poderia até aceitar esse tipo de argumento vindo de quem supostamente está preocupado com meu bem estar como um objetivo em si se isso viesse acompanhado de outras ações que não consistissem apenas em me instar a parar de “desperdiçar” recursos que eu poderia estar empregando para beneficiá-los. Mas tais pessoas, também, demonstram espetacular consistência em não ter meu bem estar em mente quando isso não lhes traz algum benefício direto.

Então eu pergunto – onde estão as exceções? Onde estão as pessoas capazes de desenvolverem relações sólidas e generosas, relações baseadas em “vamos de fato cuidar uns dos outros”? Sejam onde estiverem, estão se escondendo espetacularmente bem.

Desconstruindo Adesivos

April 1st, 2010 by Sergio de Biasi

Adesivos observados na traseira de um carro em New Jersey
(Clique na imagem para ter acesso a uma versão maior)

Estava eu dirigindo quando observei no carro da frente a imagem reproduzida acima. Fiquei então pensando sobre se todos os adesivos teriam sido colados pela mesma pessoa ou se se trataria de uma amálgama de várias personalidades.

Particularmente constrastante me parecem os dois da coluna da esquerda. Aliás, uma análise semiótica do peixe com pernas em particular é especialmente interessante, mas acho que os leitores que concordam com isso são capazes de fazê-la eles mesmos. :-) A questão é : como que debaixo dele aparece então um adesivo com o texto “I Believe In Magic”? Entre as várias interpretações possíveis, podemos ter a que eu já mencionei : foram ali colocados por pessoas diferentes. Uma outra possível interpretação, porém, é que ele deva ser entendido no sentido metafórico; se foram colados pela mesma pessoa, me parece o mais provável.

Note-se na extrema direita a repetição de um adesivo com um texto que eu já tinha visto antes, gostado, e até mencionado aqui. De fato, a linha comum entre todos esses adesivos, exceto o da esquerda embaixo, parece ser a da defesa do pensamento crítico independente. Mas nesse caso, novamente, como interpretar o adesivo na extrema esquerda embaixo?

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Um comentário adicional : existe alguma forma decente de se referir em português a “bumper stickers”? “Adesivos” me parece genérico demais, “decalques” me parece coloquial de menos. Eu não consegui pensar em nada que me deixasse realmente satisfeito. Isso me levou a uma reflexão adicional : a desnecessidade de uma palavra para se referir a um certo conceito é provavelmente indicativa da (falta de) importância do conceito numa certa cultura; pensei então se bumper stickers são uma tradição americana muito mais do que uma tradição brasileira, e de fato me parece que são. O que isso significaria? Seria uma das causas disso que o americano médio faça questão de afirmar sua individualidade mais do que o brasileiro médio? Isso em si dá todo um outro tema. Eu diria que de fato muitos americanos parecem fazer questão absoluta de esfregar sua individualidade na cara dos outros, mesmo quando não estão se defendendo de nenhuma ameaça externa. Os americanos muitas vezes parecem passar do ponto em que se sentem confortáveis em terem uma personalidade para ingressar numa região em que a ostentam quase agressivamente.

Gays de Direita

March 27th, 2010 by Sergio de Biasi

Esta semana a seguinte questão me foi proposta por James Cimino, da Folha de São Paulo (estas não são as palavras exatas dele, estou parafraseando) : considerando que certos valores tradicionais como família, casamento, religião, monogamia, etc estão em geral associados a movimentos políticos conservadores de direita, os quais classicamente e com freqüência também se caracterizam por variados graus de desaprovação ou mesmo hostilidade ao homossexualismo, como entender, como contextualizar, como interpretar a existência e o crescimento de alguns movimentos modernos de gays que adotam precisamente esses valores e que por vezes se classificam explicitamente como “de direita” ?

Esse tipo de movimento já existe nos EUA há algum tempo, mas no Brasil (pelo menos até onde eu saiba) é algo mais ou menos recente. Fui então examinar alguns sites como o Gays de Direita e o Q-Libertários e rapidamente encontrei neles levantadas questões que desviam de forma bastante interessante das mais estereotipicamente associadas a movimentos gays. Por exemplo, no Gays de Direita são defendidas (entre outras) as seguintes posicões :

  • Questionamento da caracterizacão do perfil do comportamento homofóbico no Brasil como descrito por uma parte dos movimentos gays. Observação de que se examinamos por exemplo mais detidamente os casos de assassinato de homossexuais listados por ONGs como manifestação violenta de homofobia, verificamos que muitos foram cometidos por outros homossexuais. Não seria o caso de rever a metodologia dos levantamentos que buscam documentar homofobia? (Note : o site positivamente e abundantemente não questiona que tal manifestação violenta efetivamente exista, e aliás pelo contrário, prega revolucionariamente uma resistência proativa e independente ao invés de passiva e paternalista contra ela.)
  • Questionamento da conveniência de políticas e programas sociais para “conscientizar” a populacão sobre homossexualismo em sociedades relativamente seguras para os homossexuais. Observação de que diversos movimentos gays ao redor do mundo parecem concentrar seus esforços muito mais na direção de buscar “criminalizar a homofobia” em países onde ela absolutamente não é uma politica oficial do que em se esforçar para combater de forma eficaz a homofobia oficial em países onde ela de fato o é.
  • Questionamento de que seja automaticamente absurdo ou homofóbico que as forças armadas considerem inadequado admitirem indivíduos de comportamento estereotipicamente homossexual para posições de comando e combate.
  • Questionamento de que haja incompatibilidade intrínsenca entre ser cristão e ser gay.
  • Como já citado acima, questionamento de uma politica passiva e paternalista de defesa da integridade física dos gays.

Agora, notemos : alguns desses pontos já foram e são levantados por organizações políticas “de direita” muito pouco simpáticas aos movimentos gays. A novidade está em eles serem levantado por movimentos gays. Existiria alguma contradição nisso?

Bem, comecemos por observar que a rigor existem motivos mais ou menos óbvios para gays se identificarem com certos aspectos do movimento liberal em geral e libertário em particular. Afinal, uma grande parte do sentido politico dos movimentos gays está em ver asseguradas certas liberdades pessoais e certos direitos civis fundamentais. Infelizmente, tem sido uma tendência (que eu regularmente critico) entre muitos libertários contemporâneos concentrarem excessivamente (por vezes quase dogmaticamente) suas preocupações e arcabouço filosófico em liberdades econômicas. É para mim uma distorção que libertarianismo de um lado e liberalismo econômico clássico do outro tenham se tornado quase sinônimos aos olhos de grande parte da percepção pública e muitas vezes até mesmo entre seus próprios proponentes. Essa forte tendência, equivocada que seja, é porém muito real, e acabou criando a situação de fato de que os defensores de liberdades econômicas, tradicionalmente associados à “direita”, vezes demais pouco ou nada fazem para defender certas liberdades civis em outras esferas, e muito pelo contrário, freqüentemente buscam mesmo cerceá-las.

Isso porém é, para mim, como já coloquei, uma distorção, e seria muito natural e desejável que um movimento verdadeiramente libertário abraçasse junto com a causa da liberdade econômica e de certas garantias fundamentais ao direito de propriedade uma postura mais ampla de defesa de outros tipos de liberdade individual que (a meu ver) absolutamente não podem ser resumidas ou condensadas à esfera das relações econômicas. Então sob este aspecto eu vejo a aparente contradição entre ser gay e ser de direita como na verdade circunstancialmente criada por uma necessidade inconscientemente auto-imposta de classificar movimentos politicos segundo categorias preestabelecidas que são imensamente mais arbitrárias do que normalmente estamos dispostos a conceder. Mas dentro de uma postura libertária que parta de primeiros princípios, me parece absolutamente coerente um movimento que lute simultaneamente por uma diversidade de direitos individuais que englobe simultaneamente a liberdade econômica e a liberdade de identidade sexual. Então, em resumo, certamente não vejo nada de intrinsecamente problemático no conceito de “gays de direta” se por “direita” entendermos a direção política genérica de defender a primazia de certos direitos individuais, em particular liberdades econômicas, e em especial em oposição a ideologias e posições políticas mais coletivizantes.

Inclusive, ao refletir sobre a questão, me pareceu cada vez mais que o verdadeiro e mais interessante conflito aqui ilustrado não está entre gays versus direita, e sim mais amplamente entre grupos que se percebem como oprimidos e aqueles que percebem como sendo seus opressores. Existe uma tendência de chamar tais grupos de “minorias”, mas eu considero esse termo altamente equivocado e problemático; nem toda minoria é oprimida (consideremos os ricos) e nem todos os grupos que em certos contextos se percebem como oprimidos podem ser razoavelmente chamados de minoria (consideremos os pobres). Aliás, mais amplamente, os grupos que se percebem como oprimidos não apenas não precisam necessariamente ser numericamente uma minoria, também não precisam estar em desvantagem econômica, intelectual ou por nenhum outra medida particular. O que eles têm em comum é a percepção que de alguma forma estão sendo injustamente “excluídos” como grupo de algum tipo de privilégio ou direito, de que estão sendo alvo de algum tipo de opressão discriminatória.

Existe uma enorme coleção de motivos pelos quais um grupo pode vir a se encontrar nessa posição, mas vou me concentrar aqui nos diferentes tipos de reação. E vou começar por fazer uma observação altamente politicamente incorreta, que se aplica ainda mais fortemente aos casos em que a opressão é real (como freqüentemente é) ao invés de imaginada : Oppresed people suck. Diante da opressão, uma reação indigna e despersonificamente mas absolutamente compreensível e comum é a mais completa submissão e servilismo. Isso pode se dar por puro pragmatismo, mas bem mais problemático do ponto de vista psicológico é conseguir resistir ao raciocínio de que “se eu estou sendo oprimido, eu devo ser mesmo uma droga”. Não devemos porém ignorar que complementar a esse, e um pouco mais sutil em sua indesejabilidade, mas também extremamente danoso, é o raciocínio “se eu estou sendo oprimido, tudo em meus opressores é uma droga”. Ambas são armadilhas conceituais das quais pode ser muito difícil se desapegar. O resultado é que é muito raro um grupo oprimido que ingresse num processo de auto-afirmação conseguir se libertar de uma retórica reativa na qual ironicamente se autodefina em relação ao grupo enxergado como opressor ao invés de como portador de uma identidade legitimamente distinta. É muito difícil remover de si mesmo o câncer da identidade de “vítima”.

Porém, observe-se que exceto nos casos patológicos em que se possa seriamente argumentar que ser alvo de vitimização tenha sido uma posição ativamente buscada, não sou eu que me escolho fazer vítima; é o meu opressor. Ser vítima é algo que sou circunstancialmente; ser opressor é uma livre escolha. Então essa relaçao é muito mais intrinsecamente parte da identidade do opressor do que da minha. É muito, muito difícil atingir individualmente esse grau de segurança porém, e se libertar do opressor como definidor da essência de quem eu sou. Mas sem fazê-lo, introjetamos a opressão e a tornamos parte de nossa própria identidade; ela deixa de necessitar do opressor para fazer parte da nossa psique. Um grupo (ou indivíduo) que queira verdadeiramente se libertar de sua condição de oprimido precisa portanto lutar não apenas contra as fontes e causas objetivas de opressão, mas tambem se libertar de sua identidade de vítima. Precisa se sentir confortável com suas idiosincrasias e com o fato de que possivelmente tenha concretamente uma identidade distinta e *independente* da do grupo percebido como opressor (onde independente não precisa significar nem idêntica e nem oposta).

Infelizmente, alguns grupos que se percebem como oprimidos correm, em busca de auto-afirmação reacionária, a cega e automaticamente rejeitar todo e qualquer valor ou característica do grupo enxergado como opressor. Meus opressores ouvem a essa tipo de música? Vou me recusar a fazê-lo. Vestem certo tipo de roupa? Idem. Seguem certo tipo de religião? Idem. Exemplos disso não são difíceis de instanciar.

Complementarmente, outros grupos que se percebem como oprimidos correm a fazer o exato oposto, e em busca de auto-afirmação, digamos, usurpatória, passam a cega e automaticamente adotar todo e qualquer valor e característica do grupo enxergado como opressor. Ignorando suas próprias especificidades, suas próprias necessidades e suas próprias aspirações, e muitas vezes agindo contrariamente a elas, buscam reagir à opressão emulando a identidade do grupo percebido como opressor. Meus opressores são insensíveis e violentos? Então eu também serei. Agem de forma egoísta e narcisista? Então farei o mesmo. Colocam o sucesso profissional acima de considerações emocionais? Vamos lá. Exemplos desse tipo também não são difíceis de instanciar.

O resultado é que tais grupos continuam se definindo em termos de seus opressores, passando então tragicamente a oprimirem a si mesmos ao tomarem para si a tarefa de ativamente negarem sua própria e legítima identidade.

Me parece portanto extremamente saudável que os movimentos gays ou quaisquer outros movimentos de grupos que se percebam como oprimidos caminhem na direção de eliminar a condição de “vítimas” como fundadora de sua identidade, por mais que isso possa ser psicologicamente difícil (ou politicamente inconveniente), e que ao invés disso consigam eles mesmos elaborarem e perceberem como legítimas e perfeitamente aceitáveis suas próprias características, pensem os outros o que quiserem. Claro, resta então a luta para serem deixados em paz para assumirem pacificamente essa sua identidade, mas a identidade em si mesma não deve ser reativa, e não deve ter a percepção da sua legitimidade baseada na aprovação dos opressores. Libertar-se internamente da necessidade de buscar aprovação dos opressores como pré-condição para se sentir confortável com sua própria identidade é um passo absolutamente gigantesco. Perto dele, libertar-se da opressão objetiva é quase comparativamente fácil.

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Um comentário final. É mais ou menos fácil (ou deveria ser) enxergar a absurdidade de países como a Uganda que *hoje* consideram leis impondo nada menos que pena de morte para homossexuais. E pelo menos aqui deste lado do Atlântico, soa muito bizarro que em sociedades inteiras o sexo fora do casamento seja punido da mesma forma. Gostaria porém de convidar o leitor a voltar o foco do seu julgamento crítico para algo muito mais difícil de avaliar objetivamente : nós mesmos. O fato é que apesar de todos os progressos e pretensa modernidade de que usufruimos nas sociedades ocidentais atuais, não apenas homossexualidade mas sexo em geral ainda é algo extensamente regulamentado, regulado, reprimido, perseguido, censurado, escondido. Existe ainda toda uma infinidade inclusive de *leis* alucinadas e profundamente opressivas regulando comportamento sexual em sociedades que em princípio encaramos como “modernas” e “livres”. A intensidade e extensão desse controle são enormemente subestimadas e subpercebidas como conseqüência auto-reforçante da artificial limitação de experiências a que estamos sujeitos em decorrência de sua própria existência.

Onde Os Hidrantes Têm Antenas

March 1st, 2010 by Sergio de Biasi

Hidrante com antena

Uma das coisas que notei ao me mudar para cá, apesar de prosaica, foi crescendo na periferia da minha consciência como incômoda pelo sua inexplicabilidade. Estou falando do fato de que aqui os hidrantes têm antenas.

Ok, pode ser que no final das contas nem seja tão inexplicável assim, mas a questão é que eu nunca tinha visto hidrantes com antenas antes, e embora eu já tenha desenvolvido várias teorias sobre o assunto, o fato é que eu não sei com segurança para que servem.

Naturalmente um dos primeiros pensamentos que surge é que sejam realmente antenas no sentido mais tecnológico, que sirvam para receber e/ou transmitir algum tipo de informação. Divertida que seja essa idéia, isso não parece nem um pouco provável.

A segunda hipótese genérica é que sirva para tornar os hidrantes mais fáceis de achar / localizar / ver. Mas como é que alguém não veria um hidrante? Não é como se fosse algo discreto para começar. Então eu fiquei pensando sobre situações em que isso seria útil. Meu primeiro pensamento foi o de carros estacionados na frente do hidrante e tornando ele pouco visível, mas isso não apenas é ilegal como a antena não ajudaria tanto assim. Então eu pensei que talvez fosse para evitar colisões com o hidrante estacionando o carro. Afinal, especialmente com as SUVs americanas, objetos baixos não são visíveis a curta distância. Mas isso também não me pareceu muito razoáve; o hidrante fica na calçada e não no meio-fio.

Outro hidrante com antena

Minha hipótese atual veio com as recentes tempestades de neve. Talvez a antena seja para o caso de se o hidrante ficar completamente soterrado (algo não improvável numa nevasca) você continuar conseguindo encontrá-lo através da antena. Não sei se é esse o real motivo, mas foi a melhor hipótese que conseguir bolar até agora.

Seja como for, no processo de tentar achar uma resposta acabei achando este site aqui dedicado a fotos de hidrantes. O qual, aliás, com data de 22 de janeiro de 2006 mostra um hidrante com antena em Illinois, a qual parece provocar surpresa também em quem ali postou a foto.

Prioridades Libertárias No Brasil

February 20th, 2010 by Sergio de Biasi

Recentemente o Pedro escreveu um texto comentando que falta ao movimento liberal no Brasil escolher algumas causas concretas, alguns ítens de ação política objetiva em torno do qual o movimento possa se organizar mais efetivamente e ter algum impacto na sociedade que vá além do (constrangedor não-impacto) produzido por websites, palestras e publicações.

Até aí, eu concordo completamente e entusiasticamente. É preciso começar a falar de propostas concretas ao invés de abstratas sobre como agir, e é preciso persegui-las no mundo real, e não somente no mundo abstrato do debate retórico. Ficar fazendo lobby de ideais genéricos sem defender propostas objetivas e concretas para o Brasil hoje gera como principal resultado um (não muito grande) grupo de pessoas dizendo umas pras outras “é isso mesmo!” e celebrando fraternalmente a sua irrelevância enquanto tudo prossegue exatamente como antes.

Ao invés disso, ou em adição a isso, é preciso fundar partidos, é preciso ocupar cargos públicos, e preciso escrever leis e lutar para que sejam aprovadas, enfim, é preciso de fato fazer alguma coisa que tenha alguma chance de mudar alguma coisa. Não que isso seja fácil ou agradável; falar em ocupar cargos públicos é como dizer que alguém tem que ir lá na fossa desentupir o esgoto. Mas o sistema não vai se consertar sozinho, e ficarmos *todos* sentados olhando e concordando que alguém deveria fazer alguma coisa não vai resolver nada. Alguém tem que se dispor a ir lá de fato concretamente fazer alguma coisa, e essas pessoas, pensem bem, terão que vir do nosso meio, terão que ser pessoas entre nós mesmos, e não inexistentes pessoas míticas que tocadas pela nossa retórica resolverão tomar uma atitude.

Em seu texto, Pedro fala em “movimento liberal”, mas acho que isso se aplica ainda mais fortemente ao incipiente movimento libertário no Brasil (o qual aliás me interessa bem mais do que o movimento liberal), ao qual ainda mais fortemente faltam bandeiras e planos concretos em torno dos quais sedimentar o movimento e nos quais focalizar os esforços.

Então vejamos quais são, resumidamente, os três ítens que Pedro elege para colocar como possíveis boas escolhas de ítens prioritários numa agenda concebida para se afastar de uma situação “em que a defesa do liberalismo não passa de um passatempo burguês relativamente inconseqüente” :

  • A instituição obrigatória da discriminação entre preço e imposto em todas as notas fiscais, em todas as instâncias.
  • A abolição de toda e qualquer propaganda estatal, inclusive de empresas estatais.
  • Uma emenda constitucional que fale, à americana, em probable cause

Para em seguida se por a esclarecer que “Aristóteles explica na Retórica que o entimema é o mais poderoso recurso persuasivo.” E depois não entende por que “posturas liberais não encontram mais interesse no Brasil”.

Pois esse é exatamente um dos motivos por que o projeto libertário falha repetidamente em despertar maior interesse. Porque aqueles que no Brasil mais fortemente podemos identificar como expoentes do pensamento liberal / libertário vezes demais produzem propostas como essas, de ficar listando preços em notas fiscais e então se põem a falar de Aristóteles. Não é surpreendente que diante disso o sujeito ali da esquina resolva votar no Lula.  Listar imposto na nota fiscal? Isso sim é ficar no mundo das idéias bonitinhas sem qualquer conseqüência prática. As verdadeiras batalhas, que valem a pena, não estão sendo lutadas, pelo menos não pelos que pretensamente representam o pensamento libertário.

Então sim, eu concordo que é preciso ter propostas práticas, mas isso de tornar obrigatório listar o imposto na nota fiscal é precisamente um exemplo de medida retórico-tecnocrática com apelo popular inexistente e impacto prático provavelmente zero. Além disso, mutíssimo ironicamente implica em custos operacionais para ser implementada e resulta em ainda mais regulamentação sobre como alguém deve emitir uma nota fiscal. Note-se, sempre que se cria a obrigatoriedade de as coisas serem feitas de um certo jeito por mandado estatal, existe o implícito “senão nós vamos aí te pegar”. Não que talvez não pudesse em tese haver um certo aumento do grau de conscientização geral sobre a carga tributária com a adoção dessa medida, mas como bandeira e causa prioritária de um movimento liberal / libertário? Isso tem absolutamente todas as características do “passatempo burguês relativamente inconseqüente” que Pedro caracteriza como preâmbulo para propor causas mais concretas, relevantes e que tenham – como ele muito corretamente coloca – alguma chance de mobilizar a platéia.

Agora, imagine você, como porta-voz de um partido liberal / libertário, colocado num debate público junto a outros movimentos políticos. Pede-se então ao representante do PV que coloque uma das causas caras e centrais ao seu partido e ele responde “acabar com a criminalização  da maconha“. Pede-se ao sujeito do PSTU que faça o mesmo e ele diz “estatizar todos os bancos“. Pede-se então o sujeito do PSDB e ele diz “implementar o parlamentarismo“. São todas propostas de grande relevância, com sérias conseqüências, que esses partidos efetivamente defendem de forma muito concreta na esfera da ação política e que definem parte de uma identidade forte e clara. Evidentemente nenhum desses objetivos será magicamente atingido amanhã, ou talvez nunca, mas são propostas concretas para um determinado futuro para o Brasil, e quem se identificar com essa direção genérica certamente entenderá que na impossibilidade prática  de mudar tudo do dia pra noite os partidos defenderão então medidas parciais e intermediárias visando chegar no objetivo proposto. Bem, então pergunta-se o mesmo a você… e você responde “obrigar que todas as notas fiscais discriminem o imposto”? Essa é uma medida simultaneamente de pouquíssimas conseqüências práticas diretas, que em si mesma não muda absolutamente nada, não diz quase nada sobre sua identidade (ou melhor, diz todas as coisas erradas sobre ela) e adicionalmente com apelo popular zero.

A segunda proposta também apresenta sérios problemas. Seu maior mérito, percebido pelo Diogo mas aparentemente não percebido pelo próprio Pedro, não tem absolutamente nada a ver com prevenir falcatruas. Tem sim a ver com o fato de que a propaganda estatal conflita *diretamente* com o livre exercício da liberdade de expressão. Esse é mais um clássico exemplo de cripto-totalitarismo, de uma forma similar (como apontado pelo Diogo) à concessão de subsídios. Ora, como é que o governo impede a *mim* de falar dando dinheiro para veículos de comunicação aleatórios? Pois então observe para começar que o governo é atualmente um dos maiores anunciantes no mercado. As redes de televisão aberta, os jornais, as rádios, as revistas – todos vivem primordialmente da receita de anúncios. Você acha *mesmo* que isso não influencia quais tipos de conteúdo os veículos de comunicação estarão dispostos, ou mesmo capacitados, a veicular?

Porém, importante que o ponto da propaganda estatal seja, o Pedro aplica a ele a lógica binária das soluções mágicas : “Vamos proibir tudo”. Ora bolas, isso significa então que o governo não pode divulgar datas de campanhas de vacinação? Ou datas de eleições? Ou informar o público sobre mudanças importantes na legislação? Aliás, nem sequer é verdade a premissa básica do ponto do Pedro, que “governo não concorre”. O sistema de metrô, sob administração estatal que esteja num certo lugar, certamente concorre com outros meios de transporte de massa, como ônibus, que estarão possivelmente sob administração privada. A Petrobrás, como franquia de postos de gasolina, certamente concorre com as outras. E pode certamente ser a decisão perfeitamente ótima e estratégica, financeira – e até logisticamente! – correta anunciar esses serviços, sem haver qualquer falcatrua ou desperdício ocorrendo, aliás muito pelo contrário, pode ser precisamente a forma de administrar tais empreendimentos que gere mais retorno financeiro e portanto menos use recursos públicos do contribuinte no final das contas. Claro, pode-se questionar se o governo deveria estar administrando certas coisas para começar, mas esta é outra questão completamente separada.

Agora, evidentemente que o abuso da propaganda estatal no Brasil atingiu as raias do surreal, mas o que é preciso fazer é regulamentar o que é e o que não é uso aceitável dessa propaganda. Instâncias de deslavada autopromoção política produzida e veiculada com o dinheiro público para divulgar “realizações” de certas administrações são ridiculamente injustificáveis, assim como o são campanhas de lavagem cerebral aleatória para promover causas ideológicas caras à administração corrente. Mas “vamos proibir tudo” é uma solução não só fora da realidade como indesejável. (Aliás, mais genericamente, “vamos proibir tudo” raramente é uma solução desejável; até para matar pessoas tem exceções importantíssimas. É muito frustrante que os liberais / libertários ao quererem se opor aos radicalismos maniqueístas dos esquerdofrênicos freqüentemente o façam adotando a mesma visão distopicamente bipolar, apenas com sinal trocado.)

Finalmente, tem a terceira proposta. E aí, mais uma vez, eu concordo com o Diogo. O problema aqui não é realmente com a constituição ou com as leis. Inclusive de forma genérica a nossa constituição, na seção de direitos individuais, já dá considerável respaldo para leis e regulamentos mais específicos nesse sentido, se acharmos importante lutar por eles. O que uma emenda constitucional acrescentaria a isso? Aliás, não que a constituição brasileira precise *crescer* mais ainda; eu acho que quaisquer propostas de emenda constitucional no Brasil coerentes com a proposta liberal / libertária provavelmente deveriam ser na direcao de *eliminar*, não de acrescentar. Mas voltando à questão de “probable cause” : o problema atual da relação da polícia com a sociedade não deriva primordialmente da inadequação do aparato jurídico e sim com a completa falência das instituições, uma falência que tem como uma de suas maiores causas a insana e altamente lucrativa criminalização da produção, distribuição, venda e uso de drogas. Se você quer melhorar a relação da polícia com a sociedade, que tal começar não colocando tanto a polícia quanto a sociedade na insustentável posição de que a maior parte das pessoas é forçada pelo governo a financiar diretamente o crime organizado para poder exercer sua liberdade individual de escolha de fumar ou cheirar o que bem entender? Isso sim talvez fizesse alguma diferença.

O que nos leva já a uma proposta que essa sim, tem enormes conseqüências práticas, com ramificações imensas que muito transcendem a liberdade individual, é uma bandeira política concreta, clara e de grande interesse, relevância e apelo popular, e completamente consistente com os objetivos libertários : é preciso acabar com essa insanidade de proibir o uso recreativo de entorpecentes. Inclusive eu acho que por diversos motivos, não só ideológicos como práticos, o Brasil deveria lutar pela reversão dessas políticas também no foro internacional. Mas internamente, a ilegalidade das drogas é disparadamente um dos maiores fatores desestabilizantes das instituições, da segurança pública, e da normalidade civil. Este sim é um dos problemas que está destruindo o nosso pais e a nossa sociedade e se intrometendo em todas as áreas, possivelmente até mais do que alta carga tributária. No meu julgamento, a segurança pública fora de controle desempenha hoje no Brasil papel similar à que a hiperinflação ocupou nos anos pré-Plano Real.

Outra causa com menos apelo dramático mas absolutamente fundamental e com imensas conseqüências prática é agilizar e facilitar a abertura de empresas, assim como diminuir enormemente os encargos financeiros ou de outros tipos incidentes sobre elas. Abrir uma empresa deveria ser algo similar a abrir uma conta num banco. Qualquer um deveria poder fazer sem grandes complicações, e sem aberrações corporativistas na qual você pode ser forçado a listar ou mesmo contratar um administrador e um contador para ter permissão de operar uma banca de jornais. Mas novamente, e é aí que eu acho que está a maior força do texto do Pedro, é preciso ter propostas concretas e objetivas sobre como de fato então deverá ser o sistema, que leis precisam ser mudadas, lutar para efetivamente mudá-las, etc. Falar sobre isso genericamente e no campo das idéias lindas e parar por aí não resolve. Especialmente para quem está articulando partidos políticos, é preciso ter propostas explícitas e reais para defender.

E se formos falar realmente sério em termos libertários, precisamos em algum momento falar da questão da educação pública. Ela absolutamente, ostensivamente, exageradamente não pode ser administrada sob o império sufocante do MEC nos moldes em que é feito atualmente. O governo tinha que ter muito, mas MUITO menos influência e poder oficial sobre currículos obrigatórios, calendário escolar, livros texto e mais um monte de outros assuntos. Mas essas são causas extremamente complexas e que dificilmente se conseguirá algo revolucionário a curto ou médio prazo. Isso não quer dizer que não seja importante listar propostas *concretas* sobre o que eventualmente se pretende atingir nessa direção, tanto para saber onde estamos indo quanto para estabelecer uma identidade. E não quer dizer também que não se possa dar pequenos passos não tão revolucionários, como propor algum tipo de forma de certificaçao alternativa de que você está conseguindo como cidadão independente garantir que seus filhos estão atendendo aos ditamos da ementa mequiana para aqueles que não quiserem se submeter ao sistema mequiano de ensino.

Existem também muitas outras causas que fazem sentido num programa libertário, como o fim do voto obrigatório, mas que assim como a questão do alistamento militar, não constituem realmente um grande problema na prática, nem causarão nenhuma grande revolução social se adotadas. Então em princípio deveriam até estar na agenda, mas gastar excesso de esforço com elas seria mais uma escolha ideológica de sabedoria duvidosa

Seja como for, minha impressão é que continua inexistindo, vinda dos libertários mesmos, tanto uma base estratégica coerente e uma identidade forte quanto uma agenda de propostas políticas objetivas e relevantes pelas quais valha a pena concretamente lutar para avançar a causa libertária no Brasil.

For All Good Things Must Come To An End

February 17th, 2010 by Sergio de Biasi

Quem visitou hoje oindividuo.com talvez tenha sido tomado de surpresa. Eu já estava ciente, conversara com o Pedro sobre o assunto, e já fazia algum tempo que ele expressava insatisfação com diversos aspectos de “O Indivíduo”, desde o início pessoalmente traumático, passando por uma mitologia criada em torno do tema com a qual ele não se identifica nem quer ser compelido a encarnar, até uma evolução de idéias sobre o que significa e o que se pretende afirmar no final das contas com esse tal Indivíduo com artigo definido singular. Aliás, uma parte da mudança tem precisamente o propósito de deixar de vez para trás certas posicões. Mas evidentemente a melhor referência para explicar suas razões é o próprio Pedro.

Enfim, assim sendo, após uma longa história, salvo alguma grande reviravolta, parece justo dizer que pelo menos no momento O Indivíduo, como empreendimento colaborativo, cessou para efeitos práticos de existir, tendo sobrevivido através de diversas encarnações por 13 anos, de 1997 a 2010. Não posso deixar de pensar sobre um trecho do editorial no arqueológico Número Zero que anuncia :

“…nós queremos nos dirigir ao ser humano sozinho, de um para um. Porque é assim que as coisas são. Individuais.”

O que está ironicamente coerente com este eventual destino. O que não quer dizer que eu não apreciasse, e muito, a reunião de idéias divergentes no mesmo local. A tensão cognitiva resultante me parecia ser bem mais fértil do que conflituosa, e estimulava o exame das mesmas questões desde diferentes pontos de vista. E eu, pessoalmente, continuo essencialmente acreditando em certas idéias com as quais o Pedro de alguma forma não mais se identifica, e que me fazem ainda acreditar na propriedade do nome e do conceito por trás de uma franquia nomeada “O Indivíduo”. Tivesse eu mais tempo para escrever e divulgar certas idéias, mais entusiasticamente e cotidianamente o faria. Então aqui permaneço eu, pelo menos por agora, individualmente. E vejamos o que virá daqui pra diante.

Esta encarnação de O Indivíduo acabou. Atualizem seus feeds e bookmarks.

February 17th, 2010 by Sergio de Biasi

(Originalmente publicado em oindividuo.com em 17 de fevereiro de 2010 por Pedro Sette Câmara.)

Para ler os textos de Sergio de Biasi, visite www.oindividuo.org; feed: ../.././feed/.

Para ler os textos de Pedro Sette-Câmara, visite www.pedrosette.com; feed: http://feeds.feedburner.com/pedrosette.

Tinha pensado em simplesmente deixar um post com o endereço do meu blog e com o do Sergio, mas julguei que receberia muitos e-mails com perguntas; portanto, segue uma resposta oficial.

Hoje penso que não deveria ter ressuscitado O Indivíduo em 2004, após alguns meses sem atualizações. Eu mesmo já não me identificava com diversos assuntos e posturas do site antigo, e hoje isso atingiu um ponto insuportável. O mais importante, penso, é que, apesar de continuar crendo no individualismo cognitivo, isto é, que os atos de inteligência se dão na consciência individual, consigo enxergar em diversas atitudes antigas exatamente aquilo que mais venho denunciando: uma reação puramente mimética ao que se percebe como “a coletividade” mascarada de independência e autonomia, algo como “se todos atacam X, defenderei X”. Qualquer verdade pode ser capturada por essa atitude vingativa e ressentida, e, em vez de dar bons frutos, acaba alastrando um ímpeto destrutivo.

Assim, estou republicando uma seleção (ampla) de meus textos a partir de 2004 em meu blog pessoal. Como agora estou no Blogger, como parte do objetivo é desidentificar-me do passado, e como ainda outra parte é não me ocupar do gerenciamento de um hospedeiro, todos os textos do site antigo foram retirados do ar. Caso você tenha publicado algum texto na fase ancestral de O Indivíduo, posso procurá-lo no meu backup — mas de fato apenas fornecerei os textos a seus autores.

Esta página permanecerá no ar por um período indefinido, ao fim do qual o domínio www.oindividuo.com voltará para Sergio de Biasi, que o criou em 1997.

PSC, 17/02/2010

The Night Is Darkening Round Me

February 17th, 2010 by Sergio de Biasi

THE NIGHT IS DARKENING ROUND ME

The night is darkening round me,
The wild winds coldly blow ;
But a tyrant spell has bound me,
And I cannot, cannot go.

The giant trees are bending
Their bare boughs weighed with snow ;
The storm is fast descending,
And yet I cannot go.

Clouds beyond clouds above me,
Wastes beyond wastes below ;
But nothing drear can move me :
I will not, cannot go.

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Emily Brontë, 1837
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Emily Brönte publicou apenas um único livro, que se tornou um clássico da literatura. No ano seguinte, porém, morreu aos 30, de um resfriado que degenerou em turberculose contraído por atender, em frio intenso, ao funeral de seu irmão. (Bem) antes disso, porém, escreveu o poema acima, que é um dos meus favoritos, e que provavelmente resume muito sobre a minha personalidade.

A corrente instância de eu pensar de forma mais literal nesse poema começou porém com chegar em casa e encontrar este cartaz aqui pregado na porta do prédio :

Eu leio o cartaz, olho em volta, e apesar de frio, está tudo ainda normal. As pessoas andando pela rua, os carros circulando, nada de extraordinário acontecendo. E ao mesmo tempo, ali está o cartaz, anunciando que é só uma questão de tempo. Entro em casa e começo a receber emails. Um da administração da universidade anunciando o cancelamento de aulas nos próximos dois dias. Outros mudando prazos e cancelando eventos. Eu olho pela janela, e está tudo igual. Mas ao mesmo tempo nada está igual. It’s the quiet before the storm :

Idiom: Quiet before the Storm
When you know that something is about to go horribly wrong, but hasn’t just yet, then you are in the quiet before the storm.

Fui trabalhar no computador, e nada. Fui dormir, e nada. É surreal essa sensação. De que nada está diferente, e ao mesmo tempo tudo está diferente. Eu ainda estou aqui, tudo que me é familiar está aqui, e no entanto eu sei que existe algo prestes a acontecer, que existe uma contagem regressiva contando, e que em algum momento no futuro eu vou abrir a janela e nada mais será o mesmo.

Então no meio da madrugada, como posso descrever? O céu congelou e caiu na minha cabeça. Eu tentei tirar fotos, mas instantaneamente ficou óbvio que abrir a janela era, coloquemos assim, uma péssima idéia, como eu descobri no intervalo de 30 segundos entre eu ter a genial idéia de tirar fotos e fechar correndo a janela. Tirei fotos então no dia seguinte, quando estava “só” nevando e em condicões atmosféricas um pouco mais civilizadas e compatíveis com abrir a janela. Mesmo assim o buraco na parede onde se situa a minha janela estava completamente bloqueado pelo gelo, que eu tive que remover para poder ver qualquer coisa para começar.

É engraçado como são essas coisas, eu fui comentar sobre o assunto com um sujeito com quem estou trabalhando este semestre na universidade e ele começou a rir. Ele disse que isso não é nada. Ocorre que ele vem da Sibéria, e aparentemente por lá isso aí é brincadeira de criança. Segundo ele por lá existem casos em que para sair de casa você tem que cavar um túnel pois você abre a porta e dá de cara com uma parede de neve. E eu achando grandes coisas ter tido que literalmente desenterrar meu carro com uma pá para poder sair com ele.

The quiet before (or rather at the beginning of) the storm